Investigando-se no inquérito o furto de um cartão "multibanco" da queixosa, que ficou retido na ATM de uma agência bancária, tendo o acto de utilização do mesmo cartão ficado gravado pelo sistema de vigilância "video" ali instalado, pertença da "SIBS - Sociedade Interbancária de Serviços, S.A", deve esta ser dispensada do cumprimento do dever de sigilo bancário a fim de satisfazer a pretensão da entidade que dirige a instrução, fornecendo-lhe a gravação "video" solicitada. O visionamento do "video" afigura-se, no caso, como único meio descortinável para lograr a identificação do indivíduo que tentou usar a caixa ATM com um cartão furtado, sendo que o interesse do Estado em exercer o "jus puniendi" é sensivelmente superior ao interesse da manutenção do segredo bancário.
Acordam, em conferência, na Relação do Porto: I 1. Nos autos de inquérito em referência, investiga-se um crime de furto que terá ocorrido a 3-5-2000, denunciado por Isabel ........., contra incertos. No âmbito de tal investigação, apurou-se que o cartão «multibanco» da queixosa, que terá sido objecto do furto, ficou retido na ATM da agência do «Banco ...., S.A.», da Rua ........., na ....., e que o acto de utilização do mesmo cartão terá ficado gravado pelo sistema de vigilância «video» ali instalado, pertença da «S..... – Sociedade ..........., S. A.». Por isso que se solicitou a esta entidade a correspondente gravação, elemento que esta recusou, com fundamento em que tal elemento se encontra abrangido pelo dever de segredo bancário das instituições financeiras, estabelecido pelos arts. 78.º a 84.º, do DL n.º 298/92, de 31-12. Em face de tal recusa, o Ministério Público suscitou o presente incidente, para quebra do referido dever de sigilo, com vista à obtenção do aludido elemento de prova, nos termos prevenidos nos arts. 135.º n.º 5 e 182.º, do CPP. 2. Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que deve conceder-se a quebra do sigilo bancário. Cumpre apreciar. II 3. O dever de sigilo bancário traduz uma obrigação de facto negativo, um non facere, e encontra-se disciplinado no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 [Sobre o segredo/sigilo bancário, vd. Alberto Luís, O Segredo Bancário em Portugal, na ROA, 41.º (1981), 451 ss.; António de Campos, Direito Bancário – Notas de Doutrina e de Jurisprudência, Rev. Banca, n.ºs 5, 103 ss. e 8, 135 ss.; António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, pp. 309 e ss.; Anselmo da Costa Freitas, O Sigilo Bancário, na ROA, 19.º (Out. 1983), 4 ss.; Anselmo Rodrigues, Sigilo bancário e Direito Constitucional, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 47 ss.; Augusto de Athayde Luis Branco, Direito Bancário, I, Lisboa, 1990; Benjamim Rodrigues, O sigilo bancário e o sigilo fiscal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 101 ss.; Carlos Pamplona Corte-Real et al, Breves Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, Ciência e Técnica Fiscal n.º 368, pp. 9 ss.; Diogo Leite de Campos, O Sigilo Bancário, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 12 ss.; Fernando Conceição Nunes, Direito Bancário, AAFDL, 1994 e em Os deveres de segredo profissional no regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, Rev. Banca, 29, 1994, 39 ss.; Fernando Conceição Nunes e Paulo Câmara, Direito Bancário, AAFDL, 1995; Jorge Patrício Paúl, O Sigilo Bancário – Sua Extensão e Limites no Direito Português, Rev. Banca 12 (Out./Dez 1989), 71 ss.; José António Pereira da Silva, Regime Jurídico do Sigilo Bancário, Maio de 1988; José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 1998, 391 ss. e 616 e ss.; José Luis Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal n.º 377, 25 ss. e A actual situação do sigilo bancário: a singularidade do regime português, nos Estudos de Direito Bancário, 1999, pp. 361 ss.; Júlio de Castro Caldas, Sigilo Bancário: problemas actuais, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 33 ss.; Maria Célia Ramos, O sigilo bancário em Portugal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 115 ss.; Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Ciência e Técnica Fiscal, 346-348 (Out./Dez 1987), 73 ss.; Miguel Pedrosa Machado, Sigilo bancário e Direito Penal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 71 ss.; Vasco Soares da Veiga, Direito Bancário, 1994, pp. 189 ss.; Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, Ministério das Finanças, 1996, cap. IX . Cfr., por mais recentes e significativos, os Acórdãos, da Relação do Porto, de 14-5-97 (CJ XXII-3-229), 12-3-97 (BMJ 465-649), 11-11-91 (CJ XVI-5-215), da Relação de Lisboa, de 24-9-97 (BMJ 469-646), 20-5-97 (BMJ 467-622), 7-5-97 (BMJ 467-621), 28-1-97 (CJ XXII-1-155), 10-12-96 (BMJ 462-481), 4-12-96 CJ XXI-5-152), 22-10-96 (BMJ 460-799), 29-3-89 (BMJ 385-602), da Relação de Coimbra, de 17-4-96 (CJ XXI-2-57) e, da Relação de Évora, de 28-3-95 (CJ XX-2-277), 12-5-92 (CJ XVII-3-353), 5-11-91 (CJ XVI-5-257) e de 20-2-90 (CJ XV-1-314). Vd. Acórdão, do T. Constitucional, n.º 278/95 (D.R., 2.ª série, de 28-7-95). Vd. Pareceres do C.C. da PGR, VI, Os Segredos e a sua tutela, pp. 365 e ss..]. O n.º 1 do art. 78.º deste diploma, epigrafado de dever de segredo, dispõe que «os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.» Determina o n.º 2, do mesmo preceito, que «estão, designadamente, sujeitos a segredo, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.» O dever de segredo profissional em referência não é, porém, um dever absoluto, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever conflituante. Sofre, desde logo, as excepções elencadas no art. 79.º, do referido RGICSF, onde se estabelece, nomeadamente, que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados «nos termos previstos na lei penal e de processo penal» - n.º 2 alínea d). Estabelece, por sua vez, o art. 84.º, do referido RGICSF que « (...) a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal», remetendo para o Código Penal vigente, de 1982, na revisão decorrente do DL n.º 48/95, de 15-3, cujos arts. 195.º e 196.º prevêem e punem como crime, quer a violação de segredo profissional, quer o seu aproveitamento indevido, desconsiderando (em inflexão relativamente ao regime pré-vigente, estabelecido pela versão original do CP/82, no art. 185.º) a fixação de uma causa específica de exclusão da ilicitude. Haverá assim que atentar nas causas gerais de exclusão da ilicitude. [Cfr. Acórdão, da Relação de Coimbra, de 29-11-95, no Proc. 9510834 e vd. Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, pág. 772 e M. Lopes Rocha, Estudios Penales en Memoria Agustin Fernandez-Albor, 1989, 434, ali citado]. Na abordagem do conflito de deveres, dispõe o n.º 1 do art. 36.º, do CP [ Já se defendeu que o n.º 3 do art. 135.º, do CPP remete para o direito de necessidade previsto no art. 34.º, do CP – cfr. Acórdão, desta Relação, de 17-2-97, no Proc. 9710395], que «não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar». Como assim, não será ilícita a violação do segredo profissional se, perante um conflito de deveres, o agente satisfizer o dever de valor igual ou superior ao do dever que sacrifica. No Código de Processo Penal, generalizou-se a possibilidade de quebra do segredo profissional. Com efeito, as pessoas indicadas no referido art. 78.º n.º 1 podem recusar-se a depor sobre factos objecto de segredo profissional mas, se a autoridade judiciária, concluindo embora pela legitimidade da recusa, não prescindir desse depoimento, pode requerer ao tribunal que o ordene – e o tribunal deverá ordenar a prestação do depoimento, com quebra do segredo profissional, sempre que entender que esta se mostra justificada em face das normas e princípios aplicáveis da lei penal e, nomeadamente, em face do princípio da prevalência do interesse preponderante – art. 135.º n.ºs 1 a 3, do CPP. A possibilidade de apreensão, pela autoridade judiciária, de títulos, valores, quantias ou outros objectos, depositados em bancos ou outras instituições de crédito, relacionados com um crime e que possam revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, bem como a possibilidade de exame pelo juiz de correspondência e documentação bancárias, estão prevenidas no art. 181.º, do CPP. As pessoas obrigadas ao dever de segredo profissional podem recusar a apresentação de tais documentos ou objectos em seu poder, se invocarem, por escrito, segredo profissional. Neste caso, perante o conflito de interesses e deveres será dirimido pelo tribunal, em termos idênticos aos previstos para a recusa de depoimento – arts. 182.º n.º 2 e 135.º, do CPP. Como salienta o Prof. Costa Andrade [Ob. cit., pp. 795/796], «(...) há-de ter-se presente o critério material adoptado pelo legislador e segundo o qual o tribunal competente só pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. Uma fórmula que se projecta em quatro implicações normativas fundamentais: a) Em primeiro lugar e por mais óbvia, avulta a intencionalidade normativa de vincular o julgador a padrões objectivos e controláveis, não cometendo a decisão à sua livre apreciação; b) Em segundo lugar, resulta líquido o propósito de afastar qualquer uma de duas soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo prevalece invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal (...) como a tese inversa, de que a prestação de testemunho perante o tribunal (penal) configura só por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional (...); c) Em terceiro lugar, o apelo ao princípio da ponderação de interesses significa o afastamento deliberado da justificação, neste contexto, a título de prossecução de interesses legítimos (...); d) Em quarto lugar, com o regime do art. 135.º do CPP, o legislador português reconheceu à dimensão repressiva da justiça penal a idoneidade para ser levada à balança da ponderação com a violação do segredo: tudo dependerá da gravidade dos crimes a perseguir (...).» Adere-se ao entendimento expresso na síntese impressiva alcançada pelo Senhor Cons.º J. A. Garcia Marques [Em declaração de voto, no parecer n.º 28/86 (Pareceres, cit., pág. 450)]: «Aceitando que o segredo bancário não é formulado (...) como um segredo absoluto, entendo, todavia, que não se deverá adoptar o entendimento, que reputaria de maximalista, segundo o qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre sobre o sigilo bancário (...). Penso, com efeito, que a resolução do problema se deverá encontrar com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito. Ou seja, a prevalência do segredo ou do dever de cooperação com a justiça dependerá da conclusão a que, em concreto, se chegar quanto ao interesse dominante.» Enquanto o dever de segredo profissional é geralmente estabelecido a favor da integridade e liberdade das pessoas a quem aproveita [Cfr. art. 26.º n.º 1 da Constituição e vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa, Anotada, 1993, pp. 181/182: «Não é fácil demarcar a linha divisória entre o campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à publicidade (...). O critério constitucional deve talvez arrancar dos conceitos de “privacidade” e “dignidade humana”, de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito de “vida privada” que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação.» Sobre o conteúdo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, vd. Paulo Mota Pinto, O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, no BFDC, LXIX (1993), pp. 479 ss..], tendo-se inserido a sua regulamentação no Título VI do referido RGICSF, no qual se «prevê um conjunto de regras de conduta que devem guiar a actuação das instituições de crédito, seus administradores e empregados nas relações com os clientes», visando proteger «de forma eficaz a posição do “consumidor” de produtos financeiros» (vd. preâmbulo do referido DL n.º 298/92), no processo de inquérito a que procede o Ministério Público, está em causa a realização de diligências de prova que permitam investigar a prática de crime de furto e incriminar o respectivo agente, sob a égide do princípio da descoberta da verdade material e, assim, do interesse da boa administração da Justiça penal, do interesse público do Estado em exercer o jus puniendi relativamente ao agente que ofende, de forma não tolerável, a ordem jurídica estabelecida e em que se não pode prescindir do apuramento da verdade material. [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 8-10-93, no Proc. 9450151, com relato do (então) Desembargador, Dr. Vaz dos Santos.] Este interesse afigura-se, no caso [A dispensa de sigilo bancário, como autêntico sigilo profissional que é, tem de ser ponderada caso a caso e não pode ser decidida em termos genéricos – mormente quando se não evidencia, fora de qualquer dúvida razoável, que só por essa via se conseguirá o desejado desfecho processual – art. 135.º n.º 2, do CPP], em que se pretende o visionamento do «video» de protecção de uma «caixa ATM», como único meio descortinável para lograr a identificação do indivíduo que a tentou usar com um cartão furtado, sensivelmente superior ao interesse da manutenção do segredo bancário, que, assim, deverá ceder perante as razões e o vigor daquele [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 24-5-95, no Proc. 9510309]. O meio de prova pretendido revela-se, assim, com interesse e decisiva utilidade para a instrução do processo [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 20-12-95, no Proc. 9510706]. A quebra do dever de sigilo justifica-se, na situação sub indice, ponderados, nos termos sobre-expostos, os interesses em conflito. Por isso que, nos termos conjugadamente previstos nos arts. 36.º, do CP e 182.º n.º 2 e 135.º n.ºs 2 e 3, do CPP, a SIBS deve ser dispensada do cumprimento do dever de sigilo bancário, a fim de poder satisfazer a pretensão da entidade que dirige a investigação. Resta decidir. III 4. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se determinar que, com quebra do sigilo bancário, a «S....... – Sociedade ............., S. A.» forneça, com destino ao processo de inquérito em referência, a gravação «video» solicitada. 5. Sem tributação. Porto, 24 de Janeiro de 2001 António Manuel Clemente Lima José Manuel Baião Papão António Joaquim da Costa Mortágua
Acordam, em conferência, na Relação do Porto: I 1. Nos autos de inquérito em referência, investiga-se um crime de furto que terá ocorrido a 3-5-2000, denunciado por Isabel ........., contra incertos. No âmbito de tal investigação, apurou-se que o cartão «multibanco» da queixosa, que terá sido objecto do furto, ficou retido na ATM da agência do «Banco ...., S.A.», da Rua ........., na ....., e que o acto de utilização do mesmo cartão terá ficado gravado pelo sistema de vigilância «video» ali instalado, pertença da «S..... – Sociedade ..........., S. A.». Por isso que se solicitou a esta entidade a correspondente gravação, elemento que esta recusou, com fundamento em que tal elemento se encontra abrangido pelo dever de segredo bancário das instituições financeiras, estabelecido pelos arts. 78.º a 84.º, do DL n.º 298/92, de 31-12. Em face de tal recusa, o Ministério Público suscitou o presente incidente, para quebra do referido dever de sigilo, com vista à obtenção do aludido elemento de prova, nos termos prevenidos nos arts. 135.º n.º 5 e 182.º, do CPP. 2. Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que deve conceder-se a quebra do sigilo bancário. Cumpre apreciar. II 3. O dever de sigilo bancário traduz uma obrigação de facto negativo, um non facere, e encontra-se disciplinado no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 [Sobre o segredo/sigilo bancário, vd. Alberto Luís, O Segredo Bancário em Portugal, na ROA, 41.º (1981), 451 ss.; António de Campos, Direito Bancário – Notas de Doutrina e de Jurisprudência, Rev. Banca, n.ºs 5, 103 ss. e 8, 135 ss.; António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, pp. 309 e ss.; Anselmo da Costa Freitas, O Sigilo Bancário, na ROA, 19.º (Out. 1983), 4 ss.; Anselmo Rodrigues, Sigilo bancário e Direito Constitucional, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 47 ss.; Augusto de Athayde Luis Branco, Direito Bancário, I, Lisboa, 1990; Benjamim Rodrigues, O sigilo bancário e o sigilo fiscal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 101 ss.; Carlos Pamplona Corte-Real et al, Breves Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, Ciência e Técnica Fiscal n.º 368, pp. 9 ss.; Diogo Leite de Campos, O Sigilo Bancário, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 12 ss.; Fernando Conceição Nunes, Direito Bancário, AAFDL, 1994 e em Os deveres de segredo profissional no regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, Rev. Banca, 29, 1994, 39 ss.; Fernando Conceição Nunes e Paulo Câmara, Direito Bancário, AAFDL, 1995; Jorge Patrício Paúl, O Sigilo Bancário – Sua Extensão e Limites no Direito Português, Rev. Banca 12 (Out./Dez 1989), 71 ss.; José António Pereira da Silva, Regime Jurídico do Sigilo Bancário, Maio de 1988; José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 1998, 391 ss. e 616 e ss.; José Luis Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal n.º 377, 25 ss. e A actual situação do sigilo bancário: a singularidade do regime português, nos Estudos de Direito Bancário, 1999, pp. 361 ss.; Júlio de Castro Caldas, Sigilo Bancário: problemas actuais, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 33 ss.; Maria Célia Ramos, O sigilo bancário em Portugal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 115 ss.; Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Ciência e Técnica Fiscal, 346-348 (Out./Dez 1987), 73 ss.; Miguel Pedrosa Machado, Sigilo bancário e Direito Penal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 71 ss.; Vasco Soares da Veiga, Direito Bancário, 1994, pp. 189 ss.; Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, Ministério das Finanças, 1996, cap. IX . Cfr., por mais recentes e significativos, os Acórdãos, da Relação do Porto, de 14-5-97 (CJ XXII-3-229), 12-3-97 (BMJ 465-649), 11-11-91 (CJ XVI-5-215), da Relação de Lisboa, de 24-9-97 (BMJ 469-646), 20-5-97 (BMJ 467-622), 7-5-97 (BMJ 467-621), 28-1-97 (CJ XXII-1-155), 10-12-96 (BMJ 462-481), 4-12-96 CJ XXI-5-152), 22-10-96 (BMJ 460-799), 29-3-89 (BMJ 385-602), da Relação de Coimbra, de 17-4-96 (CJ XXI-2-57) e, da Relação de Évora, de 28-3-95 (CJ XX-2-277), 12-5-92 (CJ XVII-3-353), 5-11-91 (CJ XVI-5-257) e de 20-2-90 (CJ XV-1-314). Vd. Acórdão, do T. Constitucional, n.º 278/95 (D.R., 2.ª série, de 28-7-95). Vd. Pareceres do C.C. da PGR, VI, Os Segredos e a sua tutela, pp. 365 e ss..]. O n.º 1 do art. 78.º deste diploma, epigrafado de dever de segredo, dispõe que «os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.» Determina o n.º 2, do mesmo preceito, que «estão, designadamente, sujeitos a segredo, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.» O dever de segredo profissional em referência não é, porém, um dever absoluto, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever conflituante. Sofre, desde logo, as excepções elencadas no art. 79.º, do referido RGICSF, onde se estabelece, nomeadamente, que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados «nos termos previstos na lei penal e de processo penal» - n.º 2 alínea d). Estabelece, por sua vez, o art. 84.º, do referido RGICSF que « (...) a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal», remetendo para o Código Penal vigente, de 1982, na revisão decorrente do DL n.º 48/95, de 15-3, cujos arts. 195.º e 196.º prevêem e punem como crime, quer a violação de segredo profissional, quer o seu aproveitamento indevido, desconsiderando (em inflexão relativamente ao regime pré-vigente, estabelecido pela versão original do CP/82, no art. 185.º) a fixação de uma causa específica de exclusão da ilicitude. Haverá assim que atentar nas causas gerais de exclusão da ilicitude. [Cfr. Acórdão, da Relação de Coimbra, de 29-11-95, no Proc. 9510834 e vd. Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, pág. 772 e M. Lopes Rocha, Estudios Penales en Memoria Agustin Fernandez-Albor, 1989, 434, ali citado]. Na abordagem do conflito de deveres, dispõe o n.º 1 do art. 36.º, do CP [ Já se defendeu que o n.º 3 do art. 135.º, do CPP remete para o direito de necessidade previsto no art. 34.º, do CP – cfr. Acórdão, desta Relação, de 17-2-97, no Proc. 9710395], que «não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar». Como assim, não será ilícita a violação do segredo profissional se, perante um conflito de deveres, o agente satisfizer o dever de valor igual ou superior ao do dever que sacrifica. No Código de Processo Penal, generalizou-se a possibilidade de quebra do segredo profissional. Com efeito, as pessoas indicadas no referido art. 78.º n.º 1 podem recusar-se a depor sobre factos objecto de segredo profissional mas, se a autoridade judiciária, concluindo embora pela legitimidade da recusa, não prescindir desse depoimento, pode requerer ao tribunal que o ordene – e o tribunal deverá ordenar a prestação do depoimento, com quebra do segredo profissional, sempre que entender que esta se mostra justificada em face das normas e princípios aplicáveis da lei penal e, nomeadamente, em face do princípio da prevalência do interesse preponderante – art. 135.º n.ºs 1 a 3, do CPP. A possibilidade de apreensão, pela autoridade judiciária, de títulos, valores, quantias ou outros objectos, depositados em bancos ou outras instituições de crédito, relacionados com um crime e que possam revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, bem como a possibilidade de exame pelo juiz de correspondência e documentação bancárias, estão prevenidas no art. 181.º, do CPP. As pessoas obrigadas ao dever de segredo profissional podem recusar a apresentação de tais documentos ou objectos em seu poder, se invocarem, por escrito, segredo profissional. Neste caso, perante o conflito de interesses e deveres será dirimido pelo tribunal, em termos idênticos aos previstos para a recusa de depoimento – arts. 182.º n.º 2 e 135.º, do CPP. Como salienta o Prof. Costa Andrade [Ob. cit., pp. 795/796], «(...) há-de ter-se presente o critério material adoptado pelo legislador e segundo o qual o tribunal competente só pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. Uma fórmula que se projecta em quatro implicações normativas fundamentais: a) Em primeiro lugar e por mais óbvia, avulta a intencionalidade normativa de vincular o julgador a padrões objectivos e controláveis, não cometendo a decisão à sua livre apreciação; b) Em segundo lugar, resulta líquido o propósito de afastar qualquer uma de duas soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo prevalece invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal (...) como a tese inversa, de que a prestação de testemunho perante o tribunal (penal) configura só por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional (...); c) Em terceiro lugar, o apelo ao princípio da ponderação de interesses significa o afastamento deliberado da justificação, neste contexto, a título de prossecução de interesses legítimos (...); d) Em quarto lugar, com o regime do art. 135.º do CPP, o legislador português reconheceu à dimensão repressiva da justiça penal a idoneidade para ser levada à balança da ponderação com a violação do segredo: tudo dependerá da gravidade dos crimes a perseguir (...).» Adere-se ao entendimento expresso na síntese impressiva alcançada pelo Senhor Cons.º J. A. Garcia Marques [Em declaração de voto, no parecer n.º 28/86 (Pareceres, cit., pág. 450)]: «Aceitando que o segredo bancário não é formulado (...) como um segredo absoluto, entendo, todavia, que não se deverá adoptar o entendimento, que reputaria de maximalista, segundo o qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre sobre o sigilo bancário (...). Penso, com efeito, que a resolução do problema se deverá encontrar com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito. Ou seja, a prevalência do segredo ou do dever de cooperação com a justiça dependerá da conclusão a que, em concreto, se chegar quanto ao interesse dominante.» Enquanto o dever de segredo profissional é geralmente estabelecido a favor da integridade e liberdade das pessoas a quem aproveita [Cfr. art. 26.º n.º 1 da Constituição e vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa, Anotada, 1993, pp. 181/182: «Não é fácil demarcar a linha divisória entre o campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à publicidade (...). O critério constitucional deve talvez arrancar dos conceitos de “privacidade” e “dignidade humana”, de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito de “vida privada” que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação.» Sobre o conteúdo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, vd. Paulo Mota Pinto, O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, no BFDC, LXIX (1993), pp. 479 ss..], tendo-se inserido a sua regulamentação no Título VI do referido RGICSF, no qual se «prevê um conjunto de regras de conduta que devem guiar a actuação das instituições de crédito, seus administradores e empregados nas relações com os clientes», visando proteger «de forma eficaz a posição do “consumidor” de produtos financeiros» (vd. preâmbulo do referido DL n.º 298/92), no processo de inquérito a que procede o Ministério Público, está em causa a realização de diligências de prova que permitam investigar a prática de crime de furto e incriminar o respectivo agente, sob a égide do princípio da descoberta da verdade material e, assim, do interesse da boa administração da Justiça penal, do interesse público do Estado em exercer o jus puniendi relativamente ao agente que ofende, de forma não tolerável, a ordem jurídica estabelecida e em que se não pode prescindir do apuramento da verdade material. [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 8-10-93, no Proc. 9450151, com relato do (então) Desembargador, Dr. Vaz dos Santos.] Este interesse afigura-se, no caso [A dispensa de sigilo bancário, como autêntico sigilo profissional que é, tem de ser ponderada caso a caso e não pode ser decidida em termos genéricos – mormente quando se não evidencia, fora de qualquer dúvida razoável, que só por essa via se conseguirá o desejado desfecho processual – art. 135.º n.º 2, do CPP], em que se pretende o visionamento do «video» de protecção de uma «caixa ATM», como único meio descortinável para lograr a identificação do indivíduo que a tentou usar com um cartão furtado, sensivelmente superior ao interesse da manutenção do segredo bancário, que, assim, deverá ceder perante as razões e o vigor daquele [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 24-5-95, no Proc. 9510309]. O meio de prova pretendido revela-se, assim, com interesse e decisiva utilidade para a instrução do processo [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 20-12-95, no Proc. 9510706]. A quebra do dever de sigilo justifica-se, na situação sub indice, ponderados, nos termos sobre-expostos, os interesses em conflito. Por isso que, nos termos conjugadamente previstos nos arts. 36.º, do CP e 182.º n.º 2 e 135.º n.ºs 2 e 3, do CPP, a SIBS deve ser dispensada do cumprimento do dever de sigilo bancário, a fim de poder satisfazer a pretensão da entidade que dirige a investigação. Resta decidir. III 4. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se determinar que, com quebra do sigilo bancário, a «S....... – Sociedade ............., S. A.» forneça, com destino ao processo de inquérito em referência, a gravação «video» solicitada. 5. Sem tributação. Porto, 24 de Janeiro de 2001 António Manuel Clemente Lima José Manuel Baião Papão António Joaquim da Costa Mortágua