1) No contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data; 2) Não tem acolhimento legal o entendimento de que o contrato terá de ter uma duração efetiva de 3 anos, só podendo ocorrer a oposição posteriormente a esta data, face ao disposto no artigo 1097º nº 3 do Código Civil.
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) AA veio apresentar no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA) requerimento para despejo de BB de prédio urbano para fins habitacionais, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação pelo senhorio. A requerida BB veio deduzir oposição, sustentando que a oposição à renovação só poderá operar em 2025, para produzir efeito em 30/11/2025.*B) Foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação totalmente procedente, e em consequência, condenar a ré na desocupação do locado – prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...35.*C) Inconformada com a sentença proferida, veio a ré BB interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (ref. ...19), sendo atribuído, nesta Instância, efeito suspensivo (ref. ...56).*Nas alegações de recurso da ré BB, são formuladas as seguintes conclusões: - A ora recorrente não se pode conformar com a decisão proferida nos autos no que concerne à oposição feita pela recorrida, por carta datada de maio de 2022. - Assim, deve a sentença ora recorrida ser substituída por outra em que seja declarada a improcedência do pedido de desocupação do locado.*Não foi apresentada resposta. *C) Foram colhidos os vistos legais. D) A questão a decidir na apelação é a de saber se deve a sentença ser revogada e declarada a improcedência do pedido de desocupação do locado.*II. FUNDAMENTAÇÃO A) Na 1ª instância foi apurada a seguinte matéria de facto: I. FACTOS PROVADOS A) Por documento escrito datado de 1 de dezembro de 2019, AA, aí designada de primeira outorgante, e a ré, designada como segunda contraente, declararam, para além do mais: a) “O primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor do prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...35…”; b) “Pelo presente contrato, o primeiro contraente arrenda e o segundo outorgante toma de arrendamento o locado melhor identificado (…) que se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do segundo outorgante ...”; c) Cláusula Terceira - “Este arrendamento é feito pelo prazo de 3 anos, com início em 01 de dezembro de 2019 e renovar-se-á automaticamente no seu termo por iguais e sucessivos períodos de tempo, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação…”; d) “A renda mensal é de 500 euros (quinhentos euros) …; B) Por carta registada a 2 de maio de 2022, com aviso de receção, declarou a autora à ré, sob o assunto “oposição à renovação do contrato de arrendamento”, que “ao abrigo do disposto no art.º 1097º do Código Civil e da cláusula 3ª do contrato de arrendamento (…) pretendo cessar o referido contrato de arrendamento, devendo o locado ser-me entregue, limpo e livre de pessoas e bens, no dia 30 de novembro de 2022”.*II. FACTOS NÃO PROVADOS Com relevância para a causa, inexistem.*B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.*C) A apelação visa unicamente a reapreciação da matéria de direito. A apelante refere que “ao analisarmos a jurisprudência, verificamos que o contrato terá de ter uma duração efetiva de 3 anos, pelo que consideramos que a oposição só pode ocorrer posteriormente a esta data, com vista à proteção do direito à habitação. ( … ) O seu contrato de arrendamento iniciou-se a 1 de dezembro de 2019, pelo que o mesmo teria de se manter até 1 de dezembro de 2022, só depois desse prazo é que a oposição poderia operar.” Vejamos. Antes de mais, a apelante refere ter analisado a jurisprudência sobre esta matéria sem, no entanto, indicar uma única decisão que pudesse sustentar a posição que a mesma defende. O artigo 1097º do Código Civil estabelece que: “1. O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. 3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4. Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102º e nos nºs 1, 5 e 9 do artigo 1103º.” Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 10/01/2023, no processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/101134" target="_blank">1278/22.4YLPRT.L1-7</a>, relatado pelo Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, disponível em www.dgsi.pt “A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao artigo 1097º, nos termos do qual: «3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº 1 do artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático. Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360: «O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365). Conjugando o disposto no nº 1 do Artigo 1096º com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que: «Ora, já se viu que o nº 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.» Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.” Aqui chegados, estamos já em condições de apreciar a pretensão da apelante, dizendo que a afirmação que faz segundo a qual o contrato terá de ter uma duração efetiva de 3 anos, só podendo ocorrer a oposição posteriormente a esta data, com vista à proteção do direito à habitação, não tem qualquer sustentação legal uma vez que o artigo 1097º nº 3 Código Civil estabelece que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, em lado nenhum se exige que tenha decorrido esse prazo para poder ser deduzida oposição à renovação, dado que se assim fosse - e não é, como vimos - o prazo deixaria de ser de três anos para passar a ser superior, para o dobro. Assim sendo, tendo o contrato de arrendamento tido início a 01/12/2019, tendo a autora comunicado à ré, por carta registada, com aviso de receção, a 02/05/2022 que “ao abrigo do disposto no art.º 1097º do Código Civil e da cláusula 3ª do contrato de arrendamento (…) pretendo cessar o referido contrato de arrendamento, devendo o locado ser-me entregue, limpo e livre de pessoas e bens, no dia 30 de novembro de 2022”, a comunicação foi tempestiva, por força do disposto no artigo 1097º nº 1 alínea b) Código Civil, operando, validamente a oposição à renovação do contrato de arrendamento, extinguindo-se o mesmo no dia 30/11/2022. Por todo o exposto resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida. Face ao decaimento total do recurso, as custas terão de ser suportadas pela apelante (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).*III. DECISÃO Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas pela apelante. Notifique.* Guimarães, 10/07/2023 Relator: António Figueiredo de Almeida 1ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares 2º Adjunto: Desembargador Afonso Cabral de Andrade
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) AA veio apresentar no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA) requerimento para despejo de BB de prédio urbano para fins habitacionais, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação pelo senhorio. A requerida BB veio deduzir oposição, sustentando que a oposição à renovação só poderá operar em 2025, para produzir efeito em 30/11/2025.*B) Foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação totalmente procedente, e em consequência, condenar a ré na desocupação do locado – prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...35.*C) Inconformada com a sentença proferida, veio a ré BB interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (ref. ...19), sendo atribuído, nesta Instância, efeito suspensivo (ref. ...56).*Nas alegações de recurso da ré BB, são formuladas as seguintes conclusões: - A ora recorrente não se pode conformar com a decisão proferida nos autos no que concerne à oposição feita pela recorrida, por carta datada de maio de 2022. - Assim, deve a sentença ora recorrida ser substituída por outra em que seja declarada a improcedência do pedido de desocupação do locado.*Não foi apresentada resposta. *C) Foram colhidos os vistos legais. D) A questão a decidir na apelação é a de saber se deve a sentença ser revogada e declarada a improcedência do pedido de desocupação do locado.*II. FUNDAMENTAÇÃO A) Na 1ª instância foi apurada a seguinte matéria de facto: I. FACTOS PROVADOS A) Por documento escrito datado de 1 de dezembro de 2019, AA, aí designada de primeira outorgante, e a ré, designada como segunda contraente, declararam, para além do mais: a) “O primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor do prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...35…”; b) “Pelo presente contrato, o primeiro contraente arrenda e o segundo outorgante toma de arrendamento o locado melhor identificado (…) que se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do segundo outorgante ...”; c) Cláusula Terceira - “Este arrendamento é feito pelo prazo de 3 anos, com início em 01 de dezembro de 2019 e renovar-se-á automaticamente no seu termo por iguais e sucessivos períodos de tempo, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação…”; d) “A renda mensal é de 500 euros (quinhentos euros) …; B) Por carta registada a 2 de maio de 2022, com aviso de receção, declarou a autora à ré, sob o assunto “oposição à renovação do contrato de arrendamento”, que “ao abrigo do disposto no art.º 1097º do Código Civil e da cláusula 3ª do contrato de arrendamento (…) pretendo cessar o referido contrato de arrendamento, devendo o locado ser-me entregue, limpo e livre de pessoas e bens, no dia 30 de novembro de 2022”.*II. FACTOS NÃO PROVADOS Com relevância para a causa, inexistem.*B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.*C) A apelação visa unicamente a reapreciação da matéria de direito. A apelante refere que “ao analisarmos a jurisprudência, verificamos que o contrato terá de ter uma duração efetiva de 3 anos, pelo que consideramos que a oposição só pode ocorrer posteriormente a esta data, com vista à proteção do direito à habitação. ( … ) O seu contrato de arrendamento iniciou-se a 1 de dezembro de 2019, pelo que o mesmo teria de se manter até 1 de dezembro de 2022, só depois desse prazo é que a oposição poderia operar.” Vejamos. Antes de mais, a apelante refere ter analisado a jurisprudência sobre esta matéria sem, no entanto, indicar uma única decisão que pudesse sustentar a posição que a mesma defende. O artigo 1097º do Código Civil estabelece que: “1. O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. 3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4. Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102º e nos nºs 1, 5 e 9 do artigo 1103º.” Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 10/01/2023, no processo 1278/22.4YLPRT.L1-7, relatado pelo Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, disponível em www.dgsi.pt “A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao artigo 1097º, nos termos do qual: «3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº 1 do artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático. Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360: «O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365). Conjugando o disposto no nº 1 do Artigo 1096º com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que: «Ora, já se viu que o nº 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.» Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.” Aqui chegados, estamos já em condições de apreciar a pretensão da apelante, dizendo que a afirmação que faz segundo a qual o contrato terá de ter uma duração efetiva de 3 anos, só podendo ocorrer a oposição posteriormente a esta data, com vista à proteção do direito à habitação, não tem qualquer sustentação legal uma vez que o artigo 1097º nº 3 Código Civil estabelece que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, em lado nenhum se exige que tenha decorrido esse prazo para poder ser deduzida oposição à renovação, dado que se assim fosse - e não é, como vimos - o prazo deixaria de ser de três anos para passar a ser superior, para o dobro. Assim sendo, tendo o contrato de arrendamento tido início a 01/12/2019, tendo a autora comunicado à ré, por carta registada, com aviso de receção, a 02/05/2022 que “ao abrigo do disposto no art.º 1097º do Código Civil e da cláusula 3ª do contrato de arrendamento (…) pretendo cessar o referido contrato de arrendamento, devendo o locado ser-me entregue, limpo e livre de pessoas e bens, no dia 30 de novembro de 2022”, a comunicação foi tempestiva, por força do disposto no artigo 1097º nº 1 alínea b) Código Civil, operando, validamente a oposição à renovação do contrato de arrendamento, extinguindo-se o mesmo no dia 30/11/2022. Por todo o exposto resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida. Face ao decaimento total do recurso, as custas terão de ser suportadas pela apelante (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).*III. DECISÃO Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas pela apelante. Notifique.* Guimarães, 10/07/2023 Relator: António Figueiredo de Almeida 1ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares 2º Adjunto: Desembargador Afonso Cabral de Andrade