Processo:0111119
Data do Acordão: 15/01/2002Relator: FERNANDO MONTERROSOTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

A cognição dos Tribunais da Relação relativamente a acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo não se restringe à matéria de direito e aos vícios e nulidades a que se referem os ns.2 e 3 do artigo 410 do Código de Processo Penal, abrangendo também a matéria de facto. Com efeito, nada havendo que exclua a aplicação do artigo 363 desse Código aos julgamentos em tribunal colectivo, não faria sentido dar a esta norma dois alcances distintos conforme o julgamento fosse feito pelo tribunal singular (em que se permitia o recurso em matéria de facto) ou pelo tribunal colectivo (que apenas permitia ao tribunal "rememoriar a prova produzida em audiência").

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0111119
Relator
FERNANDO MONTERROSO
Descritores
TRIBUNAL COLECTIVO MATÉRIA DE FACTO RECURSO PODERES DA RELAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
01/16/2002
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
PROVIDO.
Sumário
A cognição dos Tribunais da Relação relativamente a acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo não se restringe à matéria de direito e aos vícios e nulidades a que se referem os ns.2 e 3 do artigo 410 do Código de Processo Penal, abrangendo também a matéria de facto. Com efeito, nada havendo que exclua a aplicação do artigo 363 desse Código aos julgamentos em tribunal colectivo, não faria sentido dar a esta norma dois alcances distintos conforme o julgamento fosse feito pelo tribunal singular (em que se permitia o recurso em matéria de facto) ou pelo tribunal colectivo (que apenas permitia ao tribunal "rememoriar a prova produzida em audiência").
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Na -ª Vara Mista do Tribunal de....., em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foram julgados os arguidos Hugo......, acusado de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 e 2, e) do Código Penal, e Fernando....., acusado de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, nº 1 do mesmo código.
Efectuado o julgamento, foi o Fernando..... absolvido e o Hugo..... condenado na pena de 7 (sete) meses de prisão, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1 do Cod. Penal.
Inconformado, o arguido Hugo..... interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
- na audiência de julgamento nenhuma testemunha afirmou que o recorrente assaltou a residência onde teria sido efectuado o furto, nem que dela tenha sido furtado um aparelho de vídeo, ou que, por outra via, tivesse conhecimento desses factos, conforme se deu como provado no acórdão recorrido;
- não ficou provado que o vídeo que o arguido supostamente mostrou ao co-arguido tivesse sido furtado ou que tivesse sido furtado à ofendida;
- perante a prova produzida na audiência de julgamento não se provou o tipo objectivo ou subjectivo do crime de furto;
- o tribunal recorrido, ao ter em conta o depoimento do agente da PSP, fê-lo em clara violação do art. 356 nº 7 do CPP, o que determina a nulidade do acórdão recorrido ao abrigo do estipulado no art. 379 nº 1 al. d) do mesmo código, uma vez que o tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento;
- face à prova produzida devia ser o arguido absolvido, constituindo a sua condenação violação do princípio in dubio pro reo;
- achando-se o tribunal de recurso na posse de toda a prova produzida deve ser proferido acórdão que absolva o arguido da prática do crime de que foi acusado;
- de qualquer forma, não pode servir como método aferidor da escolha da pena o facto de o arguido se encontrar preso, violando o acórdão, neste passo, os arts. 70 e 71 do Código Penal e o art. 13 da CRP;
- deve considerar-se a pena concreta atribuída ao arguido exagerada em virtude de não se ter apurado nem o modo de execução do crime nem a gravidade das suas consequências;
- o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 355, 356 nº 7, 379 nº 1 do CPP, 71 do Cod. Penal e 13 e 32 nº 2 da CRP.
Respondendo o magistrado do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso. Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto suscitou a questão prévia da admissibilidade do recurso da decisão do tribunal colectivo sobre matéria de facto, tendo emitido parecer no sentido de que a cognição dos tribunais da relação relativamente a recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo se restringe à matéria de direito e aos vícios e nulidades a que se referem os nºs 2 e 3 do art. 410 do CPP.
Porém, a conhecer-se do recurso quanto à matéria de facto impugnada, deverá conceder-se provimento ao recurso, por insuficiência de prova quanto à autoria do crime cometido, absolvendo-se do mesmo o arguido recorrente. De todo o modo, nada justifica que a pena aplicada seja de prisão efectiva, já que outras, como a pena de multa, realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da audiência com observância do formalismo legal.*I – Na acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
1 - No dia 15 de Julho de 1999, o arguido Hugo..... decidiu assaltar a residência de sua tia Maria....., sita na Rua....., ....., ....., a fim de se apoderar de quantia em dinheiro ou objectos com valor económico que ali encontrasse.
2 - Para tanto, a hora não apurada daquele dia, dirigiu-se àquela residência e, por forma não apurada, nela entrou.
3 - Uma vez no interior da residência da ofendida, o arguido apropriou-se de um aparelho de vídeo de marca e valor não apurados, que levou consigo, integrando-o no seu património.
4 - De seguida, o arguido Hugo..... procurou o arguido Fernando....., a quem propôs a venda do aparelho de vídeo, o que este recusou.
5 - O arguido Hugo..... actuou no propósito de se apoderar de bem que sabia não ser seu, ciente de que actuava contra a vontade da sua dona.
6 - Actuou de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
7 - Nada consta do seu certificado de registo criminal.
8 - Foi condenado por acórdão proferido no proc. nº ../.., da -ª Vara Criminal....., transitado em julgado, na pena de dois anos de prisão, pela prática de cinco crimes de emissão de cheque sem provisão, entre os dias 11/06/99 e 13/06/99.
9 - Na altura da prática dos factos, o arguido era consumidor de estupefacientes.
Considerou-se não provado que:
- o arguido Hugo tenha entrado na residência da vítima às 10 horas;
- tenha partido o vidro da porta das traseiras da casa e por ela tenha entrado;
- o aparelho de vídeo de que o arguido se apropriou fosse de marca Sanyo e tivesse o valor de 60.000$00;
- o arguido se tenha apropriado, também, de um rádio-despertador no valor de 20.000$00;
- o arguido Fernando....., apesar de ter perfeito conhecimento que o aparelho de vídeo fora objecto de subtracção por parte do arguido Hugo tenha concordado em comprá-lo pelo preço de 10.000$00, que logo entregou a este, ficando com o referido vídeo na sua posse;
- até à data não tenha sido recuperado o produto da subtracção;
- o arguido Fernando..... não se tenha coibido de adquirir o vídeo por preço muito inferior ao preço do mercado, a fim de obter para si próprio uma vantagem patrimonial que sabia não ser lícita.
- o arguido Fernando..... tenha actuado de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.*
*O recurso da matéria de facto
1 - A questão prévia da admissibilidade de recurso sobre a matéria de facto
Entende o magistrado do MP junto desta relação que a “cognição dos tribunais da relação relativamente aos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo se restringe À matéria de direito e aos vícios e nulidades a que se referem os nºs 2 e 3 do art. 410 do CPP, tal como sucedia antes da reforma introduzida pelo Dec.-Lei 59/98 de 25-8, relativamente aos recursos dos mesmos acórdãos directamente interpostos para o STJ.
Afigura-se não ser de acolher tal entendimento.
Dispõe o art. 363 do CPP que “as declarações prestadas em audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente impuser”.
Estabelece-se aqui o princípio geral das documentações prestadas em audiência de julgamento em processo comum.
Logo a seguir, o art. 364 do CPP excepciona deste princípio os casos em que, decorrendo o julgamento perante o tribunal singular, os diversos sujeitos processuais declararem unanimemente para a acta que prescindem da documentação. Esta declaração vale como renúncia ao recurso em matéria de facto – art. 428 nº 2 do CPP.
Ou seja, só tem sentido poder-se renunciar ao recurso em matéria de facto, se a norma do art. 363 do CPP for interpretada como visando possibilitar esse recurso.
Por outro lado, não havendo no CPP nada que exclua a aplicação do art. 363 aos julgamentos em tribunal colectivo, não faria sentido dar a esta norma dois alcances totalmente distintos conforme o julgamento fosse feito pelo tribunal singular ou pelo tribunal colectivo. No primeiro caso destinar-se-ia a permitir o recurso em matéria de facto. No segundo apenas a permitir ao tribunal “rememoriar a prova produzida em audiência”.
2 – Os factos impugnados pelo recorrente Hugo......
Na parte da motivação da matéria de facto do acórdão recorrido, escreveu-se que a convicção do tribunal  “decorreu das declarações do arguido Fernando....., que disse ter sido contactado pelo Hugo....., no dia dos factos, da parte da tarde, o qual lhe propôs a compra de um vídeo que trazia consigo e lhe mostrou; este recusou comprar-lho dizendo-lhe que o fosse vender aos ciganos; não lhe viu qualquer relógio despertador. (...) Tomando em conta o depoimento do arguido Fernando....., julga-se possível considerar provado ter sido o arguido a praticar o furto do vídeo referido nos factos provados”.
Manda o nº 2 do art. 374 do CPP que, na parte da fundamentação, a sentença contenha “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.
Com a fundamentação da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, num sentido e não noutro, e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro. A sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido” – ac. STJ de 13-2-92, C. J. tomo I, pag. 36 e ac. Trib. Constitucional de 2-12-98 DR IIª Série de 5-3-99.
A fundamentação deverá permitir ao tribunal de recurso fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório.
Lendo-se a transcrição feita pelo recorrente das declarações prestadas na audiência e confrontando-as com a motivação do acórdão recorrido, constata-se que nesta se traduz de forma precisa a razão porque o tribunal considerou provado que foi o arguido Hugo..... quem assaltou a casa da ofendida Maria......: No dia do assalto, este arguido contactou o co-arguido Fernando....., tendo-lhe “proposto a compra de um vídeo que trazia consigo e lhe mostrou”. Nos termos do próprio acordão, foi “tomando em conta o depoimento do arguido Fernando.....”, que se julgou “possível considerar provado ter sido o Hugo..... a praticar o furto do vídeo referido nos factos provados”.
Não está em causa que existiu aquela proposta de compra. Ela é efectivamente referida na transcrição das declarações do co-arguido Fernando....., sendo que a credibilidade do que este disse é aferida pela livre convicção do julgador – art. 127 do CPP.
Mas há um «salto» evidente no processo lógico-mental que serviu de suporte à decisão. Como chegou o tribunal à conclusão de que o aparelho de vídeo exibido pelo Hugo..... era o mesmo que tinha sido retirado da casa da Maria..... (quando nem sequer se deram como provados o valor e as características do aparelho)? E, no caso de ser o mesmo, qual o substracto racional que conduziu a que tivesse sido afastada a hipótese de o Hugo..... ter recebido o vídeo das mãos de quem assaltou a casa, com o encargo de o vender?
O depoimento do arguido Fernando..... (transcrito a fls. 52), no qual, repete-se, o tribunal se baseou para decidir que o recorrente Hugo...... foi o autor do furto, nada esclarece sobre estes aspectos. Disse o Fernando..... que o Hugo “veio ter comigo, para eu lhe arranjar um comprador para o vídeo e eu mandei-o para os ciganos (...) não cheguei a ver – o vídeo – vi-o metido num saco”.
Não está em causa a livre convicção dos juizes (art. 127 do CPP). A decisão destes há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pag. 204.
Simplesmente, a prova produzida (independentemente da credibilidade que se dê aos diversos depoimentos) não permite as conclusões a que chegou o tribunal. O princípio da «livre apreciação da prova» não equivale a «prova arbitrária». A convicção do juiz não poderá ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável.
Como bem refere o sr. procurador geral adjunto no seu parecer, seria possível a conclusão de que foi o arguido Hugo..... quem cometeu o furto através do recurso à leitura de outros elementos dos autos, nomeadamente a “confissão” que ele teria feito ao guarda da PSP Paulo..... no início das investigações – v. auto de fls. 7.
Mas, não sendo tal “confissão” referida no acórdão recorrido como fundamento da decisão da matéria de facto não há aqui que indicar as razões porque se entende que ela nunca poderia ser valorada – cfr., no entanto, o art. 129 nº 1 do CPP.
Ou seja, não sendo possível, a partir da prova produzida no julgamento, elaborar um raciocínio lógico-mental, que, com segurança, permita a conclusão de que foi o recorrente o autor do furto, tem ele de ser absolvido do crime que lhe foi imputado.
Tem, pois, que ser concedido provimento ao recurso.
DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação do Porto, concedem provimento ao recurso absolvendo o arguido do crime imputado.
Não são devidas custas.
Honorários do Exmo. defensor nos termos previstos para o recurso ordinário em processo penal da tabela anexa à Portaria 1200-C/01, de 20-12.
Porto, 16 de Janeiro de 2001
Fernando Manuel Monterroso Gomes
Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva
Joaquim Manuel Esteves Marques
Joaquim Costa de Morais

Acordam no Tribunal da Relação do Porto Na -ª Vara Mista do Tribunal de....., em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foram julgados os arguidos Hugo......, acusado de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 e 2, e) do Código Penal, e Fernando....., acusado de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, nº 1 do mesmo código. Efectuado o julgamento, foi o Fernando..... absolvido e o Hugo..... condenado na pena de 7 (sete) meses de prisão, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1 do Cod. Penal. Inconformado, o arguido Hugo..... interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: - na audiência de julgamento nenhuma testemunha afirmou que o recorrente assaltou a residência onde teria sido efectuado o furto, nem que dela tenha sido furtado um aparelho de vídeo, ou que, por outra via, tivesse conhecimento desses factos, conforme se deu como provado no acórdão recorrido; - não ficou provado que o vídeo que o arguido supostamente mostrou ao co-arguido tivesse sido furtado ou que tivesse sido furtado à ofendida; - perante a prova produzida na audiência de julgamento não se provou o tipo objectivo ou subjectivo do crime de furto; - o tribunal recorrido, ao ter em conta o depoimento do agente da PSP, fê-lo em clara violação do art. 356 nº 7 do CPP, o que determina a nulidade do acórdão recorrido ao abrigo do estipulado no art. 379 nº 1 al. d) do mesmo código, uma vez que o tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento; - face à prova produzida devia ser o arguido absolvido, constituindo a sua condenação violação do princípio in dubio pro reo; - achando-se o tribunal de recurso na posse de toda a prova produzida deve ser proferido acórdão que absolva o arguido da prática do crime de que foi acusado; - de qualquer forma, não pode servir como método aferidor da escolha da pena o facto de o arguido se encontrar preso, violando o acórdão, neste passo, os arts. 70 e 71 do Código Penal e o art. 13 da CRP; - deve considerar-se a pena concreta atribuída ao arguido exagerada em virtude de não se ter apurado nem o modo de execução do crime nem a gravidade das suas consequências; - o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 355, 356 nº 7, 379 nº 1 do CPP, 71 do Cod. Penal e 13 e 32 nº 2 da CRP. Respondendo o magistrado do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso. Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto suscitou a questão prévia da admissibilidade do recurso da decisão do tribunal colectivo sobre matéria de facto, tendo emitido parecer no sentido de que a cognição dos tribunais da relação relativamente a recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo se restringe à matéria de direito e aos vícios e nulidades a que se referem os nºs 2 e 3 do art. 410 do CPP. Porém, a conhecer-se do recurso quanto à matéria de facto impugnada, deverá conceder-se provimento ao recurso, por insuficiência de prova quanto à autoria do crime cometido, absolvendo-se do mesmo o arguido recorrente. De todo o modo, nada justifica que a pena aplicada seja de prisão efectiva, já que outras, como a pena de multa, realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da audiência com observância do formalismo legal.*I – Na acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos: 1 - No dia 15 de Julho de 1999, o arguido Hugo..... decidiu assaltar a residência de sua tia Maria....., sita na Rua....., ....., ....., a fim de se apoderar de quantia em dinheiro ou objectos com valor económico que ali encontrasse. 2 - Para tanto, a hora não apurada daquele dia, dirigiu-se àquela residência e, por forma não apurada, nela entrou. 3 - Uma vez no interior da residência da ofendida, o arguido apropriou-se de um aparelho de vídeo de marca e valor não apurados, que levou consigo, integrando-o no seu património. 4 - De seguida, o arguido Hugo..... procurou o arguido Fernando....., a quem propôs a venda do aparelho de vídeo, o que este recusou. 5 - O arguido Hugo..... actuou no propósito de se apoderar de bem que sabia não ser seu, ciente de que actuava contra a vontade da sua dona. 6 - Actuou de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. 7 - Nada consta do seu certificado de registo criminal. 8 - Foi condenado por acórdão proferido no proc. nº ../.., da -ª Vara Criminal....., transitado em julgado, na pena de dois anos de prisão, pela prática de cinco crimes de emissão de cheque sem provisão, entre os dias 11/06/99 e 13/06/99. 9 - Na altura da prática dos factos, o arguido era consumidor de estupefacientes. Considerou-se não provado que: - o arguido Hugo tenha entrado na residência da vítima às 10 horas; - tenha partido o vidro da porta das traseiras da casa e por ela tenha entrado; - o aparelho de vídeo de que o arguido se apropriou fosse de marca Sanyo e tivesse o valor de 60.000$00; - o arguido se tenha apropriado, também, de um rádio-despertador no valor de 20.000$00; - o arguido Fernando....., apesar de ter perfeito conhecimento que o aparelho de vídeo fora objecto de subtracção por parte do arguido Hugo tenha concordado em comprá-lo pelo preço de 10.000$00, que logo entregou a este, ficando com o referido vídeo na sua posse; - até à data não tenha sido recuperado o produto da subtracção; - o arguido Fernando..... não se tenha coibido de adquirir o vídeo por preço muito inferior ao preço do mercado, a fim de obter para si próprio uma vantagem patrimonial que sabia não ser lícita. - o arguido Fernando..... tenha actuado de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.* *O recurso da matéria de facto 1 - A questão prévia da admissibilidade de recurso sobre a matéria de facto Entende o magistrado do MP junto desta relação que a “cognição dos tribunais da relação relativamente aos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo se restringe À matéria de direito e aos vícios e nulidades a que se referem os nºs 2 e 3 do art. 410 do CPP, tal como sucedia antes da reforma introduzida pelo Dec.-Lei 59/98 de 25-8, relativamente aos recursos dos mesmos acórdãos directamente interpostos para o STJ. Afigura-se não ser de acolher tal entendimento. Dispõe o art. 363 do CPP que “as declarações prestadas em audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente impuser”. Estabelece-se aqui o princípio geral das documentações prestadas em audiência de julgamento em processo comum. Logo a seguir, o art. 364 do CPP excepciona deste princípio os casos em que, decorrendo o julgamento perante o tribunal singular, os diversos sujeitos processuais declararem unanimemente para a acta que prescindem da documentação. Esta declaração vale como renúncia ao recurso em matéria de facto – art. 428 nº 2 do CPP. Ou seja, só tem sentido poder-se renunciar ao recurso em matéria de facto, se a norma do art. 363 do CPP for interpretada como visando possibilitar esse recurso. Por outro lado, não havendo no CPP nada que exclua a aplicação do art. 363 aos julgamentos em tribunal colectivo, não faria sentido dar a esta norma dois alcances totalmente distintos conforme o julgamento fosse feito pelo tribunal singular ou pelo tribunal colectivo. No primeiro caso destinar-se-ia a permitir o recurso em matéria de facto. No segundo apenas a permitir ao tribunal “rememoriar a prova produzida em audiência”. 2 – Os factos impugnados pelo recorrente Hugo...... Na parte da motivação da matéria de facto do acórdão recorrido, escreveu-se que a convicção do tribunal “decorreu das declarações do arguido Fernando....., que disse ter sido contactado pelo Hugo....., no dia dos factos, da parte da tarde, o qual lhe propôs a compra de um vídeo que trazia consigo e lhe mostrou; este recusou comprar-lho dizendo-lhe que o fosse vender aos ciganos; não lhe viu qualquer relógio despertador. (...) Tomando em conta o depoimento do arguido Fernando....., julga-se possível considerar provado ter sido o arguido a praticar o furto do vídeo referido nos factos provados”. Manda o nº 2 do art. 374 do CPP que, na parte da fundamentação, a sentença contenha “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”. Com a fundamentação da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, num sentido e não noutro, e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro. A sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido” – ac. STJ de 13-2-92, C. J. tomo I, pag. 36 e ac. Trib. Constitucional de 2-12-98 DR IIª Série de 5-3-99. A fundamentação deverá permitir ao tribunal de recurso fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório. Lendo-se a transcrição feita pelo recorrente das declarações prestadas na audiência e confrontando-as com a motivação do acórdão recorrido, constata-se que nesta se traduz de forma precisa a razão porque o tribunal considerou provado que foi o arguido Hugo..... quem assaltou a casa da ofendida Maria......: No dia do assalto, este arguido contactou o co-arguido Fernando....., tendo-lhe “proposto a compra de um vídeo que trazia consigo e lhe mostrou”. Nos termos do próprio acordão, foi “tomando em conta o depoimento do arguido Fernando.....”, que se julgou “possível considerar provado ter sido o Hugo..... a praticar o furto do vídeo referido nos factos provados”. Não está em causa que existiu aquela proposta de compra. Ela é efectivamente referida na transcrição das declarações do co-arguido Fernando....., sendo que a credibilidade do que este disse é aferida pela livre convicção do julgador – art. 127 do CPP. Mas há um «salto» evidente no processo lógico-mental que serviu de suporte à decisão. Como chegou o tribunal à conclusão de que o aparelho de vídeo exibido pelo Hugo..... era o mesmo que tinha sido retirado da casa da Maria..... (quando nem sequer se deram como provados o valor e as características do aparelho)? E, no caso de ser o mesmo, qual o substracto racional que conduziu a que tivesse sido afastada a hipótese de o Hugo..... ter recebido o vídeo das mãos de quem assaltou a casa, com o encargo de o vender? O depoimento do arguido Fernando..... (transcrito a fls. 52), no qual, repete-se, o tribunal se baseou para decidir que o recorrente Hugo...... foi o autor do furto, nada esclarece sobre estes aspectos. Disse o Fernando..... que o Hugo “veio ter comigo, para eu lhe arranjar um comprador para o vídeo e eu mandei-o para os ciganos (...) não cheguei a ver – o vídeo – vi-o metido num saco”. Não está em causa a livre convicção dos juizes (art. 127 do CPP). A decisão destes há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pag. 204. Simplesmente, a prova produzida (independentemente da credibilidade que se dê aos diversos depoimentos) não permite as conclusões a que chegou o tribunal. O princípio da «livre apreciação da prova» não equivale a «prova arbitrária». A convicção do juiz não poderá ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Como bem refere o sr. procurador geral adjunto no seu parecer, seria possível a conclusão de que foi o arguido Hugo..... quem cometeu o furto através do recurso à leitura de outros elementos dos autos, nomeadamente a “confissão” que ele teria feito ao guarda da PSP Paulo..... no início das investigações – v. auto de fls. 7. Mas, não sendo tal “confissão” referida no acórdão recorrido como fundamento da decisão da matéria de facto não há aqui que indicar as razões porque se entende que ela nunca poderia ser valorada – cfr., no entanto, o art. 129 nº 1 do CPP. Ou seja, não sendo possível, a partir da prova produzida no julgamento, elaborar um raciocínio lógico-mental, que, com segurança, permita a conclusão de que foi o recorrente o autor do furto, tem ele de ser absolvido do crime que lhe foi imputado. Tem, pois, que ser concedido provimento ao recurso. DECISÃO Os juízes do Tribunal da Relação do Porto, concedem provimento ao recurso absolvendo o arguido do crime imputado. Não são devidas custas. Honorários do Exmo. defensor nos termos previstos para o recurso ordinário em processo penal da tabela anexa à Portaria 1200-C/01, de 20-12. Porto, 16 de Janeiro de 2001 Fernando Manuel Monterroso Gomes Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva Joaquim Manuel Esteves Marques Joaquim Costa de Morais