I - O prazo para recorrer da decisão administrativa só se suspende aos sábados, domingos e feriados. II - Se aquele prazo terminar no decurso das férias judiciais não se transfere para o primeiro dia útil após o decurso daquelas férias.
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal da Relação do Porto 1. Relatório “Q....., LDA.” recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, do despacho proferido no Tribunal Judicial da Comarca de..... que rejeitou a IMPUGNAÇÃO da decisão da DIVISÃO SUBREGIONAL DO CÁVADO e lhe aplicou a coima de 100.000$00, por infracção ao disposto no art. 86º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei 46/94, de 22 de Fevereiro, formulando as seguintes conclusões: a) na esteira da orientação seguida nos Assentos do STJ, números 2/2000 e 1/2001, de 8/03/2001, não pode defender-se hoje que a apresentação da Impugnação Judicial da decisão da autoridade administrativa não pode ser havido como acto praticado em juízo; b) com efeito, encontra-se completamente vedada à Autoridade Administrativa proceder à apreciação da Impugnação, ainda que para efeitos de apreciação da sua apresentação tempestiva, cabendo ao Juiz a quem a Impugnação é dirigida efectuar esse controle e proceder à apreciação final; c) igualmente, pelo facto de assistir à autoridade administrativa a prerrogativa de proceder à revogação do acto, não é de molde a afectar o carácter judicial do acto de impugnação, na medida em que se traduz apenas na faculdade de no prazo concedido por lei para a remessa dos autos a juízo, revogar a decisão, fazendo desaparecer da ordem jurídica o acto que seria sindicado; d) contudo, este exercício limitado de actividade administrativa, não retira a natureza de acto judicial a praticar em juízo à dedução do recurso de impugnação, pois é este o seu destinatário final, funcionando a autoridade administrativa como local de recepção do recurso e, nessa medida, como extensão das próprias secretarias judiciais; e) a razão da equiparação das férias judiciais a dias não úteis, não é determinado por uma impossibilidade física de receber os documentos, mas antes por uma razão de paz social e de respeito por um período generalizado de descanso da população, que não deve ser confrontada, no seu descanso, com situações de litígio; f) por tal facto, as razões que determinam tal deferimento de termo do prazo, também se sentem presentes em sede de contra ordenação, tanto mais que se afigura o entendimento de não se haver como acto a praticar em juízo como excessivo, na medida em que impõe ao recorrente um esforço que não é correspondido pelo sistema, dado que, em caso de apresentação em período de férias da impugnação, tal facto não acarreta para o recorrente uma decisão pronta; Antes se converte em mais um papel que apenas após o decurso das férias judiciais será distribuído e tratado, ou seja, a imposição de não poder o cidadão acautelar um período de não litigiosidade, não tem a correspondente resposta em termos de celeridade e de definição da situação jurídica do Recorrente, que fica sempre dependente do termo do período de férias judiciais; g) o entendimento de que a apresentação da Impugnação Judicial à autoridade administrativa não deve ser equiparado a acto a praticar em juízo, é de molde a violar os preceitos dos n.º 9 e l0 do art. 32º C.R.P. Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida. O M.P defendeu a manutenção do despacho recorrido, concluindo: a) o prazo para a impugnação da decisão administrativa, previsto no artigo 59°, n.º 3 e 60°, do Decreto Lei 433/82 de 27/10, não é um prazo judicial; b) por essa razão, tal prazo não se suspende nas férias judiciais; c) o recurso de impugnação da autoridade administrativa apresentado pela recorrente é extemporâneo; d) a decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 59° n.º 3 e 60° do Decreto Lei n.o 433/82 de 27/10 e no artigo 32°, n.º 9 e 10 da CRP ou quaisquer outras disposições legais. O Ex.mo Procurador-geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso – cfr. fls. 129. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência, para julgamento da questão objecto do recurso. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A decisão recorrida baseou-se na seguinte matéria de facto: a) a arguida foi notificada da decisão da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território - Norte, Divisão Sub-Regional do Cávado e Ave, de fls. 10 a 13, em 20-06-2001 - cfr. fls. 14. b) No entanto, só em 18-09-2001 a arguida apresentou à autoridade administrativa o recurso da respectiva decisão - cfr. fls. 15. 2. 2. Matéria de direito. Nos termos do art.º 59º, n.º 3, do Dec. Lei 433/82, de 27/10, com a redacção dada pelo Dec. Lei 244/95, de 14 de Setembro, o recurso da decisão será apresentado à autoridade administrativa que aplicou as coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido. O art.º 60º n.º 1 do mesmo Dec. Lei, diz-nos que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. Tendo a recorrente sido notificada em 20-06-2001, o prazo de 20 dias terminava em 18-07-2001. Dado que o recurso foi apresentado junto da autoridade administrativa, apenas em 18-09-2001, a questão dos autos é a de saber se o prazo que termine em férias judiciais se transfere, ou não, para o dia seguinte às férias judiciais. A decisão recorrida, bem como o M.P. na primeira instância e neste Tribunal, entendem que “o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (cfr. art.º 62.º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 433/82, de 27/10). Como se decidiu no acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/94, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 10-03-1994, publicado no DR, I série, de 07-05-1994, pág. 2372, “não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do art.º 59.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27-10, com a alteração introduzida pelo Dec. Lei n.º 356/89, de 17-10 – cfr. fls. 33 dos autos. A recorrente entende o contrário e invoca, para defesa da sua tese, os Assentos do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000 e 1/2001, que fixaram a seguinte orientação: - “o n.º 1 do art. 150º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do art. 4º do Código de Processo Penal” (assento 2/2000); - “como em processo penal, também em processo contra ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial, a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41º, 1 do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, 4º do C. P. Penal e 150º,1 do C. P. Civil e Assento do STJ 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000” (assento 1/2001). Vejamos a questão, começando por determinar se a mesma está ou não resolvida pelos Assentos do Supremo Tribunal de Justiça, invocados pela recorrente, uma vez que a situação neles tratada era diversa. A esta questão, podemos responder com toda a segurança que não. Os Assentos em causa, principalmente o 1/2001, não têm aplicação directa neste caso. Como se diz nos pontos 5.2 e 5.3 do referido Assento (pág. 2323 do DR, I Série, n.º 93, 20 de Abril de 2001) “(...) 5.2 - O que se pergunta, pois, é se – à semelhança do que se passa em processo civil e em processo penal – também no contra ordenacional valerá como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima. 5.3. O problema nada tem a ver, pois, com a forma do prazo da impugnação judicial (art. 59º do Regime Geral das Contra Ordenações), nem sequer com a contagem do prazo para a impugnação, (art. 60º) mas, singelamente, com a equiparação (ou não) à apresentação material do recurso à autoridade administrativa, da sua remessa pelo correio registado como se os serviços postais funcionassem – tal qual no processo civil – como postos de recepção dos articulados, requerimentos, respostas e peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados pelas partes no processo”. Mas, mesmo sem aplicação directa, poderá a doutrina do assento ter implicações na questão objecto deste recurso? E na afirmativa, em que medida ? Parece-nos indubitável que a doutrina jurídica que serviu de suporte ao referido assento, tem plena aplicação no que respeita à definição do direito subsidiariamente aplicável. É, assim, quanto a nós, de aceitar que não é “hoje possível admitir-se que o direito contra ordenacional constitua ou possa constituir ilícito penal administrativo. Do que se trata é de um verdadeiro direito penal especial, disfarçado no poder da Administração Pública, mais por conveniências práticas do que por preocupações de rigor da sua natureza jurídica” – Assento 1/20001, ponto 9.1., pág. 2325 do DR, I Série, de 20-4-20001. Daqui decorre, como decorreu para a tese do referido assento, que o direito subsidiário é o direito penal e o direito processual penal, e não o direito administrativo. A nosso ver, é esta a única implicação que podemos retirar do assento e, portanto, é dentro desta orientação que vamos averiguar se a questão, objecto deste recurso, encontra resposta no Regime Jurídico das Contra Ordenações e, só no caso de o não encontrar, buscaremos a integração da lacuna, através do direito processual penal e civil, e não através do direito administrativo (Código de Procedimento Administrativo). Os artigos que regulam esta matéria são os artigos 59º e 60º do Regime Jurídico das Contra Ordenações e têm a seguinte redacção, introduzida pelo Dec. Lei 244/ 95, de 14 de Setembro: “Artigo 59.º Forma e prazo 1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial. 2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor. 3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões. Artigo 60.º Contagem do prazo para impugnação 1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. 2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”. Dado que a actual redacção destes preceitos é posterior ao Acórdão para fixação de Jurisprudência citado na decisão recorrida (Acórdão para fixação de jurisprudência 2/94, proferido em 10/3/94), alterou-se a base legal dentro da qual a sua doutrina era obrigatória. Por outro lado, há agora na lei uma regra sobre a transferência do termo do prazo “para o primeiro dia útil seguinte”, sempre que não seja possível “durante o período normal, a apresentação do recurso”. Que situações são estas “em que não é possível, durante o período normal, a apresentação do recurso”? Apenas os sábados, domingos e feriados (como defende a sentença), ou também as férias judiciais (como defende a recorrente)? Parece-nos indubitável que a lei se refere aqui à possibilidade material de apresentação do recurso. Esta possibilidade decorre, naturalmente, do facto de a respectiva repartição estar aberta, ou seja, em condições de receber tal apresentação. Assim, a leitura do art. 60º, 2 apenas permite a transferência do termo do prazo para o primeiro dia útil seguinte, no caso de a repartição onde o recurso devia ser entregue não ter possibilidade de o receber, por estar fechada. Não existe aqui a equiparação feita no art. 279º, al. e) do Código Civil, das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados - “sempre que o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”. A explicação mais plausível para esta falta de equiparação, é a do legislador ter entendido que tal equiparação não era aplicável, uma vez que o recurso, embora dirigido ao tribunal, é entregue na repartição administrativa onde foi proferido o acto punitivo e, portanto, o respectivo acto - entrega da petição do recurso - não é praticado em juízo. Assim, nada legitima a construção, neste caso, de uma lacuna de regulamentação. O legislador alterou os artigos 59º e 60º do Dec. Lei 433/82, de 27/10, totalmente omissos nesta matéria, sobre a qual havia alguma controvérsia – cfr. Acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/94, de 7 de Maio de 1994, considerando que o prazo de interposição do recurso em causa não tinha natureza judicial, mas sim administrativa. Por outro lado, com a nova redacção do art. 60º n.º1, o legislador foi também claro ao ordenar que, na contagem do prazo de interposição do recurso, se descontassem apenas os sábados, domingos e feriados - isto é, sem que tal prazo se suspendesse durante as férias judiciais. Ciente da controvérsia, o legislador optou por regular o regime do prazo e da forma de interposição do recurso, pelo que a falta de equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo, deve ser vista como uma intenção de não equiparação e não como uma lacuna – cfr. preâmbulo do diploma, onde se diz que procedeu ao “(...) alargamento significativo do prazo para impugnação da decisão administrativa - esclarecendo regras sobre o modo como deve contar-se - e do prazo de recurso da decisão judicial (...)”, sendo incompreensível que, se o legislador tivesse querido a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, o não tivesse dito. O argumento da recorrente, segundo o qual essa equiparação deve ser feita por força de uma razão de paz social e de respeito por um período generalizado de descanso da população, não nos parece relevante. Não é claro que a razão de ser da equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados (a que alude o art. 279, e) do C. Civil) seja, como diz, uma razão de tréguas na litigiosidade. Mas não é esse o motivo da refutação do argumento. O motivo de não aceitarmos a equiparação, resulta do facto de entendermos que não há lacuna e, portanto, não carecermos de fundamentar uma identidade de razões para aplicação do regime do C. Civil. A matéria está regulada no art. 60º, 1 e 2 do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção pelo Dec. Lei 244/95, de 14 de Setembro e, sem lacuna, não há que recorrer às razões justificativas da aplicação analógica. Resta saber se, como diz a recorrente, esta interpretação ofende o disposto no art. 32º, 9 e 10 da Constituição da República Portuguesa. Estes preceitos constitucionais, inseridos num artigo com a epígrafe “garantias de processo criminal”, têm a seguinte redacção: - art. 32, 9º “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior” - art. 32, 10º “Nos processos de contra – ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”. Não estando em causa qualquer controvérsia sobre a competência do tribunal, nem sobre os direitos de audiência e defesa do arguido, a invocação não faz sentido. Os termos em que a recorrente justifica a violação destes preceitos, é ambígua: “Contudo, - diz o recorrente a fls. 124 - e atendendo à unidade do sistema jurídico e judicial, o regime de aplicação da lei deve ser uno e, como tal, na correcta leitura e interpretação do disposto no art. 279º, al. e) do C. Civil e interpretado de forma consentânea com os n.ºs 9 e 10 do art. 32º da CRP, a apresentação do recurso à entidade administrativa, não é factor que altere a natureza de acto a praticar em juízo à apresentação do recurso de contra ordenação”. Como é que a recorrente passa da unidade do sistema jurídico à unidade do sistema judicial, como é que vê essa unidade consagrada no art. 32º, 9 e 10 da CRP e com efeitos na interpretação do art. 60º do Regime Jurídico das Contra- Ordenações é que, salvo o devido respeito, continua a ser ininteligível. As regras de contagem dos prazos, no procedimento contra ordenacional, poderiam (admite-se) pôr em causa o direito de defesa do arguido, se consagrassem prazos de tal modo curtos que impossibilitassem, na prática, o direito ao recurso. Mas não é, evidentemente, o caso: o prazo para recorrer era de 20 dias úteis, descontando-se sábados, domingos e feriados, isto é, um prazo que não inviabiliza, nem põe em causa, o direito de defesa do arguido. Face ao exposto, improcedem todas as conclusões do recurso e, embora com fundamentação diversa, deve manter-se a decisão recorrida. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Porto, 17 de Dezembro de 2003 Élia Costa de Mendonça São Pedro José Manuel Baião Papão Francisco Augusto Soares de Matos Manso
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal da Relação do Porto 1. Relatório “Q....., LDA.” recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, do despacho proferido no Tribunal Judicial da Comarca de..... que rejeitou a IMPUGNAÇÃO da decisão da DIVISÃO SUBREGIONAL DO CÁVADO e lhe aplicou a coima de 100.000$00, por infracção ao disposto no art. 86º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei 46/94, de 22 de Fevereiro, formulando as seguintes conclusões: a) na esteira da orientação seguida nos Assentos do STJ, números 2/2000 e 1/2001, de 8/03/2001, não pode defender-se hoje que a apresentação da Impugnação Judicial da decisão da autoridade administrativa não pode ser havido como acto praticado em juízo; b) com efeito, encontra-se completamente vedada à Autoridade Administrativa proceder à apreciação da Impugnação, ainda que para efeitos de apreciação da sua apresentação tempestiva, cabendo ao Juiz a quem a Impugnação é dirigida efectuar esse controle e proceder à apreciação final; c) igualmente, pelo facto de assistir à autoridade administrativa a prerrogativa de proceder à revogação do acto, não é de molde a afectar o carácter judicial do acto de impugnação, na medida em que se traduz apenas na faculdade de no prazo concedido por lei para a remessa dos autos a juízo, revogar a decisão, fazendo desaparecer da ordem jurídica o acto que seria sindicado; d) contudo, este exercício limitado de actividade administrativa, não retira a natureza de acto judicial a praticar em juízo à dedução do recurso de impugnação, pois é este o seu destinatário final, funcionando a autoridade administrativa como local de recepção do recurso e, nessa medida, como extensão das próprias secretarias judiciais; e) a razão da equiparação das férias judiciais a dias não úteis, não é determinado por uma impossibilidade física de receber os documentos, mas antes por uma razão de paz social e de respeito por um período generalizado de descanso da população, que não deve ser confrontada, no seu descanso, com situações de litígio; f) por tal facto, as razões que determinam tal deferimento de termo do prazo, também se sentem presentes em sede de contra ordenação, tanto mais que se afigura o entendimento de não se haver como acto a praticar em juízo como excessivo, na medida em que impõe ao recorrente um esforço que não é correspondido pelo sistema, dado que, em caso de apresentação em período de férias da impugnação, tal facto não acarreta para o recorrente uma decisão pronta; Antes se converte em mais um papel que apenas após o decurso das férias judiciais será distribuído e tratado, ou seja, a imposição de não poder o cidadão acautelar um período de não litigiosidade, não tem a correspondente resposta em termos de celeridade e de definição da situação jurídica do Recorrente, que fica sempre dependente do termo do período de férias judiciais; g) o entendimento de que a apresentação da Impugnação Judicial à autoridade administrativa não deve ser equiparado a acto a praticar em juízo, é de molde a violar os preceitos dos n.º 9 e l0 do art. 32º C.R.P. Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida. O M.P defendeu a manutenção do despacho recorrido, concluindo: a) o prazo para a impugnação da decisão administrativa, previsto no artigo 59°, n.º 3 e 60°, do Decreto Lei 433/82 de 27/10, não é um prazo judicial; b) por essa razão, tal prazo não se suspende nas férias judiciais; c) o recurso de impugnação da autoridade administrativa apresentado pela recorrente é extemporâneo; d) a decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 59° n.º 3 e 60° do Decreto Lei n.o 433/82 de 27/10 e no artigo 32°, n.º 9 e 10 da CRP ou quaisquer outras disposições legais. O Ex.mo Procurador-geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso – cfr. fls. 129. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência, para julgamento da questão objecto do recurso. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A decisão recorrida baseou-se na seguinte matéria de facto: a) a arguida foi notificada da decisão da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território - Norte, Divisão Sub-Regional do Cávado e Ave, de fls. 10 a 13, em 20-06-2001 - cfr. fls. 14. b) No entanto, só em 18-09-2001 a arguida apresentou à autoridade administrativa o recurso da respectiva decisão - cfr. fls. 15. 2. 2. Matéria de direito. Nos termos do art.º 59º, n.º 3, do Dec. Lei 433/82, de 27/10, com a redacção dada pelo Dec. Lei 244/95, de 14 de Setembro, o recurso da decisão será apresentado à autoridade administrativa que aplicou as coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido. O art.º 60º n.º 1 do mesmo Dec. Lei, diz-nos que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. Tendo a recorrente sido notificada em 20-06-2001, o prazo de 20 dias terminava em 18-07-2001. Dado que o recurso foi apresentado junto da autoridade administrativa, apenas em 18-09-2001, a questão dos autos é a de saber se o prazo que termine em férias judiciais se transfere, ou não, para o dia seguinte às férias judiciais. A decisão recorrida, bem como o M.P. na primeira instância e neste Tribunal, entendem que “o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (cfr. art.º 62.º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 433/82, de 27/10). Como se decidiu no acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/94, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 10-03-1994, publicado no DR, I série, de 07-05-1994, pág. 2372, “não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do art.º 59.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27-10, com a alteração introduzida pelo Dec. Lei n.º 356/89, de 17-10 – cfr. fls. 33 dos autos. A recorrente entende o contrário e invoca, para defesa da sua tese, os Assentos do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000 e 1/2001, que fixaram a seguinte orientação: - “o n.º 1 do art. 150º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do art. 4º do Código de Processo Penal” (assento 2/2000); - “como em processo penal, também em processo contra ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial, a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41º, 1 do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, 4º do C. P. Penal e 150º,1 do C. P. Civil e Assento do STJ 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000” (assento 1/2001). Vejamos a questão, começando por determinar se a mesma está ou não resolvida pelos Assentos do Supremo Tribunal de Justiça, invocados pela recorrente, uma vez que a situação neles tratada era diversa. A esta questão, podemos responder com toda a segurança que não. Os Assentos em causa, principalmente o 1/2001, não têm aplicação directa neste caso. Como se diz nos pontos 5.2 e 5.3 do referido Assento (pág. 2323 do DR, I Série, n.º 93, 20 de Abril de 2001) “(...) 5.2 - O que se pergunta, pois, é se – à semelhança do que se passa em processo civil e em processo penal – também no contra ordenacional valerá como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima. 5.3. O problema nada tem a ver, pois, com a forma do prazo da impugnação judicial (art. 59º do Regime Geral das Contra Ordenações), nem sequer com a contagem do prazo para a impugnação, (art. 60º) mas, singelamente, com a equiparação (ou não) à apresentação material do recurso à autoridade administrativa, da sua remessa pelo correio registado como se os serviços postais funcionassem – tal qual no processo civil – como postos de recepção dos articulados, requerimentos, respostas e peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados pelas partes no processo”. Mas, mesmo sem aplicação directa, poderá a doutrina do assento ter implicações na questão objecto deste recurso? E na afirmativa, em que medida ? Parece-nos indubitável que a doutrina jurídica que serviu de suporte ao referido assento, tem plena aplicação no que respeita à definição do direito subsidiariamente aplicável. É, assim, quanto a nós, de aceitar que não é “hoje possível admitir-se que o direito contra ordenacional constitua ou possa constituir ilícito penal administrativo. Do que se trata é de um verdadeiro direito penal especial, disfarçado no poder da Administração Pública, mais por conveniências práticas do que por preocupações de rigor da sua natureza jurídica” – Assento 1/20001, ponto 9.1., pág. 2325 do DR, I Série, de 20-4-20001. Daqui decorre, como decorreu para a tese do referido assento, que o direito subsidiário é o direito penal e o direito processual penal, e não o direito administrativo. A nosso ver, é esta a única implicação que podemos retirar do assento e, portanto, é dentro desta orientação que vamos averiguar se a questão, objecto deste recurso, encontra resposta no Regime Jurídico das Contra Ordenações e, só no caso de o não encontrar, buscaremos a integração da lacuna, através do direito processual penal e civil, e não através do direito administrativo (Código de Procedimento Administrativo). Os artigos que regulam esta matéria são os artigos 59º e 60º do Regime Jurídico das Contra Ordenações e têm a seguinte redacção, introduzida pelo Dec. Lei 244/ 95, de 14 de Setembro: “Artigo 59.º Forma e prazo 1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial. 2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor. 3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões. Artigo 60.º Contagem do prazo para impugnação 1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. 2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”. Dado que a actual redacção destes preceitos é posterior ao Acórdão para fixação de Jurisprudência citado na decisão recorrida (Acórdão para fixação de jurisprudência 2/94, proferido em 10/3/94), alterou-se a base legal dentro da qual a sua doutrina era obrigatória. Por outro lado, há agora na lei uma regra sobre a transferência do termo do prazo “para o primeiro dia útil seguinte”, sempre que não seja possível “durante o período normal, a apresentação do recurso”. Que situações são estas “em que não é possível, durante o período normal, a apresentação do recurso”? Apenas os sábados, domingos e feriados (como defende a sentença), ou também as férias judiciais (como defende a recorrente)? Parece-nos indubitável que a lei se refere aqui à possibilidade material de apresentação do recurso. Esta possibilidade decorre, naturalmente, do facto de a respectiva repartição estar aberta, ou seja, em condições de receber tal apresentação. Assim, a leitura do art. 60º, 2 apenas permite a transferência do termo do prazo para o primeiro dia útil seguinte, no caso de a repartição onde o recurso devia ser entregue não ter possibilidade de o receber, por estar fechada. Não existe aqui a equiparação feita no art. 279º, al. e) do Código Civil, das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados - “sempre que o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”. A explicação mais plausível para esta falta de equiparação, é a do legislador ter entendido que tal equiparação não era aplicável, uma vez que o recurso, embora dirigido ao tribunal, é entregue na repartição administrativa onde foi proferido o acto punitivo e, portanto, o respectivo acto - entrega da petição do recurso - não é praticado em juízo. Assim, nada legitima a construção, neste caso, de uma lacuna de regulamentação. O legislador alterou os artigos 59º e 60º do Dec. Lei 433/82, de 27/10, totalmente omissos nesta matéria, sobre a qual havia alguma controvérsia – cfr. Acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/94, de 7 de Maio de 1994, considerando que o prazo de interposição do recurso em causa não tinha natureza judicial, mas sim administrativa. Por outro lado, com a nova redacção do art. 60º n.º1, o legislador foi também claro ao ordenar que, na contagem do prazo de interposição do recurso, se descontassem apenas os sábados, domingos e feriados - isto é, sem que tal prazo se suspendesse durante as férias judiciais. Ciente da controvérsia, o legislador optou por regular o regime do prazo e da forma de interposição do recurso, pelo que a falta de equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo, deve ser vista como uma intenção de não equiparação e não como uma lacuna – cfr. preâmbulo do diploma, onde se diz que procedeu ao “(...) alargamento significativo do prazo para impugnação da decisão administrativa - esclarecendo regras sobre o modo como deve contar-se - e do prazo de recurso da decisão judicial (...)”, sendo incompreensível que, se o legislador tivesse querido a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, o não tivesse dito. O argumento da recorrente, segundo o qual essa equiparação deve ser feita por força de uma razão de paz social e de respeito por um período generalizado de descanso da população, não nos parece relevante. Não é claro que a razão de ser da equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados (a que alude o art. 279, e) do C. Civil) seja, como diz, uma razão de tréguas na litigiosidade. Mas não é esse o motivo da refutação do argumento. O motivo de não aceitarmos a equiparação, resulta do facto de entendermos que não há lacuna e, portanto, não carecermos de fundamentar uma identidade de razões para aplicação do regime do C. Civil. A matéria está regulada no art. 60º, 1 e 2 do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção pelo Dec. Lei 244/95, de 14 de Setembro e, sem lacuna, não há que recorrer às razões justificativas da aplicação analógica. Resta saber se, como diz a recorrente, esta interpretação ofende o disposto no art. 32º, 9 e 10 da Constituição da República Portuguesa. Estes preceitos constitucionais, inseridos num artigo com a epígrafe “garantias de processo criminal”, têm a seguinte redacção: - art. 32, 9º “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior” - art. 32, 10º “Nos processos de contra – ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”. Não estando em causa qualquer controvérsia sobre a competência do tribunal, nem sobre os direitos de audiência e defesa do arguido, a invocação não faz sentido. Os termos em que a recorrente justifica a violação destes preceitos, é ambígua: “Contudo, - diz o recorrente a fls. 124 - e atendendo à unidade do sistema jurídico e judicial, o regime de aplicação da lei deve ser uno e, como tal, na correcta leitura e interpretação do disposto no art. 279º, al. e) do C. Civil e interpretado de forma consentânea com os n.ºs 9 e 10 do art. 32º da CRP, a apresentação do recurso à entidade administrativa, não é factor que altere a natureza de acto a praticar em juízo à apresentação do recurso de contra ordenação”. Como é que a recorrente passa da unidade do sistema jurídico à unidade do sistema judicial, como é que vê essa unidade consagrada no art. 32º, 9 e 10 da CRP e com efeitos na interpretação do art. 60º do Regime Jurídico das Contra- Ordenações é que, salvo o devido respeito, continua a ser ininteligível. As regras de contagem dos prazos, no procedimento contra ordenacional, poderiam (admite-se) pôr em causa o direito de defesa do arguido, se consagrassem prazos de tal modo curtos que impossibilitassem, na prática, o direito ao recurso. Mas não é, evidentemente, o caso: o prazo para recorrer era de 20 dias úteis, descontando-se sábados, domingos e feriados, isto é, um prazo que não inviabiliza, nem põe em causa, o direito de defesa do arguido. Face ao exposto, improcedem todas as conclusões do recurso e, embora com fundamentação diversa, deve manter-se a decisão recorrida. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Porto, 17 de Dezembro de 2003 Élia Costa de Mendonça São Pedro José Manuel Baião Papão Francisco Augusto Soares de Matos Manso