Processo:4944/20.5T8VNF.G1
Data do Acordão: 24/02/2021Relator: EVA ALMEIDATribunal:trg
Decisão: Meio processual:

I- O indeferimento liminar do requerimento executivo, como a expressão indica e resulta do disposto no art.º 726º do CPC, não supõe qualquer contraditório prévio, nem a análise de outros elementos probatórios, que os que foram ou deveriam ter sido apresentados (requerimento executivo, título executivo e contrato – cfr. arts. 724º e 855º-A, do CPC). II- Quando a execução se inicia pela penhora e mesmo que o solicitador de execução não solicite a intervenção do juiz – art.º 855º n.º 2 al. b) do CPC –, não fica este inibido de indeferir liminarmente a execução (vide art.º 734º n.º 1 do CPC). A falta ou insuficiência do título é uma dessas questões que o juiz pode conhecer em sede liminar, rejeitando a execução [cfr. art.º 726.º nº 2 al. a) do CPC], ou, posteriormente, nos termos do supracitado art.º 734º do CPC. III- O título executivo, formado na sequência de requerimento de injunção, é, nos termos do disposto no art.º 14.º, do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o documento, físico ou eletrónico, onde tenha sido aposta a fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções. IV- A preterição de formalidades da notificação/citação do requerido, no âmbito do procedimento de injunção, torna o ato nulo nos casos e circunstâncias previstos no art.º 191º do CPC. V- Contudo, a nulidade da citação só é do conhecimento oficioso nos casos previstos na 2ª parte do n.º 2 do citado art.º 191º, ou seja, quando se trate de citação edital, ou quando não tenha sido indicado prazo para a defesa (cfr. art.º 196º do CPC). Das restantes nulidades o juiz “só pode conhecer sob reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”. VI- No caso a nulidade teria de ser arguida por meio de embargos à execução, não podendo o juiz dela conhecer oficiosamente, decidindo que a notificação/citação efetuada no procedimento de injunção é nula e consequentemente que não se formou um título executivo válido. VII- Sendo certo que, para justificar o indeferimento liminar, o Mmº. Juiz “a quo” apenas poderia atender ao que constava do requerimento executivo, do título (requerimento de injunção) e do contrato junto, e em nenhum deles se patenteava qualquer insuficiência do título, no caso, vício na sua formação.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
EVA ALMEIDA
Descritores
INJUNÇÃO REQUERIMENTO EXECUTIVO INDEFERIMENTO LIMINAR NULIDADE DA CITAÇÃO
No do documento
RG
Data do Acordão
02/25/2021
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
APELAÇÃO PROCEDENTE
Sumário
I- O indeferimento liminar do requerimento executivo, como a expressão indica e resulta do disposto no art.º 726º do CPC, não supõe qualquer contraditório prévio, nem a análise de outros elementos probatórios, que os que foram ou deveriam ter sido apresentados (requerimento executivo, título executivo e contrato – cfr. arts. 724º e 855º-A, do CPC). II- Quando a execução se inicia pela penhora e mesmo que o solicitador de execução não solicite a intervenção do juiz – art.º 855º n.º 2 al. b) do CPC –, não fica este inibido de indeferir liminarmente a execução (vide art.º 734º n.º 1 do CPC). A falta ou insuficiência do título é uma dessas questões que o juiz pode conhecer em sede liminar, rejeitando a execução [cfr. art.º 726.º nº 2 al. a) do CPC], ou, posteriormente, nos termos do supracitado art.º 734º do CPC. III- O título executivo, formado na sequência de requerimento de injunção, é, nos termos do disposto no art.º 14.º, do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o documento, físico ou eletrónico, onde tenha sido aposta a fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções. IV- A preterição de formalidades da notificação/citação do requerido, no âmbito do procedimento de injunção, torna o ato nulo nos casos e circunstâncias previstos no art.º 191º do CPC. V- Contudo, a nulidade da citação só é do conhecimento oficioso nos casos previstos na 2ª parte do n.º 2 do citado art.º 191º, ou seja, quando se trate de citação edital, ou quando não tenha sido indicado prazo para a defesa (cfr. art.º 196º do CPC). Das restantes nulidades o juiz “só pode conhecer sob reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”. VI- No caso a nulidade teria de ser arguida por meio de embargos à execução, não podendo o juiz dela conhecer oficiosamente, decidindo que a notificação/citação efetuada no procedimento de injunção é nula e consequentemente que não se formou um título executivo válido. VII- Sendo certo que, para justificar o indeferimento liminar, o Mmº. Juiz “a quo” apenas poderia atender ao que constava do requerimento executivo, do título (requerimento de injunção) e do contrato junto, e em nenhum deles se patenteava qualquer insuficiência do título, no caso, vício na sua formação.
Decisão integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 

 I – RELATÓRIO

X COMUNICAÇÕES, S.A. instaurou, em 25.9.2020, execução para pagamento de quantia certa (€595,50) contra M. V., com base em requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de Setembro.*Após diversas diligências efectuadas nos autos pela solicitadora de execução, o Mmº Juiz “a quo”, em 8.10.2020, proferiu o seguinte “Despacho liminar”:

«(…) Neste contexto jurisprudencial, temos como indiscutível que não existindo qualquer convenção de domicílio, a/o requerida/o nunca pode ser citada por mero depósito da carta de citação.
Neste contexto, considerando que as partes não celebraram qualquer convenção de domicílio, nunca a citação do/a(s) requerido/a(s) podia ser concretizada por mero depósito dessa missiva, com ou sem consulta prévia da base de dados, sob pena de violação do direito de defesa consagrado no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa5.
Assim, resultando do expediente junto pelo Balcão Nacional de Injunções que a citação do/a(s) ora executado/a(s) foi efetuada por mero depósito dessa missiva, é inquestionável que essa citação não respeitou os citados preceitos legais e, por conseguinte, é nula.
E esta nossa convicção jurídica não fica prejudicada com qualquer prévia consulta à base de dados efetuada pelo BNI porquanto, com ou sem essa “busca” prévia, impunha-se sempre, pelo menos, a tentativa de citação do/a requerido/a através de carta registada com aviso de receção, o que não aconteceu.
E sendo nula essa citação, é ponto assente que não existe título executivo válido e exequível- cfr. artigos 188.º e 191.º,do C.P.C..
Pelo exposto, rejeito liminarmente o requerimento executivo - cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.
Dê conhecimento ao exequente do expediente remetido pelo Balcão Nacional de Injunções.
Custas pela exequente.»*Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1. A decisão recorrida, que rejeitou liminarmente o requerimento executivo, por considerar ter sido nula a notificação da Recorrida no âmbito do procedimento injuntivo, carece de fundamento;
2. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia, desde logo, por ausência de oportunidade processual e contraditório prévio, decidir, como decidiu, se o domicílio convencionado em sede de requerimento injuntivo foi correta ou incorrectamente indicado pela Recorrente;
3. Nem poderia ter concluído pela nulidade da notificação da Recorrida na injunção, uma vez que
- a apreciação de qualquer nulidade ou exceção dilatória que afete o titulo executivo está limitada a alegação do Executado em sede embargos à execução, o que não sucedeu;
- não poderá o Tribunal substituir-se ao Recorrido, pretendendo afastar a presunção da sua notificação.
4. Acresce ao exposto que a existência e validade do título executivo não depende dos concretos termos em que foi efetuada a notificação no procedimento de injunção.
5. Pelo que, contrariamente ao decidido, o título executivo existe e é válido, uma vez que foi elaborado e contém todos os elementos estabelecidos pelo DL 269/98, de 01 de Setembro, assim possibilitando a determinação do fim da execução.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao conhecer da nulidade da notificação da injunção e ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente,
- os artigo 186.º n.º 2 alínea a), 200.º n.º 2, 724.º n.º 1 alínea e) e 729.º, todos do CPC.
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso.»* Dos autos não constam contra-alegações. *O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).  

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar:
– Do excesso de pronúncia. Da existência e validade do título executivo.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Para além do que consta do relatório, tem interesse para o presente recurso os seguintes factos, documentados nos autos:

1º - Na decisão recorrida consta: “No caso em apreço, a sede/domicílio de citação/notificação do/a(s) ora executado/a(s) no âmbito do procedimento de injunção nunca foi convencionado entre as partes, como confessa o ora exequente no requerimento que dirigiu ao processo (apesar de ter mencionado no requerimento de injunção que existia essa convenção de domicílio)”. 
2º No requerimento de injunção nº 104622/18.9YIPRT, a que foi aposta a fórmula executória (ref. 800237802765) e apresentado como título executivo, consta, no campo a tal destinado: “Domicílio Convencionado? Não”.
3º No expediente constante do processo electrónico, enviado pelo BNI e junto em 6-10-2020, mostra-se junto um requerimento de injunção, com o mesmo número daquele a que foi conferida força executiva, mas outra morada do requerido e a mesma indicação: “Domicílio Convencionado? Não”.
4º A carta registada enviada para a morada referida no número anterior foi devolvida pelo carteiro, com a indicação “mudou-se”.
5º Na sequência, o BNI efectuou consulta à base de dados e expediu carta para a morada que então apurou ser a do requerido e que é a que consta do título executivo referido em 2º, que coincide com a também indicada neste requerimento executivo e onde o executado foi citado para os termos deste recurso e do processo.
4º O BNI enviou então nova carta registada, para a morada que apurou ser a do requerido, a qual foi depositada no receptáculo postal domiciliário dessa morada, conforme assinatura do distribuidor postal.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO 

O indeferimento liminar do requerimento executivo, como a expressão indica e resulta do disposto no art.º 726º do CPC, não supõe qualquer contraditório prévio, nem a análise de outros elementos probatórios, que os que foram ou deveriam ter sido apresentados (requerimento executivo, título executivo e contrato – cfr. artºs. 724º e 855ºA do CPC).
Quando a execução se inicia pela penhora e mesmo que o solicitador de execução não solicite a intervenção do juiz – art.º 855º nº 2 al. b) do CPC –, não fica o juiz inibido de indeferir liminarmente a execução (vide art.º 734º nº 1 do CPC).
A falta ou insuficiência do título é uma dessas questões que o juiz pode conhecer em sede liminar, rejeitando a execução [cfr. art.º 726.º nº 2 al. a) do CPC], ou, posteriormente, nos termos do supracitado art.º 734º.
Mas, nesta sede liminar, tal falta ou insuficiência tem de aferir-se em face do título e da causa de pedir, bem como dos documentos que os acompanham ou deveriam acompanhar. 
Ou seja, não há que efectuar diligências em ordem a apurar da validade da formação do título.
No caso em apreço foi dado à execução um requerimento de injunção ao qual, por ausência de oposição do requerido, foi aposta a fórmula executória. 
O procedimento de injunção, contrariamente a uma acção declarativa de condenação, tem por único propósito conferir força executiva ao requerimento que seja apresentado, destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação (art. 1.º, do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro) e ainda das obrigações emergentes de transacções comerciais, independentemente do seu valor (Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro).
O título executivo, formado na sequência de requerimento de injunção, é, nos termos do disposto no art.º 14.º, do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o documento físico ou electrónico onde tenha sido aposta a fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções.
Assim, a injunção, quando não sofre oposição, traduz-se apenas num procedimento expedito, sujeito a um controlo meramente formal, da competência de um funcionário da Administração (o secretário de justiça), pelo que a fórmula executória não pode equiparar-se ao reconhecimento judicial de um direito nem à imposição ao requerido do cumprimento da prestação.
Embora tal funcionário tenha competência para recusar o requerimento de injunção por inobservância de alguma das formalidades previstas no art.º 11º, ou a aposição da fórmula executória nos casos previstos no n.º 3 do art.º 13ºA, ambos do Anexo ao Regime dos Procedimentos Especiais, a que se refere o Dec. Lei 269/98, certo é que, quando o requerente assinala nesse requerimento a existência de domicílio convencionado, não lhe exige qualquer comprovativo, nem vai verificar se efectivamente existe domicílio convencionado, procedendo em conformidade com o que vem assinalado.
Basta o requerente assinalar no requerimento, no local próprio para tal, a existência de domicílio convencionado, para que a notificação do requerido (que equivale a uma citação) seja efectuada por meio de carta simples (art.º 12º A do citado regime) ou seja, por mero depósito da carta na caixa de correio do domicílio do citando, conforme foi fornecido pelo requerente e sem mais averiguações.
Esta modalidade de citação, sem que previamente se tente a entrega da carta ao próprio citando, ou a pessoa que se comprometa a entregá-la, (carta registada com a. r.) ou, não sendo tal possível, sem que se realizam as diligências previstas nos nºs 3 e seguintes do art.º 12º do anexo ao Dec. Lei 269/98 ou nos nºs 8 e 9 do art.º 228º do CPC, só é possível no caso da existência de domicílio convencionado – art.º 12ºA do anexo ao Dec. Lei 269/98.

No caso em apreço, embora no despacho recorrido se impute à exequente, aqui recorrente, ter indicado (falsamente) a existência de domicílio convencionado no requerimento de injunção, afirmando-se que a mesma o reconheceu em requerimento dirigido ao processo (requerimento esse que não logramos localizar), certo é que, por documentos com força probatória plena, é possível concluir que tal não sucedeu (supra factos nºs 2 e 3).
Assim, embora sem relevância para o caso, pode-se afirmar que, se foram preteridas formalidades essenciais na notificação do requerido, aqui executado, tal é apenas imputável ao BNI e não à aqui exequente.
 E tudo indica que o foram, face aos elementos constantes dos autos, uma vez que não foi expedida carta registada com aviso de recepção, mas apenas carta registada, sendo que o nº 5 do art.º 12º do anexo ao Dec. Lei 269/98, apenas admite o envio de carta simples no caso de nas bases de dados existir mais do que uma morada (“ou se nestas constarem várias residências, …, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.”). 
Ora a preterição de formalidades da citação – no caso a expedição da citação por carta registada sem aviso de recepção e a sua entrega por depósito na caixa de correio do citado – torna o acto nulo nos casos e circunstâncias previstos no art.º 191º do CPC.
Sucede que, a nulidade de citação só é do conhecimento oficioso nos casos previstos na 2ª parte do nº 2 do citado art.º 191º, ou seja, quando se trate de citação edital, ou quando não tenha sido indicado prazo para a defesa (cfr. art.º 196º do CPC).
As restantes nulidades, como a presente – resultante de não ter sido realizada por meio de carta registada com aviso de recepção (art.º 12.º do Anexo ao DL 269/98), mas por carta registada depositada na caixa de correio do endereço que se averiguou, nas bases de dados, ser o do requerido – têm de ser arguidas pelo citando – O juiz delas “só pode conhecer sob reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”.
No caso teria de ser arguida por meio de embargos à execução. 
Como aliás sucedeu em todos os arestos citados na douta decisão recorrida e que a fundamentam.
Não podendo ser oficiosamente conhecida pelo juiz, não pode este decidir que a notificação/citação efectuada no procedimento de injunção é nula e consequentemente que não se formou um título executivo válido.
Sendo certo que, para justificar o indeferimento liminar, o Mmº. Juiz “a quo” apenas poderia atender ao que constava do requerimento executivo, do título (requerimento de injunção) e do contrato junto, e em nenhum deles se patenteava qualquer insuficiência do título, no caso, vício na sua formação.
Assim, não só não se verificam parte dos pressupostos em que assentou a decisão recorrida, como os mesmos não poderiam ter conduzido a tal decisão, por se tratar de matéria que não era lícito ao juiz conhecer oficiosamente.

Pelo exposto, somos forçados a dar razão à exequente, impondo-se revogar a decisão recorrida, que não terá de ser substituída por outra, uma vez que a execução não carece de despacho liminar, que a admita, para prosseguir os seus termos.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida.
Sem custas.
 Guimarães, 25-02-2021 
Eva Almeida 
António Beça Pereira      
Ana Cristina Duarte

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO X COMUNICAÇÕES, S.A. instaurou, em 25.9.2020, execução para pagamento de quantia certa (€595,50) contra M. V., com base em requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de Setembro.*Após diversas diligências efectuadas nos autos pela solicitadora de execução, o Mmº Juiz “a quo”, em 8.10.2020, proferiu o seguinte “Despacho liminar”: «(…) Neste contexto jurisprudencial, temos como indiscutível que não existindo qualquer convenção de domicílio, a/o requerida/o nunca pode ser citada por mero depósito da carta de citação. Neste contexto, considerando que as partes não celebraram qualquer convenção de domicílio, nunca a citação do/a(s) requerido/a(s) podia ser concretizada por mero depósito dessa missiva, com ou sem consulta prévia da base de dados, sob pena de violação do direito de defesa consagrado no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa5. Assim, resultando do expediente junto pelo Balcão Nacional de Injunções que a citação do/a(s) ora executado/a(s) foi efetuada por mero depósito dessa missiva, é inquestionável que essa citação não respeitou os citados preceitos legais e, por conseguinte, é nula. E esta nossa convicção jurídica não fica prejudicada com qualquer prévia consulta à base de dados efetuada pelo BNI porquanto, com ou sem essa “busca” prévia, impunha-se sempre, pelo menos, a tentativa de citação do/a requerido/a através de carta registada com aviso de receção, o que não aconteceu. E sendo nula essa citação, é ponto assente que não existe título executivo válido e exequível- cfr. artigos 188.º e 191.º,do C.P.C.. Pelo exposto, rejeito liminarmente o requerimento executivo - cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a), do C.P.C. Dê conhecimento ao exequente do expediente remetido pelo Balcão Nacional de Injunções. Custas pela exequente.»*Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1. A decisão recorrida, que rejeitou liminarmente o requerimento executivo, por considerar ter sido nula a notificação da Recorrida no âmbito do procedimento injuntivo, carece de fundamento; 2. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia, desde logo, por ausência de oportunidade processual e contraditório prévio, decidir, como decidiu, se o domicílio convencionado em sede de requerimento injuntivo foi correta ou incorrectamente indicado pela Recorrente; 3. Nem poderia ter concluído pela nulidade da notificação da Recorrida na injunção, uma vez que - a apreciação de qualquer nulidade ou exceção dilatória que afete o titulo executivo está limitada a alegação do Executado em sede embargos à execução, o que não sucedeu; - não poderá o Tribunal substituir-se ao Recorrido, pretendendo afastar a presunção da sua notificação. 4. Acresce ao exposto que a existência e validade do título executivo não depende dos concretos termos em que foi efetuada a notificação no procedimento de injunção. 5. Pelo que, contrariamente ao decidido, o título executivo existe e é válido, uma vez que foi elaborado e contém todos os elementos estabelecidos pelo DL 269/98, de 01 de Setembro, assim possibilitando a determinação do fim da execução. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao conhecer da nulidade da notificação da injunção e ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente, - os artigo 186.º n.º 2 alínea a), 200.º n.º 2, 724.º n.º 1 alínea e) e 729.º, todos do CPC. Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso.»* Dos autos não constam contra-alegações. *O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar: – Do excesso de pronúncia. Da existência e validade do título executivo. III - FUNDAMENTOS DE FACTO Para além do que consta do relatório, tem interesse para o presente recurso os seguintes factos, documentados nos autos: 1º - Na decisão recorrida consta: “No caso em apreço, a sede/domicílio de citação/notificação do/a(s) ora executado/a(s) no âmbito do procedimento de injunção nunca foi convencionado entre as partes, como confessa o ora exequente no requerimento que dirigiu ao processo (apesar de ter mencionado no requerimento de injunção que existia essa convenção de domicílio)”. 2º No requerimento de injunção nº 104622/18.9YIPRT, a que foi aposta a fórmula executória (ref. 800237802765) e apresentado como título executivo, consta, no campo a tal destinado: “Domicílio Convencionado? Não”. 3º No expediente constante do processo electrónico, enviado pelo BNI e junto em 6-10-2020, mostra-se junto um requerimento de injunção, com o mesmo número daquele a que foi conferida força executiva, mas outra morada do requerido e a mesma indicação: “Domicílio Convencionado? Não”. 4º A carta registada enviada para a morada referida no número anterior foi devolvida pelo carteiro, com a indicação “mudou-se”. 5º Na sequência, o BNI efectuou consulta à base de dados e expediu carta para a morada que então apurou ser a do requerido e que é a que consta do título executivo referido em 2º, que coincide com a também indicada neste requerimento executivo e onde o executado foi citado para os termos deste recurso e do processo. 4º O BNI enviou então nova carta registada, para a morada que apurou ser a do requerido, a qual foi depositada no receptáculo postal domiciliário dessa morada, conforme assinatura do distribuidor postal. IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO O indeferimento liminar do requerimento executivo, como a expressão indica e resulta do disposto no art.º 726º do CPC, não supõe qualquer contraditório prévio, nem a análise de outros elementos probatórios, que os que foram ou deveriam ter sido apresentados (requerimento executivo, título executivo e contrato – cfr. artºs. 724º e 855ºA do CPC). Quando a execução se inicia pela penhora e mesmo que o solicitador de execução não solicite a intervenção do juiz – art.º 855º nº 2 al. b) do CPC –, não fica o juiz inibido de indeferir liminarmente a execução (vide art.º 734º nº 1 do CPC). A falta ou insuficiência do título é uma dessas questões que o juiz pode conhecer em sede liminar, rejeitando a execução [cfr. art.º 726.º nº 2 al. a) do CPC], ou, posteriormente, nos termos do supracitado art.º 734º. Mas, nesta sede liminar, tal falta ou insuficiência tem de aferir-se em face do título e da causa de pedir, bem como dos documentos que os acompanham ou deveriam acompanhar. Ou seja, não há que efectuar diligências em ordem a apurar da validade da formação do título. No caso em apreço foi dado à execução um requerimento de injunção ao qual, por ausência de oposição do requerido, foi aposta a fórmula executória. O procedimento de injunção, contrariamente a uma acção declarativa de condenação, tem por único propósito conferir força executiva ao requerimento que seja apresentado, destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação (art. 1.º, do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro) e ainda das obrigações emergentes de transacções comerciais, independentemente do seu valor (Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro). O título executivo, formado na sequência de requerimento de injunção, é, nos termos do disposto no art.º 14.º, do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o documento físico ou electrónico onde tenha sido aposta a fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções. Assim, a injunção, quando não sofre oposição, traduz-se apenas num procedimento expedito, sujeito a um controlo meramente formal, da competência de um funcionário da Administração (o secretário de justiça), pelo que a fórmula executória não pode equiparar-se ao reconhecimento judicial de um direito nem à imposição ao requerido do cumprimento da prestação. Embora tal funcionário tenha competência para recusar o requerimento de injunção por inobservância de alguma das formalidades previstas no art.º 11º, ou a aposição da fórmula executória nos casos previstos no n.º 3 do art.º 13ºA, ambos do Anexo ao Regime dos Procedimentos Especiais, a que se refere o Dec. Lei 269/98, certo é que, quando o requerente assinala nesse requerimento a existência de domicílio convencionado, não lhe exige qualquer comprovativo, nem vai verificar se efectivamente existe domicílio convencionado, procedendo em conformidade com o que vem assinalado. Basta o requerente assinalar no requerimento, no local próprio para tal, a existência de domicílio convencionado, para que a notificação do requerido (que equivale a uma citação) seja efectuada por meio de carta simples (art.º 12º A do citado regime) ou seja, por mero depósito da carta na caixa de correio do domicílio do citando, conforme foi fornecido pelo requerente e sem mais averiguações. Esta modalidade de citação, sem que previamente se tente a entrega da carta ao próprio citando, ou a pessoa que se comprometa a entregá-la, (carta registada com a. r.) ou, não sendo tal possível, sem que se realizam as diligências previstas nos nºs 3 e seguintes do art.º 12º do anexo ao Dec. Lei 269/98 ou nos nºs 8 e 9 do art.º 228º do CPC, só é possível no caso da existência de domicílio convencionado – art.º 12ºA do anexo ao Dec. Lei 269/98. No caso em apreço, embora no despacho recorrido se impute à exequente, aqui recorrente, ter indicado (falsamente) a existência de domicílio convencionado no requerimento de injunção, afirmando-se que a mesma o reconheceu em requerimento dirigido ao processo (requerimento esse que não logramos localizar), certo é que, por documentos com força probatória plena, é possível concluir que tal não sucedeu (supra factos nºs 2 e 3). Assim, embora sem relevância para o caso, pode-se afirmar que, se foram preteridas formalidades essenciais na notificação do requerido, aqui executado, tal é apenas imputável ao BNI e não à aqui exequente. E tudo indica que o foram, face aos elementos constantes dos autos, uma vez que não foi expedida carta registada com aviso de recepção, mas apenas carta registada, sendo que o nº 5 do art.º 12º do anexo ao Dec. Lei 269/98, apenas admite o envio de carta simples no caso de nas bases de dados existir mais do que uma morada (“ou se nestas constarem várias residências, …, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.”). Ora a preterição de formalidades da citação – no caso a expedição da citação por carta registada sem aviso de recepção e a sua entrega por depósito na caixa de correio do citado – torna o acto nulo nos casos e circunstâncias previstos no art.º 191º do CPC. Sucede que, a nulidade de citação só é do conhecimento oficioso nos casos previstos na 2ª parte do nº 2 do citado art.º 191º, ou seja, quando se trate de citação edital, ou quando não tenha sido indicado prazo para a defesa (cfr. art.º 196º do CPC). As restantes nulidades, como a presente – resultante de não ter sido realizada por meio de carta registada com aviso de recepção (art.º 12.º do Anexo ao DL 269/98), mas por carta registada depositada na caixa de correio do endereço que se averiguou, nas bases de dados, ser o do requerido – têm de ser arguidas pelo citando – O juiz delas “só pode conhecer sob reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”. No caso teria de ser arguida por meio de embargos à execução. Como aliás sucedeu em todos os arestos citados na douta decisão recorrida e que a fundamentam. Não podendo ser oficiosamente conhecida pelo juiz, não pode este decidir que a notificação/citação efectuada no procedimento de injunção é nula e consequentemente que não se formou um título executivo válido. Sendo certo que, para justificar o indeferimento liminar, o Mmº. Juiz “a quo” apenas poderia atender ao que constava do requerimento executivo, do título (requerimento de injunção) e do contrato junto, e em nenhum deles se patenteava qualquer insuficiência do título, no caso, vício na sua formação. Assim, não só não se verificam parte dos pressupostos em que assentou a decisão recorrida, como os mesmos não poderiam ter conduzido a tal decisão, por se tratar de matéria que não era lícito ao juiz conhecer oficiosamente. Pelo exposto, somos forçados a dar razão à exequente, impondo-se revogar a decisão recorrida, que não terá de ser substituída por outra, uma vez que a execução não carece de despacho liminar, que a admita, para prosseguir os seus termos. V – DELIBERAÇÃO Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida. Sem custas. Guimarães, 25-02-2021 Eva Almeida António Beça Pereira Ana Cristina Duarte