Processo:0140042
Data do Acordão: 19/06/2001Relator: CONCEIÇÃO GOMESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Não é aplicável a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no artigo 69 n.1 do Código Penal, no caso do crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 158 n.3 do Código da Estrada e 348 n.1 alínea a) do Código Penal, por recusa às provas previstas para a detecção de estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0140042
Relator
CONCEIÇÃO GOMES
Descritores
DESOBEDIÊNCIA CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL EXAME RECUSA PENA ACESSÓRIA PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
No do documento
Data do Acordão
06/20/2001
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Sumário
Não é aplicável a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no artigo 69 n.1 do Código Penal, no caso do crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 158 n.3 do Código da Estrada e 348 n.1 alínea a) do Código Penal, por recusa às provas previstas para a detecção de estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas.
Decisão integral
Acordam em Audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO. 
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de....., foi julgado em processo sumário o arguido Manuel....., identificado nos autos, tendo sido condenado, como autor material de um crime de desobediência simples, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 158º, nº 3, do CE e 348º, nº 1, al a) e 69º, nº 1, al a), do CP, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 400$00, o que perfaz o montante de 40 000$00, ou em 66 dias de prisão subsidiária caso não pague a multa em que foi condenado, e ainda na sanção acessória da proibição do direito de conduzir pelo período de 60 dias. 
1.2. No início da audiência foram o Mº Pº e o arguido avisados de que poderiam requerer a documentação dos actos da audiência nos termos do art. 389º , do CPP, prescindindo ambos de tal documentação. 
1.3. Inconformado com a douta sentença, o arguido veio dela interpor recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
“1. Provado ficou que o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-.. na ..., na área desta comarca:
2. Foi interceptado por agentes da GNR devidamente fardados;
3. O arguido recusou o exame de pesquisa de álcool no sangue por meio de ar;
4. O arguido tinha ingerido pelo menos um copo de vinho ao jantar;
5. O Tribunal “a quo” ante tal facto conclui estar o arguido a conduzir sob efeito de álcool no sangue;
6. Considerou tal comportamento como grave violação das regras de trânsito rodoviário subsumível ao disposto no art. 69º, nº 1, al a), aplicando ao recorrente a pena acessória de inibição de conduzir por 60 dias;
7. Mostra-se violado tal comando normativo no sentido de que nos autos não existem outros elementos demonstrativos de modo a apurar qual o grau de alcoolémia transportado pelo arguido de forma a que tenha cometido uma violação grave das normas estradais;
8. Concretizando-se o prescrito no art. 69º, nº1 al a) como pena acessória o seu sentido de interpretação deveria conexionar-se com o prescrito no art. 291º, nº 1 al a) desde que verificados os elementos qualificativos de que dependem a sua aplicação, o que manifestamente não se verifica nos autos, pelo que tal normativo não serve de suporte para aplicação da medida decisória”.
Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de sessenta dias.
1.4. No Tribunal recorrido o Mº Pº ofereceu Resposta, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
1.5. O Exmº Procurador Geral-Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, porquanto, por um lado, da factualidade que foi dada como assente na decisão recorrida não se retira qualquer indicação acerca de uma eventual taxa de álcool no sangue do arguido, e em consequência não se vê que o mesmo haja violado gravemente as regras de trânsito rodoviário; por outro lado, a recusa à submissão àquele exame é punível nos termos do art. 348º, nº 1, al. a), do CP, “ex vi”, do art. 158º, nºs 1 e 2, do CE, sendo certo que tais normativos não contemplam, na punição da conduta do arguido, a imposição acessória de inibição da faculdade de conduzir. Punível por desobediência, ao crime corresponde somente pena de prisão ou, em alternativa, pena de multa.
1. 6. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
1.7. Não foi requerida, nem se procedeu à documentação dos actos da audiência, pelo que o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos dos arts. 364º e 428º, do CPP.
1.8. Foram colhidos os vistos legais.
1.9. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
2. 1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
2.1.1. Em 23SET00, pelas 02h.47m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-.., na ..., na área desta comarca.
2.1.2. Foi interceptado por elementos da GNR, devidamente fardados.
2.1.3. Os agentes da autoridade solicitaram-lhe que fosse submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado.
2.1.4. O arguido recusou porém desde logo a efectuar o referido exame.
2.1.5. O arguido foi advertido de que o seu comportamento o faria incorrer em responsabilidade criminal.
2.1.6. O arguido sabia que estava obrigado a sujeitar-se ao exame para pesquisa de álcool no sangue.
2.1.7. O arguido tinha ingerido pelo menos um copo de vinho ao jantar. 
2.1.8. Agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
2.1.9. O arguido anda preocupado com a transferência de sua esposa para uma outra terra onde é professora.
2.1.10. O arguido é professor do ensino básico, auferindo 180 000$00 líquidos.
2.1.11. É casado, e tem dois filhos de 9 e 3 anos.
2.1.12. É tido como pessoa cumpridora, honesta e pouco bebe.
2.1.13. Do seu CRC consta uma condenação por condução sob influência do álcool.
2.2. Na sentença recorrida não se deram como não provados quaisquer factos.
					***
3. O DIREITO
3.1. No caso subjudice o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos dos arts. 389º, nº 2 e 428º, nº 2, do CPP, sem embargo, porém, de este tribunal conhecer oficiosamente, dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP, mas tão só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, no seguimento do decidido no Ac. do STJ nº 07/95, em interpretação obrigatória.
Porém, in casu, do texto da sentença recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não resultam quaisquer dos vícios a que aludem as alíneas a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do CPP.
Assim sendo, os factos dados como provados na sentença recorrida têm-se por assentes, inquestionáveis, tornando-se insidicável a convicção a que o julgador chegou segundo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127º, do CPP
3.2. O objecto do presente recurso cinge-se apenas à seguinte questão, suscitada pelo recorrente, nas conclusões da sua motivação de recurso, que delimitam o seu objecto:
- se à punição pelo crime de desobediência por recusa de um condutor de se submeter às provas para detecção de alcoolémia acrescerá a sanção acessória prevista no art. 69º, do CP, de inibição de conduzir. 
3.2.1 A sentença recorrida condenou o arguido como autor material de um crime de desobediência simples, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 158º, nº 3, do CE e 348º, nº 1, al a) e 69º, nº 1, al a), do CP, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 400$00, o que perfaz o montante de 40 000$00, ou em 66 dias de prisão subsidiária caso não pague a multa em que foi condenado, e ainda na sanção acessória da proibição do direito de conduzir pelo período de 60 dias. 
No domínio do DL nº 124/90, de 14 ABR, o art. 12º, deste diploma regulava e sancionava a recusa do condutor a exame de pesquisa de álcool prevendo para o infractor a pena de prisão até um ano ou multa até 200 dias, fazendo ainda acrescer a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir entre 6 meses a cinco anos, 
O citado DL nº 120/90 foi revogado pelo art. 20º, do DL. nº 2/98, de 3 JAN, que veio a republicar o Código da Estrada (art. 2º, do DL. nº 2/98).
De harmonia com o disposto no art. 158º, nº 3, do CE «Quem recusar a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 159º, é punido por desobediência».
Assim sendo, por força da revisão do CE, a recusa às provas estabelecidas para a detecção do estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas, passou a integrar a prática de crime de desobediência.
Por seu turno, o art. 348º, nº1, do CP, determina que, “Quem faltar à obediência devida à ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, a punição de desobediência simples” 
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem correspondente cominação”.
Do exposto resulta que o legislador pune, para a conduta consubstanciada na recusa às provas estabelecidas para a detecção do estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas, com a pena prevista para o crime de desobediência.
3.2.2. Como é sabido, um dos princípios basilares do direito penal, constitucionalmente consagrado, é o princípio da legalidade na aplicação da reacções criminais, (arts. 29º, nº1, da CRP e 1º, do CP), segundo o qual só a lei pode definir o que é crime e quais os pressupostos da aplicação de penas e medidas de segurança bem como estabelecer as respectivas penas e medidas de segurança: «nullum crimen sine lege; nulla penae sine lege».
Ora, qualquer das normas incriminadoras da conduta consubstanciada na recusa às provas para a detecção do estado de influência pelo álcool (ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas), seja o art. 158º, do CE, seja o art. 348º, nº 1, do CE, não prevê a aplicação de qualquer sanção acessória, designadamente a inibição de conduzir.
Assim sendo, não pode aplicar-se, como se procedeu na sentença recorrida a sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no art. 69º, nº1, do CP, uma vez que tal aplicação violaria o princípio da legalidade 
3.2.3 Na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo” fundamentou a aplicação de tal pena, no facto de o arguido ter cometido «o crime dos autos no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário, pois a gravidade do facto cometido é já assinalável, não só enquanto vista sob o prisma de condução criminosa, mas também se tivermos em atenção os limites de alcoolémia a partir dos quais a lei configura tal condução como meramente contraordenacional. E, neste campo, não poderá olvidar-se o aumento da sinistralidade rodoviária, em que o álcool tem um papel relevante. Tanto que o Código da Estrada considera a condução sob o efeito do álcool como uma contraordenação muito grave (art. 147º, al. i), do CE)»
3.2.4. A grave violação das regras de trânsito rodoviário é primordialmente definida pelo direito estradal, e, dentro deste pelo Código da Estrada, como efectivamente o é nos arts. 148º e 149º, deste diploma.
Com efeito, neste normativos são enumeradas as infracções graves (art. 148º) e as infracções muito graves (art. 149º).
Os crimes cometidos no exercício da condução são todos aqueles em que a acção viola as regras do trânsito rodoviário, sendo elementos da sua estrutura típica, como sucede nos crimes previstos nos arts. 291º e 292º, do CP, ou causa do evento, como acontece em muitos crimes materiais em que a violação das regras de condução é a causa do evento típico, v. g., nos crimes de homicídio ou ofensas corporais por negligência causados por excesso de velocidade, ultrapassagem e demais manobras perigosas (vide Prof. Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, págs. 27 e segs.), e Ac. da RP de 14JUL99, in CJ 1999, Tomo IV, pág. 235).
A inibição que se decreta nos termos do citado art. 69º, nº 1, do CE não emerge automaticamente da lei, limitando-se o Juiz, sem mais a declará-la, para efeitos de cumprimento e execução.
Ao invés, a imposição desta pena acessória pressupõe, no plano da sua própria definição, a intervenção mediadora do Juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso, e perante a avaliação da culpa do agente (art. 71º, do CP), vem a fixar os limites da sua duração (Ac. da RP de 14JUL99, in loc. cit.).
Em suma, a sanção de inibição de conduzir prevista no art. 141º, do CE, não se confunde com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no art. 69º, nº 1, al. a), do CP: enquanto aquela tem natureza administrativa e deriva apenas da prática de uma contra-ordenação grave ou muito grave, esta constitui uma verdadeira pena acessória, e deriva da prática de um crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário.
3.2.5. Porém, no caso subjudice a conduta do arguido, ao recusar submeter-se ao teste para a detecção do estado de influência pelo álcool, não consubstancia o exercício da condução, pelo que não pode implicar qualquer violação das regras de trânsito.
Assim sendo, não é aplicável a sanção acessória de inibição de condução prevista no art. 69º, nº 1, do CP, no caso de crime de desobediência, p. e p, pelos arts. 158º, nº 3, do CE, e 348º, nº 1, al a), do CP, por recusa às provas previstas para a detecção de estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas (vide, neste sentido, entre outros os Acs. da RL de 14JUN98, in CJ 1998, Tomo III, pág. 135 e de 16DEZ98, in CJ 1998, Tomo V, pág. 153).
Neste sentido, procede o recurso.
					***
 4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal ..... em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias.
Sem tributação. 
Fixam-se os honorários ao Exmº Defensor Oficioso em 14 000$00 (catorze mil escudos).
Porto, 20 de Junho de 2001
Maria da Conceição Simão Gomes
José Inácio Manso Raínho
Pedro dos Santos Gonçalves Antunes

Acordam em Audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO. 1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de....., foi julgado em processo sumário o arguido Manuel....., identificado nos autos, tendo sido condenado, como autor material de um crime de desobediência simples, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 158º, nº 3, do CE e 348º, nº 1, al a) e 69º, nº 1, al a), do CP, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 400$00, o que perfaz o montante de 40 000$00, ou em 66 dias de prisão subsidiária caso não pague a multa em que foi condenado, e ainda na sanção acessória da proibição do direito de conduzir pelo período de 60 dias. 1.2. No início da audiência foram o Mº Pº e o arguido avisados de que poderiam requerer a documentação dos actos da audiência nos termos do art. 389º , do CPP, prescindindo ambos de tal documentação. 1.3. Inconformado com a douta sentença, o arguido veio dela interpor recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: “1. Provado ficou que o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-.. na ..., na área desta comarca: 2. Foi interceptado por agentes da GNR devidamente fardados; 3. O arguido recusou o exame de pesquisa de álcool no sangue por meio de ar; 4. O arguido tinha ingerido pelo menos um copo de vinho ao jantar; 5. O Tribunal “a quo” ante tal facto conclui estar o arguido a conduzir sob efeito de álcool no sangue; 6. Considerou tal comportamento como grave violação das regras de trânsito rodoviário subsumível ao disposto no art. 69º, nº 1, al a), aplicando ao recorrente a pena acessória de inibição de conduzir por 60 dias; 7. Mostra-se violado tal comando normativo no sentido de que nos autos não existem outros elementos demonstrativos de modo a apurar qual o grau de alcoolémia transportado pelo arguido de forma a que tenha cometido uma violação grave das normas estradais; 8. Concretizando-se o prescrito no art. 69º, nº1 al a) como pena acessória o seu sentido de interpretação deveria conexionar-se com o prescrito no art. 291º, nº 1 al a) desde que verificados os elementos qualificativos de que dependem a sua aplicação, o que manifestamente não se verifica nos autos, pelo que tal normativo não serve de suporte para aplicação da medida decisória”. Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de sessenta dias. 1.4. No Tribunal recorrido o Mº Pº ofereceu Resposta, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. 1.5. O Exmº Procurador Geral-Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, porquanto, por um lado, da factualidade que foi dada como assente na decisão recorrida não se retira qualquer indicação acerca de uma eventual taxa de álcool no sangue do arguido, e em consequência não se vê que o mesmo haja violado gravemente as regras de trânsito rodoviário; por outro lado, a recusa à submissão àquele exame é punível nos termos do art. 348º, nº 1, al. a), do CP, “ex vi”, do art. 158º, nºs 1 e 2, do CE, sendo certo que tais normativos não contemplam, na punição da conduta do arguido, a imposição acessória de inibição da faculdade de conduzir. Punível por desobediência, ao crime corresponde somente pena de prisão ou, em alternativa, pena de multa. 1. 6. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP. 1.7. Não foi requerida, nem se procedeu à documentação dos actos da audiência, pelo que o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos dos arts. 364º e 428º, do CPP. 1.8. Foram colhidos os vistos legais. 1.9. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo. 2. FUNDAMENTAÇÃO. 2. 1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 2.1.1. Em 23SET00, pelas 02h.47m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-.., na ..., na área desta comarca. 2.1.2. Foi interceptado por elementos da GNR, devidamente fardados. 2.1.3. Os agentes da autoridade solicitaram-lhe que fosse submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado. 2.1.4. O arguido recusou porém desde logo a efectuar o referido exame. 2.1.5. O arguido foi advertido de que o seu comportamento o faria incorrer em responsabilidade criminal. 2.1.6. O arguido sabia que estava obrigado a sujeitar-se ao exame para pesquisa de álcool no sangue. 2.1.7. O arguido tinha ingerido pelo menos um copo de vinho ao jantar. 2.1.8. Agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. 2.1.9. O arguido anda preocupado com a transferência de sua esposa para uma outra terra onde é professora. 2.1.10. O arguido é professor do ensino básico, auferindo 180 000$00 líquidos. 2.1.11. É casado, e tem dois filhos de 9 e 3 anos. 2.1.12. É tido como pessoa cumpridora, honesta e pouco bebe. 2.1.13. Do seu CRC consta uma condenação por condução sob influência do álcool. 2.2. Na sentença recorrida não se deram como não provados quaisquer factos. *** 3. O DIREITO 3.1. No caso subjudice o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos dos arts. 389º, nº 2 e 428º, nº 2, do CPP, sem embargo, porém, de este tribunal conhecer oficiosamente, dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP, mas tão só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, no seguimento do decidido no Ac. do STJ nº 07/95, em interpretação obrigatória. Porém, in casu, do texto da sentença recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não resultam quaisquer dos vícios a que aludem as alíneas a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do CPP. Assim sendo, os factos dados como provados na sentença recorrida têm-se por assentes, inquestionáveis, tornando-se insidicável a convicção a que o julgador chegou segundo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127º, do CPP 3.2. O objecto do presente recurso cinge-se apenas à seguinte questão, suscitada pelo recorrente, nas conclusões da sua motivação de recurso, que delimitam o seu objecto: - se à punição pelo crime de desobediência por recusa de um condutor de se submeter às provas para detecção de alcoolémia acrescerá a sanção acessória prevista no art. 69º, do CP, de inibição de conduzir. 3.2.1 A sentença recorrida condenou o arguido como autor material de um crime de desobediência simples, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 158º, nº 3, do CE e 348º, nº 1, al a) e 69º, nº 1, al a), do CP, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 400$00, o que perfaz o montante de 40 000$00, ou em 66 dias de prisão subsidiária caso não pague a multa em que foi condenado, e ainda na sanção acessória da proibição do direito de conduzir pelo período de 60 dias. No domínio do DL nº 124/90, de 14 ABR, o art. 12º, deste diploma regulava e sancionava a recusa do condutor a exame de pesquisa de álcool prevendo para o infractor a pena de prisão até um ano ou multa até 200 dias, fazendo ainda acrescer a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir entre 6 meses a cinco anos, O citado DL nº 120/90 foi revogado pelo art. 20º, do DL. nº 2/98, de 3 JAN, que veio a republicar o Código da Estrada (art. 2º, do DL. nº 2/98). De harmonia com o disposto no art. 158º, nº 3, do CE «Quem recusar a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 159º, é punido por desobediência». Assim sendo, por força da revisão do CE, a recusa às provas estabelecidas para a detecção do estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas, passou a integrar a prática de crime de desobediência. Por seu turno, o art. 348º, nº1, do CP, determina que, “Quem faltar à obediência devida à ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, a punição de desobediência simples” b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem correspondente cominação”. Do exposto resulta que o legislador pune, para a conduta consubstanciada na recusa às provas estabelecidas para a detecção do estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas, com a pena prevista para o crime de desobediência. 3.2.2. Como é sabido, um dos princípios basilares do direito penal, constitucionalmente consagrado, é o princípio da legalidade na aplicação da reacções criminais, (arts. 29º, nº1, da CRP e 1º, do CP), segundo o qual só a lei pode definir o que é crime e quais os pressupostos da aplicação de penas e medidas de segurança bem como estabelecer as respectivas penas e medidas de segurança: «nullum crimen sine lege; nulla penae sine lege». Ora, qualquer das normas incriminadoras da conduta consubstanciada na recusa às provas para a detecção do estado de influência pelo álcool (ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas), seja o art. 158º, do CE, seja o art. 348º, nº 1, do CE, não prevê a aplicação de qualquer sanção acessória, designadamente a inibição de conduzir. Assim sendo, não pode aplicar-se, como se procedeu na sentença recorrida a sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no art. 69º, nº1, do CP, uma vez que tal aplicação violaria o princípio da legalidade 3.2.3 Na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo” fundamentou a aplicação de tal pena, no facto de o arguido ter cometido «o crime dos autos no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário, pois a gravidade do facto cometido é já assinalável, não só enquanto vista sob o prisma de condução criminosa, mas também se tivermos em atenção os limites de alcoolémia a partir dos quais a lei configura tal condução como meramente contraordenacional. E, neste campo, não poderá olvidar-se o aumento da sinistralidade rodoviária, em que o álcool tem um papel relevante. Tanto que o Código da Estrada considera a condução sob o efeito do álcool como uma contraordenação muito grave (art. 147º, al. i), do CE)» 3.2.4. A grave violação das regras de trânsito rodoviário é primordialmente definida pelo direito estradal, e, dentro deste pelo Código da Estrada, como efectivamente o é nos arts. 148º e 149º, deste diploma. Com efeito, neste normativos são enumeradas as infracções graves (art. 148º) e as infracções muito graves (art. 149º). Os crimes cometidos no exercício da condução são todos aqueles em que a acção viola as regras do trânsito rodoviário, sendo elementos da sua estrutura típica, como sucede nos crimes previstos nos arts. 291º e 292º, do CP, ou causa do evento, como acontece em muitos crimes materiais em que a violação das regras de condução é a causa do evento típico, v. g., nos crimes de homicídio ou ofensas corporais por negligência causados por excesso de velocidade, ultrapassagem e demais manobras perigosas (vide Prof. Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, págs. 27 e segs.), e Ac. da RP de 14JUL99, in CJ 1999, Tomo IV, pág. 235). A inibição que se decreta nos termos do citado art. 69º, nº 1, do CE não emerge automaticamente da lei, limitando-se o Juiz, sem mais a declará-la, para efeitos de cumprimento e execução. Ao invés, a imposição desta pena acessória pressupõe, no plano da sua própria definição, a intervenção mediadora do Juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso, e perante a avaliação da culpa do agente (art. 71º, do CP), vem a fixar os limites da sua duração (Ac. da RP de 14JUL99, in loc. cit.). Em suma, a sanção de inibição de conduzir prevista no art. 141º, do CE, não se confunde com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no art. 69º, nº 1, al. a), do CP: enquanto aquela tem natureza administrativa e deriva apenas da prática de uma contra-ordenação grave ou muito grave, esta constitui uma verdadeira pena acessória, e deriva da prática de um crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário. 3.2.5. Porém, no caso subjudice a conduta do arguido, ao recusar submeter-se ao teste para a detecção do estado de influência pelo álcool, não consubstancia o exercício da condução, pelo que não pode implicar qualquer violação das regras de trânsito. Assim sendo, não é aplicável a sanção acessória de inibição de condução prevista no art. 69º, nº 1, do CP, no caso de crime de desobediência, p. e p, pelos arts. 158º, nº 3, do CE, e 348º, nº 1, al a), do CP, por recusa às provas previstas para a detecção de estado de influência pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas (vide, neste sentido, entre outros os Acs. da RL de 14JUN98, in CJ 1998, Tomo III, pág. 135 e de 16DEZ98, in CJ 1998, Tomo V, pág. 153). Neste sentido, procede o recurso. *** 4. DECISÃO. Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal ..... em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias. Sem tributação. Fixam-se os honorários ao Exmº Defensor Oficioso em 14 000$00 (catorze mil escudos). Porto, 20 de Junho de 2001 Maria da Conceição Simão Gomes José Inácio Manso Raínho Pedro dos Santos Gonçalves Antunes