Sumário (da relatora): I A propositura do procedimento cautelar comum exige a alegação de factos concretos e objetivos donde resulte a lesão grave e irreparável ou dificilmente reparável do direito violado (continuada ou repetidamente) ou ameaçado –requisitos estes de verificação cumulativa. II A gravidade tem que ver com a repercussão na esfera jurídica do requerente, mas também se reflete no interesse em agir na medida em que a afetação do direito tem de provir de uma ameaça séria e realista. III A natureza irreparável ou de difícil reparação, no caso de prejuízos materiais, terá que advir da insusceptibilidade de compensação.
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (seguindo de perto o elaborado na 1ª instância). T. B. e marido J. A. intentaram o presente procedimento cautelar comum contra H. P., tendo em vista que este seja intimado para: a) Retirar, de imediato, o veículo automóvel de marca Ford, cor branca, com matrícula FM, que estacionou no caminho de consortes, a ocupar parte do leito deste caminho de consortes, deixando o caminho de consortes livre e desimpedido, em toda a sua largura, extensão e comprimento, para que a requerente possa por ali aceder aos seus prédios rústicos, proveniente da via pública e aceder a esta proveniente dos seus imóveis, designadamente com máquinas, tractores e carrinhas de caixa aberta; b) Se abster de, por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir, prejudicar o uso, gozo e fruição pela requerente do seu direito de compropriedade sobre o caminho de consortes e de propriedade sobre os seus prédios rústicos. Para o efeito, alegaram que são proprietários de três prédios rústicos aos quais acedem a partir da via pública através de um caminho de consortes, o qual está a ser parcialmente ocupado pelo requerido que nele estacionou um veículo automóvel, não obstante carecer de qualquer título que o legitime, situação que impede os requerentes de acederem aos prédios rústicos com máquinas, tratores e viaturas automóveis, nomeadamente de caixa aberta, e por isso os impede de granjear e cultivar os prédios com a sua consequente degradação. Mais pretendem aproveitar o apoio financeiro na ordem dos € 29.713,76 que conseguiram ao ver aprovada a sua candidatura ao programa Vitis 2020/2021 para plantação de vinha por reconstituição, mediante o cumprimento de determinados prazos e requisitos; para o efeito, até 30/4/2021 terão de proceder aos arranques, e até 30/6/2021 terão de ter os trabalhos concluídos, estando assim na iminência de perder a ajuda financeira por falta de acesso aos prédios que impede os trabalhos. Além disso necessitam de podar as árvores e recolher a lenha em fevereiro, antes da floração de março. Finalmente, os requerentes alegam que a conduta do requerido lhes causa lesão difícil de reparar, porque, mesmo com a instauração de uma ação, decorrerão anos sem que possam entrar e sair dos seus prédios com máquinas, tratores e carrinhas de caixa aberta pelo caminho de consortes. Os requerentes atribuíram à ação o valor de € 5.000,01. Juntaram documentos.*Pelo Tribunal “a quo” foi proferido o seguinte despacho liminar: “Sucede, todavia, que a referida argumentação não consubstancia a alegação de quaisquer factos demonstrativos da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, condição essencial ao decretamento da providência cautelar requerida, de harmonia com o que dispõem os artigo 362.º e 368.º do Código de Processo Civil. Da conjugação do disposto nas citadas disposições legais, resulta que o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: a) A probabilidade séria da existência de um direito (fumus boni iuris); b) O fundado receio de que outrem cause lesão grave e difícilmente reparável ao direito (periculum in mora); c) A inexistência de providência cautelar especificada que acautele o risco de lesão; d) A adequação da providência solicitada para evitar a lesão; e) O prejuízo resultante para o requerido do decretamento da providência não deve exceder consideravelmente o dano que com ela se quer evitar. Foquemos, desde já, a atenção sobre a existência de alegação de um periculum in mora. Todas as providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção (n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil). Se para a verificação do primeiro pressuposto é suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado - fumus boni iuris -, atenta a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal, já quanto à gravidade da lesão e à dificuldade da respectiva reparação são as exigências de prova bem maiores, devendo esta conduzir à formação de um juízo de maior certeza. Significa isto então que deve verificar-se um prejuízo substancial, grave e de difícil reparação, sendo que, estando em causa apenas danos patrimoniais, o critério deve ser ainda mais exigente, uma vez que eles são passíveis de reparação na acção principal, seja através de reconstituição natural seja através de indemnização por mero equivalente pecuniário. A este propósito, alegam os requerentes que, por causa da actuação dos requeridos, não poderão entrar nos seus prédios rústicos para os cultivarem e perderão o apoio financeiro que conseguiram ver aprovado. Ora, o quadro factual alegado não permite concluir pela existência de prejuízos graves decorrentes da actuação do requerido, mas apenas concluir pela ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução dos trabalhos necessários à obtenção de financiamento para a plantação da vinha e da falta de cultivo dos prédios rústicos, os quais sempre poderão ocasionar o direito a uma indemnização a pagar pelo requerido, não bastando alegar que a acção a propor para esse efeito demorará anos. Falta, portanto, em absoluto, a alegação de factos que sustentem a existência de uma lesão dificilmente reparável. Assim sendo, não se vislumbra a existência do fundado receio de que o direito de que os requerentes se arrogam sofra lesão grave e de difícil reparação, requisito essencial para que se possa decretar a providência, tanto mais que, nessa matéria, nada de relevante foi alegado. Ora, sendo os pressupostos do decretamento da providência cautelar prescritos pelo artigo 362.º do Código de Processo Civil de verificação cumulativa e não tendo sido alegados factos tendentes a demonstrar a existência de um periculum in mora, impõe-se, desde logo, a conclusão de que nunca o presente procedimento cautelar poderá ser procedente. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefiro a requerida providência cautelar. *Condeno os requerentes no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto nos artigos 527.º e 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Fixo à causa o valor de € 5.001,00, nos termos do disposto nos artigos 297.º, 304.º, n.º 3, alínea d), e 306.º do Código de Processo Civil.”*No despacho de admissão de recurso o Tribunal pronunciou-se pela não verificação de qualquer nulidade nos seguintes termos: “I. Da nulidade do despacho liminar proferido Os recorrentes concluem nas suas alegações de recurso, para além do mais, que o despacho liminar proferido é nulo nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. De acordo com o referido preceito legal a sentença é nula seja quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Sustentam os recorrentes que o despacho que liminarmente indeferiu a requerida providência cautelar é nulo pelos seguintes motivos: - Não declarou quais os factos considerados provados e não provados; - Não analisou criticamente as provas, indicando as ilações dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; - Não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida. Entendemos, porém, que a apontada omissão de fundamentação não existiu. Desde logo, porquanto a decisão do Tribunal se estribou na circunstância de não terem sido alegados pelos requerentes factos que permitam, uma vez considerados os mesmos provados, fundar o decretamento da requerida providência cautelar. Com efeito, lê-se no despacho objecto de recurso, após se exporem os factos alegados pelos requerentes: “Sucede, todavia, que a referida argumentação não consubstancia a alegação de quaisquer factos demonstrativos da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, condição essencial ao decretamento da providência cautelar requerida, de harmonia com o que dispõem os artigos 362.º e 368.º do Código de Processo Civil.” A decisão liminar continua, identificando quais os pressupostos fácticos exigidos pelas normas legais aplicáveis e explicando que o pressuposto da alegação de um periculum in mora se encontra ausente do requerimento apresentado: “Todas as providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção (n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil). Se para a verificação do primeiro pressuposto é suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado - fumus boni iuris -, atenta a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal, já quanto à gravidade da lesão e à dificuldade da respectiva reparação são as exigências de prova bem maiores, devendo esta conduzir à formação de um juízo de maior certeza. Significa isto então que deve verificar-se um prejuízo substancial, grave e de difícil reparação, sendo que, estando em causa apenas danos patrimoniais, o critério deve ser ainda mais exigente, uma vez que eles são passíveis de reparação na acção principal, seja através de reconstituição natural seja através de indemnização por mero equivalente pecuniário. A este propósito, alegam os requerentes que, por causa da actuação dos requeridos, não poderão entrar nos seus prédios rústicos para os cultivarem e perderão o apoio financeiro que conseguiram ver aprovado. Ora, o quadro factual alegado não permite concluir pela existência de prejuízos graves decorrentes da actuação do requerido, mas apenas concluir pela ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução dos trabalhos necessários à obtenção de financiamento para a plantação da vinha e da falta de cultivo dos prédios rústicos, os quais sempre poderão ocasionar o direito a uma indemnização a pagar pelo requerido, não bastando alegar que a acção a propor para esse efeito demorará anos. Falta, portanto, em absoluto, a alegação de factos que sustentem a existência de uma lesão dificilmente reparável.” Ora, se o cerne da decisão se prende com a ausência de factos alegados que possam vir a sustentar, uma vez demonstrados, o decretamento da providência cautelar requerida, irrelevante se torna o apuramento e avaliação das provas produzidas e requeridas em relação aos factos alegados, pois jamais a respectiva prova poderia conduzir à decisão pretendida pelos requerentes, sendo certo que o Tribunal se referiu no despacho em crise aos factos afirmados no requerimento inicial e se debruçou sobre a sua suficiência e relevância para uma decisão de decretamento da providência cautelar. Em face do exposto, por ser nosso entendimento que a decisão proferida foi adequadamente fundamentada, julgo não verificada a nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.”*Inconformados, vieram os requerentes interpor recurso que terminam com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “1ª Os recorrentes não se conformam com a sentença proferida, porquanto a mesma fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. 2ª No caso concreto, os requerentes alegaram em 37º a 87º do requerimento inicial os factos essenciais que integram o requisito do periculum in mora, pretendendo evitar a lesão num prejuízo de 29 713,76 €. 3ª Pelo que este valor de 29 713,76 € deveria ter sido fixado como valor da causa. 4ª O Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 304º, nº 1, d) e 306º, nº 1 do C.P.C, devendo, em consequência, ser fixado à causa o valor de 29 713,76 €. 5ª No caso dos autos, o Juiz da causa não esclareceu devidamente os fundamentos da decisão, Uma vez que não declarou quais os factos provados e quais os não provados, mesmo que indiciariamente, por se tratar de uma providência cautelar, Assim como não analisou criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. 6ª Para além disso, o Juiz não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, isto é, o Juiz não apreciou as provas acerca de cada facto alegado. 7ª Pelo que não fundamentou a decisão. 8ª Tal omissão ou irregularidade têm influência no exame e na decisão da causa, pelo que é motivo de nulidade, que se invoca, nos termos gerais, do artigo 195º do C.P.C. e, caso assim não se entenda, por via do disposto no artigo 615º, nº 1, b) do C.P.C.. 9ª De 37º a 87º do requerimento inicial os recorrentes alegaram a factualidade que demonstra a existência de um periculum in mora. 10ª E que se traduz na iminência de se perder a ajuda financeira da Candidatura Vitis 2020/2021, no valor total de 29 713,76 €, assim como de se prejudicar o granjeio das árvores de furto e oliveiras, por falta de poda. 11ª Para a demonstração destes factos, os requerentes juntaram a prova documental composta pelos documentos 6 a 11 do requerimento inicial, cujo teor aqui se dá como reproduzido, e requereram a prova por declarações de parte, por testemunhas e por inspeção judicial ao local. 12ª Pelo que os recorrentes alegaram e indicaram prova suficiente e até bastante para a demonstração da existência do fundado receio de que o direito de que se arrogam sofra lesão grave e de difícil reparação. 13ª Diga-se ainda que o quadro fatual alegado permite concluir, sem dúvidas, nem ambiguidades, pela existência de prejuízos graves decorrentes da atuação do requerido. 14ª Dado que a execução dos trabalhos necessários para a plantação da vinha e cultivo dos prédios rústicos, no âmbito da candidatura VITIS apresentada, só será possível com a obtenção do financiamento aprovado, dentro dos limites temporais alegados. 15ª Donde não se trata de uma mera ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução de trabalhos. 16ª Trata-se sim de verdadeiras perdas e danos causados aos requerentes pelo requerido. 17ª Ademais, sempre se dirá, com meridiana clareza, que a própria ausência de proveitos económicos, nos termos considerados pelo Tribunal, constitui igualmente. só por si, um prejuízo grave e de difícil reparação. 18ª Tanto mais que face à realidade económica e social em que Portugal se encontra, a quantia de 29 713,76 € representa um sério, grave e dificilmente reparável prejuízo e lesão. 19ª Até atendendo à situação dos pequenos e médios produtores e agricultores do Douro. 20ª Para quem as ajudas e benefícios para a reconversão das vinhas velhas representa sempre um enorme esforço e investimento económico acima da suas reais possibilidades. 21ª Deve concluir-se pela existência de prejuízos graves decorrentes da atuação do requerido. 22ª Os requerentes alegaram factos e arrolaram prova que sustentam a existência de uma lesão grave e dificilmente reparável. 23ª Assim sendo, existe o fundado receio de que o direito dos requerentes sofra uma lesão grave e de difícil reparação, o que constitui o requisito essencial para que se deva decretar a providência. 24ª Ora, sendo os pressupostos do decretamento da providência cautelar prescritos pelo artigo 362º do C.P.C. de verifica-se cumulativa e tendo sido alegados factos tendentes a demonstrar a existência de um periculum in mora, impõe-se, desde logo, a conclusão de que o presente procedimento cautelar deverá ser procedente. 25ª Nestes termos e pelos fundamentos expostos, a requerida providência cautelar devia ter sido deferida. 26ª Tanto mais que o pedido não é manifestamente improcedente. 27ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 362º, nº 1 e 590º, nº 1 do C.P.C..” Pedem que o recurso seja julgado provado e procedente, e, em consequência, que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que determine a procedência do recurso, conforme alegado e concluído, devendo a providencia cautelar requerida ser deferida.***Após os vistos legais, cumpre decidir.***II QUESTÕES A DECIDIR. Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos. Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir: -qual o valor correto do procedimento; -a decisão incorre em nulidade por falta de fundamentação; -deve ser revogada a decisão que indeferiu a providência cautelar. ***III VALOR DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. Insurgem-se os recorrentes quanto ao valor do procedimento, fixado no despacho proferido. Dispõe o artº. 296º do C.P.C. que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido –nº. 1. Refere o nº. 1 do artº. 297º do C.P.C. que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício. Estas são as regras gerais, aplicáveis também nos incidentes e nos procedimentos cautelares. Concretamente nas providências cautelares não especificadas face ao previsto no artº. 304º, nº. 3, d), do C.P.C., o valor é determinado pelo prejuízo que se procura evitar, considerando a sua natureza patrimonial ou imaterial e ajustando o valor em função dos critérios específicos extraídos das normas especiais (artºs. 298º a 303º do C.P.C.) –cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol I, pag. 354. O valor da causa tem de vir indicado na petição inicial da ação, incidente ou procedimento –artºs. 305º, nº. 3, 552º, nº. 1, f), 558º, e), C.P.C.- sob pena de convite do juiz nesse sentido e caso não tenha havido recusa da peça, neste caso sob pena de extinção da instância. Não obstante, compete ao juiz fixar o valor da causa, nos momentos previstos no artº. 306º do C.P.C. –desde logo quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite –artº. 308º do mesmo C.P.C.. Significa isto, e nesta fase processual, que o juiz podia considerar que não estava de acordo com os critérios legais o valor indicado pelos requerentes e nesse caso devia ter procedido á sua “correção”. O Tribunal porém aceitou o valor indicado pelos próprios requerentes. Assim sendo, parecer-nos, salvo o devido respeito, que não podem estes, nesta fase liminar, vir impugnar através do recurso, por falta de uma decisão que se tenha debruçado sobre um seu requerimento ou pretensão, o despacho proferido nessa matéria –que foi ao encontro do que propugnavam na sua petição inicial. Por outro lado, da decisão proferida e da eventual revogação não decorre nenhum efeito para os requerentes na medida em que do ponto de vista da alçada nada é alterado (cfr. artºs. 629º, nº. 3, c) e 370º, nº. 2, C.P.C.), e do ponto de vista de pagamento de taxa não os beneficia (artº. 7º, nº. 4, e tabela II no que concerne à taxa inicial e artº. 7º, nº. 2, e tabela I B, no que concerne à taxa de recurso, mais elevada se pelo valor defendido, tudo do Regulamento das Custas Judiciais). ***IV NULIDADE DO DESPACHO. Dizem os recorrentes que “No caso dos autos, o Juiz da causa não esclareceu devidamente os fundamentos da decisão, Uma vez que não declarou quais os factos provados e quais os não provados, mesmo que indiciariamente, por se tratar de uma providência cautelar, Assim como não analisou criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.(…) Para além disso, o Juiz não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, isto é, o Juiz não apreciou as provas acerca de cada facto alegado.(…) Pelo que não fundamentou a decisão. Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e)O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado. Esta disposição, bem como a argumentação sobre a mesma que segue, aplica-se também aos despachos que não sejam de mero expediente –artº. 613º, nº. 3, C.P.C.. Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença/despacho. As nulidades da sentença/despacho, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença/despacho, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt). Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drª Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).” Com exceção das previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, n.º 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento como se destaca no excerto (que por sua vez cita o mencionado acórdão da Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha) “O recurso civil, vol. I”, do Prof Rui Pinto (Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), cuja edição terá lugar em 2020, e publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020. Face à nulidade aqui invocada, a apreciação que se impõe fazer remete-nos ainda para o disposto no artº. 154º, nº. 1, do C.P.C., que estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. O dever de fundamentação assenta no principio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa). A sanção para o desrespeito desse dever é a cominação de nulidade. Dizia já Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pag. 284, que “…a parte vencida carece de ser convencida, isto é, de conhecer as razões do seu insucesso, para que possa atacá-las por via de recurso, se quiser e puder recorrer. Mas não é esta a única justificação do preceito legal, pois que a exigência da motivação é aplicável mesmo às decisões de que não cabe recurso. Desde que o nosso sistema é o de legalidade, o juiz tem de demonstrar que decidiu em conformidade com a lei; tem, portanto, de interpretar a norma legal adequada e aplicá-la aos factos da causa. Este trabalho de interpretação e aplicação é da mais alta importância; é por via dele que se forma a jurisprudência e que esta se vai uniformizando e adaptando às novas condições e necessidades do meio social”. A fundamentação tem de ser factual e jurídica. E de acordo com o nº. 2 do citado artº. 154º, não pode ser através da mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição em apreço, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. Também se pode divergir se falta absoluta constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis “Código V cit., pag. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, pags. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente. Analisa criticamente estas posições o Prof. Rui Pinto em “O Recurso Civil” Vol I a publicar, e antecipa no texto “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), este publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020. Conclui o autor do texto a sua posição no sentido que (…) há que separar de um lado a sentença ou despacho não estarem fundamentados (de facto ou de direito), no todo ou em parte, e, do outro, a fundamentação estar presente, mas ser inadequada – não apresentar o mérito demonstrativo – para a parte dispositiva A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação de modo a garantir sempre um mínimo de impugnação de tipo de reclamatório, para as sentenças que não admitam recurso ordinário. Portanto, a falta de fundamentação não tem de ser total, pelo que subscrevemos na integra a conclusão do ac. RG 18-1-2018/Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/192670" target="_blank">75/16.0T8VRL.G1</a> (ANTÓNIO BARROCA PENHA), na esteira do ac. RC 17-4-2012/Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/121718" target="_blank">1483/09.9TBTMR.C1</a> (CARLOS GIL)42 , de que “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”, assim, “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação” (STJ 2-3-2011/Proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1 (SÉRGIO POÇAS). Também “a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório”, 43 Nele se julgou que à “falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”. Mas também se defende e decide que situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva. Tal ocorre quando a fundamentação existe formalmente, mas padece de insuficiência, mediocridade ou erroneidade. Ora, uma coisa é a decisão não conter fundamentação e, outra, é “bem ou mal, o tribunal fundamenta[r] a decisão” (RP 11-1-2018/Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/136154" target="_blank">2685/15.4T8MTS.P1</a> (FILIPE CAROÇO)). É como um tertium genus, “entre a fundamentação completa, total e indubitável e a falta de fundamentação” (TCAN 28-4-2016/Proc. 00385/08.0BEBRG (MÁRIO REBELO))45 . Aqui já não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento46 . 45 “Não é uma fundamentação completa e exaustiva, mas também não configura uma total falta de Fundamentação”, prossegue o mesmo acórdão. 46 STJ 2-6-2016/Proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (FERNANDA ISABEL PEREIRA).” Nesta senda, para Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Processo Civil”, pag. 221) “…esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível». No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pag. 669. Aplicando aos autos, verifica-se que o despacho que apreciou a nulidade em sede de 1ª instância já diz tudo o que se afigura pertinente no sentido de não assistir razão aos recorrentes. O Tribunal proferiu um despacho de indeferimento liminar pelo que não tinha que elencar matéria (indiciariamente) provada ou não provada; tão só tinha, como fez, de remeter para a factualidade alegada e que considerou insuficiente; não houve produção de qualquer prova, pelo que não faz sentido a referência à falta de menção aos meios de prova. E por outro lado, o Tribunal apresentou os seus argumentos de direito que sustentam a decisão proferida: entendeu que a factualidade alegada não é demonstrativa da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, pressuposto para que possa ser decretada uma providência cautelar comum, pelo que, ainda que tudo se apurasse, não bastava para um juízo de procedência. Improcede por isso esta questão. ***V MATÉRIA DE FACTO. A matéria de facto a considerar prende-se tão só com a factualidade alegada pelos requerentes no seu requerimento inicial como fundamento do seu pedido, bem como o teor deste, o que já consta em resumo do relatório “supra” e que resulta da leitura da peça respetiva. ***VI O MÉRITO DO RECURSO. O Tribunal recorrido decidiu pelo indeferimento (liminar) da providência cautelar independentemente da prova que viesse a ser feita relativamente à matéria alegada como seu fundamento, dada a sua manifesta improcedência uma vez que não está alegada factualidade suscetível de demonstrar a verificação do “periculum in mora”, requisito (cumulativo com os demais) para o seu sucesso. Em sede de enquadramento da decisão a proferir iremos tecer algumas considerações sobre os procedimentos cautelares e concretamente sobre o comum, para depois as aplicar ao caso. O objetivo das providências cautelares há-de ser o de acautelar o efeito útil da ação –artº. 2º, nº. 2, C.P.C.. As providências cautelares têm a sua justificação no princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte (-com maior desenvolvimento vide Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, pags. 81 a 91 da 2ª edição). As providências cautelares são medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica” -Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, pag. 23 e segs. da 2ª edição. No Código de Processo Civil existe a figura do processo cautelar comum, “comportando a regulamentação dos aspectos comuns a toda a justiça cautelar. Institui-se, por esta via, uma verdadeira ação cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o “periculum in mora” concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efetivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida” -preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12. O procedimento cautelar comum tem por isso carácter residual, quer no plano das regras adjetivas, quer no plano das providências que nele se podem integrar -cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 56. Ao procedimento cautelar comum aplicam-se os artºs. 362º a 376º do C.P.C.. Refere o nº. 1 do artº. 362º que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor – nº. 2 do mesmo. “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte” – nº 3 do mesmo. A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. – nº. 1 do artº. 368º. “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” –nº. 2. São então requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência: 1. - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito – “fumus bonis juris”). 2. - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio lhe causará uma lesão grave e dificilmente reparável (ao direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar) –“periculum in mora”; a providência cautelar será o meio adequado a evitar o dano eminente ou o agravamento da lesão. 3. - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar (-não nos alongaremos nesta matéria, mas pode ver-se neste ponto antes uma causa impeditiva ou extintiva do exercício do direito). 4. - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado. Veja-se nesta matéria e a propósito dos requisitos o Ac. da Rel. do Porto de 21/02/2018 (dgsi.pt, relatora Drª Maria de Jesus Pereira). Estes requisitos são de verificação cumulativa, podendo nas providências nominadas pode ser dispensado um ou outro destes requisitos em concreto. Do artº. 364º do C.P.C. decorre que as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal -cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 120. Ressalvados ficam os casos da inversão do contencioso em que os efeitos podem via a tornar-se definitivos –artº. 369º d C.P.C. (…). O objeto da providência há-de, por conseguinte, ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade (mesma obra, pags. 120 e 121). A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal. Esta identidade objetiva, no entanto, não tem de ser total, sendo admissível que o objeto da ação principal seja mais amplo que o do procedimento cautelar, abrangendo mesmo outros direitos não salvaguardados pela providência cautelar não especificada. Nesta matéria veja-se o Ac. da Rel. do Porto de 7/04/2016, disponível no site da dgsi. Assim, do artº. 364º, nº. 1, C.P.C. resulta que o procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado. Ou seja, tem natureza instrumental relativamente à causa de que depende na medida em que, fundando-se esta em determinado direito, o procedimento cautelar visa assegurar a efetividade desse mesmo direito, é como que uma medida de apoio a este. Assenta num juízo provisório sobre tal direito, que será ou não confirmado na causa principal; quando decreta uma providência cautelar, o tribunal antecipa provisoriamente, mediante apreciação sumária, um julgamento a proferir mais tarde, acautelando ou antecipando os efeitos da providência definitiva no pressuposto de que a decisão definitiva venha a confirmar o juízo provisório. Daí que a providência cautelar esteja para a sentença a proferir no processo principal na mesma relação em que um juízo provisório sobre determinada matéria está para com o juízo definitivo sobre a mesma matéria -cfr. Ac. Rel. Lisboa de 29-03-1990, citado no Ac. da Rel. de Évora de 6/11/2008, ambos disponíveis na dgsi. Por isso, e seguindo a exposição deste Acórdão, é que o objeto do procedimento cautelar deve coincidir, pelo menos parcialmente, com o da ação, ou melhor, o desta deve incluir o daquele. Enquanto objeto da ação é o "direito acautelado" (artº. 364°, nº. 1, C.P.C.), o objeto da providência é o direito ameaçado ou violado. Através da ação principal deve procurar-se tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar. Mais do que isso, através do pedido formulado na ação principal deve o autor pretender decisão cuja efetividade fique diretamente assegurada através da providência solicitada. O que não exclui a possibilidade de a ação versar outros direitos não salvaguardados na providência nem a de os pedidos serem diferentes, porque as finalidades prosseguidas no procedimento cautelar e na ação serem naturalmente diferentes. Tudo isto foi visto do ponto de vista da identidade objetiva. Mas deve verificar-se também uma identidade subjetiva entre as partes do procedimento cautelar e as da ação principal. O autor desta deve ser o titular ativo do direito ameaçado e requerente do procedimento e o aí réu deve ser o sujeito passivo daquele direito e requerido no procedimento (cfr. Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, 2003, pag. 95). Se através da ação principal se deve procurar a tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar, isso quer dizer que a tutela é sempre dirigida contra alguém que violou (ou ameaçou violar) o direito. Daí a justificação da referida identidade subjetiva passiva entre o procedimento cautelar e a ação principal. Seguimos novamente aqui a orientação do citado Acórdão da Rel. de Évora. Em suma, os princípios da instrumentalidade e dependência são também requisitos a respeitar na propositura de um qualquer procedimento cautelar. E tal pressupõe as referidas identidades objetivas e subjetivas. Ora, se relativamente à probabilidade da existência do direito a lei contenta-se com a verificação de indícios razoáveis, ou a mera aparência do direito, já quanto ao “periculum in mora” (-a demora e o dano decorrente da demora) exige-se um juízo de certeza que se revele suficientemente forte; cabe ao requerente a alegação e demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação; deve assentar em factos concretos e consistentes, valorados objetivamente, bem como a necessidade de ser acautelado por via provisória. No C.P.C. não se tutelam situações de efetiva e consumada violação, salvo nos casos em que se prevê que a violação prosseguirá de forma continuada ou repetida; prevê-se e previne-se situações suscetíveis de causar lesão grave e dificilmente reparável. Como se diz na obra de Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição (pags. 206 a 208), “visando a providência cautelar evitar a lesão de um direito, esta não pode ser decretada, porque injustificada, se essa lesão já se tiver consumado, salvo se essa lesão fundamentar o receio de ocorrência de outras lesões idênticas e futuras, a produção de lesões de natureza continuada ou repetida, ou o agravamento do dano”. No caso em apreço nada foi apontado e não se afigura necessário abordar ou fazer qualquer reparo relativamente à alegação da matéria respeitante à aparência do direito e à sua violação ou lesão. Os requerentes alegam a propriedade dos prédios rústicos que identificam, a posse do caminho que lhes dá acesso, e o facto de estarem impedidos de o utilizar da forma necessária à utilização dos prédios em virtude de uma ação do requerido. A questão coloca-se na (in)existência de factos que permitam formular o necessário juízo de gravidade e irreparabilidade ou difícil reparação da lesão. Neste particular tem vindo a ser posição da jurisprudência, seguindo a posição, entre outros, de António Santos Abrantes Geraldes, exposta em “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., pags. 84 e 85, que refere a propósito do interesse em agir: (…) o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis. A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado. Pela proteção cautelar não se abarcam apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular. Porém, especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto á aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva. Apesar disso, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de proteção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados (…).” E mais acentua este autor a necessidade de verificação cumulativas da gravidade das lesões previsíveis que justificam a tutela provisória e da sua irreparabilidade absoluta ou difícil. Estamos perante conceitos indeterminados, que cabe preencher em cada caso. Vejamos também a propósito as palavras de marco Carvalho Gonçalves, a pags. 205 da obra citada: “A nossa jurisprudência tem vindo a considerar que o conceito de “lesão grave e irreparável ou de difícil reparação” deve ser integrado de acordo com dois critérios: um critério subjetivo, o qual “atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente”; um critério objetivo, o qual de ser “aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para a reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar, sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo”. Assim, um dano consubstanciado num prejuízo de natureza financeira não será, por via de regra, grave e irreparável ou de difícil reparação, salvo se o mesmo for insusceptível de integrar compensação na eventualidade de a ação principal vir a ser julgada procedente” (eliminamos as notas). Ora, e fazendo essa aplicação, em primeiro lugar e quanto à impossibilidade da granjear e cultivar os prédios, e à impossibilidade de poda das árvores, nada é dito quanto à gravidade (nomeadamente a degradação dos prédios) ou sequer são avançados prejuízos concretos daí decorrentes. Em causa, e é esse o cerne do recurso, estaria em causa a perda do apoio financeiro decorrente da candidatura aprovada, no valor de € 29.713,76. De frisar em primeiro lugar que os recorrentes não avançam a aquisição de qualquer outra vantagem decorrente da candidatura que não seja o dito apoio financeiro, nem tal resulta dos documentos que juntaram. Assim sendo, o que temos em causa é “apenas” uma lesão de ordem material, que lhes acarretará um prejuízo que pode ser naquela ordem de valores. E dizemos pode porque da leitura dos documentos juntos pelos requerentes resulta também que o pagamento daquela quantia está sujeita não só ao cumprimento de prazos, mas também do plano traçado (matéria esta que extravasa a suposta consequência da atuação do requerido). Daí também resulta que os prazos não são absolutos, concretamente, e para além da associação da data do arranque ao modo de comunicação do mesmo (ponto 1 do documento 11), resulta do ponto 1º do documento 11 que os trabalhos devem estar concluídos até 30/6/2021, ou nesta data deve ser apresentada garantia bancária correspondente a 80% da ajuda concedida o que permite a conclusão dos mesmos trabalhos até 30/6/2022. Mas ultrapassada essa ligeira alteração (que poderia ser melhor explicada ou melhor concretizados os seus termos e dificuldades), temos uma lesão de ordem patrimonial. Face ao já exposto, vejamos se decorre então dos factos alegados, concretos e consistentes, valorados objetivamente, a demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação, bem como a necessidade de ser acautelado por via provisória. Pela sua natureza o dano em causa não é irreparável. O artº. 562º do C.C., quanto à reparação do dano, prevê a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. O artº. 564º, nº. 1, abrange nessa reparação o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes). E o artº. 566º, nº. 1, dá prevalência à reconstituição natural como forma de indemnização, mas se tal não for possível (por não reparar integralmente ou por ser excessivamente onerosa para o devedor) prevê a indemnização em dinheiro, dispondo de seguida sob a forma de cálculo. Como já dissemos, estando em causa apenas um dano de natureza patrimonial, este é suscetível de ser ressarcido por indemnização em dinheiro. A sua gravidade e a sua difícil reparação teriam por isso de resultar de outros factos, nomeadamente tendentes a demonstrar que o valor em causa, face á situação económica de requerentes e requerido, é respetivamente um dano grave (na esfera dos primeiros) e dificilmente reparável (pelo segundo). Debruçando-se sobre o assunto podem ver-se os Acs. desta Relação de 21/9/2017, da Rel. do Porto de 22/11/2011, e da Relação de Évora de 5/5/2010 (www.dgsi.pt). Da leitura do articulado nada resulta quanto a esta matéria. Daí que o Tribunal tenha concluído e a nosso ver bem pela ausência de factualidade que pudesse levar à conclusão da verificação do “periculum in mora” na vertente da lesão grave e dificilmente reparável (que não é mera decorrência do decurso do tempo, ou seja, o que se pretende evitar nestas providências antecipatórias é a penalização decorrente do decurso do tempo relativamente à lesão grave e dificilmente reparável ou irreparável). De referir ainda que os recorrentes não podem vir em sede de recurso tentar suprir a falha do requerimento inicial como parece resulta das conclusões 19 e 20 –ainda sim meras conclusões, sem suporte factual. Cremos que uma outra objeção deve ser apontada ao alegado. Da leitura da peça inicial não decorre qual a ação que os requerentes levaram previamente a cabo relativamente ao requerido no sentido de evitar a manutenção ou persistência da conduta alegadamente lesiva, designadamente se o instaram a retirar o veículo ou a permitir a passagem de outros veículos; ou sequer, e mesmo antes desse exercício, se o estacionou naquele local de forma premeditada. Parece-nos pois que falta também a justificação para a necessidade da composição urgente e provisória do litígio. Nesta medida não decorre a gravidade, a qual releva também para efeitos de aferição do interesse em agir, na medida em que teria de resultar dos autos que o requerente não tem ao seu alcance outro meio (menos gravoso) de obter a proteção do direito que aqui pretende acautelar –ou seja, a necessidade de tutela. Ou, dito de outro modo, o fundado receio tem de provir de uma ameaça séria e realista. Não estamos neste caso dos autos perante uma insuficiente alegação (que conduziria ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos previstos no artº. 590º, nº. 4, C.P.C.), mas de uma ausência de alegação dos necessários requisitos à procedência da providência requerida, e nessa medida faltam factos essenciais que constituem a causa de pedir. *Não podemos deixar de abordar uma outra possibilidade que se podia colocar nesta fase liminar do processo. O atual Código de Processo Civil deu prevalência clara aos aspetos de ordem substancial sobre as questões de natureza formal: veja-se o princípio da adequação formal -artº. 547º do C.P.C., bem como o princípio do dever de gestão processual do artº. 6º que também ali encontra fundamento. Nesse sentido e contexto, o nº. 3 do artº. 376º do C.P.C., impondo ao Juiz o poder -dever de convolar a providência concretamente requerida para a que considere legalmente adequada ou mais eficaz à prevenção do dano receado, cumprindo-lhe, pois, “corrigir, mesmo oficiosamente, o erro na forma do processo, consistente em se requerer procedimento cautelar comum quando a situação é subsumível aos pressupostos de determinado procedimento nominado, ou vice-versa, bem como em ter-se requerido um destes, quando seja legalmente aplicável outro à hipótese” “sub judicio” (Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, pag. 288). Marco Carvalho Gonçalves fala a propósito (a pags. 316 e 317 da obra citada) de uma exceção ao princípio do dipositivo consagrado nos artºs. 5º e 609º do C.P.C.. O mesmo autor trata em seguida das limitações a este poder dever (pags. 319 a 321). Significa isto no caso concreto que se poderia conjeturar a convolação da providência cautelar não especificada para uma providência cautelar de restituição provisória de posse –artº. 377º do C.P.C. (-estando o oposto expressamente previsto dado que na maioria das vezes o que não se apura é o requisito da violência que exige este último –artº. 379º). A correção oficiosa só é possível desde que os autos comportem os elementos fundamentais da providência que se mostre adequada (cfr. além do autor, o Ac. da Rel. de Lisboa de 21/6/2007, www.dgsi.pt). Neste caso, não seria necessário alegar a gravidade e irreparabilidade ou dificuldade de reparação da lesão, mas em contrapartida teria de se alegar o esbulho violento. Como refere António Geraldes, embora na situação oposta, “…nestas circunstâncias devem ser respeitados os requisitos e seguir-se a tramitação procedimental adequada, de tal forma que a tutela cautelar apenas será conferida quando se torne verosímil a existência dos requisitos de que dependem as providências não especificadas, aqui materializados através da séria probabilidade de existência da posse e do suficiente fundamento do receio de lesão grave e dificilmente reparável. Para que um tal desiderato possa ser alcançado, torna-se necessária a alegação dos factos respectivos, integrando uma situação de posse turbada, com ou sem violência, ou esbulhada através de processo não violento, assim como a situação de periculum in mora, o que pode exigir a quantificação e qualificação dos danos decorrentes da concretização das ameaças ou da persistência do esbulho” (“Temas da Reforma do Processo Civil”, III volume, 2ª ed., pag. 80). Porém no caso dos autos constata-se também a não alegação de atos de esbulho (que implique a perda da posse) nem de violência, esta entendida no seu sentido mais amplo, ou seja, tanto dirigida à pessoa dos requerentes como contra os seus bens (neste sentido, Alberto dos Reis, “CPC Anotado”, vol. I, pag. 670, Pires de Lima e Antunes Varela, “CC Anotado”, vol. III, 2ª ed., pag. 23, Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed., pag. 238, e Rodrigues Bastos, “Notas”, vol. II, 2ª ed., pág. 244). Esta matéria vem desenvolvido no Vol. IV dos “Temas…” de António Geraldes a pags. 41 a 45. Entre muitos outros, o Ac. da Rel. do Porto de 26/2/2008 (www.dgsi.pt) analisa esses conceitos. *Por tudo o exposto, entendemos ser de manter o despacho proferido, sem prejuízo dos requerentes fazerem uso, querendo, do disposto no artº. 560º do C.P.C. “ex vi” artº. 590º, nº. 1, do mesmo.***VII DISPOSITIVO. Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida. Custas do recurso pelos recorrentes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.). * Guimarães, 4 de março de 2021. *Os Juízes Desembargadores Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade 1º Adjunto: Jorge dos Santos 2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves (A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (seguindo de perto o elaborado na 1ª instância). T. B. e marido J. A. intentaram o presente procedimento cautelar comum contra H. P., tendo em vista que este seja intimado para: a) Retirar, de imediato, o veículo automóvel de marca Ford, cor branca, com matrícula FM, que estacionou no caminho de consortes, a ocupar parte do leito deste caminho de consortes, deixando o caminho de consortes livre e desimpedido, em toda a sua largura, extensão e comprimento, para que a requerente possa por ali aceder aos seus prédios rústicos, proveniente da via pública e aceder a esta proveniente dos seus imóveis, designadamente com máquinas, tractores e carrinhas de caixa aberta; b) Se abster de, por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir, prejudicar o uso, gozo e fruição pela requerente do seu direito de compropriedade sobre o caminho de consortes e de propriedade sobre os seus prédios rústicos. Para o efeito, alegaram que são proprietários de três prédios rústicos aos quais acedem a partir da via pública através de um caminho de consortes, o qual está a ser parcialmente ocupado pelo requerido que nele estacionou um veículo automóvel, não obstante carecer de qualquer título que o legitime, situação que impede os requerentes de acederem aos prédios rústicos com máquinas, tratores e viaturas automóveis, nomeadamente de caixa aberta, e por isso os impede de granjear e cultivar os prédios com a sua consequente degradação. Mais pretendem aproveitar o apoio financeiro na ordem dos € 29.713,76 que conseguiram ao ver aprovada a sua candidatura ao programa Vitis 2020/2021 para plantação de vinha por reconstituição, mediante o cumprimento de determinados prazos e requisitos; para o efeito, até 30/4/2021 terão de proceder aos arranques, e até 30/6/2021 terão de ter os trabalhos concluídos, estando assim na iminência de perder a ajuda financeira por falta de acesso aos prédios que impede os trabalhos. Além disso necessitam de podar as árvores e recolher a lenha em fevereiro, antes da floração de março. Finalmente, os requerentes alegam que a conduta do requerido lhes causa lesão difícil de reparar, porque, mesmo com a instauração de uma ação, decorrerão anos sem que possam entrar e sair dos seus prédios com máquinas, tratores e carrinhas de caixa aberta pelo caminho de consortes. Os requerentes atribuíram à ação o valor de € 5.000,01. Juntaram documentos.*Pelo Tribunal “a quo” foi proferido o seguinte despacho liminar: “Sucede, todavia, que a referida argumentação não consubstancia a alegação de quaisquer factos demonstrativos da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, condição essencial ao decretamento da providência cautelar requerida, de harmonia com o que dispõem os artigo 362.º e 368.º do Código de Processo Civil. Da conjugação do disposto nas citadas disposições legais, resulta que o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: a) A probabilidade séria da existência de um direito (fumus boni iuris); b) O fundado receio de que outrem cause lesão grave e difícilmente reparável ao direito (periculum in mora); c) A inexistência de providência cautelar especificada que acautele o risco de lesão; d) A adequação da providência solicitada para evitar a lesão; e) O prejuízo resultante para o requerido do decretamento da providência não deve exceder consideravelmente o dano que com ela se quer evitar. Foquemos, desde já, a atenção sobre a existência de alegação de um periculum in mora. Todas as providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção (n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil). Se para a verificação do primeiro pressuposto é suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado - fumus boni iuris -, atenta a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal, já quanto à gravidade da lesão e à dificuldade da respectiva reparação são as exigências de prova bem maiores, devendo esta conduzir à formação de um juízo de maior certeza. Significa isto então que deve verificar-se um prejuízo substancial, grave e de difícil reparação, sendo que, estando em causa apenas danos patrimoniais, o critério deve ser ainda mais exigente, uma vez que eles são passíveis de reparação na acção principal, seja através de reconstituição natural seja através de indemnização por mero equivalente pecuniário. A este propósito, alegam os requerentes que, por causa da actuação dos requeridos, não poderão entrar nos seus prédios rústicos para os cultivarem e perderão o apoio financeiro que conseguiram ver aprovado. Ora, o quadro factual alegado não permite concluir pela existência de prejuízos graves decorrentes da actuação do requerido, mas apenas concluir pela ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução dos trabalhos necessários à obtenção de financiamento para a plantação da vinha e da falta de cultivo dos prédios rústicos, os quais sempre poderão ocasionar o direito a uma indemnização a pagar pelo requerido, não bastando alegar que a acção a propor para esse efeito demorará anos. Falta, portanto, em absoluto, a alegação de factos que sustentem a existência de uma lesão dificilmente reparável. Assim sendo, não se vislumbra a existência do fundado receio de que o direito de que os requerentes se arrogam sofra lesão grave e de difícil reparação, requisito essencial para que se possa decretar a providência, tanto mais que, nessa matéria, nada de relevante foi alegado. Ora, sendo os pressupostos do decretamento da providência cautelar prescritos pelo artigo 362.º do Código de Processo Civil de verificação cumulativa e não tendo sido alegados factos tendentes a demonstrar a existência de um periculum in mora, impõe-se, desde logo, a conclusão de que nunca o presente procedimento cautelar poderá ser procedente. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefiro a requerida providência cautelar. *Condeno os requerentes no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto nos artigos 527.º e 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Fixo à causa o valor de € 5.001,00, nos termos do disposto nos artigos 297.º, 304.º, n.º 3, alínea d), e 306.º do Código de Processo Civil.”*No despacho de admissão de recurso o Tribunal pronunciou-se pela não verificação de qualquer nulidade nos seguintes termos: “I. Da nulidade do despacho liminar proferido Os recorrentes concluem nas suas alegações de recurso, para além do mais, que o despacho liminar proferido é nulo nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. De acordo com o referido preceito legal a sentença é nula seja quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Sustentam os recorrentes que o despacho que liminarmente indeferiu a requerida providência cautelar é nulo pelos seguintes motivos: - Não declarou quais os factos considerados provados e não provados; - Não analisou criticamente as provas, indicando as ilações dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; - Não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida. Entendemos, porém, que a apontada omissão de fundamentação não existiu. Desde logo, porquanto a decisão do Tribunal se estribou na circunstância de não terem sido alegados pelos requerentes factos que permitam, uma vez considerados os mesmos provados, fundar o decretamento da requerida providência cautelar. Com efeito, lê-se no despacho objecto de recurso, após se exporem os factos alegados pelos requerentes: “Sucede, todavia, que a referida argumentação não consubstancia a alegação de quaisquer factos demonstrativos da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, condição essencial ao decretamento da providência cautelar requerida, de harmonia com o que dispõem os artigos 362.º e 368.º do Código de Processo Civil.” A decisão liminar continua, identificando quais os pressupostos fácticos exigidos pelas normas legais aplicáveis e explicando que o pressuposto da alegação de um periculum in mora se encontra ausente do requerimento apresentado: “Todas as providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção (n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil). Se para a verificação do primeiro pressuposto é suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado - fumus boni iuris -, atenta a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal, já quanto à gravidade da lesão e à dificuldade da respectiva reparação são as exigências de prova bem maiores, devendo esta conduzir à formação de um juízo de maior certeza. Significa isto então que deve verificar-se um prejuízo substancial, grave e de difícil reparação, sendo que, estando em causa apenas danos patrimoniais, o critério deve ser ainda mais exigente, uma vez que eles são passíveis de reparação na acção principal, seja através de reconstituição natural seja através de indemnização por mero equivalente pecuniário. A este propósito, alegam os requerentes que, por causa da actuação dos requeridos, não poderão entrar nos seus prédios rústicos para os cultivarem e perderão o apoio financeiro que conseguiram ver aprovado. Ora, o quadro factual alegado não permite concluir pela existência de prejuízos graves decorrentes da actuação do requerido, mas apenas concluir pela ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução dos trabalhos necessários à obtenção de financiamento para a plantação da vinha e da falta de cultivo dos prédios rústicos, os quais sempre poderão ocasionar o direito a uma indemnização a pagar pelo requerido, não bastando alegar que a acção a propor para esse efeito demorará anos. Falta, portanto, em absoluto, a alegação de factos que sustentem a existência de uma lesão dificilmente reparável.” Ora, se o cerne da decisão se prende com a ausência de factos alegados que possam vir a sustentar, uma vez demonstrados, o decretamento da providência cautelar requerida, irrelevante se torna o apuramento e avaliação das provas produzidas e requeridas em relação aos factos alegados, pois jamais a respectiva prova poderia conduzir à decisão pretendida pelos requerentes, sendo certo que o Tribunal se referiu no despacho em crise aos factos afirmados no requerimento inicial e se debruçou sobre a sua suficiência e relevância para uma decisão de decretamento da providência cautelar. Em face do exposto, por ser nosso entendimento que a decisão proferida foi adequadamente fundamentada, julgo não verificada a nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.”*Inconformados, vieram os requerentes interpor recurso que terminam com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “1ª Os recorrentes não se conformam com a sentença proferida, porquanto a mesma fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. 2ª No caso concreto, os requerentes alegaram em 37º a 87º do requerimento inicial os factos essenciais que integram o requisito do periculum in mora, pretendendo evitar a lesão num prejuízo de 29 713,76 €. 3ª Pelo que este valor de 29 713,76 € deveria ter sido fixado como valor da causa. 4ª O Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 304º, nº 1, d) e 306º, nº 1 do C.P.C, devendo, em consequência, ser fixado à causa o valor de 29 713,76 €. 5ª No caso dos autos, o Juiz da causa não esclareceu devidamente os fundamentos da decisão, Uma vez que não declarou quais os factos provados e quais os não provados, mesmo que indiciariamente, por se tratar de uma providência cautelar, Assim como não analisou criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. 6ª Para além disso, o Juiz não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, isto é, o Juiz não apreciou as provas acerca de cada facto alegado. 7ª Pelo que não fundamentou a decisão. 8ª Tal omissão ou irregularidade têm influência no exame e na decisão da causa, pelo que é motivo de nulidade, que se invoca, nos termos gerais, do artigo 195º do C.P.C. e, caso assim não se entenda, por via do disposto no artigo 615º, nº 1, b) do C.P.C.. 9ª De 37º a 87º do requerimento inicial os recorrentes alegaram a factualidade que demonstra a existência de um periculum in mora. 10ª E que se traduz na iminência de se perder a ajuda financeira da Candidatura Vitis 2020/2021, no valor total de 29 713,76 €, assim como de se prejudicar o granjeio das árvores de furto e oliveiras, por falta de poda. 11ª Para a demonstração destes factos, os requerentes juntaram a prova documental composta pelos documentos 6 a 11 do requerimento inicial, cujo teor aqui se dá como reproduzido, e requereram a prova por declarações de parte, por testemunhas e por inspeção judicial ao local. 12ª Pelo que os recorrentes alegaram e indicaram prova suficiente e até bastante para a demonstração da existência do fundado receio de que o direito de que se arrogam sofra lesão grave e de difícil reparação. 13ª Diga-se ainda que o quadro fatual alegado permite concluir, sem dúvidas, nem ambiguidades, pela existência de prejuízos graves decorrentes da atuação do requerido. 14ª Dado que a execução dos trabalhos necessários para a plantação da vinha e cultivo dos prédios rústicos, no âmbito da candidatura VITIS apresentada, só será possível com a obtenção do financiamento aprovado, dentro dos limites temporais alegados. 15ª Donde não se trata de uma mera ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução de trabalhos. 16ª Trata-se sim de verdadeiras perdas e danos causados aos requerentes pelo requerido. 17ª Ademais, sempre se dirá, com meridiana clareza, que a própria ausência de proveitos económicos, nos termos considerados pelo Tribunal, constitui igualmente. só por si, um prejuízo grave e de difícil reparação. 18ª Tanto mais que face à realidade económica e social em que Portugal se encontra, a quantia de 29 713,76 € representa um sério, grave e dificilmente reparável prejuízo e lesão. 19ª Até atendendo à situação dos pequenos e médios produtores e agricultores do Douro. 20ª Para quem as ajudas e benefícios para a reconversão das vinhas velhas representa sempre um enorme esforço e investimento económico acima da suas reais possibilidades. 21ª Deve concluir-se pela existência de prejuízos graves decorrentes da atuação do requerido. 22ª Os requerentes alegaram factos e arrolaram prova que sustentam a existência de uma lesão grave e dificilmente reparável. 23ª Assim sendo, existe o fundado receio de que o direito dos requerentes sofra uma lesão grave e de difícil reparação, o que constitui o requisito essencial para que se deva decretar a providência. 24ª Ora, sendo os pressupostos do decretamento da providência cautelar prescritos pelo artigo 362º do C.P.C. de verifica-se cumulativa e tendo sido alegados factos tendentes a demonstrar a existência de um periculum in mora, impõe-se, desde logo, a conclusão de que o presente procedimento cautelar deverá ser procedente. 25ª Nestes termos e pelos fundamentos expostos, a requerida providência cautelar devia ter sido deferida. 26ª Tanto mais que o pedido não é manifestamente improcedente. 27ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 362º, nº 1 e 590º, nº 1 do C.P.C..” Pedem que o recurso seja julgado provado e procedente, e, em consequência, que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que determine a procedência do recurso, conforme alegado e concluído, devendo a providencia cautelar requerida ser deferida.***Após os vistos legais, cumpre decidir.***II QUESTÕES A DECIDIR. Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos. Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir: -qual o valor correto do procedimento; -a decisão incorre em nulidade por falta de fundamentação; -deve ser revogada a decisão que indeferiu a providência cautelar. ***III VALOR DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. Insurgem-se os recorrentes quanto ao valor do procedimento, fixado no despacho proferido. Dispõe o artº. 296º do C.P.C. que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido –nº. 1. Refere o nº. 1 do artº. 297º do C.P.C. que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício. Estas são as regras gerais, aplicáveis também nos incidentes e nos procedimentos cautelares. Concretamente nas providências cautelares não especificadas face ao previsto no artº. 304º, nº. 3, d), do C.P.C., o valor é determinado pelo prejuízo que se procura evitar, considerando a sua natureza patrimonial ou imaterial e ajustando o valor em função dos critérios específicos extraídos das normas especiais (artºs. 298º a 303º do C.P.C.) –cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol I, pag. 354. O valor da causa tem de vir indicado na petição inicial da ação, incidente ou procedimento –artºs. 305º, nº. 3, 552º, nº. 1, f), 558º, e), C.P.C.- sob pena de convite do juiz nesse sentido e caso não tenha havido recusa da peça, neste caso sob pena de extinção da instância. Não obstante, compete ao juiz fixar o valor da causa, nos momentos previstos no artº. 306º do C.P.C. –desde logo quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite –artº. 308º do mesmo C.P.C.. Significa isto, e nesta fase processual, que o juiz podia considerar que não estava de acordo com os critérios legais o valor indicado pelos requerentes e nesse caso devia ter procedido á sua “correção”. O Tribunal porém aceitou o valor indicado pelos próprios requerentes. Assim sendo, parecer-nos, salvo o devido respeito, que não podem estes, nesta fase liminar, vir impugnar através do recurso, por falta de uma decisão que se tenha debruçado sobre um seu requerimento ou pretensão, o despacho proferido nessa matéria –que foi ao encontro do que propugnavam na sua petição inicial. Por outro lado, da decisão proferida e da eventual revogação não decorre nenhum efeito para os requerentes na medida em que do ponto de vista da alçada nada é alterado (cfr. artºs. 629º, nº. 3, c) e 370º, nº. 2, C.P.C.), e do ponto de vista de pagamento de taxa não os beneficia (artº. 7º, nº. 4, e tabela II no que concerne à taxa inicial e artº. 7º, nº. 2, e tabela I B, no que concerne à taxa de recurso, mais elevada se pelo valor defendido, tudo do Regulamento das Custas Judiciais). ***IV NULIDADE DO DESPACHO. Dizem os recorrentes que “No caso dos autos, o Juiz da causa não esclareceu devidamente os fundamentos da decisão, Uma vez que não declarou quais os factos provados e quais os não provados, mesmo que indiciariamente, por se tratar de uma providência cautelar, Assim como não analisou criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.(…) Para além disso, o Juiz não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, isto é, o Juiz não apreciou as provas acerca de cada facto alegado.(…) Pelo que não fundamentou a decisão. Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e)O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado. Esta disposição, bem como a argumentação sobre a mesma que segue, aplica-se também aos despachos que não sejam de mero expediente –artº. 613º, nº. 3, C.P.C.. Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença/despacho. As nulidades da sentença/despacho, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença/despacho, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt). Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drª Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).” Com exceção das previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, n.º 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento como se destaca no excerto (que por sua vez cita o mencionado acórdão da Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha) “O recurso civil, vol. I”, do Prof Rui Pinto (Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), cuja edição terá lugar em 2020, e publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020. Face à nulidade aqui invocada, a apreciação que se impõe fazer remete-nos ainda para o disposto no artº. 154º, nº. 1, do C.P.C., que estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. O dever de fundamentação assenta no principio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa). A sanção para o desrespeito desse dever é a cominação de nulidade. Dizia já Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pag. 284, que “…a parte vencida carece de ser convencida, isto é, de conhecer as razões do seu insucesso, para que possa atacá-las por via de recurso, se quiser e puder recorrer. Mas não é esta a única justificação do preceito legal, pois que a exigência da motivação é aplicável mesmo às decisões de que não cabe recurso. Desde que o nosso sistema é o de legalidade, o juiz tem de demonstrar que decidiu em conformidade com a lei; tem, portanto, de interpretar a norma legal adequada e aplicá-la aos factos da causa. Este trabalho de interpretação e aplicação é da mais alta importância; é por via dele que se forma a jurisprudência e que esta se vai uniformizando e adaptando às novas condições e necessidades do meio social”. A fundamentação tem de ser factual e jurídica. E de acordo com o nº. 2 do citado artº. 154º, não pode ser através da mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição em apreço, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. Também se pode divergir se falta absoluta constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis “Código V cit., pag. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, pags. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente. Analisa criticamente estas posições o Prof. Rui Pinto em “O Recurso Civil” Vol I a publicar, e antecipa no texto “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), este publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020. Conclui o autor do texto a sua posição no sentido que (…) há que separar de um lado a sentença ou despacho não estarem fundamentados (de facto ou de direito), no todo ou em parte, e, do outro, a fundamentação estar presente, mas ser inadequada – não apresentar o mérito demonstrativo – para a parte dispositiva A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação de modo a garantir sempre um mínimo de impugnação de tipo de reclamatório, para as sentenças que não admitam recurso ordinário. Portanto, a falta de fundamentação não tem de ser total, pelo que subscrevemos na integra a conclusão do ac. RG 18-1-2018/Proc. 75/16.0T8VRL.G1 (ANTÓNIO BARROCA PENHA), na esteira do ac. RC 17-4-2012/Proc. 1483/09.9TBTMR.C1 (CARLOS GIL)42 , de que “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”, assim, “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação” (STJ 2-3-2011/Proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1 (SÉRGIO POÇAS). Também “a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório”, 43 Nele se julgou que à “falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”. Mas também se defende e decide que situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva. Tal ocorre quando a fundamentação existe formalmente, mas padece de insuficiência, mediocridade ou erroneidade. Ora, uma coisa é a decisão não conter fundamentação e, outra, é “bem ou mal, o tribunal fundamenta[r] a decisão” (RP 11-1-2018/Proc. 2685/15.4T8MTS.P1 (FILIPE CAROÇO)). É como um tertium genus, “entre a fundamentação completa, total e indubitável e a falta de fundamentação” (TCAN 28-4-2016/Proc. 00385/08.0BEBRG (MÁRIO REBELO))45 . Aqui já não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento46 . 45 “Não é uma fundamentação completa e exaustiva, mas também não configura uma total falta de Fundamentação”, prossegue o mesmo acórdão. 46 STJ 2-6-2016/Proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (FERNANDA ISABEL PEREIRA).” Nesta senda, para Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Processo Civil”, pag. 221) “…esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível». No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pag. 669. Aplicando aos autos, verifica-se que o despacho que apreciou a nulidade em sede de 1ª instância já diz tudo o que se afigura pertinente no sentido de não assistir razão aos recorrentes. O Tribunal proferiu um despacho de indeferimento liminar pelo que não tinha que elencar matéria (indiciariamente) provada ou não provada; tão só tinha, como fez, de remeter para a factualidade alegada e que considerou insuficiente; não houve produção de qualquer prova, pelo que não faz sentido a referência à falta de menção aos meios de prova. E por outro lado, o Tribunal apresentou os seus argumentos de direito que sustentam a decisão proferida: entendeu que a factualidade alegada não é demonstrativa da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, pressuposto para que possa ser decretada uma providência cautelar comum, pelo que, ainda que tudo se apurasse, não bastava para um juízo de procedência. Improcede por isso esta questão. ***V MATÉRIA DE FACTO. A matéria de facto a considerar prende-se tão só com a factualidade alegada pelos requerentes no seu requerimento inicial como fundamento do seu pedido, bem como o teor deste, o que já consta em resumo do relatório “supra” e que resulta da leitura da peça respetiva. ***VI O MÉRITO DO RECURSO. O Tribunal recorrido decidiu pelo indeferimento (liminar) da providência cautelar independentemente da prova que viesse a ser feita relativamente à matéria alegada como seu fundamento, dada a sua manifesta improcedência uma vez que não está alegada factualidade suscetível de demonstrar a verificação do “periculum in mora”, requisito (cumulativo com os demais) para o seu sucesso. Em sede de enquadramento da decisão a proferir iremos tecer algumas considerações sobre os procedimentos cautelares e concretamente sobre o comum, para depois as aplicar ao caso. O objetivo das providências cautelares há-de ser o de acautelar o efeito útil da ação –artº. 2º, nº. 2, C.P.C.. As providências cautelares têm a sua justificação no princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte (-com maior desenvolvimento vide Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, pags. 81 a 91 da 2ª edição). As providências cautelares são medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica” -Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, pag. 23 e segs. da 2ª edição. No Código de Processo Civil existe a figura do processo cautelar comum, “comportando a regulamentação dos aspectos comuns a toda a justiça cautelar. Institui-se, por esta via, uma verdadeira ação cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o “periculum in mora” concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efetivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida” -preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12. O procedimento cautelar comum tem por isso carácter residual, quer no plano das regras adjetivas, quer no plano das providências que nele se podem integrar -cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 56. Ao procedimento cautelar comum aplicam-se os artºs. 362º a 376º do C.P.C.. Refere o nº. 1 do artº. 362º que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor – nº. 2 do mesmo. “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte” – nº 3 do mesmo. A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. – nº. 1 do artº. 368º. “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” –nº. 2. São então requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência: 1. - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito – “fumus bonis juris”). 2. - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio lhe causará uma lesão grave e dificilmente reparável (ao direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar) –“periculum in mora”; a providência cautelar será o meio adequado a evitar o dano eminente ou o agravamento da lesão. 3. - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar (-não nos alongaremos nesta matéria, mas pode ver-se neste ponto antes uma causa impeditiva ou extintiva do exercício do direito). 4. - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado. Veja-se nesta matéria e a propósito dos requisitos o Ac. da Rel. do Porto de 21/02/2018 (dgsi.pt, relatora Drª Maria de Jesus Pereira). Estes requisitos são de verificação cumulativa, podendo nas providências nominadas pode ser dispensado um ou outro destes requisitos em concreto. Do artº. 364º do C.P.C. decorre que as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal -cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 120. Ressalvados ficam os casos da inversão do contencioso em que os efeitos podem via a tornar-se definitivos –artº. 369º d C.P.C. (…). O objeto da providência há-de, por conseguinte, ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade (mesma obra, pags. 120 e 121). A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal. Esta identidade objetiva, no entanto, não tem de ser total, sendo admissível que o objeto da ação principal seja mais amplo que o do procedimento cautelar, abrangendo mesmo outros direitos não salvaguardados pela providência cautelar não especificada. Nesta matéria veja-se o Ac. da Rel. do Porto de 7/04/2016, disponível no site da dgsi. Assim, do artº. 364º, nº. 1, C.P.C. resulta que o procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado. Ou seja, tem natureza instrumental relativamente à causa de que depende na medida em que, fundando-se esta em determinado direito, o procedimento cautelar visa assegurar a efetividade desse mesmo direito, é como que uma medida de apoio a este. Assenta num juízo provisório sobre tal direito, que será ou não confirmado na causa principal; quando decreta uma providência cautelar, o tribunal antecipa provisoriamente, mediante apreciação sumária, um julgamento a proferir mais tarde, acautelando ou antecipando os efeitos da providência definitiva no pressuposto de que a decisão definitiva venha a confirmar o juízo provisório. Daí que a providência cautelar esteja para a sentença a proferir no processo principal na mesma relação em que um juízo provisório sobre determinada matéria está para com o juízo definitivo sobre a mesma matéria -cfr. Ac. Rel. Lisboa de 29-03-1990, citado no Ac. da Rel. de Évora de 6/11/2008, ambos disponíveis na dgsi. Por isso, e seguindo a exposição deste Acórdão, é que o objeto do procedimento cautelar deve coincidir, pelo menos parcialmente, com o da ação, ou melhor, o desta deve incluir o daquele. Enquanto objeto da ação é o "direito acautelado" (artº. 364°, nº. 1, C.P.C.), o objeto da providência é o direito ameaçado ou violado. Através da ação principal deve procurar-se tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar. Mais do que isso, através do pedido formulado na ação principal deve o autor pretender decisão cuja efetividade fique diretamente assegurada através da providência solicitada. O que não exclui a possibilidade de a ação versar outros direitos não salvaguardados na providência nem a de os pedidos serem diferentes, porque as finalidades prosseguidas no procedimento cautelar e na ação serem naturalmente diferentes. Tudo isto foi visto do ponto de vista da identidade objetiva. Mas deve verificar-se também uma identidade subjetiva entre as partes do procedimento cautelar e as da ação principal. O autor desta deve ser o titular ativo do direito ameaçado e requerente do procedimento e o aí réu deve ser o sujeito passivo daquele direito e requerido no procedimento (cfr. Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, 2003, pag. 95). Se através da ação principal se deve procurar a tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar, isso quer dizer que a tutela é sempre dirigida contra alguém que violou (ou ameaçou violar) o direito. Daí a justificação da referida identidade subjetiva passiva entre o procedimento cautelar e a ação principal. Seguimos novamente aqui a orientação do citado Acórdão da Rel. de Évora. Em suma, os princípios da instrumentalidade e dependência são também requisitos a respeitar na propositura de um qualquer procedimento cautelar. E tal pressupõe as referidas identidades objetivas e subjetivas. Ora, se relativamente à probabilidade da existência do direito a lei contenta-se com a verificação de indícios razoáveis, ou a mera aparência do direito, já quanto ao “periculum in mora” (-a demora e o dano decorrente da demora) exige-se um juízo de certeza que se revele suficientemente forte; cabe ao requerente a alegação e demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação; deve assentar em factos concretos e consistentes, valorados objetivamente, bem como a necessidade de ser acautelado por via provisória. No C.P.C. não se tutelam situações de efetiva e consumada violação, salvo nos casos em que se prevê que a violação prosseguirá de forma continuada ou repetida; prevê-se e previne-se situações suscetíveis de causar lesão grave e dificilmente reparável. Como se diz na obra de Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição (pags. 206 a 208), “visando a providência cautelar evitar a lesão de um direito, esta não pode ser decretada, porque injustificada, se essa lesão já se tiver consumado, salvo se essa lesão fundamentar o receio de ocorrência de outras lesões idênticas e futuras, a produção de lesões de natureza continuada ou repetida, ou o agravamento do dano”. No caso em apreço nada foi apontado e não se afigura necessário abordar ou fazer qualquer reparo relativamente à alegação da matéria respeitante à aparência do direito e à sua violação ou lesão. Os requerentes alegam a propriedade dos prédios rústicos que identificam, a posse do caminho que lhes dá acesso, e o facto de estarem impedidos de o utilizar da forma necessária à utilização dos prédios em virtude de uma ação do requerido. A questão coloca-se na (in)existência de factos que permitam formular o necessário juízo de gravidade e irreparabilidade ou difícil reparação da lesão. Neste particular tem vindo a ser posição da jurisprudência, seguindo a posição, entre outros, de António Santos Abrantes Geraldes, exposta em “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., pags. 84 e 85, que refere a propósito do interesse em agir: (…) o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis. A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado. Pela proteção cautelar não se abarcam apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular. Porém, especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto á aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva. Apesar disso, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de proteção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados (…).” E mais acentua este autor a necessidade de verificação cumulativas da gravidade das lesões previsíveis que justificam a tutela provisória e da sua irreparabilidade absoluta ou difícil. Estamos perante conceitos indeterminados, que cabe preencher em cada caso. Vejamos também a propósito as palavras de marco Carvalho Gonçalves, a pags. 205 da obra citada: “A nossa jurisprudência tem vindo a considerar que o conceito de “lesão grave e irreparável ou de difícil reparação” deve ser integrado de acordo com dois critérios: um critério subjetivo, o qual “atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente”; um critério objetivo, o qual de ser “aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para a reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar, sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo”. Assim, um dano consubstanciado num prejuízo de natureza financeira não será, por via de regra, grave e irreparável ou de difícil reparação, salvo se o mesmo for insusceptível de integrar compensação na eventualidade de a ação principal vir a ser julgada procedente” (eliminamos as notas). Ora, e fazendo essa aplicação, em primeiro lugar e quanto à impossibilidade da granjear e cultivar os prédios, e à impossibilidade de poda das árvores, nada é dito quanto à gravidade (nomeadamente a degradação dos prédios) ou sequer são avançados prejuízos concretos daí decorrentes. Em causa, e é esse o cerne do recurso, estaria em causa a perda do apoio financeiro decorrente da candidatura aprovada, no valor de € 29.713,76. De frisar em primeiro lugar que os recorrentes não avançam a aquisição de qualquer outra vantagem decorrente da candidatura que não seja o dito apoio financeiro, nem tal resulta dos documentos que juntaram. Assim sendo, o que temos em causa é “apenas” uma lesão de ordem material, que lhes acarretará um prejuízo que pode ser naquela ordem de valores. E dizemos pode porque da leitura dos documentos juntos pelos requerentes resulta também que o pagamento daquela quantia está sujeita não só ao cumprimento de prazos, mas também do plano traçado (matéria esta que extravasa a suposta consequência da atuação do requerido). Daí também resulta que os prazos não são absolutos, concretamente, e para além da associação da data do arranque ao modo de comunicação do mesmo (ponto 1 do documento 11), resulta do ponto 1º do documento 11 que os trabalhos devem estar concluídos até 30/6/2021, ou nesta data deve ser apresentada garantia bancária correspondente a 80% da ajuda concedida o que permite a conclusão dos mesmos trabalhos até 30/6/2022. Mas ultrapassada essa ligeira alteração (que poderia ser melhor explicada ou melhor concretizados os seus termos e dificuldades), temos uma lesão de ordem patrimonial. Face ao já exposto, vejamos se decorre então dos factos alegados, concretos e consistentes, valorados objetivamente, a demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação, bem como a necessidade de ser acautelado por via provisória. Pela sua natureza o dano em causa não é irreparável. O artº. 562º do C.C., quanto à reparação do dano, prevê a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. O artº. 564º, nº. 1, abrange nessa reparação o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes). E o artº. 566º, nº. 1, dá prevalência à reconstituição natural como forma de indemnização, mas se tal não for possível (por não reparar integralmente ou por ser excessivamente onerosa para o devedor) prevê a indemnização em dinheiro, dispondo de seguida sob a forma de cálculo. Como já dissemos, estando em causa apenas um dano de natureza patrimonial, este é suscetível de ser ressarcido por indemnização em dinheiro. A sua gravidade e a sua difícil reparação teriam por isso de resultar de outros factos, nomeadamente tendentes a demonstrar que o valor em causa, face á situação económica de requerentes e requerido, é respetivamente um dano grave (na esfera dos primeiros) e dificilmente reparável (pelo segundo). Debruçando-se sobre o assunto podem ver-se os Acs. desta Relação de 21/9/2017, da Rel. do Porto de 22/11/2011, e da Relação de Évora de 5/5/2010 (www.dgsi.pt). Da leitura do articulado nada resulta quanto a esta matéria. Daí que o Tribunal tenha concluído e a nosso ver bem pela ausência de factualidade que pudesse levar à conclusão da verificação do “periculum in mora” na vertente da lesão grave e dificilmente reparável (que não é mera decorrência do decurso do tempo, ou seja, o que se pretende evitar nestas providências antecipatórias é a penalização decorrente do decurso do tempo relativamente à lesão grave e dificilmente reparável ou irreparável). De referir ainda que os recorrentes não podem vir em sede de recurso tentar suprir a falha do requerimento inicial como parece resulta das conclusões 19 e 20 –ainda sim meras conclusões, sem suporte factual. Cremos que uma outra objeção deve ser apontada ao alegado. Da leitura da peça inicial não decorre qual a ação que os requerentes levaram previamente a cabo relativamente ao requerido no sentido de evitar a manutenção ou persistência da conduta alegadamente lesiva, designadamente se o instaram a retirar o veículo ou a permitir a passagem de outros veículos; ou sequer, e mesmo antes desse exercício, se o estacionou naquele local de forma premeditada. Parece-nos pois que falta também a justificação para a necessidade da composição urgente e provisória do litígio. Nesta medida não decorre a gravidade, a qual releva também para efeitos de aferição do interesse em agir, na medida em que teria de resultar dos autos que o requerente não tem ao seu alcance outro meio (menos gravoso) de obter a proteção do direito que aqui pretende acautelar –ou seja, a necessidade de tutela. Ou, dito de outro modo, o fundado receio tem de provir de uma ameaça séria e realista. Não estamos neste caso dos autos perante uma insuficiente alegação (que conduziria ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos previstos no artº. 590º, nº. 4, C.P.C.), mas de uma ausência de alegação dos necessários requisitos à procedência da providência requerida, e nessa medida faltam factos essenciais que constituem a causa de pedir. *Não podemos deixar de abordar uma outra possibilidade que se podia colocar nesta fase liminar do processo. O atual Código de Processo Civil deu prevalência clara aos aspetos de ordem substancial sobre as questões de natureza formal: veja-se o princípio da adequação formal -artº. 547º do C.P.C., bem como o princípio do dever de gestão processual do artº. 6º que também ali encontra fundamento. Nesse sentido e contexto, o nº. 3 do artº. 376º do C.P.C., impondo ao Juiz o poder -dever de convolar a providência concretamente requerida para a que considere legalmente adequada ou mais eficaz à prevenção do dano receado, cumprindo-lhe, pois, “corrigir, mesmo oficiosamente, o erro na forma do processo, consistente em se requerer procedimento cautelar comum quando a situação é subsumível aos pressupostos de determinado procedimento nominado, ou vice-versa, bem como em ter-se requerido um destes, quando seja legalmente aplicável outro à hipótese” “sub judicio” (Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, pag. 288). Marco Carvalho Gonçalves fala a propósito (a pags. 316 e 317 da obra citada) de uma exceção ao princípio do dipositivo consagrado nos artºs. 5º e 609º do C.P.C.. O mesmo autor trata em seguida das limitações a este poder dever (pags. 319 a 321). Significa isto no caso concreto que se poderia conjeturar a convolação da providência cautelar não especificada para uma providência cautelar de restituição provisória de posse –artº. 377º do C.P.C. (-estando o oposto expressamente previsto dado que na maioria das vezes o que não se apura é o requisito da violência que exige este último –artº. 379º). A correção oficiosa só é possível desde que os autos comportem os elementos fundamentais da providência que se mostre adequada (cfr. além do autor, o Ac. da Rel. de Lisboa de 21/6/2007, www.dgsi.pt). Neste caso, não seria necessário alegar a gravidade e irreparabilidade ou dificuldade de reparação da lesão, mas em contrapartida teria de se alegar o esbulho violento. Como refere António Geraldes, embora na situação oposta, “…nestas circunstâncias devem ser respeitados os requisitos e seguir-se a tramitação procedimental adequada, de tal forma que a tutela cautelar apenas será conferida quando se torne verosímil a existência dos requisitos de que dependem as providências não especificadas, aqui materializados através da séria probabilidade de existência da posse e do suficiente fundamento do receio de lesão grave e dificilmente reparável. Para que um tal desiderato possa ser alcançado, torna-se necessária a alegação dos factos respectivos, integrando uma situação de posse turbada, com ou sem violência, ou esbulhada através de processo não violento, assim como a situação de periculum in mora, o que pode exigir a quantificação e qualificação dos danos decorrentes da concretização das ameaças ou da persistência do esbulho” (“Temas da Reforma do Processo Civil”, III volume, 2ª ed., pag. 80). Porém no caso dos autos constata-se também a não alegação de atos de esbulho (que implique a perda da posse) nem de violência, esta entendida no seu sentido mais amplo, ou seja, tanto dirigida à pessoa dos requerentes como contra os seus bens (neste sentido, Alberto dos Reis, “CPC Anotado”, vol. I, pag. 670, Pires de Lima e Antunes Varela, “CC Anotado”, vol. III, 2ª ed., pag. 23, Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed., pag. 238, e Rodrigues Bastos, “Notas”, vol. II, 2ª ed., pág. 244). Esta matéria vem desenvolvido no Vol. IV dos “Temas…” de António Geraldes a pags. 41 a 45. Entre muitos outros, o Ac. da Rel. do Porto de 26/2/2008 (www.dgsi.pt) analisa esses conceitos. *Por tudo o exposto, entendemos ser de manter o despacho proferido, sem prejuízo dos requerentes fazerem uso, querendo, do disposto no artº. 560º do C.P.C. “ex vi” artº. 590º, nº. 1, do mesmo.***VII DISPOSITIVO. Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida. Custas do recurso pelos recorrentes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.). * Guimarães, 4 de março de 2021. *Os Juízes Desembargadores Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade 1º Adjunto: Jorge dos Santos 2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves (A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)