Processo:0346698
Data do Acordão: 23/03/2004Relator: DIAS CABRALTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal da instrução, o requerimento do assistente para abertura de instrução que não descreva os factos integradores do crime por cuja prática pretende a pronúncia do arguido.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
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Processo
0346698
Relator
DIAS CABRAL
Descritores
ABERTURA DE INSTRUÇÃO REQUERIMENTO ASSISTENTE
No do documento
Data do Acordão
03/24/2004
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
NEGADO PROVIMENTO.
Sumário
Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal da instrução, o requerimento do assistente para abertura de instrução que não descreva os factos integradores do crime por cuja prática pretende a pronúncia do arguido.
Decisão integral
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto.

A assistente A.......... interpôs recurso do despacho proferido pelo Mmº JIC do Porto que, nos termos do artº 287º, nº 3 do CPP, rejeitou o requerimento de abertura de instrução, terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem:
1. No despacho, ora recorrido, decidiu-se rejeitar o requerimento de abertura de instrução por o mesmo ser nulo por falta das razões de facto, nomeadamente por não conter a narração dos factos que podem consubstanciar um crime de burla.
2. Todavia, no despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, este concordou com a existência de fortes indícios de um crime de burla, mas entendeu que se tratava de um crime de burla simples e arquivou porque o direito de queixa encontrava-se extinto porque a mesma não foi apresentada no prazo de 6 meses a contar da data em que a assistente teve conhecimento do facto e dos seus autores, de acordo com o preceituado no artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal.
3. Em consequência, o requerimento de abertura de instrução centrou o seu conteúdo na demonstração de factos que comprovam a existência de uma burla qualificada, pois o prejuízo causado à assistente é de valor elevado, nos termos do artigo 218.º n.º 1 e 202.º alínea a), ambos do Código Penal, afastando a causa do arquivamento.
4. No fundo, a ora recorrente apresentou no requerimento de abertura de instrução os factos a que o M.º P.º não deu relevância jurídico-penal, e que o assistente pretende que o tribunal o faça.
5. Posto isto, o mesmo deveria ter sido admitido e apreciado nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea b).

Não prescindindo,

6. Atento à posição do Dr. Souto de Moura, “Jornadas de Direito Processual Penal", 123, 124, "A rejeição do requerimento só poderá ter lugar no condicionalismo do n.º 2 do artigo 287.º do Código do Processo Penal".
7. Mas, acrescenta o autor "Ora, como em lado algum se estipula a consequência da falta de fundamentação e muito menos se comina essa omissão com a nulidade, somos levados a encará-la em termos de irregularidade processual. O regime dos vícios dos actos processuais foi modificado no N.C.P.P., mantendo-se porém no tocante às irregularidades, a nota saliente de o juiz poder oficiosamente ordenar a reparação do vício (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do N.C.P.P. e 2.ª parte do § 1.º do artigo 100.º do C.P.P, de 1929)”.
8. Então, a não se entender que o requerimento de instrução deveria ser apreciado, pelo menos o juiz deveria ordenar oficiosamente a reparação do vício que não constitui uma nulidade (mas sim uma irregularidade), nos termos do estipulado no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, notificando o patrono oficioso da assistente para o efeito.
9. Violou-se assim o disposto no artigo 287.º n.º 1, alínea b) e o n.º 3 e artigo 123.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
***
Respondeu o Mº Pº, defendendo o não provimento do recurso.

A arguida respondeu no mesmo sentido.

O Exmº Procurador Geral Adjunto concordou com a resposta do Mº. Pº. junto da 1ª instância, pronunciando-se pela rejeição do recurso por manifesta improcedência.

Cumprido o nº 2 do artº 417º do CPP, não houve resposta.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Nos termos dos artºs 287º, nº 2 e 283º, nº 3, als. b) e c) do CPP, o requerimento para a abertura da instrução efectuado pelo assistente tem que conter a narração de factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, assim como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Bem se compreende que assim seja já que, não havendo acusação, os factos que podem ser vertidos para a decisão instrutória são os constantes do requerimento da abertura da instrução, visto tal requerimento equivaler à acusação e a instrução só pode recair sobre esses factos. O objecto da instrução fica limitado aos factos constantes daquele requerimento (cfr. artºs 287º, nº 2, 288º, nº 4 e 308º, nº 1, todos do CPP).
Conforme estipula o artº 32º, nº 5 da CRP «o processo penal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios subordinados ao princípio do contraditório». Isto significa que, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido, a actividade investigatória e decisória do tribunal só pode ser efectuada dentro dos limites fixados na acusação.
Equivalendo o requerimento do assistente para a abertura da instrução a uma acusação, como se pode assegurar os direitos de defesa do arguido se não lhe são revelados os factos que lhe são imputados?
A decisão instrutória que pronunciasse o arguido seria nula já que, nos termos do artº 309º do CPP, tinha havido uma alteração substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução, ou mesmo inexistente visto ter havido mais que uma alteração (faziam-se constar factos que foram apurados em instrução para a qual não tinham sido alegados quaisquer factos).
No caso em apreço a recorrente não deu cumprimento a tal exigência legal. Não alegou factos susceptíveis de integrar qualquer ilícito penal. Limitou-se a criticar o despacho de arquivamento proferido pelo Mº. Pº., apenas na parte em que se considerou que o crime denunciado era de burla simples, procurando demonstrar que o valor do prejuízo era de valor elevado e, por isso, se tratava de um crime de burla agravada, de natureza pública, cujo procedimento criminal não dependia de queixa.
Se a recorrente apenas pretendia atacar, como parece resultar da motivação do recurso, aquele despacho de arquivamento deveria ter lançado mão da reclamação hierárquica, nos termos do artº 287º do CPP.
Mesmo que da queixa constassem factos que integrassem ilícitos penais não existia a possibilidade dela se socorrer para efeitos de pronúncia
Como refere Figueiredo Dias in “As consequências jurídicas do crime”, págs. 665 e 667, «A queixa não equivale a acusação formal, a requerimento para julgamento, mas trata-se tão só de um pressuposto positivo da punição, de uma condição de procedimento, de um requerimento feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do direito respectivo exprime a sua vontade de que se verifique o procedimento criminal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada.
«Ora, a tripla função da queixa - existência de procedimento criminal por vontade do respectivo titular; evitar que o processo penal prossiga sem ou contra a vontade do ofendido e específica protecção da vítima - constitui pressuposto da existência de um processo em que os factos nela constantes, conquanto não definam a rigidez do processo, vão ser alvo de investigação - comprovação de forma a contra o seu autor, se for caso disso, ser deduzida acção penal».
Sendo uma declaração de vontade para que seja levantado um processo e investigação de uma conduta que se considera criminalmente ilícita e seja pressuposto da iniciação do processo penal, não pode considerar-se narração de factos para efeitos de abertura de instrução (acusação) os aí referidos.
A jurisprudência e a doutrina tem-se dividido quanto à sanção aplicável para o requerimento de abertura de instrução efectuado pelo assistente que não contenha a narração dos factos integradores do crime pelo qual se pretende a pronúncia do arguido.
Em nosso entender consideramos ser de seguir a orientação da rejeição do requerimento de abertura de instrução, por ser legalmente inadmissível a instrução, nos termos do nº 3 do artº 287º do CPP.
Como já referimos, a decisão instrutória que pronunciasse o arguido, após uma instrução efectuada com base em tal requerimento, ou seria nula ou mesmo inexistente e, como se escreveu no Ac. desta Relação de 23/5/01, in CJ, A XXVI, t III, pág. 238, «uma instrução que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido é uma instrução que a lei não pode admitir, até porque seria inútil, e não é lícito praticar no processo actos inúteis (artºs 137º do C.P.Civil e 4º do C.P.Penal)».
Uma das causas da rejeição do requerimento do assistente para a abertura da instrução é a da inadmissibilidade legal de instrução (artº 287º, nº 3 do CPP).
Estabelecendo a lei processual penal a consequência (nulidade que leva à rejeição - artºs 283º, nº 3, al. b), 287º nºs 2 e 3 do CPP), no caso do requerimento de abertura da instrução, efectuado pelo assistente, não conter a descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, não há lugar ao convite do assistente, como pretende a recorrente, para apresentar novo requerimento.
O prazo para requerimento da abertura da instrução é peremptório, conforme Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 6/12/95, in DR, 1ª S de 10/1/96, e a sua prorrogação viola as garantias de defesa do arguido.
No Ac do T.C. de 30/1/01, in DR, 2ª S, de 23/3/01, escreveu-se «Porém o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se o decurso do prazo peremptório para requerer a abertura da instrução impede a renovação de um requerimento que, tendo sido apresentado com aquela finalidade, foi considerado nulo, ou seja, na formulação do assistente, a questão de saber se o direito do assistente de requerer a acusação foi desproporcionalmente restringido.
«A este respeito, importa reconhecer que a dimensão garantística do processo penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, obsta, por um lado, a um entendimento de tal processo como um verdadeiro processo de partes e, por outro, não proporciona uma perspectiva de total simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modo de concretização das garantias de acesso à justiça.
«Ora, nos casos de não pronúncia de arguido e em que o Ministério Público se decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é reconhecido ao assistente - e que deve revestir a forma de uma verdadeira acusação - não pode deixar de contender com o direito de defesa do eventual acusado ou arguido no caso daquele não respeitar o prazo fixado na lei para a sua apresentação.
«O estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução - prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do acto - insere-se ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado......
«......a perspectiva do direito do assistente de deduzir a acusação através do requerimento de abertura da instrução, a não admissibilidade de renovação por decurso do prazo não constitui uma limitação desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é exclusivamente imputável, para além de constituir - na sua possível concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido.».
O convite para apresentar novo requerimento de abertura de instrução, ou a correcção do apresentado, violaria o artº 32º, nº 1 da CRP, já que do ponto de vista constitucional merece maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa, do que garantias decorrentes da posição processual do assistente em casos em que o Mº. Pº. optou por não deduzir uma acusação, tendo decidido arquivar o processo (cfr. citado Ac. do TC).
DECISÃO
Em conformidade, decidem os juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida.

Taxa de justiça: quatro Ucs.

Porto, 24 de Março de 2004.
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto. A assistente A.......... interpôs recurso do despacho proferido pelo Mmº JIC do Porto que, nos termos do artº 287º, nº 3 do CPP, rejeitou o requerimento de abertura de instrução, terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem: 1. No despacho, ora recorrido, decidiu-se rejeitar o requerimento de abertura de instrução por o mesmo ser nulo por falta das razões de facto, nomeadamente por não conter a narração dos factos que podem consubstanciar um crime de burla. 2. Todavia, no despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, este concordou com a existência de fortes indícios de um crime de burla, mas entendeu que se tratava de um crime de burla simples e arquivou porque o direito de queixa encontrava-se extinto porque a mesma não foi apresentada no prazo de 6 meses a contar da data em que a assistente teve conhecimento do facto e dos seus autores, de acordo com o preceituado no artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal. 3. Em consequência, o requerimento de abertura de instrução centrou o seu conteúdo na demonstração de factos que comprovam a existência de uma burla qualificada, pois o prejuízo causado à assistente é de valor elevado, nos termos do artigo 218.º n.º 1 e 202.º alínea a), ambos do Código Penal, afastando a causa do arquivamento. 4. No fundo, a ora recorrente apresentou no requerimento de abertura de instrução os factos a que o M.º P.º não deu relevância jurídico-penal, e que o assistente pretende que o tribunal o faça. 5. Posto isto, o mesmo deveria ter sido admitido e apreciado nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea b). Não prescindindo, 6. Atento à posição do Dr. Souto de Moura, “Jornadas de Direito Processual Penal", 123, 124, "A rejeição do requerimento só poderá ter lugar no condicionalismo do n.º 2 do artigo 287.º do Código do Processo Penal". 7. Mas, acrescenta o autor "Ora, como em lado algum se estipula a consequência da falta de fundamentação e muito menos se comina essa omissão com a nulidade, somos levados a encará-la em termos de irregularidade processual. O regime dos vícios dos actos processuais foi modificado no N.C.P.P., mantendo-se porém no tocante às irregularidades, a nota saliente de o juiz poder oficiosamente ordenar a reparação do vício (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do N.C.P.P. e 2.ª parte do § 1.º do artigo 100.º do C.P.P, de 1929)”. 8. Então, a não se entender que o requerimento de instrução deveria ser apreciado, pelo menos o juiz deveria ordenar oficiosamente a reparação do vício que não constitui uma nulidade (mas sim uma irregularidade), nos termos do estipulado no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, notificando o patrono oficioso da assistente para o efeito. 9. Violou-se assim o disposto no artigo 287.º n.º 1, alínea b) e o n.º 3 e artigo 123.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. *** Respondeu o Mº Pº, defendendo o não provimento do recurso. A arguida respondeu no mesmo sentido. O Exmº Procurador Geral Adjunto concordou com a resposta do Mº. Pº. junto da 1ª instância, pronunciando-se pela rejeição do recurso por manifesta improcedência. Cumprido o nº 2 do artº 417º do CPP, não houve resposta. *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Nos termos dos artºs 287º, nº 2 e 283º, nº 3, als. b) e c) do CPP, o requerimento para a abertura da instrução efectuado pelo assistente tem que conter a narração de factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, assim como a indicação das disposições legais aplicáveis. Bem se compreende que assim seja já que, não havendo acusação, os factos que podem ser vertidos para a decisão instrutória são os constantes do requerimento da abertura da instrução, visto tal requerimento equivaler à acusação e a instrução só pode recair sobre esses factos. O objecto da instrução fica limitado aos factos constantes daquele requerimento (cfr. artºs 287º, nº 2, 288º, nº 4 e 308º, nº 1, todos do CPP). Conforme estipula o artº 32º, nº 5 da CRP «o processo penal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios subordinados ao princípio do contraditório». Isto significa que, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido, a actividade investigatória e decisória do tribunal só pode ser efectuada dentro dos limites fixados na acusação. Equivalendo o requerimento do assistente para a abertura da instrução a uma acusação, como se pode assegurar os direitos de defesa do arguido se não lhe são revelados os factos que lhe são imputados? A decisão instrutória que pronunciasse o arguido seria nula já que, nos termos do artº 309º do CPP, tinha havido uma alteração substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução, ou mesmo inexistente visto ter havido mais que uma alteração (faziam-se constar factos que foram apurados em instrução para a qual não tinham sido alegados quaisquer factos). No caso em apreço a recorrente não deu cumprimento a tal exigência legal. Não alegou factos susceptíveis de integrar qualquer ilícito penal. Limitou-se a criticar o despacho de arquivamento proferido pelo Mº. Pº., apenas na parte em que se considerou que o crime denunciado era de burla simples, procurando demonstrar que o valor do prejuízo era de valor elevado e, por isso, se tratava de um crime de burla agravada, de natureza pública, cujo procedimento criminal não dependia de queixa. Se a recorrente apenas pretendia atacar, como parece resultar da motivação do recurso, aquele despacho de arquivamento deveria ter lançado mão da reclamação hierárquica, nos termos do artº 287º do CPP. Mesmo que da queixa constassem factos que integrassem ilícitos penais não existia a possibilidade dela se socorrer para efeitos de pronúncia Como refere Figueiredo Dias in “As consequências jurídicas do crime”, págs. 665 e 667, «A queixa não equivale a acusação formal, a requerimento para julgamento, mas trata-se tão só de um pressuposto positivo da punição, de uma condição de procedimento, de um requerimento feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do direito respectivo exprime a sua vontade de que se verifique o procedimento criminal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada. «Ora, a tripla função da queixa - existência de procedimento criminal por vontade do respectivo titular; evitar que o processo penal prossiga sem ou contra a vontade do ofendido e específica protecção da vítima - constitui pressuposto da existência de um processo em que os factos nela constantes, conquanto não definam a rigidez do processo, vão ser alvo de investigação - comprovação de forma a contra o seu autor, se for caso disso, ser deduzida acção penal». Sendo uma declaração de vontade para que seja levantado um processo e investigação de uma conduta que se considera criminalmente ilícita e seja pressuposto da iniciação do processo penal, não pode considerar-se narração de factos para efeitos de abertura de instrução (acusação) os aí referidos. A jurisprudência e a doutrina tem-se dividido quanto à sanção aplicável para o requerimento de abertura de instrução efectuado pelo assistente que não contenha a narração dos factos integradores do crime pelo qual se pretende a pronúncia do arguido. Em nosso entender consideramos ser de seguir a orientação da rejeição do requerimento de abertura de instrução, por ser legalmente inadmissível a instrução, nos termos do nº 3 do artº 287º do CPP. Como já referimos, a decisão instrutória que pronunciasse o arguido, após uma instrução efectuada com base em tal requerimento, ou seria nula ou mesmo inexistente e, como se escreveu no Ac. desta Relação de 23/5/01, in CJ, A XXVI, t III, pág. 238, «uma instrução que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido é uma instrução que a lei não pode admitir, até porque seria inútil, e não é lícito praticar no processo actos inúteis (artºs 137º do C.P.Civil e 4º do C.P.Penal)». Uma das causas da rejeição do requerimento do assistente para a abertura da instrução é a da inadmissibilidade legal de instrução (artº 287º, nº 3 do CPP). Estabelecendo a lei processual penal a consequência (nulidade que leva à rejeição - artºs 283º, nº 3, al. b), 287º nºs 2 e 3 do CPP), no caso do requerimento de abertura da instrução, efectuado pelo assistente, não conter a descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, não há lugar ao convite do assistente, como pretende a recorrente, para apresentar novo requerimento. O prazo para requerimento da abertura da instrução é peremptório, conforme Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 6/12/95, in DR, 1ª S de 10/1/96, e a sua prorrogação viola as garantias de defesa do arguido. No Ac do T.C. de 30/1/01, in DR, 2ª S, de 23/3/01, escreveu-se «Porém o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se o decurso do prazo peremptório para requerer a abertura da instrução impede a renovação de um requerimento que, tendo sido apresentado com aquela finalidade, foi considerado nulo, ou seja, na formulação do assistente, a questão de saber se o direito do assistente de requerer a acusação foi desproporcionalmente restringido. «A este respeito, importa reconhecer que a dimensão garantística do processo penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, obsta, por um lado, a um entendimento de tal processo como um verdadeiro processo de partes e, por outro, não proporciona uma perspectiva de total simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modo de concretização das garantias de acesso à justiça. «Ora, nos casos de não pronúncia de arguido e em que o Ministério Público se decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é reconhecido ao assistente - e que deve revestir a forma de uma verdadeira acusação - não pode deixar de contender com o direito de defesa do eventual acusado ou arguido no caso daquele não respeitar o prazo fixado na lei para a sua apresentação. «O estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução - prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do acto - insere-se ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado...... «......a perspectiva do direito do assistente de deduzir a acusação através do requerimento de abertura da instrução, a não admissibilidade de renovação por decurso do prazo não constitui uma limitação desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é exclusivamente imputável, para além de constituir - na sua possível concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido.». O convite para apresentar novo requerimento de abertura de instrução, ou a correcção do apresentado, violaria o artº 32º, nº 1 da CRP, já que do ponto de vista constitucional merece maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa, do que garantias decorrentes da posição processual do assistente em casos em que o Mº. Pº. optou por não deduzir uma acusação, tendo decidido arquivar o processo (cfr. citado Ac. do TC). DECISÃO Em conformidade, decidem os juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida. Taxa de justiça: quatro Ucs. Porto, 24 de Março de 2004. Joaquim Rodrigues Dias Cabral Isabel Celeste Alves Pais Martins David Pinto Monteiro