I - A utilização da garagem de um edifício para a exploração de uma oficina de automóveis, sem a respectiva licença de utilização, constitui contra-ordenação prevista e punida no artigo 98 n.1 alínea d) do Decreto-Lei n.555/99, de 16 de Dezembro. II - Aquele Decreto-Lei não comina aquela contra-ordenação com a sanção acessória de encerramento do estabelecimento.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: A Câmara Municipal de..... aplicou ao arguido Augusto..... a coima de 498,80 € e a sanção acessória de encerramento de estabelecimento até à obtenção de alvará de licença de utilização, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artº 54º, nºs 1, alínea c), e 4, do DL nº 445/91, de 20/11. Dessa decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal Judicial da comarca de....., relativamente à aplicação da sanção acessória. Aí, no -º juízo criminal, após audiência, foi proferida sentença que manteve a sanção acessória até à obtenção de alvará de licença de utilização, mas não por mais de 2 anos. Essa decisão assentou no seguintes factos dados como provados: O recorrente é mecânico de automóveis, actividade que exerce numa oficina instalada numa garagem do prédio nº.. da Rua....., em ......, no concelho de....., garagem essa que para o efeito arrendou. No dia 10 de Julho de 2001, pelas 10,30 horas, os serviços de fiscalização da Câmara Municipal de..... constataram que o arguido tinha ocupado a garagem do referido prédio, com a área de cerca de 20 m2, sem que possuísse alvará de licença emitido por essa câmara municipal. O arguido encontra-se ali a laborar, sem a respectiva licença de utilização, desde o ano de 1981. O arguido está a pagar a coima que lhe foi aplicada, em 5 prestações mensais, faltando-lhe pagar apenas uma. O arguido sabia que não podia dedicar-se à actividade de mecânico de automóveis na referida garagem sem possuir a respectiva licença de utilização. Agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Não tem quaisquer empregados e paga de renda por essa garagem 42 €. Vive com uma companheira, de quem tem uma filha com 6 anos de idade. Do seu casamento tem dois filhos, um com 23 anos de idade e outro com 26, encontrando-se o mais novo a estudar e contribuindo o arguido para a ajuda do seu sustento na medida das suas possibilidades. Da sua actividade profissional retira um rendimento médio de 600,00 €. A companheira trabalha numa fábrica como técnica de electrónica. Vivem em casa própria, encontrando-se a pagar a uma instituição bancária a prestação mensal de 299,45 €. Dessa sentença interpôs recurso o arguido para esta Relação, sustentando, em síntese, na sua motivação: - O tribunal recorrido condenou o recorrente por uma contra-ordenação diversa da constante da decisão administrativa. - E não foi comunicada ao recorrente essa alteração. - A sentença é, assim, nula. - Essa decisão aplicou o DL nº 370/99, de 18/9, mas esse diploma não tem aplicação ao caso. - E sempre a duração da sanção acessória seria exagerada. O recurso foi admitido. Respondendo, o Mº Pº na 1ª instância defendeu a manutenção da decisão recorrida. Nesta instância, o senhor procurador-geral adjunto pronunciou-se no mesmo sentido. Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir. Fundamentação: Está em causa apenas a aplicação ao recorrente da sanção acessória de encerramento de estabelecimento. A contra-ordenação por ele praticada concretizou-se na utilização da garagem de um edifício para a exploração de uma oficina de automóveis, sem a respectiva licença de utilização. No auto de notícia e na decisão da autoridade administrativa que aplicou a sanção acessória considerou-se que a contra-ordenação era a prevista e punida pelo artº 54º, nºs 1, alínea c), e 4, do DL nº 445/91. Foi esse também o entendimento do tribunal recorrido. Mas, esse diploma não prevê a aplicação a essa contra-ordenação da sanção acessória de encerramento de estabelecimento. A sentença recorrida procurou fundamento para essa sanção acessória no artº 28º, nº 1, alínea c), do DL nº 370/99, de 18/9. E, efectivamente, esta norma prevê a sanção acessória de encerramento de estabelecimento. Mas, apenas para as contra-ordenações previstas no nº 1 do artº 27º desse diploma. Não para qualquer contra-ordenação do DL nº 445/91. Não se percebe, assim, a decisão do tribunal recorrido de aplicar ao arguido uma sanção acessória prevista no DL nº 370/99, quando entende que não praticou nenhuma contra-ordenação prevista neste diploma. E mesmo que se entendesse que o estabelecimento em causa se inclui nos abrangidos pelo DL nº 370/99, para o que teria de constar de portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Saúde (cfr. artº 2º), o que se não mostra verificado, e que, portanto, a contra-ordenação integrada pela conduta do arguido era a prevista no artº 27º, nº 1, alínea a), o arguido não podia ser condenado por ela, sem cumprimento do artº 358º, nº 3, do CPP, aplicável por força do artº 41º do DL nº 433/82, de 27/10, na medida em que essa contra-ordenação é diversa daquela pela qual foi submetido a julgamento – a prevista no artº 54º, nº1, alínea c), do DL nº 445/91. Com efeito, aquela exige que a utilização do espaço, sem a respectiva licença, seja para a exploração de estabelecimento, e esta não. A sentença labora ainda em erro quando entende que à data do cometimento da contra-ordenação vigorava o DL nº 445/91, como facilmente se verá. O facto que integra uma contra-ordenação, em caso de acção, como aqui, "considera-se praticado no momento em que o agente actuou” – artº 5º do DL nº 433/82. O arguido utilizou a garagem como oficina, sem a respectiva licença, desde 1981 até 10/7/2001, data em que a situação foi detectada. Estamos, pois, perante uma infracção contínua, que se renovou constantemente com todos os seus elementos constitutivos até 10/7/2001. Por isso, nesta data ainda o recorrente praticou o facto que preenche a contra-ordenação. A esta há-de, assim, aplicar-se a lei que vigorava nesse momento ou outra posterior, se for mais favorável ao arguido. E a lei que vigorava nessa altura já não era o DL nº 445/91, que foi revogado pelo DL nº 555/99, de 16/12. Portanto, o facto praticado pelo recorrente integra ou uma contra-ordenação prevista neste DL nº 555/99 – artº 98º, nº 1, alínea d), para a qual não se encontra cominada a sanção acessória de encerramento de estabelecimento, ou a contra-ordenação do artº 27º, nº 1, alínea a), do DL nº 370/99, pela qual o arguido não pode ser sancionado, nomeadamente com o encerramento de estabelecimento aí previsto, nos termos dos artºs 379º, nº 1, alínea b), do CPP e 41º do DL nº 433/82, por falta de cumprimento do artº 358º, nº 3, do CPP. Não tem, pois, fundamento a aplicação ao recorrente da sanção acessória de encerramento de estabelecimento, que por isso se não manterá. Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, no provimento do recurso, em revogar a sentença recorrida, bem como a decisão da Câmara Municipal de..... na parte em que aplicou ao recorrente a sanção acessória de encerramento da oficina. Sem custas. Porto, 10 de Dezembro de 2003 Manuel Joaquim Braz Luís Dias André da Silva Fernando Manuel Monterroso Gomes Joaquim Costa de Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: A Câmara Municipal de..... aplicou ao arguido Augusto..... a coima de 498,80 € e a sanção acessória de encerramento de estabelecimento até à obtenção de alvará de licença de utilização, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artº 54º, nºs 1, alínea c), e 4, do DL nº 445/91, de 20/11. Dessa decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal Judicial da comarca de....., relativamente à aplicação da sanção acessória. Aí, no -º juízo criminal, após audiência, foi proferida sentença que manteve a sanção acessória até à obtenção de alvará de licença de utilização, mas não por mais de 2 anos. Essa decisão assentou no seguintes factos dados como provados: O recorrente é mecânico de automóveis, actividade que exerce numa oficina instalada numa garagem do prédio nº.. da Rua....., em ......, no concelho de....., garagem essa que para o efeito arrendou. No dia 10 de Julho de 2001, pelas 10,30 horas, os serviços de fiscalização da Câmara Municipal de..... constataram que o arguido tinha ocupado a garagem do referido prédio, com a área de cerca de 20 m2, sem que possuísse alvará de licença emitido por essa câmara municipal. O arguido encontra-se ali a laborar, sem a respectiva licença de utilização, desde o ano de 1981. O arguido está a pagar a coima que lhe foi aplicada, em 5 prestações mensais, faltando-lhe pagar apenas uma. O arguido sabia que não podia dedicar-se à actividade de mecânico de automóveis na referida garagem sem possuir a respectiva licença de utilização. Agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Não tem quaisquer empregados e paga de renda por essa garagem 42 €. Vive com uma companheira, de quem tem uma filha com 6 anos de idade. Do seu casamento tem dois filhos, um com 23 anos de idade e outro com 26, encontrando-se o mais novo a estudar e contribuindo o arguido para a ajuda do seu sustento na medida das suas possibilidades. Da sua actividade profissional retira um rendimento médio de 600,00 €. A companheira trabalha numa fábrica como técnica de electrónica. Vivem em casa própria, encontrando-se a pagar a uma instituição bancária a prestação mensal de 299,45 €. Dessa sentença interpôs recurso o arguido para esta Relação, sustentando, em síntese, na sua motivação: - O tribunal recorrido condenou o recorrente por uma contra-ordenação diversa da constante da decisão administrativa. - E não foi comunicada ao recorrente essa alteração. - A sentença é, assim, nula. - Essa decisão aplicou o DL nº 370/99, de 18/9, mas esse diploma não tem aplicação ao caso. - E sempre a duração da sanção acessória seria exagerada. O recurso foi admitido. Respondendo, o Mº Pº na 1ª instância defendeu a manutenção da decisão recorrida. Nesta instância, o senhor procurador-geral adjunto pronunciou-se no mesmo sentido. Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir. Fundamentação: Está em causa apenas a aplicação ao recorrente da sanção acessória de encerramento de estabelecimento. A contra-ordenação por ele praticada concretizou-se na utilização da garagem de um edifício para a exploração de uma oficina de automóveis, sem a respectiva licença de utilização. No auto de notícia e na decisão da autoridade administrativa que aplicou a sanção acessória considerou-se que a contra-ordenação era a prevista e punida pelo artº 54º, nºs 1, alínea c), e 4, do DL nº 445/91. Foi esse também o entendimento do tribunal recorrido. Mas, esse diploma não prevê a aplicação a essa contra-ordenação da sanção acessória de encerramento de estabelecimento. A sentença recorrida procurou fundamento para essa sanção acessória no artº 28º, nº 1, alínea c), do DL nº 370/99, de 18/9. E, efectivamente, esta norma prevê a sanção acessória de encerramento de estabelecimento. Mas, apenas para as contra-ordenações previstas no nº 1 do artº 27º desse diploma. Não para qualquer contra-ordenação do DL nº 445/91. Não se percebe, assim, a decisão do tribunal recorrido de aplicar ao arguido uma sanção acessória prevista no DL nº 370/99, quando entende que não praticou nenhuma contra-ordenação prevista neste diploma. E mesmo que se entendesse que o estabelecimento em causa se inclui nos abrangidos pelo DL nº 370/99, para o que teria de constar de portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Saúde (cfr. artº 2º), o que se não mostra verificado, e que, portanto, a contra-ordenação integrada pela conduta do arguido era a prevista no artº 27º, nº 1, alínea a), o arguido não podia ser condenado por ela, sem cumprimento do artº 358º, nº 3, do CPP, aplicável por força do artº 41º do DL nº 433/82, de 27/10, na medida em que essa contra-ordenação é diversa daquela pela qual foi submetido a julgamento – a prevista no artº 54º, nº1, alínea c), do DL nº 445/91. Com efeito, aquela exige que a utilização do espaço, sem a respectiva licença, seja para a exploração de estabelecimento, e esta não. A sentença labora ainda em erro quando entende que à data do cometimento da contra-ordenação vigorava o DL nº 445/91, como facilmente se verá. O facto que integra uma contra-ordenação, em caso de acção, como aqui, "considera-se praticado no momento em que o agente actuou” – artº 5º do DL nº 433/82. O arguido utilizou a garagem como oficina, sem a respectiva licença, desde 1981 até 10/7/2001, data em que a situação foi detectada. Estamos, pois, perante uma infracção contínua, que se renovou constantemente com todos os seus elementos constitutivos até 10/7/2001. Por isso, nesta data ainda o recorrente praticou o facto que preenche a contra-ordenação. A esta há-de, assim, aplicar-se a lei que vigorava nesse momento ou outra posterior, se for mais favorável ao arguido. E a lei que vigorava nessa altura já não era o DL nº 445/91, que foi revogado pelo DL nº 555/99, de 16/12. Portanto, o facto praticado pelo recorrente integra ou uma contra-ordenação prevista neste DL nº 555/99 – artº 98º, nº 1, alínea d), para a qual não se encontra cominada a sanção acessória de encerramento de estabelecimento, ou a contra-ordenação do artº 27º, nº 1, alínea a), do DL nº 370/99, pela qual o arguido não pode ser sancionado, nomeadamente com o encerramento de estabelecimento aí previsto, nos termos dos artºs 379º, nº 1, alínea b), do CPP e 41º do DL nº 433/82, por falta de cumprimento do artº 358º, nº 3, do CPP. Não tem, pois, fundamento a aplicação ao recorrente da sanção acessória de encerramento de estabelecimento, que por isso se não manterá. Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, no provimento do recurso, em revogar a sentença recorrida, bem como a decisão da Câmara Municipal de..... na parte em que aplicou ao recorrente a sanção acessória de encerramento da oficina. Sem custas. Porto, 10 de Dezembro de 2003 Manuel Joaquim Braz Luís Dias André da Silva Fernando Manuel Monterroso Gomes Joaquim Costa de Morais