Processo:0240775
Data do Acordão: 01/12/2002Relator: FERNANDA SOARESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - O processo desciplinar é nulo se o trabalhador não for ouvido. II - Estando o trabalhador com baixa médica, pelo prazo de 30 dias, tal não o impossibilita de deduzir a sua defesa por escrito à nota de culpa.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0240775
Relator
FERNANDA SOARES
Descritores
PROCESSO DISCIPLINAR AUDIÊNCIA DO ARGUIDO NULIDADE DEFESA DO ARGUIDO PRAZO DOENÇA
No do documento
Data do Acordão
12/02/2002
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA A DECISÃO.
Sumário
I - O processo desciplinar é nulo se o trabalhador não for ouvido. II - Estando o trabalhador com baixa médica, pelo prazo de 30 dias, tal não o impossibilita de deduzir a sua defesa por escrito à nota de culpa.
Decisão integral
Acordam no Tribunal  da Relação do Porto

I
C..... intentou no Tribunal de Trabalho de ..... acção emergente de contrato de trabalho contra C.P. – Caminhos de Ferro Portugueses pedindo a) seja declarado ilícito e de nenhum efeito o despedimento do Autor; b) seja a Ré condenada a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho com a antiguidade reportada à data da sua admissão ou a pagar ao Autor uma indemnização por antiguidade no valor de 2.805.168$00, caso o Autor venha a optar pela mesma; c) seja a Ré condenada a pagar ao Autor as prestações pecuniárias que este deixou de auferir desde a data do despedimento até à sentença e que nesta data se computam em 350.646$00.
Fundamenta o Autor os seus pedidos no facto de ter sido despedido pela Ré em 03.11.00 (o Autor trabalha para ela desde 19.01.93) após instauração de processo disciplinar que está ferido de nulidade, já que não foi ouvido durante o mesmo.
A Ré contestou alegando não existir a dita nulidade e que o Autor foi despedido com justa causa.
Consignou a matéria dada como assente e aquela sobre a qual haveria de produzir-se prova.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à matéria de facto controvertida.
Finalmente foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré dos pedidos.
Inconformado veio o Autor recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente e para tal formula as seguintes conclusões:
1) Tendo ocorrido suspensão do contrato de trabalho, por motivo de doença do Autor, durante o período destinado ao exercício do direito de defesa no processo disciplinar, deveria a Ré ter ordenado a suspensão do prazo para o exercício do direito de defesa.
2) Porque o Autor, com o contrato suspenso, designadamente por motivo de doença pode não estar em condições de exercer o seu direito de defesa, ou pelo menos, está em situação de aparente dificuldade para o exercício de tal direito, este prazo só se reiniciará quando o Autor estiver obrigado ao dever de assiduidade.
3) Assim, a Ré ao considerar que apesar da suspensão do contrato de trabalho, continuou a correr o prazo para defesa do trabalhador, inquinou o processo disciplinar movido ao Autor com nulidade insuprível, por falta de audiência prévia do trabalhador, nos termos do artigo 12, n.º 3, al. b) do Dec.-Lei 64-A/89 de 27 de Fevereiro. 
A Ré contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.***II
Matéria factual dada como provada e a ter em conta na decisão do presente recurso.
1. A Ré dedica-se à actividade de transportes ferroviários de pessoas e bens. 
2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré por contrato escrito por tempo indeterminado no dia 19.01.1993 na 1.ª Área de Circulação Po..... Ca..... Direcção de Comando e Controlo de Circulação – Direcção Geral de Infra-Estruturas, para exercer as funções de Aspirante de Factor, tendo tido como primeiro vencimento a quantia de 74.310$00. 
3. No exercício das suas funções, como Supervisor comercial, o Autor coordenava e assegurava as actividades de gestão operacional dos meios e pessoal afecto à actividade de informação e venda dos serviços da empresa, designadamente, coordenava e supervisionava as actividades dos trabalhadores a seu cargo, executava e supervisionava a contabilidade e o controle das receitas, atendia clientes, no que diz respeito a reclamações e informações complementares, colaborava na organização e acompanhamento de serviços especiais ou transbordos, assegurava a gestão das instalações e dos equipamentos afectos à sua intervenção, executava as tarefas inerentes ao operador de venda e controle quando necessário e colaborava na formação de trabalhadores em matérias da sua competência profissional. 
4. Sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, o autor prestou-lhe a sua actividade até ao dia 03.11.2000. 
5. A Ré notificou o Autor que lhe havia sido aplicada a pena de despedimento, na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado em 10.08.2000. 
6. O Autor foi notificado da nota de culpa com vista ao seu despedimento no dia 11.08.2000.
7. O Autor a partir de 16 de Agosto de 2000 adoeceu do foro psicológico, o que determinou que entrasse de baixa médica por um período de 30 dias.
8. No dia 17 de Agosto de 2000 o Autor, remeteu à Ré, por carta registada com A/R, declaração médica comprovativa da sua situação clínica, e da impossibilidade de comparecer ao trabalho. 
9. A situação clínica do Autor manteve-se inalterada até 13 de Novembro de 2000, conforme declarações médicas que o autor foi sucessivamente remetendo à Ré, em 18.09.2000 e 16.10.2000.
10. E em 02.11.2000, remeteu ao Autor a decisão final em que lhe foi aplicada a sanção de despedimento. 
11. A Comissão de trabalhadores, emitiu parecer no sentido de que “é de parecer que não deve ser aplicada a sanção proposta sem que o trabalhador se restabeleça e fique em condições de apresentar a sua defesa”. 
12. A Ré em consequência da apresentação do atestado médico apresentado pelo Autor a 16 de Agosto de 2000, requereu por diversas vezes, ao Serviço Regional de Segurança Social do ..... a verificação da situação clínica do Autor. 
13. A Nota de culpa foi estabelecida em 7 de Agosto de 2000 e enviada ao Autor, juntamente com a declaração de intenção de despedimento no dia 10 de Agosto de 2000, que o Autor recebeu em 14 de Agosto de 2000. 
14. Aí foi acusado nos seguintes termos: no dia 15 de Julho de 2000, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da estação do Po..... Ca....., preencheu e vendeu os bilhetes BIGT nºs ..... e ....., tendo escrito na parte do bilhete entregue ao cliente da empresa, Po..... (05) e Pa..... (075), como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada, escreveu Po..... (05) e S..... (35), como estações de origem e de destino, respectivamente.
15. Pela venda daqueles dois bilhetes, o Autor cobrou a quantia de 39.110$00 = 2 x 19.555$00, correspondente ao percurso Po..../Pa..... e apenas entregou à Empresa a quantia de 7.450$00 = 2 x 3.725$00, correspondente ao percurso Po..../V....., ou seja, menos 31.660$00 = 39.110$00 – 7.450$00.
16. Por outro lado, no dia 23 de Julho de 2000, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da estação de Po..... Ca....., o Autor preencheu e vendeu o bilhete BIJ nº ....., tendo escrito na parte do Bilhete entregue ao cliente da empresa, Po.... (05) e Bar....., como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada, escreveu Po.... (05) e V..... (34), como estações de origem e de destino, respectivamente.
17. Pela venda daquele bilhete, o Autor cobrou a quantia de 11.475$00, correspondente ao percurso Po...../Bar..... e apenas entregou à Empresa a quantia de 2.240$00, correspondente ao percurso Po...../V....., ou seja, menos 9.235$00 = 11.475$00 – 2.240$00.
18. Para além disso, no mês de Abril de 2000, em dia que não foi possível apurar, mas que foi num dos dias 16, 19, 23 ou 25, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da Estação de Po..... Ca......, o Autor preencheu e vendeu um bilhete, tendo escrito na parte do bilhete entregue ao cliente da Empresa, Po..... e S. S......, como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada, escreveu Po..... e V....., como estações de origem e de destino, respectivamente.
19. Pela venda daquele bilhete, o Autor cobrou a quantia de 9.545$00, correspondente ao percurso Po..../S. S..... e apenas entregou à empresa a quantia de 1.115$00, correspondente ao percurso Po...../V....., ou seja, menos 8.430$00 = 9.545$00 – 1.115$00.
20. O Autor fez sua e aplicou em proveito próprio a quantia correspondente às diferenças entre as importâncias cobradas e as entregues à Empresa, no valor de 49.325$00 = ( 31.660$00 + 9.235$00 + 8.430$00 ).
21. No dia 10 de Agosto a Ré enviou à Comissão de Trabalhadores nota de culpa e da declaração de intenção de despedimento.
22. O Autor não respondeu à nota de culpa.
23. O Autor enviou em carta registada com A/R, uma declaração médica com data de 16 de Agosto de 2000, onde se diz que está doente de doença de foro psicológico e pelo prazo provável de trinta dias.
24. Por carta registada com A/R, de 18.8.2000, foi o Autor convocado para comparecer no Gabinete de Assessoria Jurídica e Contencioso – Norte, no dia 23 do mesmo mês. Todavia não compareceu.
25. Por despacho da Comissão Executiva da Ré, de 16 de Agosto de 2000, foi mandado instaurar ao Autor novo processo disciplinar com intenção de despedimento.
26. Foi, então, estabelecido, com data de 23 de Agosto, um aditamento à nota de culpa deduzida em 7 de Agosto de 2000.
27. Aquele aditamento foi enviado ao Autor em 24 de Agosto em carta registada com A/R que este recebeu em 25.8.2000.
28. No aditamento à nota de culpa, o Autor foi acusado nos seguintes termos: no dia 9 de Julho de 2000, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da estação de Po..... Ca....., preencheu e vendeu o bilhete BIGT nº ....., tendo escrito na parte do bilhete entregue ao cliente da Empresa, Po..... (05) e Bo...... (33), como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada escreveu Po..... (05), como estações de origem e de destino, respectivamente.
29. Para venda daquele bilhete, o Autor cobrou a quantia de 26.515$00 e entregou à empresa a quantia de 5.320$00.
30. o Autor fez sua e aplicou em proveito próprio a quantia correspondente à diferença entre a importância cobrada e a entregue à Empresa no valor total de 2.195$00 = 26.515$00 – 5.320$00.
31. Na mesma data foi enviada cópia do referido aditamento à Comissão de Trabalhadores.
32. O Autor, não respondeu à acusação constante no citado aditamento.
33. O Autor enviou em carta registada com A/R, uma declaração médica com data de 15 de Setembro de 2000, onde se diz que está doente de doença do foro psicológico e pelo prazo provável de trinta dias.
34. Por carta registada com A/R de 19 .9.2000, o Autor foi novamente convocado para comparecer no Gabinete de Assessoria Jurídica e Contencioso – Norte, no dia 22 do mesmo mês. Mas não compareceu.
35. O Autor foi convocado para comparecer no Gabinete de Assessoria Jurídica e Contencioso – Norte, para aí deduzir em depoimento escrito a sua defesa.
36. Não respondeu a essas convocatórias e não compareceu.
37. O Autor, até à data do despedimento exercia as funções de supervisor comercial, e a Ré pagou-lhe sempre a quantia de 140.196$00, como retribuição mensal base, 17.568$00, a título de prémio de exploração, 25.200$00 a título de subsídio de alimentação, 3.865$00 de diuturnidades, 24.869$00 a título de subsídio de escala, e 1.098$00 de abono para falhas, até entrar de baixa médica, vindo-lhe a pagar apenas a retribuição base, as diuturnidades, subsídio de escala, e os subsídios de doença, como emerge do recibo de Outubro de 2000, a partir de Outubro de 2000. O Autor entrou de baixa médica devido a doença do foro psicológico, vindo a permanecer nesta situação durante alguns meses.
38. O Autor, quando praticou os factos que lhe foram imputados na nota de culpa agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que estava a prejudicar patrimonialmente a empresa, sua entidade patronal, e que beneficiava ilegitimamente do facto. O autor no desenrolar do inquérito, confessou espontaneamente os factos e reparou a Ré das quantias que foram apuradas.***III
O conhecimento do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise da seguinte questão: se o processo disciplinar é nulo por falta de audiência do trabalhador. ***IV
Da nulidade do processo disciplinar.
Na sentença recorrida considerou-se que os atestados médicos apresentados pelo apelante referiam que o mesmo podia ausentar-se da sua residência e que por isso, apesar de se encontrar de baixa médica, não estava o mesmo impossibilitado de apresentar a sua defesa até porque a Ré o convocou para tal fim.
Igualmente concluiu o Tribunal a quo que do teor dos atestados médicos não se pode afirmar que a prática dos factos imputados ao apelante o foram devido à sua situação do foro psicológico. 
O apelante defende que estando o contrato de trabalho suspenso, por motivo de doença que padecia, durante o período em que decorria o prazo para a sua defesa no processo disciplinar deveria a apelada ter ordenado a suspensão do prazo para o exercício daquele direito de defesa.
Que dizer?
Antes de tudo cumpre referir que o apelante foi notificado da nota de culpa em 11.08.00 e do aditamento à mesma em 25.08.00 e que apresentou atestado médico, datado de 16.08.00, referindo-se no mesmo o seguinte: “...se encontra doente de doença do foro psicológico e pelo prazo provável de 30 dias. Mais se declara que .....deverá poder ausentar-se do domicílio”.
E com a apresentação do dito atestado médico o contrato de trabalho do apelante suspendeu-se?
A resposta terá de ser negativa como se vai explicar.
Nos termos do art.º 3, n.º 1 do D.L. 398/83 de 2.11 “ determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador, que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente ....doença”. E o n.º 2 do citado artigo refere que: “ o contrato considera-se suspenso mesmo antes de expirado o prazo de um mês, a partir do momento em que haja a certeza ou se preveja com segurança que o impedimento terá duração superior àquele prazo”. Da matéria provada resulta que o prazo para o apelante responder à nota de culpa terminaria em 21.08.2000 e que o prazo para ele responder ao aditamento à nota de culpa terminaria em 01.09.2000. Resultou também provado que no decurso dos referidos prazos o apelante encontrava-se de baixa médica por 30 dias, baixa que terminaria em 14.09.2000.
Ora, o contrato de trabalho do autor, atento os citados preceitos, só se suspenderia na data de 15.09.2000 e nunca antes, na medida que até esta data não tinha decorrido mais de 30 dias.
Tudo a significar que durante os períodos para o Autor exercer o seu direito de defesa o seu contrato de trabalho ainda não se podia considerar suspenso. 
E por assim ser estava o apelante obrigado a justificar as faltas, como justificou, e no que respeita aos primeiros 30 dias por baixa médica, tendo em conta que durante este período suspendeu-se a prestação do trabalho mas não o contrato de trabalho.
E estando a prestação de trabalho suspensa tal não significa que o apelante perca o direito à retribuição referente aos dias em que está doente, na medida em que as faltas justificadas não determinam a perda de retribuição – arts. 23, n.º 2 al. e) e 26, n.º 1 do D.L. 874/76 -, o que já não acontece no caso da suspensão do contrato de trabalho – art.º 26, n.º 3 do D.L. 874/76 e art.º 2 do D.L. 398/83.
E não estando, como não estava, o contrato de trabalho do apelante suspenso no período em que lhe foi concedido prazo para apresentar defesa, mas encontrando-se o mesmo com baixa médica, certo é que a sua entidade patronal não podia obrigá-lo a comparecer ao trabalho ou considerar tal ausência como não justificada.
Mas estando suspensa a prestação do trabalho teria a apelada a obrigação de suspender o prazo a decorrer para resposta à nota de culpa e aditamento?
Igualmente aqui se dirá que a entidade patronal não estava obrigada a tal, como se vai explicar.
O apelante foi notificado da nota de culpa 5 dias antes de lhe ser concedida baixa médica e foi notificado do aditamento já em plena baixa médica.
O atestado médico refere que o apelante pode sair de casa, apesar de doente do foro psicológico, e nada mais esclarece. Isto significa que não se pode concluir que durante a baixa médica o apelante estivesse impossibilitado de deduzir a sua defesa por escrito, requerendo igualmente diligências de prova a efectuar. Apenas se sabe, pelo teor do dito atestado que o apelante estava impossibilitado de prestar trabalho.
E a impossibilidade de prestar trabalho não determina necessariamente a impossibilidade de o Autor apresentar a sua defesa quando para tal notificado.
Tudo a significar que perante o teor do atestado médico a Ré não estava obrigada a suspender o prazo de defesa até que o Autor regressasse ao trabalho, se acaso regressasse, sendo certo que aquela impossibilidade de prestação de trabalho (aquando da notificação da nota de culpa e aditamento), ainda não se tinha transformado em suspensão do contrato de trabalho.
Assim, e por tudo o que se deixa exposto não se encontra o processo disciplinar ferido da arguida nulidade.
E dado que mais nenhuma outra questão é posta à consideração deste Tribunal há que concluir que o recurso não pode proceder.***Termos em que se julga improcedente a apelação e se confirma a decisão recorrida. ***Custas pelo apelante.***Porto, 2 de Dezembro de 2002
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Sousa Peixoto
João Cipriano Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I C..... intentou no Tribunal de Trabalho de ..... acção emergente de contrato de trabalho contra C.P. – Caminhos de Ferro Portugueses pedindo a) seja declarado ilícito e de nenhum efeito o despedimento do Autor; b) seja a Ré condenada a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho com a antiguidade reportada à data da sua admissão ou a pagar ao Autor uma indemnização por antiguidade no valor de 2.805.168$00, caso o Autor venha a optar pela mesma; c) seja a Ré condenada a pagar ao Autor as prestações pecuniárias que este deixou de auferir desde a data do despedimento até à sentença e que nesta data se computam em 350.646$00. Fundamenta o Autor os seus pedidos no facto de ter sido despedido pela Ré em 03.11.00 (o Autor trabalha para ela desde 19.01.93) após instauração de processo disciplinar que está ferido de nulidade, já que não foi ouvido durante o mesmo. A Ré contestou alegando não existir a dita nulidade e que o Autor foi despedido com justa causa. Consignou a matéria dada como assente e aquela sobre a qual haveria de produzir-se prova. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à matéria de facto controvertida. Finalmente foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré dos pedidos. Inconformado veio o Autor recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente e para tal formula as seguintes conclusões: 1) Tendo ocorrido suspensão do contrato de trabalho, por motivo de doença do Autor, durante o período destinado ao exercício do direito de defesa no processo disciplinar, deveria a Ré ter ordenado a suspensão do prazo para o exercício do direito de defesa. 2) Porque o Autor, com o contrato suspenso, designadamente por motivo de doença pode não estar em condições de exercer o seu direito de defesa, ou pelo menos, está em situação de aparente dificuldade para o exercício de tal direito, este prazo só se reiniciará quando o Autor estiver obrigado ao dever de assiduidade. 3) Assim, a Ré ao considerar que apesar da suspensão do contrato de trabalho, continuou a correr o prazo para defesa do trabalhador, inquinou o processo disciplinar movido ao Autor com nulidade insuprível, por falta de audiência prévia do trabalhador, nos termos do artigo 12, n.º 3, al. b) do Dec.-Lei 64-A/89 de 27 de Fevereiro. A Ré contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.***II Matéria factual dada como provada e a ter em conta na decisão do presente recurso. 1. A Ré dedica-se à actividade de transportes ferroviários de pessoas e bens. 2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré por contrato escrito por tempo indeterminado no dia 19.01.1993 na 1.ª Área de Circulação Po..... Ca..... Direcção de Comando e Controlo de Circulação – Direcção Geral de Infra-Estruturas, para exercer as funções de Aspirante de Factor, tendo tido como primeiro vencimento a quantia de 74.310$00. 3. No exercício das suas funções, como Supervisor comercial, o Autor coordenava e assegurava as actividades de gestão operacional dos meios e pessoal afecto à actividade de informação e venda dos serviços da empresa, designadamente, coordenava e supervisionava as actividades dos trabalhadores a seu cargo, executava e supervisionava a contabilidade e o controle das receitas, atendia clientes, no que diz respeito a reclamações e informações complementares, colaborava na organização e acompanhamento de serviços especiais ou transbordos, assegurava a gestão das instalações e dos equipamentos afectos à sua intervenção, executava as tarefas inerentes ao operador de venda e controle quando necessário e colaborava na formação de trabalhadores em matérias da sua competência profissional. 4. Sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, o autor prestou-lhe a sua actividade até ao dia 03.11.2000. 5. A Ré notificou o Autor que lhe havia sido aplicada a pena de despedimento, na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado em 10.08.2000. 6. O Autor foi notificado da nota de culpa com vista ao seu despedimento no dia 11.08.2000. 7. O Autor a partir de 16 de Agosto de 2000 adoeceu do foro psicológico, o que determinou que entrasse de baixa médica por um período de 30 dias. 8. No dia 17 de Agosto de 2000 o Autor, remeteu à Ré, por carta registada com A/R, declaração médica comprovativa da sua situação clínica, e da impossibilidade de comparecer ao trabalho. 9. A situação clínica do Autor manteve-se inalterada até 13 de Novembro de 2000, conforme declarações médicas que o autor foi sucessivamente remetendo à Ré, em 18.09.2000 e 16.10.2000. 10. E em 02.11.2000, remeteu ao Autor a decisão final em que lhe foi aplicada a sanção de despedimento. 11. A Comissão de trabalhadores, emitiu parecer no sentido de que “é de parecer que não deve ser aplicada a sanção proposta sem que o trabalhador se restabeleça e fique em condições de apresentar a sua defesa”. 12. A Ré em consequência da apresentação do atestado médico apresentado pelo Autor a 16 de Agosto de 2000, requereu por diversas vezes, ao Serviço Regional de Segurança Social do ..... a verificação da situação clínica do Autor. 13. A Nota de culpa foi estabelecida em 7 de Agosto de 2000 e enviada ao Autor, juntamente com a declaração de intenção de despedimento no dia 10 de Agosto de 2000, que o Autor recebeu em 14 de Agosto de 2000. 14. Aí foi acusado nos seguintes termos: no dia 15 de Julho de 2000, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da estação do Po..... Ca....., preencheu e vendeu os bilhetes BIGT nºs ..... e ....., tendo escrito na parte do bilhete entregue ao cliente da empresa, Po..... (05) e Pa..... (075), como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada, escreveu Po..... (05) e S..... (35), como estações de origem e de destino, respectivamente. 15. Pela venda daqueles dois bilhetes, o Autor cobrou a quantia de 39.110$00 = 2 x 19.555$00, correspondente ao percurso Po..../Pa..... e apenas entregou à Empresa a quantia de 7.450$00 = 2 x 3.725$00, correspondente ao percurso Po..../V....., ou seja, menos 31.660$00 = 39.110$00 – 7.450$00. 16. Por outro lado, no dia 23 de Julho de 2000, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da estação de Po..... Ca....., o Autor preencheu e vendeu o bilhete BIJ nº ....., tendo escrito na parte do Bilhete entregue ao cliente da empresa, Po.... (05) e Bar....., como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada, escreveu Po.... (05) e V..... (34), como estações de origem e de destino, respectivamente. 17. Pela venda daquele bilhete, o Autor cobrou a quantia de 11.475$00, correspondente ao percurso Po...../Bar..... e apenas entregou à Empresa a quantia de 2.240$00, correspondente ao percurso Po...../V....., ou seja, menos 9.235$00 = 11.475$00 – 2.240$00. 18. Para além disso, no mês de Abril de 2000, em dia que não foi possível apurar, mas que foi num dos dias 16, 19, 23 ou 25, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da Estação de Po..... Ca......, o Autor preencheu e vendeu um bilhete, tendo escrito na parte do bilhete entregue ao cliente da Empresa, Po..... e S. S......, como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada, escreveu Po..... e V....., como estações de origem e de destino, respectivamente. 19. Pela venda daquele bilhete, o Autor cobrou a quantia de 9.545$00, correspondente ao percurso Po..../S. S..... e apenas entregou à empresa a quantia de 1.115$00, correspondente ao percurso Po...../V....., ou seja, menos 8.430$00 = 9.545$00 – 1.115$00. 20. O Autor fez sua e aplicou em proveito próprio a quantia correspondente às diferenças entre as importâncias cobradas e as entregues à Empresa, no valor de 49.325$00 = ( 31.660$00 + 9.235$00 + 8.430$00 ). 21. No dia 10 de Agosto a Ré enviou à Comissão de Trabalhadores nota de culpa e da declaração de intenção de despedimento. 22. O Autor não respondeu à nota de culpa. 23. O Autor enviou em carta registada com A/R, uma declaração médica com data de 16 de Agosto de 2000, onde se diz que está doente de doença de foro psicológico e pelo prazo provável de trinta dias. 24. Por carta registada com A/R, de 18.8.2000, foi o Autor convocado para comparecer no Gabinete de Assessoria Jurídica e Contencioso – Norte, no dia 23 do mesmo mês. Todavia não compareceu. 25. Por despacho da Comissão Executiva da Ré, de 16 de Agosto de 2000, foi mandado instaurar ao Autor novo processo disciplinar com intenção de despedimento. 26. Foi, então, estabelecido, com data de 23 de Agosto, um aditamento à nota de culpa deduzida em 7 de Agosto de 2000. 27. Aquele aditamento foi enviado ao Autor em 24 de Agosto em carta registada com A/R que este recebeu em 25.8.2000. 28. No aditamento à nota de culpa, o Autor foi acusado nos seguintes termos: no dia 9 de Julho de 2000, quando exercia as funções próprias da sua categoria na bilheteira da estação de Po..... Ca....., preencheu e vendeu o bilhete BIGT nº ....., tendo escrito na parte do bilhete entregue ao cliente da Empresa, Po..... (05) e Bo...... (33), como estações de origem e de destino, respectivamente e, na parte do bilhete que fica na estação para ser contabilizada escreveu Po..... (05), como estações de origem e de destino, respectivamente. 29. Para venda daquele bilhete, o Autor cobrou a quantia de 26.515$00 e entregou à empresa a quantia de 5.320$00. 30. o Autor fez sua e aplicou em proveito próprio a quantia correspondente à diferença entre a importância cobrada e a entregue à Empresa no valor total de 2.195$00 = 26.515$00 – 5.320$00. 31. Na mesma data foi enviada cópia do referido aditamento à Comissão de Trabalhadores. 32. O Autor, não respondeu à acusação constante no citado aditamento. 33. O Autor enviou em carta registada com A/R, uma declaração médica com data de 15 de Setembro de 2000, onde se diz que está doente de doença do foro psicológico e pelo prazo provável de trinta dias. 34. Por carta registada com A/R de 19 .9.2000, o Autor foi novamente convocado para comparecer no Gabinete de Assessoria Jurídica e Contencioso – Norte, no dia 22 do mesmo mês. Mas não compareceu. 35. O Autor foi convocado para comparecer no Gabinete de Assessoria Jurídica e Contencioso – Norte, para aí deduzir em depoimento escrito a sua defesa. 36. Não respondeu a essas convocatórias e não compareceu. 37. O Autor, até à data do despedimento exercia as funções de supervisor comercial, e a Ré pagou-lhe sempre a quantia de 140.196$00, como retribuição mensal base, 17.568$00, a título de prémio de exploração, 25.200$00 a título de subsídio de alimentação, 3.865$00 de diuturnidades, 24.869$00 a título de subsídio de escala, e 1.098$00 de abono para falhas, até entrar de baixa médica, vindo-lhe a pagar apenas a retribuição base, as diuturnidades, subsídio de escala, e os subsídios de doença, como emerge do recibo de Outubro de 2000, a partir de Outubro de 2000. O Autor entrou de baixa médica devido a doença do foro psicológico, vindo a permanecer nesta situação durante alguns meses. 38. O Autor, quando praticou os factos que lhe foram imputados na nota de culpa agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que estava a prejudicar patrimonialmente a empresa, sua entidade patronal, e que beneficiava ilegitimamente do facto. O autor no desenrolar do inquérito, confessou espontaneamente os factos e reparou a Ré das quantias que foram apuradas.***III O conhecimento do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise da seguinte questão: se o processo disciplinar é nulo por falta de audiência do trabalhador. ***IV Da nulidade do processo disciplinar. Na sentença recorrida considerou-se que os atestados médicos apresentados pelo apelante referiam que o mesmo podia ausentar-se da sua residência e que por isso, apesar de se encontrar de baixa médica, não estava o mesmo impossibilitado de apresentar a sua defesa até porque a Ré o convocou para tal fim. Igualmente concluiu o Tribunal a quo que do teor dos atestados médicos não se pode afirmar que a prática dos factos imputados ao apelante o foram devido à sua situação do foro psicológico. O apelante defende que estando o contrato de trabalho suspenso, por motivo de doença que padecia, durante o período em que decorria o prazo para a sua defesa no processo disciplinar deveria a apelada ter ordenado a suspensão do prazo para o exercício daquele direito de defesa. Que dizer? Antes de tudo cumpre referir que o apelante foi notificado da nota de culpa em 11.08.00 e do aditamento à mesma em 25.08.00 e que apresentou atestado médico, datado de 16.08.00, referindo-se no mesmo o seguinte: “...se encontra doente de doença do foro psicológico e pelo prazo provável de 30 dias. Mais se declara que .....deverá poder ausentar-se do domicílio”. E com a apresentação do dito atestado médico o contrato de trabalho do apelante suspendeu-se? A resposta terá de ser negativa como se vai explicar. Nos termos do art.º 3, n.º 1 do D.L. 398/83 de 2.11 “ determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador, que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente ....doença”. E o n.º 2 do citado artigo refere que: “ o contrato considera-se suspenso mesmo antes de expirado o prazo de um mês, a partir do momento em que haja a certeza ou se preveja com segurança que o impedimento terá duração superior àquele prazo”. Da matéria provada resulta que o prazo para o apelante responder à nota de culpa terminaria em 21.08.2000 e que o prazo para ele responder ao aditamento à nota de culpa terminaria em 01.09.2000. Resultou também provado que no decurso dos referidos prazos o apelante encontrava-se de baixa médica por 30 dias, baixa que terminaria em 14.09.2000. Ora, o contrato de trabalho do autor, atento os citados preceitos, só se suspenderia na data de 15.09.2000 e nunca antes, na medida que até esta data não tinha decorrido mais de 30 dias. Tudo a significar que durante os períodos para o Autor exercer o seu direito de defesa o seu contrato de trabalho ainda não se podia considerar suspenso. E por assim ser estava o apelante obrigado a justificar as faltas, como justificou, e no que respeita aos primeiros 30 dias por baixa médica, tendo em conta que durante este período suspendeu-se a prestação do trabalho mas não o contrato de trabalho. E estando a prestação de trabalho suspensa tal não significa que o apelante perca o direito à retribuição referente aos dias em que está doente, na medida em que as faltas justificadas não determinam a perda de retribuição – arts. 23, n.º 2 al. e) e 26, n.º 1 do D.L. 874/76 -, o que já não acontece no caso da suspensão do contrato de trabalho – art.º 26, n.º 3 do D.L. 874/76 e art.º 2 do D.L. 398/83. E não estando, como não estava, o contrato de trabalho do apelante suspenso no período em que lhe foi concedido prazo para apresentar defesa, mas encontrando-se o mesmo com baixa médica, certo é que a sua entidade patronal não podia obrigá-lo a comparecer ao trabalho ou considerar tal ausência como não justificada. Mas estando suspensa a prestação do trabalho teria a apelada a obrigação de suspender o prazo a decorrer para resposta à nota de culpa e aditamento? Igualmente aqui se dirá que a entidade patronal não estava obrigada a tal, como se vai explicar. O apelante foi notificado da nota de culpa 5 dias antes de lhe ser concedida baixa médica e foi notificado do aditamento já em plena baixa médica. O atestado médico refere que o apelante pode sair de casa, apesar de doente do foro psicológico, e nada mais esclarece. Isto significa que não se pode concluir que durante a baixa médica o apelante estivesse impossibilitado de deduzir a sua defesa por escrito, requerendo igualmente diligências de prova a efectuar. Apenas se sabe, pelo teor do dito atestado que o apelante estava impossibilitado de prestar trabalho. E a impossibilidade de prestar trabalho não determina necessariamente a impossibilidade de o Autor apresentar a sua defesa quando para tal notificado. Tudo a significar que perante o teor do atestado médico a Ré não estava obrigada a suspender o prazo de defesa até que o Autor regressasse ao trabalho, se acaso regressasse, sendo certo que aquela impossibilidade de prestação de trabalho (aquando da notificação da nota de culpa e aditamento), ainda não se tinha transformado em suspensão do contrato de trabalho. Assim, e por tudo o que se deixa exposto não se encontra o processo disciplinar ferido da arguida nulidade. E dado que mais nenhuma outra questão é posta à consideração deste Tribunal há que concluir que o recurso não pode proceder.***Termos em que se julga improcedente a apelação e se confirma a decisão recorrida. ***Custas pelo apelante.***Porto, 2 de Dezembro de 2002 Maria Fernanda Pereira Soares Manuel Joaquim Sousa Peixoto João Cipriano Silva