Processo:217/21.4T8FAF.G1
Data do Acordão: 18/10/2023Relator: ANA CRISTINA DUARTETribunal:trg
Decisão: Meio processual:

Assistindo a ambos os condóminos, por força do título constitutivo da propriedade horizontal, o direito de uso exclusivo de partes do logradouro que, para além destas, tem também áreas de uso comum, mas não estando eles de acordo sobre o concreto local por onde passará a linha delimitadora de tais zonas, a ação declarativa de processo comum constitui o meio adequado para os autores fazerem valer a sua pretensão de delimitação/demarcação, pondo termo ao referido litígio.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANA CRISTINA DUARTE
Descritores
CONDOMÍNIO LOGRADOURO USO COMUM USO EXCLUSIVO
No do documento
RG
Data do Acordão
10/19/2023
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Sumário
Assistindo a ambos os condóminos, por força do título constitutivo da propriedade horizontal, o direito de uso exclusivo de partes do logradouro que, para além destas, tem também áreas de uso comum, mas não estando eles de acordo sobre o concreto local por onde passará a linha delimitadora de tais zonas, a ação declarativa de processo comum constitui o meio adequado para os autores fazerem valer a sua pretensão de delimitação/demarcação, pondo termo ao referido litígio.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
 
I. RELATÓRIO

AA e mulher BB deduziram ação declarativa contra CC e mulher BB pedindo que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o imóvel, fração autónoma identificada sob o artigo 1.º da petição inicial, bem como o direito dos autores à demarcação do seu imóvel do imóvel dos réus, procedendo-se judicialmente à demarcação das áreas comuns e das áreas de uso exclusivo dos logradouros do imóvel, em conformidade com o preceituado no artigo 1354.º, n.º 1 do Código Civil.

Alegaram, para tanto, que são donos e legítimos possuidores de uma fração autónoma ..., destinada a habitação, no ... andar, com logradouro, integrada num prédio urbano, sendo os réus proprietários da Fração ..., também destinada a habitação, sita no ... do mesmo prédio, afeto ao regime de propriedade horizontal, resultando do título constitutivo da propriedade horizontal que o prédio é composto por um edifício de ... e andar destinados a habitação, com a área de 112,70 m2 e uma área descoberta de 465,30 m2, e é composto por duas frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, com saída direta para a via pública ou para a parte comum do imóvel e desta para a via pública, tendo as frações a seguinte composição, valor e permilagem:
a) Fração ... – Habitação tipo T-três, no ..., com um alpendre/varanda com 9,30 m2 e um logradouro com 166,00 m2, com permilagem de quinhentos a que corresponde o valor de €50.000,00;
b) Fração ... - Habitação tipo T-três, no andar, com varanda escadas com 6,31 m2 e um logradouro com 71,30 m2;
Ainda de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, além do mais, são partes comuns:
c) O logradouro comum com a área de 212,40 m2;
d) Em geral todas as coisas que não sejam afetas ao uso exclusivo de um dos condóminos;

Mais alegaram que, desde o tempo da aquisição, atentas as relações de amizade e familiaridade existentes, AA. e RR. de comum acordo passaram a utilizar as frações respetivas e a área descoberta ou de logradouro, realizando aí diversas benfeitorias, como a pavimentação do logradouro, a realização de passeios, a construção de anexos e uma cobertura/garagem, para automóveis, mas que, em setembro de 2020, os RR. manifestaram o propósito de vender a sua fração e, com tal intuito, passaram a fazer constar, que as áreas do logradouro eram da sua propriedade exclusiva, designadamente toda a área do logradouro situada na parte frontal do prédio, assim como a área de logradouro situada na parte lateral direita e ainda uma área localizada na parte posterior do prédio, o que põe em causa a área que é de natureza ou de uso comum, onde se encontra construído o passeio na parte frontal do prédio e que permite o acesso quer ao arruamento público quer à parte lateral esquerda do prédio onde os AA. têm edificado um anexo e ainda à parte posterior onde se encontra localizado o anexo/coberto destinado ao parqueamento de veículos.
Como no título constitutivo da propriedade horizontal, apesar de se fazer referência à existência de áreas de uso exclusivo das respetivas frações autónomas e áreas de uso comum, tais áreas não se encontram identificadas em planta nem por referência no prédio, ou seja, tais áreas respetivamente, dos prédios dos AA. e dos RR, não estão demarcadas, pelo que se torna necessário proceder à sua demarcação
Os réus contestaram, excecionando a ineptidão da petição inicial e, por impugnação. Em reconvenção pediram que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade, nos exatos termos constantes da escritura de constituição da propriedade horizontal, no que concerne à fração autónoma dos réus, designada pela letra ... e os autores condenados a absterem-se de usar a área exclusiva afeta ao prédio dos réus localizada na parte frontal da Fração .... Alegaram que os A.A. ao quererem passar na parte frontal do edifício, onde se localiza a área exclusiva dos R.R., estão a violar o direito de propriedade destes, pretendendo apoderar-se da mesma, sabendo que a mesma é pertença exclusiva dos réus
Os autores replicaram, respondendo à matéria de exceção e peticionando a improcedência do pedido reconvencional.
Após convite do tribunal, os autores apresentaram nova petição inicial aperfeiçoada onde indicam o modo como deverá ser efetuada a demarcação entre os prédios, tendo-se seguido contestação e réplica nos mesmos termos das primitivas.
Dispensada a audiência prévia, julgou-se improcedente a exceção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o valor da ação e definiu-se o objeto do litígio e os temas da prova.
Foi ordenada e realizada perícia singular.
Já após a primeira sessão do julgamento, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem quanto à eventual nulidade/invalidade do título constitutivo da propriedade horizontal, por este não definir de forma clara as áreas comuns e próprias do imóvel, sendo que as partes se pronunciaram pela não verificação da nulidade.

Foi ainda reiniciada a audiência para prestação de esclarecimentos por parte do perito e, a final, foi proferida sentença cujo teor decisório é o seguinte:
“Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais supracitadas: Julgo a ação procedente, e, em consequência:
a) Declaro e reconheço o direito de propriedade dos AA. sobre a FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra ..., destinada a habitação Tipo T-Três, no ... andar, com logradouro, integrada num prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17/..., afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...7 de 2007/11/19, fração essa inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...22...;
b) Declaro e reconheço o direito de propriedade dos réus sobre FRACÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra ... sita no Loteamento ..., Lote ...5 – ... -, da freguesia ...: FRACÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra ..., destinada a habitação, correspondente ao ..., inscrita na matriz urbana da citada freguesia sob o nº 2022 – “A” e descrita na C. R. Predial ..., sob o nº ...17;
c) Julgo não verificada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal. 
d) Declaro e reconheço o direito dos AA. à demarcação do seu imóvel e do imóvel dos RR.;
d) Em consequência, procede-se à demarcação das áreas de uso comum e das áreas de uso exclusivo do logradouro do prédio nos seguintes moldes, com referência à planta que se encontra na contracapa do processo:
- Além das duas habitações que se encontram perfeitamente delimitadas e definidas, residindo os autores no ... andar e os réus no ...:
- São áreas exclusivas dos autores as identificadas na planta a cor azul;
- São áreas exclusivas dos réus as identificadas na planta a cor vermelha e o anexo identificado na planta a cor verde;
- São áreas comuns as demais áreas identificadas a cor verde (exceto o anexo que pertence aos réus).
e) Julgo a reconvenção improcedente, por não provada, absolvendo os autores dos pedidos reconvencionais.
f) Absolvo os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé”.
 
Os réus interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
DOS FACTOS:

A – A Douta Sentença padece de vícios graves, no que respeita à matéria considerada como provada “Factos Provados” e “factos Não Provadas” e à respetiva “motivação da matéria de facto”, pois o Tribunal “a quo” fez uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos, resultante da audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos,
B – Padecendo também de vícios graves no que diz respeito à interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a causa de pedir e o pedido nos presentes autos,
C – Violando o disposto nos artº nº 607º, 608º e 615º do CPC e artigos 236º, 237º, 238º, 239º, 286º, 289, 294º, 1353º, 1354º, 1415º, 1416º, 1417º, 1418º, 1419º todos do CC e ainda os artsº 59º e 60º do Código do Notariado.
D - Tais vícios conduzem à nulidade da sentença.
E – Numa apreciação genérica da sentença ora recorrida, verifica-se que as ora testemunhas dos recorridos são consideradas credíveis, descredibilizando-se as testemunhas dos recorrentes incompreensivelmente.
F – Atenta a motivação apresentada, relativamente à prova testemunhal apresentada pelos recorrentes, a mesma não foi valorada, mesmo tratando-se de depoimentos credíveis e isentos, contrariamente à prova testemunhal dos recorridos, que foi atendida como se de única verdade se tratasse.
G – É merecedor de critica, o Tribunal “a quo” na valoração da prova, quer da testemunhal, da pericial e da documental, uma vez que considerou determinados elementos e desconsiderou outros, não fazendo uma correta apreciação dos mesmos, do ponto de vista legal, fazendo juízos de valor e desconsiderando o valor legal e firmeza que sobre os mesmos pende.
H – Durante a audiência de julgamento, foi admitida uma planta, junta pelos autores na Replica aperfeiçoada, que foi impugnada pelos réus, por não retratar a realidade, mas sim a pretensão dos autores.
I – A admissão de tal planta não teve qualquer fundamentação, nem por remissão, baseando-se num mero juízo de valor, sem qualquer suporte legal.
J – A falta de fundamentação, consubstancia uma omissão, não tendo sido respeitado o disposto no 608, nº 2 do CPC,
L – Gerando em consequência uma nulidade, nos termos do disposto no artº 615º do CPC, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
M – O mesmo se dirá em relação ao relatório pericial, pois não é feita qualquer menção, relativamente à sua admissão e consequente valoração enquanto elemento probatório.
N - Numa apreciação genérica, verifica-se, incompreensivelmente, que as testemunhas e prova documental apresentadas pelos recorridos são considerados credíveis, tendo sido completamente desvalorizada, a prova apresentada pelos recorrentes.
O – À luz das “regras da experiência”, o Tribunal “a quo”, na valoração da prova, quer testemunhal, da pericial e da documental, não levou em conta determinados elementos, que seriam fundamentais para a boa decisão da causa, ou tendo considerados outros, não fez uma correta apreciação dos mesmos, do ponto de vista legal.
Vejamos,
P – Quanto à matéria constante da alínea a) dos factos dados como não provados – “ Os réus permitiam, por mero favor, que os AA, passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder ao seu anexo”, todas as testemunhas, com exceção de DD, que desconhecia esta matéria, depuseram de forma espontânea e clara, pois em virtude de frequentarem as habitações, quer dos autores, quer dos réus, declararam que os autores, passavam na área frontal ao prédio, por mera tolerância, pois a autora mulher e a ré mulher, são irmãs e sempre tiveram uma boa relação familiar.
Q – O litigo dos presentes é consequência de um conflito que surgiu entre autores e réus, pois a propriedade das áreas exclusivas dos réus, nunca foi questionada.
R – As testemunhas dos autores só vieram dizer que estes sempre passaram pelo pátio “passeio”, localizado na parte frontal do prédio, não demonstrando saber a que título eles o faziam.
S – As testemunhas dos réus foram totalmente desconsideradas, com base em juízos de valor, sendo certo, que a indicação e exame critico da prova que serve para formar a convicção do julgador, tem de ser demonstrativa do percurso lógico e racional efetuado pelo mesmo, o que in casu não se verifica.
T – Pelo que, a matéria constante da alínea a) dos factos dados como não provados, “Os réus permitiam, por mero favor, que os AA, passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder ao seu anexo”, deverá ser aditada ao elenco dos factos provados.
E ainda,
U - Quanto à matéria constante da g) dos factos dados como não provados - “O passeio referido em 20º foi custeado pelos réus.”- as testemunhas dos recorrentes, com exceção de EE, de forma clara, isenta e com conhecimento claro dos factos, afirmaram que foram os réus a suportar o custo da pavimentação da área frontal do prédio.
V – Aliás a testemunha FF trabalhou na pavimentação e afirmou que foi o réu marido que pagou os materiais, demonstrando um efetivo conhecimento do local, pois trabalhou também na remodelação da casa dos réus e dos autores, estando, bem ciente, das áreas pertencentes quer aos autores, quer aos réus.
X – As testemunhas arroladas pelos réus demonstraram ter um conhecimento claro e inequívoco, pois frequentam as casas quer dos autores, como dos réus, o que não foi tido em conta pelo Tribunal “a quo”, pelo que, a matéria constante da alínea g) dos factos não provados, deverá ser aditada aos factos provados.
Para além disso,
Z – Quanto à prova documental junta aos autos, foi admitida pelo Tribunal “a quo” a planta que os autores juntaram e que titula a pretensão destes, à qual os réus se opuseram, tendo sido junta na contestação uma planta, que instruiu o processo de licenciamento, que segundo o Sr. Perito não estaria atualizada, enquanto que a planta dos autores seria a que sustentava uma solução para a harmoniosa dos espaços comuns, possibilitando o acesso dos autores ao anexo, sito a noroeste.
AA – Sendo facto assente, que os autores construíram um anexo, para o qual passaram a ter necessidade de passagem, em momento posterior à constituição da propriedade horizontal, bem como à data da compra e venda da respetiva fração.
BB – No relatório pericial junto aos autos, em resposta ao Quesito 7º, o Sr. Perito diz que existe uma solução possível quanto a uma alteração da propriedade horizontal, quando o que se discute é se é possível definir quais as fronteiras entre as áreas exclusivas das frações ... e ..., ao que o Sr. Perito respondeu, dizendo que não é possível fazer essa definição.
CC – Na sentença “a quo” para além da errada apreciação da prova testemunhal e documental, verificamos que, nos termos dos artº 607º do CPC, foi conferida força probatória a um documento – planta -, sem análise critica e fundamentação fáctica ou legal, que permita a compreensão e/ou esclarecimento, da convicção do julgador.
DD - Assim, cometeu a sentença “a quo” os vícios de omissão de pronuncia e excesso de pronuncia, o que consubstanciam as nulidades previstas no artº 615º d) do CPC.
EE - Assim, mal andou o Tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção em juízos de valor, desconsiderando a prova documental e pericial, não explicitando juízos lógicos e racionais que utilizou na sua apreciação valorativa.

DO DIREITO:
FF – A ação de demarcação não é o meio processual adequado, pois este tipo de ação destina-se a definição de estremas, de proprietários confinantes, de prédios distintos.
GG – O título de constituição da propriedade foi efetuado por escritura notarial, lavrada a fls 79 e 80 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 80-A, do Cartório Notarial da Drª GG, em 19.10.2007.
HH – Do título junto aos autos e referido na sentença de que se recorre, a composição das frações, o destino, as áreas comuns, áreas exclusivas, valores e permilagens ficaram definidas na referida escritura.
II – Pelo que, o Tribunal “a quo” não podia ter alterado a composição da propriedade horizontal como o fez na sentença de que se recorre,
JJ– O Tribunal está vinculado ao título constitutivo, conjugado com as regras do urbanismo, licenciamento camarário da referida propriedade horizontal.
LL – Os autores quando realizaram a escritura de compra, aceitaram os termos da compra, tendo conhecimento da composição da fração que adquiriram.
MM – Já decorreram cerca de 15 anos, sobre a data da realização da escritura notarial do negócio de compra, nunca tendo sido posto em causa o valor da declaração negocial,
NN – Pretendendo, agora os autores com recurso aos autos de ação comum, de que recorre, aumentar a área comum, através da retirada de área, da área exclusiva dos réus, para poderem aceder a um anexo, que não existia à data da constituição da propriedade horizontal e à data da aquisição da sua fração.
No entanto,
OO – A pretensão dos autores não pode proceder, atento o disposto no artº 1421º do CC, pois o “passeio” constituído na sentença “a quo”, não é área comum do prédio.
PP – O título constitutivo da propriedade horizontal é o elemento que impossibilita, a prolação da Sentença de que se recorre.
QQ – Nos termos do disposto no artº 1417º do CC, na celebração de uma escritura de constituição de propriedade horizontal e consequente escritura de compra e venda, é exarada uma declaração negocial, sujeita às regras de interpretação e da integração previstas no artº 236º e ss do CC..
RR – As áreas definidas nas referidas escrituras e sujeitas a registo predial, não podem ser alteradas, nesse sentido o Acórdão do STJ de 11.12.2014, com o Proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/139006" target="_blank">833/11.2TVPRT.P1</a>.S1, in DGSI.
SS – O artº 1419º do CC, exige para a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, o acordo de todos os condóminos expresso em escritura ou documento particular autenticado.
TT – O Código do Notariado, através do artº 59º e 60º, impõe os requisitos para a constituição e modificação da propriedade horizontal, a que a sentença “a quo” não obedece.
UU – O Tribunal está impedido de alterar as áreas da propriedade horizontal objeto dos presentes autos,
VV – Nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, com o Proc. nº 3120/19.4T8GMR, datado de 15.04.2021 e ainda o Acórdão do STJ de 21.09.2006, Proc. nº 063355, ambos em DGSI.
XX – Violou a sentença recorrida o disposto nos artºs 607º, 608º, e 615º do CPC e ainda os artºs 236º, 237º, 238º, 239º, 286º, 289º, 294º, 1353º, 1354º, 1415º, 1416º, 1417º, 1418º e 1419º todos do CC e ainda os artºs 59º e 60º do Código do Notariado.
ZZ – Assim, tendo em conta a errada apreciação da prova produzida, a alegada errada aplicação do Direito à situação concreta, operando as nulidades invocadas, deverão em consequência, serem os réus absolvidos do pedido.
Por tudo isso,
Deve conceder-se provimento, ao presente recurso, assim se fazendo uma correta aplicação da Lei e a mais elementar JUSTIÇA.
 
Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo, tendo o Sr. Juiz emitido pronúncia sobre as nulidades invocadas, no sentido de as mesmas não se verificarem.
Foram colhidos os vistos legais.
 
As questões a resolver prendem-se com a nulidade da sentença (por omissão de pronúncia, por excesso de pronúncia e por falta de despacho a admitir o relatório pericial), com a impugnação da decisão de facto e com a errada aplicação do direito por se ter modificado o título constitutivo da propriedade horizontal.
 
II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
“Atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como os documentos juntos aos autos dão-se como assentes os seguintes factos:
1.º) Através da apresentação n.º 23 de 2007/12/06, está registada a favor dos autores a FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra ..., destinada a habitação Tipo T-Três, no ... andar, com logradouro, integrada num prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17/..., afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...7 de 2007/11/19, fração essa inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...22....
2.º) Os AA. adquiriram a referida fração através de escritura notarial de compra e venda, lavrada a fls. 19 a 22 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 14-A, do Cartório Notarial da Drª HH, em 03/06/2008.
3.º) Há mais de 10, 15 anos que os AA., por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição da fração descrita em 1º dos factos provados.
4.º) Habitando a casa, ajardinando o respetivo logradouro com plantas e árvores, retirando dele as demais utilidades que lhes são inerentes.
5.º) Fazendo benfeitorias, pagando os impostos que sobre ele incidem. 
6.º) Dando-o de arrendamento e recebendo as respetivas rendas.
7.º) O que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição nem interrupção, na firme convicção de que estão, como sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio.
8.º) Encontra-se registada a favor dos réus a FRACÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra ... sita no Loteamento ..., Lote ...5 – ... -, da freguesia ..., designada pela letra ..., destinada a habitação, correspondente ao ..., inscrita na matriz urbana da citada freguesia sob o n.º 2022 – “A” e descrita na C. R. Predial ..., sob o nº ...17. 
9.º) Os réus adquiriram a respetiva fração por escritura notarial de compra e venda, lavrada a fls 13 a 16, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 14-A, do Cartório Notarial da Drª HH, em 03/06/2008.
10.º) Os R.R. por si e antecessores, estão na posse do identificado prédio, há mais de 20, 30 e 50 anos, de forma pública, pacifica, continuada e de boa fé.
11.º) Sempre os R.R. por si e antecessores, ao longo desse tempo, têm habitado o prédio, dando-o de arrendamento e recebendo a respetiva renda.
12.º) Nele fazendo obras de reconstrução e remodelação, bem como pagando as inerentes contribuições e impostos.
13.º) O que tudo vem sendo feito à vista e com o pleno conhecimento de toda a gente, sem oposição, de quem quer que seja, sem interrupção temporal.
14.º) E tudo isto, fazendo na plena convicção de assim exercerem um direito próprio de propriedade.
15.º)  O prédio urbano onde se localizam as frações autónomas referidas em 1º e 8º foi constituído em propriedade horizontal, por escritura notarial lavrada a fls. 79 a 80 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 80-A, do Cartório Notarial da Drª GG, em 19/10/2007 (cfr. doc. ... junto com a PI que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
16.º)    Resulta do título constitutivo da propriedade horizontal que o prédio é composto por um edifício de ... e andar destinados a habitação, com a área de 112,70 m2 e uma área descoberta de 465,30 m2, e é composto por duas frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, com saída direta para a via pública ou para a parte comum do imóvel e desta para a via pública, tendo as frações a seguinte composição, valor e permilagem:
a) Fração ... – Habitação tipo T-três, no ..., com um alpendre/varanda com 9,30 m2 e um logradouro com 166,00 m2, com permilagem de quinhentos a que corresponde o valor de € 50.000,00;
b) Fração ... - Habitação tipo T-três, no andar, com varanda escadas com 6,31 m2 e um logradouro com 71,30 m2; 
17.º)    Resulta do título constitutivo da propriedade horizontal, além do mais, que são partes comuns:
“(…)
b) As instalações gerais de água, eletricidade, gás, comunicações e semelhantes;
 c) O logradouro comum com a área de 212,40 m2;
d) Em geral todas as coisas que não sejam afetas ao uso exclusivo de um dos condóminos;
Que o acesso às frações, faz-se diretamente da via pública, para a parte frontal”
18.º) Os autores procederam à edificação de um anexo envidraçado, no lado lateral esquerdo, a Noroeste, tendo pavimentado e pintado a área envolvente (identificado a cor azul na planta junta aos autos pelos autores com a PI aperfeiçoada, junta também em audiência em tamanho A3, a qual se encontra na contracapa).
(Todas as referências feitas à “planta” nos factos provados dizem respeito à planta junta aos autos pelos autores com a PI aperfeiçoada, junta também em audiência em tamanho A3, a qual se encontra na contracapa)
19.º) Os A.A. e R.R. em comum, realizaram uma edificação para guardarem os veículos, a expensas de ambos, a Este, onde quer uns e outros utilizam metade da área referida, sendo a metade esquerda utilizada pelos R.R. e a metade direita utilizada pelos A.A. (identificada a cor verde na planta junta aos autos).
20.º) Na parte frontal do prédio, a oeste, existe um passeio (a cor verde na planta) que liga a entrada no prédio (portão principal), bem como a zona das escadas de acesso à Fração dos AA. até à lateral esquerda onde se localiza do anexo (referido em 18º) e à parte posterior.
21.º) Os autores sempre utilizaram esse passeio na parte frontal do prédio (identificado a cor verde na planta), o qual permite o acesso quer ao arruamento público quer à parte lateral esquerda do prédio onde os AA. têm edificado o anexo referido em 18º (a cor azul na planta) e ainda à parte posterior onde se encontra localizado o anexo/coberto destinado ao parqueamento de veículos.
22.º) Os réus também utilizam e sempre utilizaram esse passeio.
23.º) Apenas os autores utilizam a área identificada na planta a cor azul. 
24.º) Apenas os réus utilizam a área identificada na planta a cor vermelha.
25.º) E o anexo identificado na planta a cor verde.
26.º) Ambas as partes vêm utilizando em conjunto a área do logradouro do prédio identificada na planta a cor verde (com exceção do anexo referido em 25º).
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
a) Os réus permitiam, por mero favor, que os A.A., passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder a esse anexo.
b) Em setembro de 2020, os RR. manifestaram o propósito de vender a sua fração e com tal intuito passaram a fazer constar, quer junto da imobiliária, quer ainda junto de outras pessoas, que as áreas do logradouro eram da sua propriedade exclusiva, designadamente toda a área do logradouro situada na parte frontal do prédio, assim como a área de logradouro situada na parte lateral direita e ainda uma área localizada na parte posterior do prédio.
c) No seguimento desse propósito de se declararem donos daquelas áreas, diligenciaram no sentido de proceder à construção de muros laterais no interior do logradouro frontal quer do lado esquerdo quer do lado direito, tendo inclusivamente assinalado no local a zona da edificação e colocado ali materiais para esse efeito.
d) A construção dos muros foi impedida pelos AA. mediante a comunicação à Câmara Municipal da ação levada a cabo pelos RR. e de que a mesma não tinha a sua concordância enquanto condóminos e que esta estava a afetar as áreas de uso comum das frações.
e) Os RR. mantêm materiais no logradouro frontal.
f) O passeio referido em 20º foi custeado em partes iguais por autores e rés. 
g) O passeio referido em 20º foi custeado pelos réus.
 
Os apelantes começam por se insurgir contra o que chamam de “admissão de um documento” – planta – no decurso da audiência de julgamento, o que configuraria o desrespeito pelo disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, com a consequente nulidade da sentença, o mesmo acontecendo quanto à falta de despacho a admitir o relatório pericial, o que configura uma omissão de pronúncia e consequente nulidade da sentença.

Vejamos.
A omissão de pronúncia conduz à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, sendo pacífica a jurisprudência quanto ao entendimento de que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Comentando o artigo 608., n.º 2 do CPC, a que aludem os apelantes, pode ler-se em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 727, o seguinte: “As questões a que se reporta o n.º 2 reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente, os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir (…) questões e argumentos não se confundem”.
Ora, relativamente à perícia requerida pelos autores, foi proferido despacho, a 01/02/2022, que, considerando a mesma relevante para a boa decisão da causa, ordenou a sua realização por perito singular e determinou o respetivo objeto. Este é o despacho em que o juiz se pronuncia sobre o meio de prova solicitado, depois de a parte contrária ter tido oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo – artigos 415.º e 476.º do CPC.
Após a junção do relatório pericial, o mesmo é notificado às partes para se pronunciarem, podendo formular reclamações ou requerer a presença do perito em audiência para prestar esclarecimentos – artigos 485.º e 486.º do CPC – o que foi, aliás, determinado em despacho proferido em 07/06/2022, tendo a Ilustre Mandatária dos réus prescindido da inquirição do Sr. Perito, por si requerida, já em audiência de julgamento. A prestação de esclarecimentos viria, no entanto, a ser considerada necessária pelo Sr. Juiz, que reiniciou a audiência com esse objetivo.
Ora, do que fica dito resulta que foram cumpridas todas as formalidades relativas à admissão da prova pericial e, junto o relatório e prestados os esclarecimentos que se consideraram necessários, não há que proferir qualquer outro despacho. A prova está admitida, o relatório está apresentado, os esclarecimentos estão dados, sendo a prova livremente apreciada pelo tribunal, conforme dispõe o artigo 389.º do Código Civil e o artigo 607.º, n.º 5 do CPC.
Não há, portanto, qualquer omissão de pronúncia.
E o mesmo se diga quanto à questão da planta.
Na sessão de julgamento que decorreu no dia 24/02/2023, foi determinada a junção da planta a cores em formato A3 que o ilustre mandatário dos autores tinha em sua posse, que não é mais do que a planta já junta pelos autores em 11/10/2021, e cuja junção havia já sido admitida por despacho de 07/06/2022. Ou seja, trata-se de documento oportunamente admitido e que apenas foi junto, de novo, em audiência de julgamento, por determinação do Sr. Juiz, por ser de mais fácil compreensão, considerando o seu tamanho e o facto de a planta estar com as cores identificadas na legenda (e não a preto e branco). Veja-se que ambos os mandatários estavam presentes e nenhum se opôs à referida junção.
Tal documento, uma vez mais, tem a força probatória que lhe é fixada pelo artigo 374.º do Código Civil e é apreciado livremente pelo tribunal conforme dispõe o artigo 607.º, n.º 5 do CPC, tal como todos os documentos juntos aos autos, nos quais se inclui a planta apresentada pelos réus, tendo ambas sido sujeitas à análise crítica a que se refere o artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
Improcede, assim a invocada nulidade.
 
Os apelantes consideram, também, ter o tribunal incorrido em excesso de pronúncia, ao suscitar a questão relativa à nulidade do título de constituição da propriedade horizontal.
Em primeiro lugar deve dizer-se que os apelantes não podem suscitar tal questão em sede de recurso, porque não ficaram vencidos nessa parte – artigo 631.º, n.º 1 do CPC – uma vez que, quando notificados para se pronunciarem sobre tal questão (questão nova, não debatida nos articulados), responderam considerando que a escritura de propriedade horizontal não padece de qualquer vício, que foi exatamente o que se decidiu na sentença sob recurso.
Acresce que, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se, aqui, genericamente, da apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso.
O excesso de pronúncia só se verifica, relativamente a questões não conexionadas com a causa de pedir, estando o juiz limitado pelo princípio do dispositivo, que exprime a liberdade com que as partes definem o objeto do litígio, não podendo condenar-se além do pedido, nem considerar causa de pedir que não tenha sido invocada – cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 21/02/2005 e do STJ de 05/02/2004, ambos em www.dgsi.pt.
Deve realçar-se, contudo, que não pode dizer-se que haja excesso de pronúncia, quando se decide com base nos factos articulados pelas partes, mesmo que se lhes dê um enquadramento jurídico diverso do assumido por elas, pois, como é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artigo 5.º, n.º 3 do CPC – princípio que apenas tem como limite as questões cuja apreciação dependa da iniciativa do interessado, como acontece com a caducidade reportada a direitos disponíveis, a prescrição, a anulabilidade, a resolução ou a compensação – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, vol. I, pág. 30 – e está apenas condicionado pela necessidade de ser respeitado o princípio do contraditório, por forma a evitar decisões-surpresa.
No caso dos autos, o Sr. Juiz proferiu despacho em que considerou que, face aos factos alegados, podia estar em causa a nulidade/invalidade do título constitutivo da propriedade horizontal e, uma vez que tal questão não tinha sido discutida nos articulados, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem, concedendo-lhes prazo para o efeito, respeitando, assim, o princípio do contraditório.
Ora, assim delimitada esta nulidade por excesso de pronúncia, logo resulta evidente que a mesma não foi cometida nos autos.
 
A apelação prossegue com a impugnação da decisão de facto, considerando os apelantes que os factos dados como não provados sob as alíneas a) e g), devem transitar para os factos provados, com base nos depoimentos das suas testemunhas II, JJ, EE, DD e KK.

Tais factos não provados são os seguintes:
a) Os réus permitiam, por mero favor, que os A.A., passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder a esse anexo.
g) O passeio referido em 20º foi custeado pelos réus.
Está em causa, apenas, como bem se frisa na sentença sob recurso, a utilização do passeio frontal por parte dos autores.
Os Apelantes sustentam-se nos depoimentos das testemunhas por si arroladas, as primeiras três e a última, familiares – irmã, cunhado e sobrinhos – todos com o mesmo depoimento: que os autores utilizavam o logradouro por tolerância dos réus e a testemunha DD que referiu ter fornecido materiais ao réu, pagos por este, para construção do passeio.
Acerca desta questão escreveu-se na motivação da decisão de facto:
“Como se disse, a questão principal que divide as partes diz respeito à utilização do passeio frontal por parte dos autores, identificado a cor verde na planta junta na PI aperfeiçoada (a Oeste). Os réus referem que os autores apenas utilizam esse passeio por tolerância. Os autores alegam que sempre contribuíram para a sua manutenção e que sempre o utilizaram para aceder aos seus anexos.
A prova testemunhal foi consonante quanto ao ato, mas dissonante quanto à intenção. Ou seja, todos confirmaram que os autores sempre utilizaram aquele passeio, desde que ali residem. Contudo, as testemunhas dividem-se entre aqueles que referem que o fazem por tolerância dos réus (II, JJ, EE) e os que alegam que o fazem porque o passeio é comum (LL, MM, NN). DD disse que o foi o réu que lhe pagou a obra, mas não sabe se o autor também contribuiu. OO refere que o desenho da propriedade horizontal é o que foi junto pelos réus com a contestação.
Perante estas divergências testemunhais, apenas é objetivo que ambos passam e utilizam o passeio.
Entende-se que a tese dos réus não se encontra demonstrada. Com efeito, não faz qualquer sentido que os autores tenham que passar em área exclusiva dos réus para acederem à sua habitação. Nem faz sentido que tenham de sair à via pública para voltarem a entrar no edifício sempre que pretendem deslocar-se ao anexo, havendo passagem interior adequada para o efeito (cfr. ponto a) não provado). Além disso, existem contadores de água e luz no logradouro, aos quais ambas as partes têm que aceder necessariamente, conforme resulta do relatório pericial. Por isso, o Tribunal não ficou convencido de que a utilização desse passeio pelos autores seja feita por mera tolerância dos réus (não só pela escassez de prova como por questões jurídicas a apreciar infra).
Além disso, é preciso notar que os autores sempre por ali passaram, até ter ocorrido um desentendimento entre as irmãs autora e ré. Ou seja, só após esse desentendimento é que os réus começaram a impedir os autores de utilizarem o corredor frontal. Este facto indicia que aquele corredor de acesso é comum, pois, caso contrário, os réus não iriam deixar os autores por lá passar.
Importa também ter em conta os esclarecimentos prestados pelo perito PP que, de forma muito clara, com objetividade, referiu que a planta junta pelos autores é a única que permite uma solução harmoniosa de utilização de espaços comuns, pois que, só assim os autores podem aceder ao seu anexo sito a noroeste. Caso contrário, os autores, caso pretendem deslocar-se da habitação para o anexo, terão sempre de sair da propriedade para a via pública, para voltarem a entrar no prédio por outro lado, para chegarem ao seu anexo.
Assim, resultaram provados os pontos 20º, 21º e 22º nos moldes consignados e não provado o ponto a).
Os factos não provados assim foram consideradas por, na minha convicção, a prova produzida e colhida nos autos não ter conduzido a diversa qualificação dos mesmos, nomeadamente por as testemunhas indicadas não terem revelado possuir conhecimentos concretos, objetivos e convincentes sobre a referida matéria controvertida e por os demais meios de prova produzidos não terem sido de molde a formar uma certeza jurídica quanto à verificação desses factos.
Com efeito, o ponto a) já foi analisado em conjunto com os pontos 20º, 21º e 22º.
Relativamente aos pontos f) (alegado pelos autores) e g) (alegado pelos réus), a verdade é que nenhuma das partes logrou provar o que quer que seja quanto à construção e custeamento do passeio. Há divergências claras nos depoimentos prestados; não foi junto qualquer comprovativo desse pagamento. O que ficou claro foi que ambas as partes utilizam o passeio frontal quando necessitam”.
As partes de depoimentos transcritos pelos apelantes e que sustentam a sua tese quanto à afetação exclusiva dos réus da parte frontal do prédio em nada beliscam a motivação da decisão de facto, pois o Sr. Juiz teve em conta esses depoimentos na sua decisão, como se pode ver da transcrição supra.
Os depoimentos das testemunhas dos autores foram em sentido contrário, pois se é certo que todas as testemunhas, de autores e réus, referiram que os autores sempre utilizaram aquele passeio, as testemunhas dos autores, ao contrário das dos réus, referiram que o pavimento foi feito por ambas as partes, sendo que, quanto ao pagamento do mesmo, nada foi oferecido com relevância, nenhuma prova documental e a única testemunha – DD – referiu que o réu lhe pagou materiais para construção desse passeio, mas não se sabe se o autor também teve custos com essa construção ou de quem era o dinheiro que o réu entregou à testemunha, ou se teria existido algum acordo entre as partes para divisão de custos, uma vez que já haviam construído outros anexos e dependências.
Ora, conforme decorre do disposto no art.º 607º, nº 5 do Código de Processo Civil a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do art.º 607º).
Ou seja, a prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra cit., p. 655); o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (vide, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (in, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”
O que se verifica, no caso dos autos, é que, perante a divergência dos depoimentos testemunhais, o julgador socorreu-se da prova pericial, dos esclarecimentos prestados pelo perito em audiência, da concreta configuração do prédio em relação aos anexos construídos, bem como à localização dos contadores de água e luz no logradouro e, com recurso às regras da experiência, do bom senso e critérios de lógica, concluiu no sentido expresso na sentença, de forma que a nós nos parece correta e bem fundamentada, não se vendo motivos para alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto.
 
Vejamos, agora, a questão jurídica.
Consideram os apelantes que a sentença recorrida operou uma modificação no título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente, sem aprovação de todos os condóminos e a junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia (requisitos de natureza administrativa).
Não há dúvida que a propriedade horizontal, caracterizando-se como um conjunto incindível de poderes que recaem sobre uma fração autónoma de um edifício constituído em propriedade horizontal e sobre as partes comuns do mesmo, pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário – artigos 1414.º, 1420.º e 1417.º do Código Civil – só podendo o título constitutivo ser modificado havendo acordo de todos os condóminos, conforme estatui o artigo 1419.º, n.º 1 do CC.
A questão que se coloca é a de saber se a sentença recorrida operou uma modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, sem o acordo de todos os condóminos e, em consequência, em violação da lei.
Diremos já que não é esse o nosso entendimento.

O artigo 1418º do CC dispõe o seguinte:
“1 - No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente:
a) Menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum;
b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas;
c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.
3 - A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projeto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo”.

Já o artigo 1421.º do CC dispõe:
“1. São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração;
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.
2. Presumem-se ainda comuns:
a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; 
b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro; 
d) As garagens e outros lugares de estacionamento;
e) Em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3 - O título constitutivo pode afetar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns”.

No caso dos autos, conforme decorre dos factos provados números 15, 16 e 17, autores e réus são os únicos condóminos deste prédio urbano constituído em propriedade horizontal, cumprindo o título constitutivo da mesma todos os requisitos supre enunciados.
O problema é que, na identificação das partes comuns se remeteu, apenas, para uma área – 212,40 m2 – sem individualizar, no terreno, onde se situa essa área, quando é certo que ambos os condóminos detêm partes do logradouro de uso exclusivo.
Ou seja, verifica–se uma indefinição das áreas comuns e exclusivas, ou melhor, de algumas áreas específicas do prédio sobre as quais as partes dissentem sobre a natureza comum ou exclusiva.
O que se decidiu, na sentença sob recurso, foi proceder à demarcação das áreas de uso comum e das áreas de uso exclusivo do logradouro do prédio, no âmbito das áreas definidas no título constitutivo da propriedade horizontal e sem necessidade de o modificar.
Ora, considerando-se que “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, (…) bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.” - artigo 2.º n.º 2 do CPC -  e assistindo a ambos os condóminos o direito de uso exclusivo de partes do logradouro que, para além destas, tem também áreas de uso comum, mas não estando eles de acordo sobre o concreto local por onde passará a linha delimitadora de tais zonas, afigura-se que a ação declarativa de processo comum constitui o meio adequado para os autores fazerem valer a sua pretensão de delimitação, pondo termo ao referido litígio – neste sentido ver Acórdão da Relação de Évora de 20/10/2016, processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/206678" target="_blank">2454/14.9TBPTM.E1</a>, in www.dgsi.pt e Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição revista e atualizada, pág. 198 (onde expressamente se referem à possibilidade de, na propriedade horizontal, os condóminos recorrerem à ação de demarcação para determinar as extremas das parcelas privativas em que o terreno do logradouro adjacente ao edifício tenha sido dividido pelo título constitutivo do condomínio).
Ou seja, têm os autores o direito de pedir a delimitação material da área constante do título constitutivo da propriedade horizontal, fixando a linha divisória entre a zona de uso exclusivo e a zona de uso comum. Perante o litígio instalado com os réus (únicos outros condóminos) sobre o local onde se estabelece essa linha, o direito de demarcação afirma-se mesmo como um direito substantivo, a exercitar mediante a presente ação judicial.
Improcede, assim, o argumento jurídico no qual os apelantes sustentam a sua apelação.
A pequeníssima diferença de áreas de uso exclusivo e de uso comum a que se chegou, relativamente às constantes do título (ao nível dos centímetros), não impede a demarcação efetuada, uma vez que, como ficou bem demonstrado na sentença sob recurso, é a única que permite a demarcação de acordo com as regras legais, designadamente, permitindo aos condóminos ter corredores de acesso aos contadores de água e luz, os quais são sempre partes comuns, bem como acesso pelo logradouro a anexos de uso exclusivo, sem necessidade de sair à via pública para voltar a entrar no prédio bem como é a única consonante com a utilização que sempre foi feita dos espaços em questão por ambos os condóminos, de acordo, aliás, com o que estabelecem os artigos 1421.º, n.º 1, alínea c) – entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos – e 1421.º, n.º 2, alínea e) – coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos presumem-se comuns – ambos do Código Civil.
Improcede, assim, totalmente, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.
 
III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes. ***
Guimarães, 19 de outubro de 2023

Ana Cristina Duarte
José Carlos Dias Cravo
Eva Almeida

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA e mulher BB deduziram ação declarativa contra CC e mulher BB pedindo que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o imóvel, fração autónoma identificada sob o artigo 1.º da petição inicial, bem como o direito dos autores à demarcação do seu imóvel do imóvel dos réus, procedendo-se judicialmente à demarcação das áreas comuns e das áreas de uso exclusivo dos logradouros do imóvel, em conformidade com o preceituado no artigo 1354.º, n.º 1 do Código Civil. Alegaram, para tanto, que são donos e legítimos possuidores de uma fração autónoma ..., destinada a habitação, no ... andar, com logradouro, integrada num prédio urbano, sendo os réus proprietários da Fração ..., também destinada a habitação, sita no ... do mesmo prédio, afeto ao regime de propriedade horizontal, resultando do título constitutivo da propriedade horizontal que o prédio é composto por um edifício de ... e andar destinados a habitação, com a área de 112,70 m2 e uma área descoberta de 465,30 m2, e é composto por duas frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, com saída direta para a via pública ou para a parte comum do imóvel e desta para a via pública, tendo as frações a seguinte composição, valor e permilagem: a) Fração ... – Habitação tipo T-três, no ..., com um alpendre/varanda com 9,30 m2 e um logradouro com 166,00 m2, com permilagem de quinhentos a que corresponde o valor de €50.000,00; b) Fração ... - Habitação tipo T-três, no andar, com varanda escadas com 6,31 m2 e um logradouro com 71,30 m2; Ainda de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, além do mais, são partes comuns: c) O logradouro comum com a área de 212,40 m2; d) Em geral todas as coisas que não sejam afetas ao uso exclusivo de um dos condóminos; Mais alegaram que, desde o tempo da aquisição, atentas as relações de amizade e familiaridade existentes, AA. e RR. de comum acordo passaram a utilizar as frações respetivas e a área descoberta ou de logradouro, realizando aí diversas benfeitorias, como a pavimentação do logradouro, a realização de passeios, a construção de anexos e uma cobertura/garagem, para automóveis, mas que, em setembro de 2020, os RR. manifestaram o propósito de vender a sua fração e, com tal intuito, passaram a fazer constar, que as áreas do logradouro eram da sua propriedade exclusiva, designadamente toda a área do logradouro situada na parte frontal do prédio, assim como a área de logradouro situada na parte lateral direita e ainda uma área localizada na parte posterior do prédio, o que põe em causa a área que é de natureza ou de uso comum, onde se encontra construído o passeio na parte frontal do prédio e que permite o acesso quer ao arruamento público quer à parte lateral esquerda do prédio onde os AA. têm edificado um anexo e ainda à parte posterior onde se encontra localizado o anexo/coberto destinado ao parqueamento de veículos. Como no título constitutivo da propriedade horizontal, apesar de se fazer referência à existência de áreas de uso exclusivo das respetivas frações autónomas e áreas de uso comum, tais áreas não se encontram identificadas em planta nem por referência no prédio, ou seja, tais áreas respetivamente, dos prédios dos AA. e dos RR, não estão demarcadas, pelo que se torna necessário proceder à sua demarcação Os réus contestaram, excecionando a ineptidão da petição inicial e, por impugnação. Em reconvenção pediram que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade, nos exatos termos constantes da escritura de constituição da propriedade horizontal, no que concerne à fração autónoma dos réus, designada pela letra ... e os autores condenados a absterem-se de usar a área exclusiva afeta ao prédio dos réus localizada na parte frontal da Fração .... Alegaram que os A.A. ao quererem passar na parte frontal do edifício, onde se localiza a área exclusiva dos R.R., estão a violar o direito de propriedade destes, pretendendo apoderar-se da mesma, sabendo que a mesma é pertença exclusiva dos réus Os autores replicaram, respondendo à matéria de exceção e peticionando a improcedência do pedido reconvencional. Após convite do tribunal, os autores apresentaram nova petição inicial aperfeiçoada onde indicam o modo como deverá ser efetuada a demarcação entre os prédios, tendo-se seguido contestação e réplica nos mesmos termos das primitivas. Dispensada a audiência prévia, julgou-se improcedente a exceção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o valor da ação e definiu-se o objeto do litígio e os temas da prova. Foi ordenada e realizada perícia singular. Já após a primeira sessão do julgamento, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem quanto à eventual nulidade/invalidade do título constitutivo da propriedade horizontal, por este não definir de forma clara as áreas comuns e próprias do imóvel, sendo que as partes se pronunciaram pela não verificação da nulidade. Foi ainda reiniciada a audiência para prestação de esclarecimentos por parte do perito e, a final, foi proferida sentença cujo teor decisório é o seguinte: “Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais supracitadas: Julgo a ação procedente, e, em consequência: a) Declaro e reconheço o direito de propriedade dos AA. sobre a FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra ..., destinada a habitação Tipo T-Três, no ... andar, com logradouro, integrada num prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17/..., afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...7 de 2007/11/19, fração essa inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...22...; b) Declaro e reconheço o direito de propriedade dos réus sobre FRACÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra ... sita no Loteamento ..., Lote ...5 – ... -, da freguesia ...: FRACÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra ..., destinada a habitação, correspondente ao ..., inscrita na matriz urbana da citada freguesia sob o nº 2022 – “A” e descrita na C. R. Predial ..., sob o nº ...17; c) Julgo não verificada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal. d) Declaro e reconheço o direito dos AA. à demarcação do seu imóvel e do imóvel dos RR.; d) Em consequência, procede-se à demarcação das áreas de uso comum e das áreas de uso exclusivo do logradouro do prédio nos seguintes moldes, com referência à planta que se encontra na contracapa do processo: - Além das duas habitações que se encontram perfeitamente delimitadas e definidas, residindo os autores no ... andar e os réus no ...: - São áreas exclusivas dos autores as identificadas na planta a cor azul; - São áreas exclusivas dos réus as identificadas na planta a cor vermelha e o anexo identificado na planta a cor verde; - São áreas comuns as demais áreas identificadas a cor verde (exceto o anexo que pertence aos réus). e) Julgo a reconvenção improcedente, por não provada, absolvendo os autores dos pedidos reconvencionais. f) Absolvo os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé”. Os réus interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões: DOS FACTOS: A – A Douta Sentença padece de vícios graves, no que respeita à matéria considerada como provada “Factos Provados” e “factos Não Provadas” e à respetiva “motivação da matéria de facto”, pois o Tribunal “a quo” fez uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos, resultante da audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos, B – Padecendo também de vícios graves no que diz respeito à interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a causa de pedir e o pedido nos presentes autos, C – Violando o disposto nos artº nº 607º, 608º e 615º do CPC e artigos 236º, 237º, 238º, 239º, 286º, 289, 294º, 1353º, 1354º, 1415º, 1416º, 1417º, 1418º, 1419º todos do CC e ainda os artsº 59º e 60º do Código do Notariado. D - Tais vícios conduzem à nulidade da sentença. E – Numa apreciação genérica da sentença ora recorrida, verifica-se que as ora testemunhas dos recorridos são consideradas credíveis, descredibilizando-se as testemunhas dos recorrentes incompreensivelmente. F – Atenta a motivação apresentada, relativamente à prova testemunhal apresentada pelos recorrentes, a mesma não foi valorada, mesmo tratando-se de depoimentos credíveis e isentos, contrariamente à prova testemunhal dos recorridos, que foi atendida como se de única verdade se tratasse. G – É merecedor de critica, o Tribunal “a quo” na valoração da prova, quer da testemunhal, da pericial e da documental, uma vez que considerou determinados elementos e desconsiderou outros, não fazendo uma correta apreciação dos mesmos, do ponto de vista legal, fazendo juízos de valor e desconsiderando o valor legal e firmeza que sobre os mesmos pende. H – Durante a audiência de julgamento, foi admitida uma planta, junta pelos autores na Replica aperfeiçoada, que foi impugnada pelos réus, por não retratar a realidade, mas sim a pretensão dos autores. I – A admissão de tal planta não teve qualquer fundamentação, nem por remissão, baseando-se num mero juízo de valor, sem qualquer suporte legal. J – A falta de fundamentação, consubstancia uma omissão, não tendo sido respeitado o disposto no 608, nº 2 do CPC, L – Gerando em consequência uma nulidade, nos termos do disposto no artº 615º do CPC, o que se invoca para os devidos efeitos legais. M – O mesmo se dirá em relação ao relatório pericial, pois não é feita qualquer menção, relativamente à sua admissão e consequente valoração enquanto elemento probatório. N - Numa apreciação genérica, verifica-se, incompreensivelmente, que as testemunhas e prova documental apresentadas pelos recorridos são considerados credíveis, tendo sido completamente desvalorizada, a prova apresentada pelos recorrentes. O – À luz das “regras da experiência”, o Tribunal “a quo”, na valoração da prova, quer testemunhal, da pericial e da documental, não levou em conta determinados elementos, que seriam fundamentais para a boa decisão da causa, ou tendo considerados outros, não fez uma correta apreciação dos mesmos, do ponto de vista legal. Vejamos, P – Quanto à matéria constante da alínea a) dos factos dados como não provados – “ Os réus permitiam, por mero favor, que os AA, passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder ao seu anexo”, todas as testemunhas, com exceção de DD, que desconhecia esta matéria, depuseram de forma espontânea e clara, pois em virtude de frequentarem as habitações, quer dos autores, quer dos réus, declararam que os autores, passavam na área frontal ao prédio, por mera tolerância, pois a autora mulher e a ré mulher, são irmãs e sempre tiveram uma boa relação familiar. Q – O litigo dos presentes é consequência de um conflito que surgiu entre autores e réus, pois a propriedade das áreas exclusivas dos réus, nunca foi questionada. R – As testemunhas dos autores só vieram dizer que estes sempre passaram pelo pátio “passeio”, localizado na parte frontal do prédio, não demonstrando saber a que título eles o faziam. S – As testemunhas dos réus foram totalmente desconsideradas, com base em juízos de valor, sendo certo, que a indicação e exame critico da prova que serve para formar a convicção do julgador, tem de ser demonstrativa do percurso lógico e racional efetuado pelo mesmo, o que in casu não se verifica. T – Pelo que, a matéria constante da alínea a) dos factos dados como não provados, “Os réus permitiam, por mero favor, que os AA, passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder ao seu anexo”, deverá ser aditada ao elenco dos factos provados. E ainda, U - Quanto à matéria constante da g) dos factos dados como não provados - “O passeio referido em 20º foi custeado pelos réus.”- as testemunhas dos recorrentes, com exceção de EE, de forma clara, isenta e com conhecimento claro dos factos, afirmaram que foram os réus a suportar o custo da pavimentação da área frontal do prédio. V – Aliás a testemunha FF trabalhou na pavimentação e afirmou que foi o réu marido que pagou os materiais, demonstrando um efetivo conhecimento do local, pois trabalhou também na remodelação da casa dos réus e dos autores, estando, bem ciente, das áreas pertencentes quer aos autores, quer aos réus. X – As testemunhas arroladas pelos réus demonstraram ter um conhecimento claro e inequívoco, pois frequentam as casas quer dos autores, como dos réus, o que não foi tido em conta pelo Tribunal “a quo”, pelo que, a matéria constante da alínea g) dos factos não provados, deverá ser aditada aos factos provados. Para além disso, Z – Quanto à prova documental junta aos autos, foi admitida pelo Tribunal “a quo” a planta que os autores juntaram e que titula a pretensão destes, à qual os réus se opuseram, tendo sido junta na contestação uma planta, que instruiu o processo de licenciamento, que segundo o Sr. Perito não estaria atualizada, enquanto que a planta dos autores seria a que sustentava uma solução para a harmoniosa dos espaços comuns, possibilitando o acesso dos autores ao anexo, sito a noroeste. AA – Sendo facto assente, que os autores construíram um anexo, para o qual passaram a ter necessidade de passagem, em momento posterior à constituição da propriedade horizontal, bem como à data da compra e venda da respetiva fração. BB – No relatório pericial junto aos autos, em resposta ao Quesito 7º, o Sr. Perito diz que existe uma solução possível quanto a uma alteração da propriedade horizontal, quando o que se discute é se é possível definir quais as fronteiras entre as áreas exclusivas das frações ... e ..., ao que o Sr. Perito respondeu, dizendo que não é possível fazer essa definição. CC – Na sentença “a quo” para além da errada apreciação da prova testemunhal e documental, verificamos que, nos termos dos artº 607º do CPC, foi conferida força probatória a um documento – planta -, sem análise critica e fundamentação fáctica ou legal, que permita a compreensão e/ou esclarecimento, da convicção do julgador. DD - Assim, cometeu a sentença “a quo” os vícios de omissão de pronuncia e excesso de pronuncia, o que consubstanciam as nulidades previstas no artº 615º d) do CPC. EE - Assim, mal andou o Tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção em juízos de valor, desconsiderando a prova documental e pericial, não explicitando juízos lógicos e racionais que utilizou na sua apreciação valorativa. DO DIREITO: FF – A ação de demarcação não é o meio processual adequado, pois este tipo de ação destina-se a definição de estremas, de proprietários confinantes, de prédios distintos. GG – O título de constituição da propriedade foi efetuado por escritura notarial, lavrada a fls 79 e 80 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 80-A, do Cartório Notarial da Drª GG, em 19.10.2007. HH – Do título junto aos autos e referido na sentença de que se recorre, a composição das frações, o destino, as áreas comuns, áreas exclusivas, valores e permilagens ficaram definidas na referida escritura. II – Pelo que, o Tribunal “a quo” não podia ter alterado a composição da propriedade horizontal como o fez na sentença de que se recorre, JJ– O Tribunal está vinculado ao título constitutivo, conjugado com as regras do urbanismo, licenciamento camarário da referida propriedade horizontal. LL – Os autores quando realizaram a escritura de compra, aceitaram os termos da compra, tendo conhecimento da composição da fração que adquiriram. MM – Já decorreram cerca de 15 anos, sobre a data da realização da escritura notarial do negócio de compra, nunca tendo sido posto em causa o valor da declaração negocial, NN – Pretendendo, agora os autores com recurso aos autos de ação comum, de que recorre, aumentar a área comum, através da retirada de área, da área exclusiva dos réus, para poderem aceder a um anexo, que não existia à data da constituição da propriedade horizontal e à data da aquisição da sua fração. No entanto, OO – A pretensão dos autores não pode proceder, atento o disposto no artº 1421º do CC, pois o “passeio” constituído na sentença “a quo”, não é área comum do prédio. PP – O título constitutivo da propriedade horizontal é o elemento que impossibilita, a prolação da Sentença de que se recorre. QQ – Nos termos do disposto no artº 1417º do CC, na celebração de uma escritura de constituição de propriedade horizontal e consequente escritura de compra e venda, é exarada uma declaração negocial, sujeita às regras de interpretação e da integração previstas no artº 236º e ss do CC.. RR – As áreas definidas nas referidas escrituras e sujeitas a registo predial, não podem ser alteradas, nesse sentido o Acórdão do STJ de 11.12.2014, com o Proc. nº 833/11.2TVPRT.P1.S1, in DGSI. SS – O artº 1419º do CC, exige para a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, o acordo de todos os condóminos expresso em escritura ou documento particular autenticado. TT – O Código do Notariado, através do artº 59º e 60º, impõe os requisitos para a constituição e modificação da propriedade horizontal, a que a sentença “a quo” não obedece. UU – O Tribunal está impedido de alterar as áreas da propriedade horizontal objeto dos presentes autos, VV – Nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, com o Proc. nº 3120/19.4T8GMR, datado de 15.04.2021 e ainda o Acórdão do STJ de 21.09.2006, Proc. nº 063355, ambos em DGSI. XX – Violou a sentença recorrida o disposto nos artºs 607º, 608º, e 615º do CPC e ainda os artºs 236º, 237º, 238º, 239º, 286º, 289º, 294º, 1353º, 1354º, 1415º, 1416º, 1417º, 1418º e 1419º todos do CC e ainda os artºs 59º e 60º do Código do Notariado. ZZ – Assim, tendo em conta a errada apreciação da prova produzida, a alegada errada aplicação do Direito à situação concreta, operando as nulidades invocadas, deverão em consequência, serem os réus absolvidos do pedido. Por tudo isso, Deve conceder-se provimento, ao presente recurso, assim se fazendo uma correta aplicação da Lei e a mais elementar JUSTIÇA. Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso. O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo, tendo o Sr. Juiz emitido pronúncia sobre as nulidades invocadas, no sentido de as mesmas não se verificarem. Foram colhidos os vistos legais. As questões a resolver prendem-se com a nulidade da sentença (por omissão de pronúncia, por excesso de pronúncia e por falta de despacho a admitir o relatório pericial), com a impugnação da decisão de facto e com a errada aplicação do direito por se ter modificado o título constitutivo da propriedade horizontal. II. FUNDAMENTAÇÃO Na sentença foram considerados os seguintes factos: “Atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como os documentos juntos aos autos dão-se como assentes os seguintes factos: 1.º) Através da apresentação n.º 23 de 2007/12/06, está registada a favor dos autores a FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra ..., destinada a habitação Tipo T-Três, no ... andar, com logradouro, integrada num prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17/..., afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...7 de 2007/11/19, fração essa inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...22.... 2.º) Os AA. adquiriram a referida fração através de escritura notarial de compra e venda, lavrada a fls. 19 a 22 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 14-A, do Cartório Notarial da Drª HH, em 03/06/2008. 3.º) Há mais de 10, 15 anos que os AA., por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição da fração descrita em 1º dos factos provados. 4.º) Habitando a casa, ajardinando o respetivo logradouro com plantas e árvores, retirando dele as demais utilidades que lhes são inerentes. 5.º) Fazendo benfeitorias, pagando os impostos que sobre ele incidem. 6.º) Dando-o de arrendamento e recebendo as respetivas rendas. 7.º) O que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição nem interrupção, na firme convicção de que estão, como sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio. 8.º) Encontra-se registada a favor dos réus a FRACÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra ... sita no Loteamento ..., Lote ...5 – ... -, da freguesia ..., designada pela letra ..., destinada a habitação, correspondente ao ..., inscrita na matriz urbana da citada freguesia sob o n.º 2022 – “A” e descrita na C. R. Predial ..., sob o nº ...17. 9.º) Os réus adquiriram a respetiva fração por escritura notarial de compra e venda, lavrada a fls 13 a 16, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 14-A, do Cartório Notarial da Drª HH, em 03/06/2008. 10.º) Os R.R. por si e antecessores, estão na posse do identificado prédio, há mais de 20, 30 e 50 anos, de forma pública, pacifica, continuada e de boa fé. 11.º) Sempre os R.R. por si e antecessores, ao longo desse tempo, têm habitado o prédio, dando-o de arrendamento e recebendo a respetiva renda. 12.º) Nele fazendo obras de reconstrução e remodelação, bem como pagando as inerentes contribuições e impostos. 13.º) O que tudo vem sendo feito à vista e com o pleno conhecimento de toda a gente, sem oposição, de quem quer que seja, sem interrupção temporal. 14.º) E tudo isto, fazendo na plena convicção de assim exercerem um direito próprio de propriedade. 15.º)  O prédio urbano onde se localizam as frações autónomas referidas em 1º e 8º foi constituído em propriedade horizontal, por escritura notarial lavrada a fls. 79 a 80 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 80-A, do Cartório Notarial da Drª GG, em 19/10/2007 (cfr. doc. ... junto com a PI que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 16.º)    Resulta do título constitutivo da propriedade horizontal que o prédio é composto por um edifício de ... e andar destinados a habitação, com a área de 112,70 m2 e uma área descoberta de 465,30 m2, e é composto por duas frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, com saída direta para a via pública ou para a parte comum do imóvel e desta para a via pública, tendo as frações a seguinte composição, valor e permilagem: a) Fração ... – Habitação tipo T-três, no ..., com um alpendre/varanda com 9,30 m2 e um logradouro com 166,00 m2, com permilagem de quinhentos a que corresponde o valor de € 50.000,00; b) Fração ... - Habitação tipo T-três, no andar, com varanda escadas com 6,31 m2 e um logradouro com 71,30 m2; 17.º)    Resulta do título constitutivo da propriedade horizontal, além do mais, que são partes comuns: “(…) b) As instalações gerais de água, eletricidade, gás, comunicações e semelhantes;  c) O logradouro comum com a área de 212,40 m2; d) Em geral todas as coisas que não sejam afetas ao uso exclusivo de um dos condóminos; Que o acesso às frações, faz-se diretamente da via pública, para a parte frontal” 18.º) Os autores procederam à edificação de um anexo envidraçado, no lado lateral esquerdo, a Noroeste, tendo pavimentado e pintado a área envolvente (identificado a cor azul na planta junta aos autos pelos autores com a PI aperfeiçoada, junta também em audiência em tamanho A3, a qual se encontra na contracapa). (Todas as referências feitas à “planta” nos factos provados dizem respeito à planta junta aos autos pelos autores com a PI aperfeiçoada, junta também em audiência em tamanho A3, a qual se encontra na contracapa) 19.º) Os A.A. e R.R. em comum, realizaram uma edificação para guardarem os veículos, a expensas de ambos, a Este, onde quer uns e outros utilizam metade da área referida, sendo a metade esquerda utilizada pelos R.R. e a metade direita utilizada pelos A.A. (identificada a cor verde na planta junta aos autos). 20.º) Na parte frontal do prédio, a oeste, existe um passeio (a cor verde na planta) que liga a entrada no prédio (portão principal), bem como a zona das escadas de acesso à Fração dos AA. até à lateral esquerda onde se localiza do anexo (referido em 18º) e à parte posterior. 21.º) Os autores sempre utilizaram esse passeio na parte frontal do prédio (identificado a cor verde na planta), o qual permite o acesso quer ao arruamento público quer à parte lateral esquerda do prédio onde os AA. têm edificado o anexo referido em 18º (a cor azul na planta) e ainda à parte posterior onde se encontra localizado o anexo/coberto destinado ao parqueamento de veículos. 22.º) Os réus também utilizam e sempre utilizaram esse passeio. 23.º) Apenas os autores utilizam a área identificada na planta a cor azul. 24.º) Apenas os réus utilizam a área identificada na planta a cor vermelha. 25.º) E o anexo identificado na planta a cor verde. 26.º) Ambas as partes vêm utilizando em conjunto a área do logradouro do prédio identificada na planta a cor verde (com exceção do anexo referido em 25º). Com relevância para a decisão da causa, não se provou que: a) Os réus permitiam, por mero favor, que os A.A., passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder a esse anexo. b) Em setembro de 2020, os RR. manifestaram o propósito de vender a sua fração e com tal intuito passaram a fazer constar, quer junto da imobiliária, quer ainda junto de outras pessoas, que as áreas do logradouro eram da sua propriedade exclusiva, designadamente toda a área do logradouro situada na parte frontal do prédio, assim como a área de logradouro situada na parte lateral direita e ainda uma área localizada na parte posterior do prédio. c) No seguimento desse propósito de se declararem donos daquelas áreas, diligenciaram no sentido de proceder à construção de muros laterais no interior do logradouro frontal quer do lado esquerdo quer do lado direito, tendo inclusivamente assinalado no local a zona da edificação e colocado ali materiais para esse efeito. d) A construção dos muros foi impedida pelos AA. mediante a comunicação à Câmara Municipal da ação levada a cabo pelos RR. e de que a mesma não tinha a sua concordância enquanto condóminos e que esta estava a afetar as áreas de uso comum das frações. e) Os RR. mantêm materiais no logradouro frontal. f) O passeio referido em 20º foi custeado em partes iguais por autores e rés. g) O passeio referido em 20º foi custeado pelos réus. Os apelantes começam por se insurgir contra o que chamam de “admissão de um documento” – planta – no decurso da audiência de julgamento, o que configuraria o desrespeito pelo disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, com a consequente nulidade da sentença, o mesmo acontecendo quanto à falta de despacho a admitir o relatório pericial, o que configura uma omissão de pronúncia e consequente nulidade da sentença. Vejamos. A omissão de pronúncia conduz à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, sendo pacífica a jurisprudência quanto ao entendimento de que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”. Comentando o artigo 608., n.º 2 do CPC, a que aludem os apelantes, pode ler-se em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 727, o seguinte: “As questões a que se reporta o n.º 2 reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente, os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir (…) questões e argumentos não se confundem”. Ora, relativamente à perícia requerida pelos autores, foi proferido despacho, a 01/02/2022, que, considerando a mesma relevante para a boa decisão da causa, ordenou a sua realização por perito singular e determinou o respetivo objeto. Este é o despacho em que o juiz se pronuncia sobre o meio de prova solicitado, depois de a parte contrária ter tido oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo – artigos 415.º e 476.º do CPC. Após a junção do relatório pericial, o mesmo é notificado às partes para se pronunciarem, podendo formular reclamações ou requerer a presença do perito em audiência para prestar esclarecimentos – artigos 485.º e 486.º do CPC – o que foi, aliás, determinado em despacho proferido em 07/06/2022, tendo a Ilustre Mandatária dos réus prescindido da inquirição do Sr. Perito, por si requerida, já em audiência de julgamento. A prestação de esclarecimentos viria, no entanto, a ser considerada necessária pelo Sr. Juiz, que reiniciou a audiência com esse objetivo. Ora, do que fica dito resulta que foram cumpridas todas as formalidades relativas à admissão da prova pericial e, junto o relatório e prestados os esclarecimentos que se consideraram necessários, não há que proferir qualquer outro despacho. A prova está admitida, o relatório está apresentado, os esclarecimentos estão dados, sendo a prova livremente apreciada pelo tribunal, conforme dispõe o artigo 389.º do Código Civil e o artigo 607.º, n.º 5 do CPC. Não há, portanto, qualquer omissão de pronúncia. E o mesmo se diga quanto à questão da planta. Na sessão de julgamento que decorreu no dia 24/02/2023, foi determinada a junção da planta a cores em formato A3 que o ilustre mandatário dos autores tinha em sua posse, que não é mais do que a planta já junta pelos autores em 11/10/2021, e cuja junção havia já sido admitida por despacho de 07/06/2022. Ou seja, trata-se de documento oportunamente admitido e que apenas foi junto, de novo, em audiência de julgamento, por determinação do Sr. Juiz, por ser de mais fácil compreensão, considerando o seu tamanho e o facto de a planta estar com as cores identificadas na legenda (e não a preto e branco). Veja-se que ambos os mandatários estavam presentes e nenhum se opôs à referida junção. Tal documento, uma vez mais, tem a força probatória que lhe é fixada pelo artigo 374.º do Código Civil e é apreciado livremente pelo tribunal conforme dispõe o artigo 607.º, n.º 5 do CPC, tal como todos os documentos juntos aos autos, nos quais se inclui a planta apresentada pelos réus, tendo ambas sido sujeitas à análise crítica a que se refere o artigo 607.º, n.º 4 do CPC. Improcede, assim a invocada nulidade. Os apelantes consideram, também, ter o tribunal incorrido em excesso de pronúncia, ao suscitar a questão relativa à nulidade do título de constituição da propriedade horizontal. Em primeiro lugar deve dizer-se que os apelantes não podem suscitar tal questão em sede de recurso, porque não ficaram vencidos nessa parte – artigo 631.º, n.º 1 do CPC – uma vez que, quando notificados para se pronunciarem sobre tal questão (questão nova, não debatida nos articulados), responderam considerando que a escritura de propriedade horizontal não padece de qualquer vício, que foi exatamente o que se decidiu na sentença sob recurso. Acresce que, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se, aqui, genericamente, da apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso. O excesso de pronúncia só se verifica, relativamente a questões não conexionadas com a causa de pedir, estando o juiz limitado pelo princípio do dispositivo, que exprime a liberdade com que as partes definem o objeto do litígio, não podendo condenar-se além do pedido, nem considerar causa de pedir que não tenha sido invocada – cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 21/02/2005 e do STJ de 05/02/2004, ambos em www.dgsi.pt. Deve realçar-se, contudo, que não pode dizer-se que haja excesso de pronúncia, quando se decide com base nos factos articulados pelas partes, mesmo que se lhes dê um enquadramento jurídico diverso do assumido por elas, pois, como é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artigo 5.º, n.º 3 do CPC – princípio que apenas tem como limite as questões cuja apreciação dependa da iniciativa do interessado, como acontece com a caducidade reportada a direitos disponíveis, a prescrição, a anulabilidade, a resolução ou a compensação – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, vol. I, pág. 30 – e está apenas condicionado pela necessidade de ser respeitado o princípio do contraditório, por forma a evitar decisões-surpresa. No caso dos autos, o Sr. Juiz proferiu despacho em que considerou que, face aos factos alegados, podia estar em causa a nulidade/invalidade do título constitutivo da propriedade horizontal e, uma vez que tal questão não tinha sido discutida nos articulados, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem, concedendo-lhes prazo para o efeito, respeitando, assim, o princípio do contraditório. Ora, assim delimitada esta nulidade por excesso de pronúncia, logo resulta evidente que a mesma não foi cometida nos autos. A apelação prossegue com a impugnação da decisão de facto, considerando os apelantes que os factos dados como não provados sob as alíneas a) e g), devem transitar para os factos provados, com base nos depoimentos das suas testemunhas II, JJ, EE, DD e KK. Tais factos não provados são os seguintes: a) Os réus permitiam, por mero favor, que os A.A., passassem através do passeio referido em 20º para o anexo referido em 18º, de modo a evitar que estes tivessem de sair do prédio para o arruamento público, para poderem aceder a esse anexo. g) O passeio referido em 20º foi custeado pelos réus. Está em causa, apenas, como bem se frisa na sentença sob recurso, a utilização do passeio frontal por parte dos autores. Os Apelantes sustentam-se nos depoimentos das testemunhas por si arroladas, as primeiras três e a última, familiares – irmã, cunhado e sobrinhos – todos com o mesmo depoimento: que os autores utilizavam o logradouro por tolerância dos réus e a testemunha DD que referiu ter fornecido materiais ao réu, pagos por este, para construção do passeio. Acerca desta questão escreveu-se na motivação da decisão de facto: “Como se disse, a questão principal que divide as partes diz respeito à utilização do passeio frontal por parte dos autores, identificado a cor verde na planta junta na PI aperfeiçoada (a Oeste). Os réus referem que os autores apenas utilizam esse passeio por tolerância. Os autores alegam que sempre contribuíram para a sua manutenção e que sempre o utilizaram para aceder aos seus anexos. A prova testemunhal foi consonante quanto ao ato, mas dissonante quanto à intenção. Ou seja, todos confirmaram que os autores sempre utilizaram aquele passeio, desde que ali residem. Contudo, as testemunhas dividem-se entre aqueles que referem que o fazem por tolerância dos réus (II, JJ, EE) e os que alegam que o fazem porque o passeio é comum (LL, MM, NN). DD disse que o foi o réu que lhe pagou a obra, mas não sabe se o autor também contribuiu. OO refere que o desenho da propriedade horizontal é o que foi junto pelos réus com a contestação. Perante estas divergências testemunhais, apenas é objetivo que ambos passam e utilizam o passeio. Entende-se que a tese dos réus não se encontra demonstrada. Com efeito, não faz qualquer sentido que os autores tenham que passar em área exclusiva dos réus para acederem à sua habitação. Nem faz sentido que tenham de sair à via pública para voltarem a entrar no edifício sempre que pretendem deslocar-se ao anexo, havendo passagem interior adequada para o efeito (cfr. ponto a) não provado). Além disso, existem contadores de água e luz no logradouro, aos quais ambas as partes têm que aceder necessariamente, conforme resulta do relatório pericial. Por isso, o Tribunal não ficou convencido de que a utilização desse passeio pelos autores seja feita por mera tolerância dos réus (não só pela escassez de prova como por questões jurídicas a apreciar infra). Além disso, é preciso notar que os autores sempre por ali passaram, até ter ocorrido um desentendimento entre as irmãs autora e ré. Ou seja, só após esse desentendimento é que os réus começaram a impedir os autores de utilizarem o corredor frontal. Este facto indicia que aquele corredor de acesso é comum, pois, caso contrário, os réus não iriam deixar os autores por lá passar. Importa também ter em conta os esclarecimentos prestados pelo perito PP que, de forma muito clara, com objetividade, referiu que a planta junta pelos autores é a única que permite uma solução harmoniosa de utilização de espaços comuns, pois que, só assim os autores podem aceder ao seu anexo sito a noroeste. Caso contrário, os autores, caso pretendem deslocar-se da habitação para o anexo, terão sempre de sair da propriedade para a via pública, para voltarem a entrar no prédio por outro lado, para chegarem ao seu anexo. Assim, resultaram provados os pontos 20º, 21º e 22º nos moldes consignados e não provado o ponto a). Os factos não provados assim foram consideradas por, na minha convicção, a prova produzida e colhida nos autos não ter conduzido a diversa qualificação dos mesmos, nomeadamente por as testemunhas indicadas não terem revelado possuir conhecimentos concretos, objetivos e convincentes sobre a referida matéria controvertida e por os demais meios de prova produzidos não terem sido de molde a formar uma certeza jurídica quanto à verificação desses factos. Com efeito, o ponto a) já foi analisado em conjunto com os pontos 20º, 21º e 22º. Relativamente aos pontos f) (alegado pelos autores) e g) (alegado pelos réus), a verdade é que nenhuma das partes logrou provar o que quer que seja quanto à construção e custeamento do passeio. Há divergências claras nos depoimentos prestados; não foi junto qualquer comprovativo desse pagamento. O que ficou claro foi que ambas as partes utilizam o passeio frontal quando necessitam”. As partes de depoimentos transcritos pelos apelantes e que sustentam a sua tese quanto à afetação exclusiva dos réus da parte frontal do prédio em nada beliscam a motivação da decisão de facto, pois o Sr. Juiz teve em conta esses depoimentos na sua decisão, como se pode ver da transcrição supra. Os depoimentos das testemunhas dos autores foram em sentido contrário, pois se é certo que todas as testemunhas, de autores e réus, referiram que os autores sempre utilizaram aquele passeio, as testemunhas dos autores, ao contrário das dos réus, referiram que o pavimento foi feito por ambas as partes, sendo que, quanto ao pagamento do mesmo, nada foi oferecido com relevância, nenhuma prova documental e a única testemunha – DD – referiu que o réu lhe pagou materiais para construção desse passeio, mas não se sabe se o autor também teve custos com essa construção ou de quem era o dinheiro que o réu entregou à testemunha, ou se teria existido algum acordo entre as partes para divisão de custos, uma vez que já haviam construído outros anexos e dependências. Ora, conforme decorre do disposto no art.º 607º, nº 5 do Código de Processo Civil a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do art.º 607º). Ou seja, a prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.”. A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta. É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra cit., p. 655); o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (vide, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325). É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (in, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.” O que se verifica, no caso dos autos, é que, perante a divergência dos depoimentos testemunhais, o julgador socorreu-se da prova pericial, dos esclarecimentos prestados pelo perito em audiência, da concreta configuração do prédio em relação aos anexos construídos, bem como à localização dos contadores de água e luz no logradouro e, com recurso às regras da experiência, do bom senso e critérios de lógica, concluiu no sentido expresso na sentença, de forma que a nós nos parece correta e bem fundamentada, não se vendo motivos para alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto. Vejamos, agora, a questão jurídica. Consideram os apelantes que a sentença recorrida operou uma modificação no título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente, sem aprovação de todos os condóminos e a junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia (requisitos de natureza administrativa). Não há dúvida que a propriedade horizontal, caracterizando-se como um conjunto incindível de poderes que recaem sobre uma fração autónoma de um edifício constituído em propriedade horizontal e sobre as partes comuns do mesmo, pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário – artigos 1414.º, 1420.º e 1417.º do Código Civil – só podendo o título constitutivo ser modificado havendo acordo de todos os condóminos, conforme estatui o artigo 1419.º, n.º 1 do CC. A questão que se coloca é a de saber se a sentença recorrida operou uma modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, sem o acordo de todos os condóminos e, em consequência, em violação da lei. Diremos já que não é esse o nosso entendimento. O artigo 1418º do CC dispõe o seguinte: “1 - No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio. 2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum; b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas; c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio. 3 - A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projeto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo”. Já o artigo 1421.º do CC dispõe: “1. São comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio; b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração; c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; d) As instalações gerais de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes. 2. Presumem-se ainda comuns: a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; b) Os ascensores; c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro; d) As garagens e outros lugares de estacionamento; e) Em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. 3 - O título constitutivo pode afetar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns”. No caso dos autos, conforme decorre dos factos provados números 15, 16 e 17, autores e réus são os únicos condóminos deste prédio urbano constituído em propriedade horizontal, cumprindo o título constitutivo da mesma todos os requisitos supre enunciados. O problema é que, na identificação das partes comuns se remeteu, apenas, para uma área – 212,40 m2 – sem individualizar, no terreno, onde se situa essa área, quando é certo que ambos os condóminos detêm partes do logradouro de uso exclusivo. Ou seja, verifica–se uma indefinição das áreas comuns e exclusivas, ou melhor, de algumas áreas específicas do prédio sobre as quais as partes dissentem sobre a natureza comum ou exclusiva. O que se decidiu, na sentença sob recurso, foi proceder à demarcação das áreas de uso comum e das áreas de uso exclusivo do logradouro do prédio, no âmbito das áreas definidas no título constitutivo da propriedade horizontal e sem necessidade de o modificar. Ora, considerando-se que “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, (…) bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.” - artigo 2.º n.º 2 do CPC -  e assistindo a ambos os condóminos o direito de uso exclusivo de partes do logradouro que, para além destas, tem também áreas de uso comum, mas não estando eles de acordo sobre o concreto local por onde passará a linha delimitadora de tais zonas, afigura-se que a ação declarativa de processo comum constitui o meio adequado para os autores fazerem valer a sua pretensão de delimitação, pondo termo ao referido litígio – neste sentido ver Acórdão da Relação de Évora de 20/10/2016, processo n.º 2454/14.9TBPTM.E1, in www.dgsi.pt e Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição revista e atualizada, pág. 198 (onde expressamente se referem à possibilidade de, na propriedade horizontal, os condóminos recorrerem à ação de demarcação para determinar as extremas das parcelas privativas em que o terreno do logradouro adjacente ao edifício tenha sido dividido pelo título constitutivo do condomínio). Ou seja, têm os autores o direito de pedir a delimitação material da área constante do título constitutivo da propriedade horizontal, fixando a linha divisória entre a zona de uso exclusivo e a zona de uso comum. Perante o litígio instalado com os réus (únicos outros condóminos) sobre o local onde se estabelece essa linha, o direito de demarcação afirma-se mesmo como um direito substantivo, a exercitar mediante a presente ação judicial. Improcede, assim, o argumento jurídico no qual os apelantes sustentam a sua apelação. A pequeníssima diferença de áreas de uso exclusivo e de uso comum a que se chegou, relativamente às constantes do título (ao nível dos centímetros), não impede a demarcação efetuada, uma vez que, como ficou bem demonstrado na sentença sob recurso, é a única que permite a demarcação de acordo com as regras legais, designadamente, permitindo aos condóminos ter corredores de acesso aos contadores de água e luz, os quais são sempre partes comuns, bem como acesso pelo logradouro a anexos de uso exclusivo, sem necessidade de sair à via pública para voltar a entrar no prédio bem como é a única consonante com a utilização que sempre foi feita dos espaços em questão por ambos os condóminos, de acordo, aliás, com o que estabelecem os artigos 1421.º, n.º 1, alínea c) – entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos – e 1421.º, n.º 2, alínea e) – coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos presumem-se comuns – ambos do Código Civil. Improcede, assim, totalmente, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida. III. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. *** Guimarães, 19 de outubro de 2023 Ana Cristina Duarte José Carlos Dias Cravo Eva Almeida