I - O princípio “trabalho igual salário igual”, tem em vista, como decorrência do princípio da igualdade, a proibição do arbítrio, não resultando daí uma proibição em absoluto de toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem fundamento razoável ou justificação objetiva e racional. II - A diferenciação ocorrida resultante do diferente estatuto laboral, máxime, trabalhador vinculado por contrato de trabalho e trabalhador com relação jurídica de emprego público, tem fundamento razoável. III - O regime do D.L. nº 29/2019 de 20 de fevereiro, que procedeu a uma atualização da base remuneratória da administração pública, não é aplicável a todo o setor empresarial do Estado, mas apenas às “Entidades públicas empresariais”. IV - Deve entender-se para efeitos do nº 4 do artigo 3º deste decreto-lei, como “Entidades públicas empresariais”, referidas na al. b), n.º 1 do artigo 2.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, as entidades reguladas nos artigos 56º e 57º e 13º, 1, b) do D.L. nº 133/2013 de 3 de outubro.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães. O autor X - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra a ré Y - VALORIZAÇÃO E RESÍDUOS SÓLIDOS, SA., pedindo a sua condenação: a. A reconhecer o direito dos trabalhadores que representa a auferirem mensalmente, desde o dia 1 de janeiro de 2019, a retribuição base mensal no valor de € 635,07 e, no caso dos trabalhadores a tempo parcial, a retribuição base mensal calculada em termos proporcionais em função deste valor; b. A pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas através da presente sentença.*O autor alega que deve ser aplicada aos trabalhadores que foram admitidos ao serviço da ré com contrato de trabalho o mesmo regime retributivo dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, uma vez que a equiparação da situação remuneratória que foi introduzida pelo Dl. nº 29/2019 de 20 de fevereiro é aplicável a todas as entidades da administração pública ou do sector empresarial do Estado, no qual se inclui o sector empresarial local, como é o caso da ré. A ré contestou alegando que a equiparação da situação remuneratória que foi introduzida pelo DL. nº 29/2019 de 20 de fevereiro apenas é aplicável às entidades públicas empresariais e não tem esta natureza, porquanto é uma pessoa coletiva de direito privado. Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente. Inconformada a autora interpôs recurso invocando em síntese: - Violação do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual”. A diferente natureza do vínculo laboral justifica não legitima a diferença de retribuição paga a uns e outros trabalhadores, independentemente do trabalho pelos mesmos desenvolvido ser de igual natureza, qualidade e quantidade, e de as funções pelos mesmos exercidas serem de igual responsabilidade e exigência. - O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2, numa subsecção dedicada a “Igualdade e não discriminação” enuncia no artigo 23.º os conceitos mais relevantes: no n.º 1 al. a) define “discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável”; na al. b) “discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários”; na al. c) “trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade” e na al. d) “trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado. - Aplicabilidade do regime do decreto-lei 29/2019, de 20 de fevereiro. – Com a publicação deste Decreto, o legislador teve como intenção, precisamente, acabar com as situações de desigualdade geradas nas entidades públicas com trabalhadores contratados ao abrigo do Código do Trabalho. - Não julgou bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo ao ter entendido que o âmbito de aplicação o Decreto-Lei 29/2019, de 20 de fevereiro, não se estende a todo o sector empresarial público, designadamente às empresas públicas e empresas locais. Em contra-alegações sustenta-se a decisão. O Exmo. PGA sustentou a improcedência do recurso. Colhidos os vistos dos Ex.mas Srªs. Adjuntas há que conhecer do recurso. Factualidade: 1. Na presente ação, o autor representa os seguintes trabalhadores, os quais são seus associados: Nome – Categoria - Salário A. P. – Contínua - € 450,00 A. O. – Contínua - € 450,00 A. G. – Contínua - € 450,00 C. C. –Contínua - € 450,00 C. O. – Contínua -€ 450,00 D. P. – Operário - € 740,00 E. R.- Contínua - € 450,00 I. G. – Contínua - € 450,00 J. C. – Servente - € 600,00 J. N. – Servente - € 600,00 J. L. – Servente - € 600,00 L. M. - Servente - € 600,00 M. V. – Contínua - € 450,00 M. A. – Servente - € 600,00 M. F. – Servente - € 600,00 M. O. – Servente - € 600,00 Maria– Contínua - € 450,00 M. G. – Contínua -€ 450,00 O. M. – Contínua - € 450,00 O. P. – Contínua - € 450,00 R. M. – Contínua - € 450,00 T. C. – Contínua - € 450,00 A. O. – Contínua - € 450,00 B. O. – Contínua - € 450,00 J. B. – Servente - € 600,00 C. P. – contínua - € 450,00 A. Q. – Contínua - € 450,00 M. L. – Contínua - € 450,00 P. E. – Contínua - € 600,00 V. V. – Contínua - € 450,00 Maria F. – Contínua - € 450,00 T. R. – Contínua - € 450,00 F. B. – Contínua - € 450,00 L. T. - Contínua - € 450,00 E. L. – Contínua - € 450,00 J. S. – Contínua - € 450,00 MC. – Servente - € 600,00 A. F. – Servente - € 600,00 T. G. – Contínua - € 450,00 C. C. – Contínua - € 450,00 2. Estes trabalhadores foram admitidos como trabalhadores da ré por contrato de trabalho celebrado ao abrigo do Código do Trabalho; 3. Os contratos de trabalho destes trabalhadores mantêm-se em vigor; 4. As trabalhadoras com a categoria profissional de contínua trabalham a tempo parcial e praticam um horário de trinta horas semanais; 5. A retribuição base mensal destas trabalhadoras é calculada em termos proporcionais em função da retribuição no valor de € 600,00; 6. A ré foi constituída através do Dl. nº 117/96 de 6 de agosto, sob a forma de sociedade anónima, com capital maioritariamente público, subscrito pelos municípios de ......, tendo-lhe sido atribuída a concessão da exploração e gestão do sistema intermunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos do Baixo Cávado.***Conhecendo do recurso: Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente. Questões colocadas: - Violação do princípio constitucional trabalho igual salário igual. - Aplicabilidade do regime do nº 29/2019 de 20 de fevereiro.*A recorrente invoca violação do princípio da igualdade salarial para trabalho igual. O artigo 59º da CRP dispõe: (Direitos dos trabalhadores) 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a). À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna … No presente caso resulta que se pretende a aplicação do regime remuneratório aplicável na mesma “empregadora” aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público. Esta relação já teve o ensejo de apreciar situações como a dos autos. No acórdão 2423/16.4T8BRG de 7 de dezembro de 2017, não publicado defendeu-se: “O princípio “trabalho igual salário igual”, constitui a concretização nesta sede do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP. Este princípio veio a encontrar eco no CT de 2003 nos artigos 263 e 23, e no atual CT nos artigos 270 e 25º. O princípio e aqueles normativos fazem apelo a uma igualdade material, devendo tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual. O que se pretende é impedir o abuso, o arbítrio, proibindo diferenciações sem justificação razoável e objetiva. Proíbe-se a discriminação. Pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis. Proíbe-se se retribua de maneira diferente trabalhadores nas mesmas condições, que com as mesmas habilitações, prestem trabalho da mesma natureza, com a mesma qualidade, quantidade, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade. Refere Lobo Xavier, Curso e Direito do Trabalho, Verbo, pág. 401: “… A Constituição [art. 59.º, 1, a)] afirma o princípio de que «para trabalho igual salário igual», o que supõe que as mesmas quantidades e qualidades de trabalho da mesma natureza têm de ser retribuídas da mesma maneira, não devendo haver qualquer discriminação retributiva entre trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, rendimento e qualidade de execução, etc... É claro que este princípio de igualdade tem de ser mediatizado pela própria autonomia contratual e liberdade de empresa (que se referem também a princípios constitucionais) e por isso não poderemos considerar como violadores da Constituição certas formas retributivas que escapam aos critérios acima definidos (v. g., retribuições em função da antiguidade ou que contemplam situações pessoais, às vezes com alcance social apreciável) “. O que sobretudo parece interessar na fórmula constitucional é o princípio que dela decorre, contrário a discriminação ilícita (art. 59.º, 1, da Const.)”. Importa, pois, reter que o que se proíbe, como decorrência do princípio da igualdade, é a proibição do arbítrio, não resultando daí uma proibição em absoluto de toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem fundamento razoável ou justificação objetiva e racional. Vd. Ns o Ac. do T.C n.º 313/89, de 09.03.1989, disponível na net, site do TC, onde se refere: “ O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade — mas de uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam —, e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora (cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.). … O princípio «para trabalho igual salário igual» não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço. O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentaram em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias…” O que resulta do caso é a pretensão das recorrentes em verem aplicado o regime remuneratório aplicável na mesma unidade aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público. Importa, portanto, saber se este fundamento de distinção, relação jurídica de emprego público/contrato individual de trabalho, esta razão para a diferenciação constitui ou não fundamento material razoável, se constitui condição diferenciadora atendível. Importa previamente referir que a entidade gestora apenas pode contratar recorrente ao regime privado. Os trabalhadores com relação jurídica de emprego público recebeu-os ela da anterior gestora (gestão pública), ou admiti-los-á com essa relação mediante os mecanismos de mobilidade, porque já vinculados com referência à data da data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar, nos termos acordados no contrato de gestão, obrigando-se mediante este. … A manutenção de trabalhadores com relação jurídica de emprego público resulta desta obrigação contratual, a admissão de novos trabalhadores será sempre em moldes privados, pois que os vinculados por relação jurídica de emprego publico só mediante a utilização dos instrumentos de mobilidade podem vir a prestar serviço na ré, e apenas se á data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar já tinham esse vínculo. … Como resulta das cláusulas, os trabalhadores ao serviço da ré com relação jurídica de emprego público, são-no por força do acordado no contrato de gestão, visando-se garantir, como não podia deixar de ser, o estatuto de tais trabalhadores. A ré apenas pode contratar com recurso ao regime do código de trabalho, não podendo vincular o Estado mediante contratações ex novo em regime de emprego público, salvo, repita-se, relação já existente e nos termos previsto para a mobilidade. Resulta assim que a ré não atribuiu, de “motu próprio”, aos trabalhadores de referências condições superiores aos autores, antes se vê obrigada a garantir essas condições por força do contrato de gestão celebrado e por virtude, digamos, da irredutibilidade do “estatuto” daqueles. Aqueles trabalhadores, mais que do quadro da ré, pertencem aos “quadros de pessoal das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde”, podendo mudar de acordo com as regras da mobilidade. Exercem funções na ré por força do contrato de gestão, não perdendo o vínculo que possuem. A ré recebe o seu trabalho, mas a sua vinculação a esta é limitada ao necessário à prestação do trabalho. Note-se que a ré, detendo algum poder disciplinar, não tem o poder expulsivo, nem obrigações ao nível da reforma. Não é, pois, a ré que concede aqueles níveis remuneratórios ou outras particularidades do estatuto, designadamente relativos à carreira, antes reconhece porque contratualmente obrigada, aqueles níveis e demais consequências ao nível da relação, que resultam das normas fixadas pelo Estado para os seus trabalhadores no SNS com relação jurídica de emprego público. O critério diferenciador é objetivo e atendível. Ocorreu uma alteração de monta na estrutura de gestão, o que demandou necessariamente um reajustamento desta, designadamente ao nível da contratação, com repercussões várias, designadamente ao nível remuneratório. Ponto é que a ré ao contratar, e relativamente aos demais aspetos que dependem de atuação e iniciativa sua, e não estejam necessariamente determinados pelo estatuto dos trabalhadores com vínculo de emprego publico, não procede a descriminações. Limitar o parceiro privado, agora gestor, além do que a lei exige, a critérios anteriormente seguidos, não só limitaria a liberdade de empresa, como poderia volver-se contraproducente, inutilizando em parte os intentos do novo modelo. A interpretação dada pelos recorrentes implicaria a impossibilidade de mudança do paradigma, a menos que a nova gestora não assumisse nenhum dos contratos anteriormente em vigor. É que com esta interpretação estaria limitada a contratar mantendo nos novos contratos, o regime ou pelo menos os escalões e níveis remuneratórios que herdou e se comprometeu a respeitar contratualmente, por irredutibilidade daqueles estatutos – relações de emprego público-. Assim a contratação em moldes privados e com outros níveis remuneratórios e nestas circunstâncias (em que os trabalhadores de referência recebem mais apenas por forças da garantia do seu estatuto de “emprego publico”), não teve como critério qualquer circunstância que possa considerar-se discriminativa. Já se contratar com remunerações diversas o problema se porá, mas tal não vem invocado. ... Diferente é … o … tratado no Ac. STJ de 13/07/2005, processo nº 05S476, analisando o Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que estabelecia distinções remuneratórias consoante o pessoal se encontrasse vinculado aos serviços pelo regime da Função Pública ou do contrato de trabalho. É que resulta das disposições do EPSEMNE (D.L. 444/99) que os serviços externos do MNE “passaram a dispor, em conjunto, de dois quadros únicos: um de vinculação, no qual se integram (e integraram) o pessoal sujeito ao regime da função pública (ou que optaram por esse regime); outro de contratação, composto pelo pessoal com contrato individual de trabalho (artº 3º) ”, conforme refere o acórdão, sendo patente a “existência de um corpo estatutário comum, aplicável à generalidade dos trabalhadores dos serviços externos do MNE, independentemente da natureza jurídica da respetiva vinculação”. O princípio da equiparação salarial é aliás recolhido na norma do artigo 64º que se reporta aso pessoal de chefia técnico e administrativo com contrato individual de trabalho, e ainda no artigo 61º que refere que o sistema retributivo se estrutura em princípios de equidade. Diversa e algo semelhante à situação anterior é também a situação que resulta do Ac. RL de 4/6/2014, processo nº 3424/11.4TTLSB.L1-4 e STJ de 4/3/2015, processo nº 3424/11.4TTLSB.L1.S1, já que não ocorre ali qualquer alteração da entidade gestora nem do modelo e finalidades da entidade que gere, mas apenas uma alteração legal do regime jurídico do pessoal da Santa Casa – artigo 25º ss dos Estatutos da Santa Casa da ML (D.L. 322/91)…” Também no acórdão <a href="https://acordao.pt/decisoes/191814" target="_blank">6196/16.2T8GMR.G1</a>, disponível na net, se seguiu o mesmo entendimento. Certo que atualmente e para efeitos de atualização remuneratória a partir de 1/1/2019, relativamente às EPE há que atender ao disposto no artigo 3º, nº 4 do D.L. 29/2019, mas adiante se apreciará a aplicabilidade da norma ao caso dos autos.*Indo ao caso, a ré é uma empresa participada por vários municípios e por uma entidade pública de natureza empresarial, constituída pelo D.L. 117/96 de 8/6, na sequência do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, que definiu o regime jurídico da gestão e exploração de sistemas que tenham por objeto a recolha e tratamento de resíduos sólidos. De acordo com os estatutos juntos pela autora, anexo à ata 23, AG de 29/5/2009, o capital social está hoje integralmente repartido por municípios e uma empresa municipal em representação de um município. Nos termos do D.L. 379/93 a criação e a concessão de sistemas multimunicipais são objeto de decreto-lei (artº 3º, nº 2). O nº 1 do artigo 3º alude à exploração e gestão dos sistemas multimunicipais “em regime de concessão, a entidade pública de natureza empresarial ou a empresa que resulte da associação de entidades públicas, em posição obrigatoriamente maioritária no capital social, com entidades privadas”. A ré é uma sociedade anónima, constituída por decreto nos termos do D.L. 379/93, estando sujeita, conforme nº 2 do artigo 2 do decreto lei que a constituiu, ao regime resultante daquele diploma, da lei comercial e dos seus estatutos. Nos termos do artigo 30º do D.L. 260/76 (bases gerais das empresas públicas), então vigente, o estatuto do pessoal das empresas públicas baseava-se no regime do contrato individual de trabalho. Àquele diploma foram sucedendo o D.L. 558/99 de 17/12, que passa a distinguir as empresas constituídas nos termos da lei comercial das entidades públicas empresarias, e estabelece no artigo 16º que o estatuto do pessoal das empresas públicas é o regime do contrato individual de trabalho, e o atual D.L. 133/2013 estabelecendo o mesmo regime de pessoal, artigo 17º. Se a ré for considerada empresa local – já que ao que resulta dos estatutos juntos pela autora, atualmente, apenas tem como acionistas municípios e uma empresa municipal em representação de um município – artigo 4º do D.L. 133/2013 e 1º da L. 58/98 de 18 de agosto -, para os efeitos de que ora se trata o regime é o mesmo. Quanto ao estatuto do pessoal refere o D.L. 133/2013, artigo 28.º Estatuto do pessoal 1 - O estatuto do pessoal das empresas locais é o do regime do contrato de trabalho. 2 - A matéria relativa à contratação coletiva rege-se pela lei geral. E no artigo 29.º Pessoal com relação jurídica de emprego público O pessoal com relação jurídica de emprego público pode exercer funções nas empresas locais mediante acordo de cedência de interesse público, nos termos da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que «Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas», alterada pelas Leis nºs 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 34/2010, de 2 de setembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 31 de dezembro. Resulta das normas que a empresa, seja considerada empresa local ou não, dispõe apenas de uma forma de contratação, nos termos do código do trabalho. Relativamente a trabalhadores com relação jurídica de emprego público que aí trabalhem ao abrigo de acordo de cedência de interesse público, a ré não teve e relativamente a tais trabalhadores qualquer intervenção ao nível remuneratório, seja no contrato individual seja em contratação coletivo. Não é a ré que concede aqueles níveis remuneratórios ou outras particularidades do estatuto, designadamente relativos à carreira, antes reconhece porque legalmente obrigada a isso. Ocorre consequentemente fundamento de diferenciação. Note-se que na comparação entre trabalhadores, está em causa não apenas o nível remuneratório, mas todo o complexo normativo dos respetivos estatutos. O critério diferenciador é objetivo e atendível, e nem sequer se trata de diferenciação provocada pela ré, mas sim resultante de normas legais. Assim a contratação em moldes privados e com outros níveis remuneratórios, nestas circunstâncias em que os trabalhadores de referência recebem mais apenas por forças da garantia do seu estatuto de “emprego público”, não teve como critério qualquer circunstância que possa considerar-se discriminatória. O diferente estatuto laboral, a diferente natureza do vínculo contratual constitui fundamento objetivo e razoável para diferenciação salarial, se outras razões não ocorreram para essa diferenciação. O TC no ac. nº 131/2018 de 13/3 refere: “As comparações das posições relativas relevantes para aferir da (des)igualdade entre sujeitos ou categorias de sujeitos não devem assentar em aspetos parcelares dos respetivos regimes jurídicos - os quais, isoladamente considerados, facilmente revelarão diferenças ou singularidades, que não retratam necessariamente a globalidade de toda a posição jurídica a considerar -, mas antes na ponderação do conjunto de direitos e obrigações que entretecem as relações jurídicas em torno das quais se definem os objetos da comparação. Se assim não fosse, o legislador ficaria incompreensivelmente limitado a uma constante parificação formal, inadaptável às exigências de modelação que lhe são colocadas. Isto mesmo foi posto em evidência pelo Tribunal no Acórdão n.º 129/2013: “[O] legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade de conformação, dentro dos critérios de diferenciação atendíveis, que se acentua especialmente "em relação ao estatuto remuneratório das pessoas que exercem funções públicas" (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, anotação ao artigo 59.º, p. 1152). A aferição da conformidade com o princípio da igualdade não pode partir de uma comparação atomística de determinado aspeto específico de uma situação jurídica, a que se encontram subordinados certos trabalhadores, por contraposição com outros, sujeitos a regime diverso, antes envolvendo, também, a convocação das circunstâncias que fundamentam a diferenciação [...]. Referindo o diferente estatuto, no caso entre contratado por tempo indeterminado e contratado a prazo, o STJ de 27/1/2005, processo nº 04S3426. Relativamente a diferenciação decorrente de diferente filiação sindical, STJ de 20/1/2010, processo 2315/08.0TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, no sentido de que “a diferenciação salarial assente no princípio da filiação (…) e nos termos do qual as convenções coletivas de trabalho só obrigam, por um lado, os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias e, por outro lado, os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes, não constituindo, por isso, discriminação salarial a que resulte do facto de os trabalhadores da empresa não estarem abrangidos pela mesma convenção coletiva de trabalho, (…) salvo se a razão dessa diferenciação residir apenas no facto de o trabalhador, não beneficiado pelos aumentos em condições idênticas às desfrutadas por outros, não ser associado da organização sindical ou das organizações sindicais que outorgaram o acordo de empresa, ou no facto de ele não ser sindicalizado, cabendo, neste caso, ao trabalhador que se julga alvo de discriminação alegar e provar que o trabalho por si prestado é igual, em natureza, quantidade e qualidade, ao prestado pelos trabalhadores pertencentes à organização ou organizações sindicais que subscreveram a convenção coletiva cujas tabelas salariais pretende que lhe sejam aplicadas”, onde se refere jurisprudência sobre a questão. Improcede nesta parte o alegado.****Quanto à aplicabilidade do D.L. nº29/2019 de 20 de fevereiro. O diploma procedeu a uma atualização da base remuneratória da administração pública. No preâmbulo do diploma refere-se que, “de modo a não gerar desigualdade de tratamento entre trabalhadores que, no âmbito da Administração Pública, exercem funções com vínculos contratuais diferentes, o presente diploma aplica-se igualmente aos trabalhadores com contratos individuais de trabalho, abrangendo, assim, também aqueles que exercem funções nas entidades a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual.” A base remuneratória é colocada em 635,07 €, montante pecuniário do 4.º nível remuneratório da Tabela Remuneratória Única (TRU), aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro, conforme artigo 2º, nº 1. O nº 4 do artigo 3º refere: “O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável aos trabalhadores da Administração Pública com contrato de trabalho celebrado ao abrigo do Código do Trabalho que exercem funções nas entidades a que se refere o nº 1 do artigo 2º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual.” O referido artigo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, em anexo à L. 35/2014, refere: Exclusão do âmbito de aplicação 1 - A presente lei não é aplicável a: … b) Entidades públicas empresariais; … A recorrente defende a aplicação do regime à empresa ré, considerando-a empresa local, afirmando que a norma se estende a todo o setor empresarial do Estado, sendo que a forma de criação da entidade é para o efeito irrelevante. Refere que o Decreto-lei 133/2013, de 03 de outubro, inclui no setor empresarial as empresas locais e regionais, conforme disposto nos artigos 2º, nº 1 e 4º. Este diploma estabelece Regime Jurídico do Setor Público Empresarial. Dispõe o n.º 1 do artigo 2.º que “para efeitos do disposto no presente decreto-lei, o sector público empresarial abrange o sector empresarial do Estado e o sector empresarial local”. No artigo 4.º do mesmo diploma refere-se que “além do Estado, apenas dispõem de sectores empresariais próprios as Regiões Autónimas, os municípios, as associações de municípios (…)”. Não se questiona que a ré pertence ao setor público empresarial do Estado, no caso ao setor empresarial local, como a lei o designa. Questão diversa é saber qual o sentido “entidade pública empresarial” constante da al. b) do nº 1 do artigo 2º da L. 35/2014. Sustenta-se na decisão recorrida: Na parte que agora no interessa, este preceito refere-se às entidades públicas empresariais. Esta expressão corresponde a um conceito jurídico que tem um sentido preciso, tendo sido, necessariamente, com este sentido que foi utilizada. As entidades públicas empresariais são reguladas nos art. 56º e 57º do Dl. nº 133/2013 de 3 de outubro, os quais têm a seguinte redação: Artigo 56º Noção São entidades públicas empresariais as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para prossecução dos seus fins, as quais se regem pelas disposições do presente capítulo e, subsidiariamente, pelas restantes normas do presente decreto-lei. Artigo 57º Criação 1 - As entidades públicas empresariais são criadas por decreto-lei, o qual aprova também os respetivos estatutos. 2 - A denominação das entidades públicas empresariais deve integrar a expressão «entidade pública empresarial» ou as iniciais «E.P.E.». (...) As entidades públicas empresariais são uma modalidade de empresa pública que se caracteriza por serem criadas através de um diploma legal e terem uma designação específica. Trata-se de uma figura do sector empresarial do Estado, não existindo entidades públicas empresariais no sector empresarial local. Foi com este sentido que a referência às entidades públicas empresariais foi incluída na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, bastando atentar na proximidade temporal entre os dois diplomas. O Dl. nº133/2013 de 3 de outubro, que regula o sector empresarial do Estado e introduziu a definição em entidades públicas empresariais, é do ano de 2013. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas é do ano de 2014. É também com este sentido que a referência às entidades públicas empresariais na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas tem sido entendida pela doutrina. Neste sentido pode ver-se BRUNO GONÇALO FIDALGO MARTELO para quem 'as entidades públicas empresariais estão expressamente excluídas do âmbito de aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas'14. Da matéria de facto provada resulta que a ré foi constituída através do Dl. nº117/96 de 6 de agosto, sob a forma de sociedade anónima, com capital maioritariamente público, subscrito pelos municípios de ......, tendo-lhe sido atribuída a concessão da exploração e gestão do sistema intermunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos do Baixo Cávado. A ré não se integra na categoria das entidades públicas empresariais. Compete ao Estado e às entidades publicas escolher em cada situação concreta a modalidade que consideram mais adequada. A ré foi criada através de decreto-lei, mas adotou a forma de uma sociedade anónima, que é uma sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial. Trata-se, assim, de uma empresa pública ou uma empresa local, consoante se atribua maior relevância à circunstância de beneficiar de uma concessão ou ter dimensão local…” A lei 35/2014 é posterior ao D.L. nº 133/2013, e no aludido normativo (artigo 2º, nº 1), utilizou a referência “Entidades Públicas Empresariais”, que é utilizada com um sentido preciso no diploma que regula o setor público empresarial, o D.L. 133/2013, e já antes no D.L. 558/99 de 17/12. Se pretendesse outro sentido, mais alargado, poderia ter utilizado outra expressão, como “setor público empresarial “, também utilizado naquele outro diploma, ou “empresa pública”, como se refere noutros comandos, como a título de exemplo os 13º, 19º do decreto lei referido.*Resulta das normas uma distinção entre as EPE e as restantes empresas públicas, locais ou não, tendo aquela denominação um cunho próprio. Nos termos do nº 2 do artigo 2º do diploma 133/2013 o sector empresarial do Estado integra as empresas públicas e as empresas participadas. Nos termos do artigo 5º nº 1 são empresas públicas as organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante, nos termos do presente decreto-lei. Nos termos do nº 2 deste artigo, consideram-se ainda empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo IV, denominadas “Entidades públicas empresariais”. Esta designação não é equivalente a “empresa pública”, abarcando apenas uma parte delas, tal como resulta dos artigos 56º e 57º do diploma. Assim desde logo relativamente à sua constituição se encontra uma diferença de monta. As organizações empresariais sob a forma societária constituem-se nos termos condições aplicáveis à constituição de sociedades comerciais, com as particularidades constantes do diploma – artigo 10º -. Já as “Entidades Públicas Empresariais” são criadas por decreto-lei, que também aprova os respetivos estatutos, conforme artigo 57º. Por outro e quanto a estas a lei denomina-as expressamente como “pessoas coletivas de direito público” – artigo 56º. O facto de a ré ter sido constituída por decreto não deve surpreender-nos, já que à data era o modo usual de constituição das empresas públicas, salva a previsão do artigo 48º do D.L. 260/76 para as denominadas “sociedades de economia mista e sociedades de capitais públicos”, constituídas em conformidade com a lei comercial, mas que eram excluídas por regras do âmbito daquele diploma. Atente-se ainda na distinção que o artigo 13º do atual D.L. 133/2013 prescreve quanto às designações. Refere o normativo: 1 - As empresas públicas assumem uma das formas jurídicas seguintes: a) Sociedades de responsabilidade limitada constituídas nos termos da lei comercial; b) Entidades públicas empresariais. (…) Refira-se a terminar, quanto às empresas públicas em geral, o que o artigo 14º do D.L. 133/2013 estabelece quanto ao regime aplicável: Regime jurídico geral 1 - Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais e locais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, dos diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respetivos estatutos. 2 - Podem ser fixadas por lei normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego das seguintes entidades: a) Entidades públicas empresariais; b) Empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público; c) Entidades dos sectores empresariais local e regional. (…) Conquanto não se trate no caso de uma norma com caráter temporário, a distinção aqui operada ajuda a compreender o conceito subjacente ao D.L. 29/2019, com referencia à L. 35/2014. Prevendo esta norma a possibilidade de fixação de remunerações relativamente a diversas empresas públicas, discriminando-as nas alíneas a) a c), esta última referindo o setor empresarial local, não tem apoio jurídico a interpretação de uma denominação utilizada no D.L. 29/2019, por remissão para a L. 35/2014, como abarcando todo o setor empresarial do Estado, designadamente o setor local, cujas empresas são agora expressamente consideradas “pessoas coletivas de direito privado”. Consequentemente é de confirmar o decidido.*DECISÃO: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão. Custas pelo recorrente sem prejuízo da isenção de que beneficia. 4/2/21
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães. O autor X - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra a ré Y - VALORIZAÇÃO E RESÍDUOS SÓLIDOS, SA., pedindo a sua condenação: a. A reconhecer o direito dos trabalhadores que representa a auferirem mensalmente, desde o dia 1 de janeiro de 2019, a retribuição base mensal no valor de € 635,07 e, no caso dos trabalhadores a tempo parcial, a retribuição base mensal calculada em termos proporcionais em função deste valor; b. A pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas através da presente sentença.*O autor alega que deve ser aplicada aos trabalhadores que foram admitidos ao serviço da ré com contrato de trabalho o mesmo regime retributivo dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, uma vez que a equiparação da situação remuneratória que foi introduzida pelo Dl. nº 29/2019 de 20 de fevereiro é aplicável a todas as entidades da administração pública ou do sector empresarial do Estado, no qual se inclui o sector empresarial local, como é o caso da ré. A ré contestou alegando que a equiparação da situação remuneratória que foi introduzida pelo DL. nº 29/2019 de 20 de fevereiro apenas é aplicável às entidades públicas empresariais e não tem esta natureza, porquanto é uma pessoa coletiva de direito privado. Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente. Inconformada a autora interpôs recurso invocando em síntese: - Violação do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual”. A diferente natureza do vínculo laboral justifica não legitima a diferença de retribuição paga a uns e outros trabalhadores, independentemente do trabalho pelos mesmos desenvolvido ser de igual natureza, qualidade e quantidade, e de as funções pelos mesmos exercidas serem de igual responsabilidade e exigência. - O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2, numa subsecção dedicada a “Igualdade e não discriminação” enuncia no artigo 23.º os conceitos mais relevantes: no n.º 1 al. a) define “discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável”; na al. b) “discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários”; na al. c) “trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade” e na al. d) “trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado. - Aplicabilidade do regime do decreto-lei 29/2019, de 20 de fevereiro. – Com a publicação deste Decreto, o legislador teve como intenção, precisamente, acabar com as situações de desigualdade geradas nas entidades públicas com trabalhadores contratados ao abrigo do Código do Trabalho. - Não julgou bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo ao ter entendido que o âmbito de aplicação o Decreto-Lei 29/2019, de 20 de fevereiro, não se estende a todo o sector empresarial público, designadamente às empresas públicas e empresas locais. Em contra-alegações sustenta-se a decisão. O Exmo. PGA sustentou a improcedência do recurso. Colhidos os vistos dos Ex.mas Srªs. Adjuntas há que conhecer do recurso. Factualidade: 1. Na presente ação, o autor representa os seguintes trabalhadores, os quais são seus associados: Nome – Categoria - Salário A. P. – Contínua - € 450,00 A. O. – Contínua - € 450,00 A. G. – Contínua - € 450,00 C. C. –Contínua - € 450,00 C. O. – Contínua -€ 450,00 D. P. – Operário - € 740,00 E. R.- Contínua - € 450,00 I. G. – Contínua - € 450,00 J. C. – Servente - € 600,00 J. N. – Servente - € 600,00 J. L. – Servente - € 600,00 L. M. - Servente - € 600,00 M. V. – Contínua - € 450,00 M. A. – Servente - € 600,00 M. F. – Servente - € 600,00 M. O. – Servente - € 600,00 Maria– Contínua - € 450,00 M. G. – Contínua -€ 450,00 O. M. – Contínua - € 450,00 O. P. – Contínua - € 450,00 R. M. – Contínua - € 450,00 T. C. – Contínua - € 450,00 A. O. – Contínua - € 450,00 B. O. – Contínua - € 450,00 J. B. – Servente - € 600,00 C. P. – contínua - € 450,00 A. Q. – Contínua - € 450,00 M. L. – Contínua - € 450,00 P. E. – Contínua - € 600,00 V. V. – Contínua - € 450,00 Maria F. – Contínua - € 450,00 T. R. – Contínua - € 450,00 F. B. – Contínua - € 450,00 L. T. - Contínua - € 450,00 E. L. – Contínua - € 450,00 J. S. – Contínua - € 450,00 MC. – Servente - € 600,00 A. F. – Servente - € 600,00 T. G. – Contínua - € 450,00 C. C. – Contínua - € 450,00 2. Estes trabalhadores foram admitidos como trabalhadores da ré por contrato de trabalho celebrado ao abrigo do Código do Trabalho; 3. Os contratos de trabalho destes trabalhadores mantêm-se em vigor; 4. As trabalhadoras com a categoria profissional de contínua trabalham a tempo parcial e praticam um horário de trinta horas semanais; 5. A retribuição base mensal destas trabalhadoras é calculada em termos proporcionais em função da retribuição no valor de € 600,00; 6. A ré foi constituída através do Dl. nº 117/96 de 6 de agosto, sob a forma de sociedade anónima, com capital maioritariamente público, subscrito pelos municípios de ......, tendo-lhe sido atribuída a concessão da exploração e gestão do sistema intermunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos do Baixo Cávado.***Conhecendo do recurso: Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente. Questões colocadas: - Violação do princípio constitucional trabalho igual salário igual. - Aplicabilidade do regime do nº 29/2019 de 20 de fevereiro.*A recorrente invoca violação do princípio da igualdade salarial para trabalho igual. O artigo 59º da CRP dispõe: (Direitos dos trabalhadores) 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a). À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna … No presente caso resulta que se pretende a aplicação do regime remuneratório aplicável na mesma “empregadora” aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público. Esta relação já teve o ensejo de apreciar situações como a dos autos. No acórdão 2423/16.4T8BRG de 7 de dezembro de 2017, não publicado defendeu-se: “O princípio “trabalho igual salário igual”, constitui a concretização nesta sede do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP. Este princípio veio a encontrar eco no CT de 2003 nos artigos 263 e 23, e no atual CT nos artigos 270 e 25º. O princípio e aqueles normativos fazem apelo a uma igualdade material, devendo tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual. O que se pretende é impedir o abuso, o arbítrio, proibindo diferenciações sem justificação razoável e objetiva. Proíbe-se a discriminação. Pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis. Proíbe-se se retribua de maneira diferente trabalhadores nas mesmas condições, que com as mesmas habilitações, prestem trabalho da mesma natureza, com a mesma qualidade, quantidade, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade. Refere Lobo Xavier, Curso e Direito do Trabalho, Verbo, pág. 401: “… A Constituição [art. 59.º, 1, a)] afirma o princípio de que «para trabalho igual salário igual», o que supõe que as mesmas quantidades e qualidades de trabalho da mesma natureza têm de ser retribuídas da mesma maneira, não devendo haver qualquer discriminação retributiva entre trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, rendimento e qualidade de execução, etc... É claro que este princípio de igualdade tem de ser mediatizado pela própria autonomia contratual e liberdade de empresa (que se referem também a princípios constitucionais) e por isso não poderemos considerar como violadores da Constituição certas formas retributivas que escapam aos critérios acima definidos (v. g., retribuições em função da antiguidade ou que contemplam situações pessoais, às vezes com alcance social apreciável) “. O que sobretudo parece interessar na fórmula constitucional é o princípio que dela decorre, contrário a discriminação ilícita (art. 59.º, 1, da Const.)”. Importa, pois, reter que o que se proíbe, como decorrência do princípio da igualdade, é a proibição do arbítrio, não resultando daí uma proibição em absoluto de toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem fundamento razoável ou justificação objetiva e racional. Vd. Ns o Ac. do T.C n.º 313/89, de 09.03.1989, disponível na net, site do TC, onde se refere: “ O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade — mas de uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam —, e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora (cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.). … O princípio «para trabalho igual salário igual» não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço. O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentaram em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias…” O que resulta do caso é a pretensão das recorrentes em verem aplicado o regime remuneratório aplicável na mesma unidade aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público. Importa, portanto, saber se este fundamento de distinção, relação jurídica de emprego público/contrato individual de trabalho, esta razão para a diferenciação constitui ou não fundamento material razoável, se constitui condição diferenciadora atendível. Importa previamente referir que a entidade gestora apenas pode contratar recorrente ao regime privado. Os trabalhadores com relação jurídica de emprego público recebeu-os ela da anterior gestora (gestão pública), ou admiti-los-á com essa relação mediante os mecanismos de mobilidade, porque já vinculados com referência à data da data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar, nos termos acordados no contrato de gestão, obrigando-se mediante este. … A manutenção de trabalhadores com relação jurídica de emprego público resulta desta obrigação contratual, a admissão de novos trabalhadores será sempre em moldes privados, pois que os vinculados por relação jurídica de emprego publico só mediante a utilização dos instrumentos de mobilidade podem vir a prestar serviço na ré, e apenas se á data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar já tinham esse vínculo. … Como resulta das cláusulas, os trabalhadores ao serviço da ré com relação jurídica de emprego público, são-no por força do acordado no contrato de gestão, visando-se garantir, como não podia deixar de ser, o estatuto de tais trabalhadores. A ré apenas pode contratar com recurso ao regime do código de trabalho, não podendo vincular o Estado mediante contratações ex novo em regime de emprego público, salvo, repita-se, relação já existente e nos termos previsto para a mobilidade. Resulta assim que a ré não atribuiu, de “motu próprio”, aos trabalhadores de referências condições superiores aos autores, antes se vê obrigada a garantir essas condições por força do contrato de gestão celebrado e por virtude, digamos, da irredutibilidade do “estatuto” daqueles. Aqueles trabalhadores, mais que do quadro da ré, pertencem aos “quadros de pessoal das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde”, podendo mudar de acordo com as regras da mobilidade. Exercem funções na ré por força do contrato de gestão, não perdendo o vínculo que possuem. A ré recebe o seu trabalho, mas a sua vinculação a esta é limitada ao necessário à prestação do trabalho. Note-se que a ré, detendo algum poder disciplinar, não tem o poder expulsivo, nem obrigações ao nível da reforma. Não é, pois, a ré que concede aqueles níveis remuneratórios ou outras particularidades do estatuto, designadamente relativos à carreira, antes reconhece porque contratualmente obrigada, aqueles níveis e demais consequências ao nível da relação, que resultam das normas fixadas pelo Estado para os seus trabalhadores no SNS com relação jurídica de emprego público. O critério diferenciador é objetivo e atendível. Ocorreu uma alteração de monta na estrutura de gestão, o que demandou necessariamente um reajustamento desta, designadamente ao nível da contratação, com repercussões várias, designadamente ao nível remuneratório. Ponto é que a ré ao contratar, e relativamente aos demais aspetos que dependem de atuação e iniciativa sua, e não estejam necessariamente determinados pelo estatuto dos trabalhadores com vínculo de emprego publico, não procede a descriminações. Limitar o parceiro privado, agora gestor, além do que a lei exige, a critérios anteriormente seguidos, não só limitaria a liberdade de empresa, como poderia volver-se contraproducente, inutilizando em parte os intentos do novo modelo. A interpretação dada pelos recorrentes implicaria a impossibilidade de mudança do paradigma, a menos que a nova gestora não assumisse nenhum dos contratos anteriormente em vigor. É que com esta interpretação estaria limitada a contratar mantendo nos novos contratos, o regime ou pelo menos os escalões e níveis remuneratórios que herdou e se comprometeu a respeitar contratualmente, por irredutibilidade daqueles estatutos – relações de emprego público-. Assim a contratação em moldes privados e com outros níveis remuneratórios e nestas circunstâncias (em que os trabalhadores de referência recebem mais apenas por forças da garantia do seu estatuto de “emprego publico”), não teve como critério qualquer circunstância que possa considerar-se discriminativa. Já se contratar com remunerações diversas o problema se porá, mas tal não vem invocado. ... Diferente é … o … tratado no Ac. STJ de 13/07/2005, processo nº 05S476, analisando o Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que estabelecia distinções remuneratórias consoante o pessoal se encontrasse vinculado aos serviços pelo regime da Função Pública ou do contrato de trabalho. É que resulta das disposições do EPSEMNE (D.L. 444/99) que os serviços externos do MNE “passaram a dispor, em conjunto, de dois quadros únicos: um de vinculação, no qual se integram (e integraram) o pessoal sujeito ao regime da função pública (ou que optaram por esse regime); outro de contratação, composto pelo pessoal com contrato individual de trabalho (artº 3º) ”, conforme refere o acórdão, sendo patente a “existência de um corpo estatutário comum, aplicável à generalidade dos trabalhadores dos serviços externos do MNE, independentemente da natureza jurídica da respetiva vinculação”. O princípio da equiparação salarial é aliás recolhido na norma do artigo 64º que se reporta aso pessoal de chefia técnico e administrativo com contrato individual de trabalho, e ainda no artigo 61º que refere que o sistema retributivo se estrutura em princípios de equidade. Diversa e algo semelhante à situação anterior é também a situação que resulta do Ac. RL de 4/6/2014, processo nº 3424/11.4TTLSB.L1-4 e STJ de 4/3/2015, processo nº 3424/11.4TTLSB.L1.S1, já que não ocorre ali qualquer alteração da entidade gestora nem do modelo e finalidades da entidade que gere, mas apenas uma alteração legal do regime jurídico do pessoal da Santa Casa – artigo 25º ss dos Estatutos da Santa Casa da ML (D.L. 322/91)…” Também no acórdão 6196/16.2T8GMR.G1, disponível na net, se seguiu o mesmo entendimento. Certo que atualmente e para efeitos de atualização remuneratória a partir de 1/1/2019, relativamente às EPE há que atender ao disposto no artigo 3º, nº 4 do D.L. 29/2019, mas adiante se apreciará a aplicabilidade da norma ao caso dos autos.*Indo ao caso, a ré é uma empresa participada por vários municípios e por uma entidade pública de natureza empresarial, constituída pelo D.L. 117/96 de 8/6, na sequência do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, que definiu o regime jurídico da gestão e exploração de sistemas que tenham por objeto a recolha e tratamento de resíduos sólidos. De acordo com os estatutos juntos pela autora, anexo à ata 23, AG de 29/5/2009, o capital social está hoje integralmente repartido por municípios e uma empresa municipal em representação de um município. Nos termos do D.L. 379/93 a criação e a concessão de sistemas multimunicipais são objeto de decreto-lei (artº 3º, nº 2). O nº 1 do artigo 3º alude à exploração e gestão dos sistemas multimunicipais “em regime de concessão, a entidade pública de natureza empresarial ou a empresa que resulte da associação de entidades públicas, em posição obrigatoriamente maioritária no capital social, com entidades privadas”. A ré é uma sociedade anónima, constituída por decreto nos termos do D.L. 379/93, estando sujeita, conforme nº 2 do artigo 2 do decreto lei que a constituiu, ao regime resultante daquele diploma, da lei comercial e dos seus estatutos. Nos termos do artigo 30º do D.L. 260/76 (bases gerais das empresas públicas), então vigente, o estatuto do pessoal das empresas públicas baseava-se no regime do contrato individual de trabalho. Àquele diploma foram sucedendo o D.L. 558/99 de 17/12, que passa a distinguir as empresas constituídas nos termos da lei comercial das entidades públicas empresarias, e estabelece no artigo 16º que o estatuto do pessoal das empresas públicas é o regime do contrato individual de trabalho, e o atual D.L. 133/2013 estabelecendo o mesmo regime de pessoal, artigo 17º. Se a ré for considerada empresa local – já que ao que resulta dos estatutos juntos pela autora, atualmente, apenas tem como acionistas municípios e uma empresa municipal em representação de um município – artigo 4º do D.L. 133/2013 e 1º da L. 58/98 de 18 de agosto -, para os efeitos de que ora se trata o regime é o mesmo. Quanto ao estatuto do pessoal refere o D.L. 133/2013, artigo 28.º Estatuto do pessoal 1 - O estatuto do pessoal das empresas locais é o do regime do contrato de trabalho. 2 - A matéria relativa à contratação coletiva rege-se pela lei geral. E no artigo 29.º Pessoal com relação jurídica de emprego público O pessoal com relação jurídica de emprego público pode exercer funções nas empresas locais mediante acordo de cedência de interesse público, nos termos da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que «Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas», alterada pelas Leis nºs 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 34/2010, de 2 de setembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 31 de dezembro. Resulta das normas que a empresa, seja considerada empresa local ou não, dispõe apenas de uma forma de contratação, nos termos do código do trabalho. Relativamente a trabalhadores com relação jurídica de emprego público que aí trabalhem ao abrigo de acordo de cedência de interesse público, a ré não teve e relativamente a tais trabalhadores qualquer intervenção ao nível remuneratório, seja no contrato individual seja em contratação coletivo. Não é a ré que concede aqueles níveis remuneratórios ou outras particularidades do estatuto, designadamente relativos à carreira, antes reconhece porque legalmente obrigada a isso. Ocorre consequentemente fundamento de diferenciação. Note-se que na comparação entre trabalhadores, está em causa não apenas o nível remuneratório, mas todo o complexo normativo dos respetivos estatutos. O critério diferenciador é objetivo e atendível, e nem sequer se trata de diferenciação provocada pela ré, mas sim resultante de normas legais. Assim a contratação em moldes privados e com outros níveis remuneratórios, nestas circunstâncias em que os trabalhadores de referência recebem mais apenas por forças da garantia do seu estatuto de “emprego público”, não teve como critério qualquer circunstância que possa considerar-se discriminatória. O diferente estatuto laboral, a diferente natureza do vínculo contratual constitui fundamento objetivo e razoável para diferenciação salarial, se outras razões não ocorreram para essa diferenciação. O TC no ac. nº 131/2018 de 13/3 refere: “As comparações das posições relativas relevantes para aferir da (des)igualdade entre sujeitos ou categorias de sujeitos não devem assentar em aspetos parcelares dos respetivos regimes jurídicos - os quais, isoladamente considerados, facilmente revelarão diferenças ou singularidades, que não retratam necessariamente a globalidade de toda a posição jurídica a considerar -, mas antes na ponderação do conjunto de direitos e obrigações que entretecem as relações jurídicas em torno das quais se definem os objetos da comparação. Se assim não fosse, o legislador ficaria incompreensivelmente limitado a uma constante parificação formal, inadaptável às exigências de modelação que lhe são colocadas. Isto mesmo foi posto em evidência pelo Tribunal no Acórdão n.º 129/2013: “[O] legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade de conformação, dentro dos critérios de diferenciação atendíveis, que se acentua especialmente "em relação ao estatuto remuneratório das pessoas que exercem funções públicas" (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, anotação ao artigo 59.º, p. 1152). A aferição da conformidade com o princípio da igualdade não pode partir de uma comparação atomística de determinado aspeto específico de uma situação jurídica, a que se encontram subordinados certos trabalhadores, por contraposição com outros, sujeitos a regime diverso, antes envolvendo, também, a convocação das circunstâncias que fundamentam a diferenciação [...]. Referindo o diferente estatuto, no caso entre contratado por tempo indeterminado e contratado a prazo, o STJ de 27/1/2005, processo nº 04S3426. Relativamente a diferenciação decorrente de diferente filiação sindical, STJ de 20/1/2010, processo 2315/08.0TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, no sentido de que “a diferenciação salarial assente no princípio da filiação (…) e nos termos do qual as convenções coletivas de trabalho só obrigam, por um lado, os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias e, por outro lado, os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes, não constituindo, por isso, discriminação salarial a que resulte do facto de os trabalhadores da empresa não estarem abrangidos pela mesma convenção coletiva de trabalho, (…) salvo se a razão dessa diferenciação residir apenas no facto de o trabalhador, não beneficiado pelos aumentos em condições idênticas às desfrutadas por outros, não ser associado da organização sindical ou das organizações sindicais que outorgaram o acordo de empresa, ou no facto de ele não ser sindicalizado, cabendo, neste caso, ao trabalhador que se julga alvo de discriminação alegar e provar que o trabalho por si prestado é igual, em natureza, quantidade e qualidade, ao prestado pelos trabalhadores pertencentes à organização ou organizações sindicais que subscreveram a convenção coletiva cujas tabelas salariais pretende que lhe sejam aplicadas”, onde se refere jurisprudência sobre a questão. Improcede nesta parte o alegado.****Quanto à aplicabilidade do D.L. nº29/2019 de 20 de fevereiro. O diploma procedeu a uma atualização da base remuneratória da administração pública. No preâmbulo do diploma refere-se que, “de modo a não gerar desigualdade de tratamento entre trabalhadores que, no âmbito da Administração Pública, exercem funções com vínculos contratuais diferentes, o presente diploma aplica-se igualmente aos trabalhadores com contratos individuais de trabalho, abrangendo, assim, também aqueles que exercem funções nas entidades a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual.” A base remuneratória é colocada em 635,07 €, montante pecuniário do 4.º nível remuneratório da Tabela Remuneratória Única (TRU), aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro, conforme artigo 2º, nº 1. O nº 4 do artigo 3º refere: “O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável aos trabalhadores da Administração Pública com contrato de trabalho celebrado ao abrigo do Código do Trabalho que exercem funções nas entidades a que se refere o nº 1 do artigo 2º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual.” O referido artigo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, em anexo à L. 35/2014, refere: Exclusão do âmbito de aplicação 1 - A presente lei não é aplicável a: … b) Entidades públicas empresariais; … A recorrente defende a aplicação do regime à empresa ré, considerando-a empresa local, afirmando que a norma se estende a todo o setor empresarial do Estado, sendo que a forma de criação da entidade é para o efeito irrelevante. Refere que o Decreto-lei 133/2013, de 03 de outubro, inclui no setor empresarial as empresas locais e regionais, conforme disposto nos artigos 2º, nº 1 e 4º. Este diploma estabelece Regime Jurídico do Setor Público Empresarial. Dispõe o n.º 1 do artigo 2.º que “para efeitos do disposto no presente decreto-lei, o sector público empresarial abrange o sector empresarial do Estado e o sector empresarial local”. No artigo 4.º do mesmo diploma refere-se que “além do Estado, apenas dispõem de sectores empresariais próprios as Regiões Autónimas, os municípios, as associações de municípios (…)”. Não se questiona que a ré pertence ao setor público empresarial do Estado, no caso ao setor empresarial local, como a lei o designa. Questão diversa é saber qual o sentido “entidade pública empresarial” constante da al. b) do nº 1 do artigo 2º da L. 35/2014. Sustenta-se na decisão recorrida: Na parte que agora no interessa, este preceito refere-se às entidades públicas empresariais. Esta expressão corresponde a um conceito jurídico que tem um sentido preciso, tendo sido, necessariamente, com este sentido que foi utilizada. As entidades públicas empresariais são reguladas nos art. 56º e 57º do Dl. nº 133/2013 de 3 de outubro, os quais têm a seguinte redação: Artigo 56º Noção São entidades públicas empresariais as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para prossecução dos seus fins, as quais se regem pelas disposições do presente capítulo e, subsidiariamente, pelas restantes normas do presente decreto-lei. Artigo 57º Criação 1 - As entidades públicas empresariais são criadas por decreto-lei, o qual aprova também os respetivos estatutos. 2 - A denominação das entidades públicas empresariais deve integrar a expressão «entidade pública empresarial» ou as iniciais «E.P.E.». (...) As entidades públicas empresariais são uma modalidade de empresa pública que se caracteriza por serem criadas através de um diploma legal e terem uma designação específica. Trata-se de uma figura do sector empresarial do Estado, não existindo entidades públicas empresariais no sector empresarial local. Foi com este sentido que a referência às entidades públicas empresariais foi incluída na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, bastando atentar na proximidade temporal entre os dois diplomas. O Dl. nº133/2013 de 3 de outubro, que regula o sector empresarial do Estado e introduziu a definição em entidades públicas empresariais, é do ano de 2013. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas é do ano de 2014. É também com este sentido que a referência às entidades públicas empresariais na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas tem sido entendida pela doutrina. Neste sentido pode ver-se BRUNO GONÇALO FIDALGO MARTELO para quem 'as entidades públicas empresariais estão expressamente excluídas do âmbito de aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas'14. Da matéria de facto provada resulta que a ré foi constituída através do Dl. nº117/96 de 6 de agosto, sob a forma de sociedade anónima, com capital maioritariamente público, subscrito pelos municípios de ......, tendo-lhe sido atribuída a concessão da exploração e gestão do sistema intermunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos do Baixo Cávado. A ré não se integra na categoria das entidades públicas empresariais. Compete ao Estado e às entidades publicas escolher em cada situação concreta a modalidade que consideram mais adequada. A ré foi criada através de decreto-lei, mas adotou a forma de uma sociedade anónima, que é uma sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial. Trata-se, assim, de uma empresa pública ou uma empresa local, consoante se atribua maior relevância à circunstância de beneficiar de uma concessão ou ter dimensão local…” A lei 35/2014 é posterior ao D.L. nº 133/2013, e no aludido normativo (artigo 2º, nº 1), utilizou a referência “Entidades Públicas Empresariais”, que é utilizada com um sentido preciso no diploma que regula o setor público empresarial, o D.L. 133/2013, e já antes no D.L. 558/99 de 17/12. Se pretendesse outro sentido, mais alargado, poderia ter utilizado outra expressão, como “setor público empresarial “, também utilizado naquele outro diploma, ou “empresa pública”, como se refere noutros comandos, como a título de exemplo os 13º, 19º do decreto lei referido.*Resulta das normas uma distinção entre as EPE e as restantes empresas públicas, locais ou não, tendo aquela denominação um cunho próprio. Nos termos do nº 2 do artigo 2º do diploma 133/2013 o sector empresarial do Estado integra as empresas públicas e as empresas participadas. Nos termos do artigo 5º nº 1 são empresas públicas as organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante, nos termos do presente decreto-lei. Nos termos do nº 2 deste artigo, consideram-se ainda empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo IV, denominadas “Entidades públicas empresariais”. Esta designação não é equivalente a “empresa pública”, abarcando apenas uma parte delas, tal como resulta dos artigos 56º e 57º do diploma. Assim desde logo relativamente à sua constituição se encontra uma diferença de monta. As organizações empresariais sob a forma societária constituem-se nos termos condições aplicáveis à constituição de sociedades comerciais, com as particularidades constantes do diploma – artigo 10º -. Já as “Entidades Públicas Empresariais” são criadas por decreto-lei, que também aprova os respetivos estatutos, conforme artigo 57º. Por outro e quanto a estas a lei denomina-as expressamente como “pessoas coletivas de direito público” – artigo 56º. O facto de a ré ter sido constituída por decreto não deve surpreender-nos, já que à data era o modo usual de constituição das empresas públicas, salva a previsão do artigo 48º do D.L. 260/76 para as denominadas “sociedades de economia mista e sociedades de capitais públicos”, constituídas em conformidade com a lei comercial, mas que eram excluídas por regras do âmbito daquele diploma. Atente-se ainda na distinção que o artigo 13º do atual D.L. 133/2013 prescreve quanto às designações. Refere o normativo: 1 - As empresas públicas assumem uma das formas jurídicas seguintes: a) Sociedades de responsabilidade limitada constituídas nos termos da lei comercial; b) Entidades públicas empresariais. (…) Refira-se a terminar, quanto às empresas públicas em geral, o que o artigo 14º do D.L. 133/2013 estabelece quanto ao regime aplicável: Regime jurídico geral 1 - Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais e locais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, dos diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respetivos estatutos. 2 - Podem ser fixadas por lei normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego das seguintes entidades: a) Entidades públicas empresariais; b) Empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público; c) Entidades dos sectores empresariais local e regional. (…) Conquanto não se trate no caso de uma norma com caráter temporário, a distinção aqui operada ajuda a compreender o conceito subjacente ao D.L. 29/2019, com referencia à L. 35/2014. Prevendo esta norma a possibilidade de fixação de remunerações relativamente a diversas empresas públicas, discriminando-as nas alíneas a) a c), esta última referindo o setor empresarial local, não tem apoio jurídico a interpretação de uma denominação utilizada no D.L. 29/2019, por remissão para a L. 35/2014, como abarcando todo o setor empresarial do Estado, designadamente o setor local, cujas empresas são agora expressamente consideradas “pessoas coletivas de direito privado”. Consequentemente é de confirmar o decidido.*DECISÃO: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão. Custas pelo recorrente sem prejuízo da isenção de que beneficia. 4/2/21