Processo:0434755
Data do Acordão: 20/10/2004Relator: TELES DE MENEZESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - O erro de escrita é um erro não intencional cognoscível ou ostensivo, decorrendo da própria fundamentação da decisão que se considerou, independentemente da bondade da mesma. II - A rectificação de um erro de escrita pode ser feita por outro juiz que não aquele que proferiu a decisão.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
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Processo
0434755
Relator
TELES DE MENEZES
Descritores
ERRO DE ESCRITA
No do documento
Data do Acordão
10/21/2004
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
AGRAVO.
Decisão
PROVIDO.
Sumário
I - O erro de escrita é um erro não intencional cognoscível ou ostensivo, decorrendo da própria fundamentação da decisão que se considerou, independentemente da bondade da mesma. II - A rectificação de um erro de escrita pode ser feita por outro juiz que não aquele que proferiu a decisão.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

A.: B............., Lda.

RR.: C..........., Lda;
D...........;
E........... .

A A. deduz um pedido de indemnização contra os RR., fundando o formulado contra a 1.ª Ré C..........., Lda em responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas; e o avançado contra os outros RR. em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos.
No art. 11.º da p.i. refere que a 1.ª Ré mantinha relações privilegiadas com os 2.ºs RR., partilhando os mesmos escritórios, sendo aquela quem facturava à A. todos os serviços prestados relacionados com o desembaraço aduaneiro das mercadorias junto da alfândega do Aeroporto Sá Carneiro, no Porto.
Todavia, no cabeçalho da p.i. refere que quer a sede da 1.ª Ré, quer o local de trabalho dos outros RR. se situam em .........., .............. .

Findos os articulados foi proferido o despacho de fls. 508 que, com base na natureza da responsabilidade invocada relativamente ao 2.º e 3.º RR. – facto ilícito ocorrido no Porto – considerou competente o tribunal desta última comarca, por força do art. 74.º/2 do CPCivil e, porque neste caso a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente, declarou incompetente o Tribunal da Comarca de Loures, onde a acção havia sido proposta, e declarou competentes as Varas Cíveis do Porto, determinando a remessa dos autos a estas.

O processo foi distribuído à 1.ª Vara- 1.ª Secção - do Porto, aí tendo sido lavrado o despacho de fls. 521, que considerou que o despacho de fls. 508, que declarara a incompetência territorial da comarca de Loures e a competência das varas cíveis do Porto padecia de inexactidão devida a lapso manifesto, decorrente de lapso da própria p.i., porquanto a alfândega se situa no Aeroporto Sá Carneiro, na Maia e não no Porto, pelo que, ao abrigo do art. 667.º/2, 2.ª parte do CPCivil, determinou a rectificação do mesmo despacho, considerando competente o Tribunal Judicial da Comarca da Maia e ordenando a remessa dos autos a esse tribunal.
Após trânsito, os autos foram remetidos à Maia.

Nesta comarca foi proferido o despacho de fls. 533, que considerou inadmissível o proferido na 1.ª Vara Cível do Porto, por isso equivaler à resolução do conflito negativo de competência sem intervenção de órgão jurisdicional superior – art.s 111.º/2, 115.º e 116.º do CPCivil. Do mesmo modo, considerou ilegítima a rectificação de erros materiais por tribunal diferente daquele que proferiu a decisão. Afirmou, ainda, que a alteração do tribunal competente, sendo modificação essencial, não pode qualificar-se como rectificação de inexactidão, pois, quando muito, seria uma aclaração da decisão, sujeita a pedido de alguma parte, nos termos do art. 669.º do CPCivil.
Entendeu, por conseguinte, que o despacho proferido na 1.ª Vara Cível só pode entender-se como nova declaração de incompetência em função do território, devendo no tribunal onde foi proferido permanecer os autos até à resolução do conflito, nos termos do art. 115.º/2 do CPCivil.
Em conformidade, decretou a remessa dos autos à 1.ª Vara Cível do Porto.

A A. recorreu desse despacho, recurso que não foi inicialmente admitido, mas que acabou por sê-lo no seguimento de reclamação apresentada ante o Ex.mo Presidente desta Relação, que o mandou receber.

Conclusões da alegação da agravante:
1.ª. A fundamentação do despacho recorrido enferma de petição de princípio ao eleger como pressuposto para a sua prolação a existência de um conflito negativo de competência, suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Loures e as Varas Cíveis do Porto. À data da prolação do despacho recorrido não existia qualquer conflito negativo de competência com o consequente decaimento de toda a argumentação nele vertida.
2.ª. O M.mo Juiz da 1.ª Vara Cível do Porto, ao vir rectificar o despacho de 7.4.2003, proferido pelo M.mo Juiz de Loures, fê-lo adequadamente, em conformidade com o disposto no art. 667.º/1-2.ª parte do CPCivil e no respeito pelo princípio da celeridade processual.
3.ª. A referência feita à varas cíveis do Porto no despacho de 7.4.2003, resulta de lapso manifesto, atenta a respectiva fundamentação: com efeito, à luz do critério previsto no n.º 2 do art. 74.º do CPCivil, aí invocado, o tribunal competente para apreciar o pedido formulado contra os despachantes oficiais, com base em responsabilidade civil por facto ilícito extracontratual, sempre seria o da Maia – lugar onde se situa a Alfândega do Porto/Aeroporto Sá Carneiro, onde estão domiciliados o 2.º e 3.º RR e onde ocorreram os factos ilícitos descritos na p.i. – e não as varas cíveis do Porto.
4.ª. Tal lapso terá certamente resultado das múltiplas referências feitas nos articulados à Alfândega do Porto, sita no Aeroporto Sá Carneiro, no Porto, terminologia corrente que não coincide com a respectiva localização em termos de divisão comarcã.
5.ª. Não estamos perante qualquer erro de julgamento mas face a uma situação em que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreende claramente que o julgador disse coisa diversa daquela que tinha em mente exarar, verificando-se divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
6.ª. A conclusão de que o tribunal competente em razão do território seria o tribunal da comarca do Porto não está conforme com a respectiva premissa exarada no despacho de 07.04.2003, a saber, a de que o tribunal competente seria o tribunal onde está localizada a Alfândega do Porto e onde estão domiciliados o segundo e terceiro réus - local onde ocorreram os factos ilícitos que sustentam o pedido de indemnização contra tais réus (cf. Ac. STJ, de 20.01.1977: BMJ, 278.º - 210, no sentido de que o erro material a que se refere o art. 677.º do C.P.C. respeita à expressão da vontade do julgador e deve, consequentemente, incidir ou reflectir-se numa conclusão não consentida pelas premissas.)
7.ª. A posição sufragada no despacho recorrido, no sentido de que a alteração do tribunal competente, sendo modificação essencial, poderia, quanto muito, ser decidida pelo julgador na sequência de um pedido de aclaração pela(s) parte(s), nos termos do art. 669.º do C.P.C., também não pode proceder.
8.ª. Justifica-se um pedido de aclaração da decisão, ao abrigo do disposto no art. 669.º, n.º 1, al. a) do C.P.C., quando aquela contenha alguma obscuridade ou ambiguidade, o que não sucede no despacho de 07.04.2003.
9.ª. Já Alberto do Reis, in – Código de Processo Civil Anotado -, vol. V, pág. 152, entendia que “a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes; num caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos – Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.” (cf. acórdão do STJ, de 13.11.2002, in www.dgsi.pt).
10.ª. Todas as premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o raciocínio cognitivo que levou à decisão constante do despacho de 07.04.2003, encontram-se inequivocamente enunciados e descritos no mesmo, sendo o seu sentido cristalino para qualquer destinatário normal. Tal despacho não é obscuro nem ambíguo: enferma antes de lapso manifesto, pelas razões acima expostas e que aqui se reproduzem, não carecendo a sua “modificação” de qualquer pedido de esclarecimento.  
11.ª. Não tendo qualquer das partes recorrido do despacho de 07.04.2003, a rectificação de lapso manifesto poderia ter lugar a todo o tempo, não havendo qualquer impedimento legal a que tal rectificação seja feita por outro tribunal da mesma instância (cf. 2.ª parte do n.º 2 do art. 667.º do C.P.C.).
12.ª. De facto, da disposição legal acima citada resulta apenas que a rectificação de lapso material só pode ter lugar, em caso de recurso, antes da respectiva subida, devendo, em tal caso, ser feita pelo tribunal recorrido.
13.ª. No caso em apreço, a situação é diversa, não se descortinando qualquer razão, à luz dos princípios da verdade material e da celeridade processual, para que o juiz do tribunal designado como sendo o competente para apreciação da causa não possa rectificar o lapso manifesto constante do despacho que lhe reconheceu tal competência.
14.ª. A ter provimento a tese adiantada no despacho recorrido, a qual configura o despacho de 15.07.2003 como uma “nova declaração de incompetência” – recusando a sua qualificação como despacho rectificativo – ficaria em causa o regular andamento do processo, acabando por se desvirtuar, em nome de uma justiça formal, o princípio da celeridade e da justiça material.
15.ª. O despacho de 15.07.2003 não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso, tendo transitado em julgado, pelo que sempre deveria ter sido cumprido nos seus precisos termos com a consequente apreciação dos autos pelo tribunal judicial da Maia.
16.ª. A decisão transitada em julgado sobre a incompetência relativa – de que a incompetência territorial é uma das modalidades – resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada (cf. art. 111.º, n.º 2 do C.P.C.).
17.ª. Nestes termos, o despacho de 15.07.2003, transitado em julgado, ao vir rectificar, com fundamento em lapso manifesto, o despacho de 07.04.2003, sobre a incompetência territorial suscitada oficiosamente pelo juiz do tribunal da comarca de Loures, definiu, em termos definitivos, qual o tribunal territorialmente competente para conhecer a presente causa: in casu o tribunal da comarca da Maia.
18.ª. E não se diga, como adianta o Meritíssimo juiz a quo no despacho de 19.12.2003, em que manteve a decisão reclamada de não admissão do presente recurso, que a Agravante entra em contradição ao referir que também o despacho de 07.04.2003 não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso, tendo transitado em julgado, o que levaria à existência concomitante de duas decisões contraditórias em matéria de competência, com o conflito inerente à aplicação do disposto no n.º 3 do art. 115.º do C.P.C.. 
19.ª. Tal argumentação não colhe quando o despacho de 15.07.2003 se limita a rectificar o despacho de 07.04.2003, emendando um lapso manifesto contido no primeiro no que respeita à identificação do tribunal competente para a apreciação da presente causa. 
20.ª. O Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, para onde a acção foi remetida depois do trânsito em julgado do despacho de 15.07.2003, deveria ter aceite a competência que aí lhe é conferida por referência ao despacho de 07.04.2003.
21.ª. O despacho recorrido nunca deveria ter sido proferido por a questão já estar resolvida definitivamente no n.º 2 do art. 111.º do C.P.C. (cf. Acórdão do STJ – 2.ª Secção, proferido no Recurso de Conflito n.º 3203/00).
22.ª. Face a todo o exposto, espera confiadamente a Agravante que o Meritíssimo Juiz a quo não deixe de usar a faculdade de reparação que lhe é conferida pelo art. 744.º, n.º 1 do C.P.C.
23.ª. Quando assim não suceda, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho do tribunal a quo por violação das disposições legais acima citadas, ordenando-se, em conformidade, a baixa dos autos à 1.ª instância para prosseguimento dos seus termos.

O que está em causa neste agravo é saber se é admissível a rectificação operada pelo Sr. Juiz da 1.ª Vara Cível do Porto, ou se isso equivale a nova declaração de incompetência.

Os factos a considerar são os que supra se deixam descritos.

Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 667, a propósito dos vícios e reforma da sentença, escrevem que os erros materiais, do tipo descrito no art. 249.º do Cód. Civil a propósito dos negócios jurídicos, que não interferem na substância ou na fundamentação de decisão, podem ser corrigidos a todo o tempo por meio de simples despacho, seja a requerimento de qualquer das partes ou de ambas, seja por iniciativa do próprio juiz (art. 667.º).

Torna-se, por conseguinte, necessário apurar se se trata de erro material susceptível de ser corrigido, ou de erro de julgamento.

Dispõe o art. 249.º do CCivil que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
Naturalmente que este regime é aplicável aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, por força do art. 295.º do mesmo diploma legal.
Castro Mendes, Direito Civil (Teoria Geral), Edição da Faculdade de Direito de Lisboa, 1973, tratando das relações entre a vontade e a declaração, afirma que a vontade e declaração são dois elementos fundamentais do negócio jurídico: elemento interno e elemento externo – pág. 221.
Em seguida, tipificando as divergências entre a vontade real e a vontade declarada, afirma que a primeira classificação que se pode traçar é entre divergências intencionais e não intencionais, consoante sejam ou não produto da vontade do declarante.
Quanto às divergências não intencionais, subdivide-as, consoante o nível de profundidade da divergência, em: 1) falta da vontade da acção – coacção física; 2) falta em absoluto da vontade da declaração – falta de consciência da declaração; 3) falta da vontade da declaração quanto à declaração formulada, ou falta de vontade funcional – se tal suceder intencionalmente, estamos perante o chamado erro na declaração, erro-obstáculo ou erro obstativo – 223 e 224.
Interessa-nos o erro na declaração, o qual, segundo aquele Autor, se verifica em todos os casos em que inintencionalmente a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente mas de sentido diverso.
O que pode suceder em dois casos: A- Quando a vontade de declaração exista com certo conteúdo, mas não coincida, por erro, nem com a vontade funcional nem com a vontade declarada; B- Quando a vontade de declaração exista, com certo conteúdo, e coincida com a vontade declarada; mas estejam ambas em contradição com a vontade funcional.
O lapsus linguae e o lapsus calami (erro material, erro mecânico) são hipóteses da 1.ª espécie. A pessoa queria dizer x e por erro disse y, ou queria escrever z e por erro escreveu k.
O regime do erro na declaração é diferente consoante três sub-hipóteses que a lei trata diversamente: A- Erro conhecido; B- Erro cognoscível ou ostensivo; C- Erro não conhecido nem ostensivo.
Interessa-nos o 2.º, considerando-se cognoscível ou ostensivo o erro quando a divergência entre a vontade real e a vontade declarada é apreensível com segurança pelos próprios termos e circunstancialismo da declaração.
E diz Castro Mendes que “também neste caso o negócio jurídico vale tal como é querido. Isto está absolutamente de acordo com o princípio do artigo 236.º, ..., e encontra um claro afloramento no artigo 249.º do Código Civil” e também no art. 667.º do CPCivil – 237.

Podemos, portanto, dizer que o erro cometido é inintencional, cognoscível ou ostensivo, decorrendo da própria fundamentação da decisão que se considerou, independentemente da bondade da mesma, o que aqui se não encontra em causa, competente o tribunal da área em que se encontra sediada a Alfândega do Porto, que, por casualidade, não é o Porto, como o aeroporto não é no Porto, mas sim na Maia. Por erro, não de decisão, mas da declaração, visto que a vontade real do declarante consistiu no aferimento da competência pelo local da alfândega, o que é absolutamente apreensível com segurança pelos próprios termos em que a declaração foi proferida.
E, assim, temos tal erro inintencional e ostensivo como rectificável.

Resta saber se a rectificação pode ser feita por outro juiz que não aquele que proferiu a decisão.
Se a declaração vale tal como é querida, segundo Castro Mendes, parece que nem era necessário proceder-se à rectificação, dado que se percebia pelo teor do despacho aquilo que se pretendeu dizer. E sendo assim, naturalmente que, a haver rectificação, a mesma pode ser feito nos termos em que o foi, o que não equivale, de forma alguma, a nova declaração de incompetência, desta feita, pelo Juiz da 1.ª Vara Cível do Porto. Este limitou-se a dizer aquilo que o subscritor do despacho anterior quis dizer e, por lapso, não disse, sendo que a declaração vale de acordo com o que se quis dizer e não de acordo com o que se declarou por escrito.

Nestes termos, concede-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho agravado, que deve ser reformulado em conformidade com o que se deixa dito, independentemente da posição que vier a ser tomada quanto à questão de fundo.

Sem custas.

Porto, 21 de Outubro de 2004
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: A.: B............., Lda. RR.: C..........., Lda; D...........; E........... . A A. deduz um pedido de indemnização contra os RR., fundando o formulado contra a 1.ª Ré C..........., Lda em responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas; e o avançado contra os outros RR. em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos. No art. 11.º da p.i. refere que a 1.ª Ré mantinha relações privilegiadas com os 2.ºs RR., partilhando os mesmos escritórios, sendo aquela quem facturava à A. todos os serviços prestados relacionados com o desembaraço aduaneiro das mercadorias junto da alfândega do Aeroporto Sá Carneiro, no Porto. Todavia, no cabeçalho da p.i. refere que quer a sede da 1.ª Ré, quer o local de trabalho dos outros RR. se situam em .........., .............. . Findos os articulados foi proferido o despacho de fls. 508 que, com base na natureza da responsabilidade invocada relativamente ao 2.º e 3.º RR. – facto ilícito ocorrido no Porto – considerou competente o tribunal desta última comarca, por força do art. 74.º/2 do CPCivil e, porque neste caso a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente, declarou incompetente o Tribunal da Comarca de Loures, onde a acção havia sido proposta, e declarou competentes as Varas Cíveis do Porto, determinando a remessa dos autos a estas. O processo foi distribuído à 1.ª Vara- 1.ª Secção - do Porto, aí tendo sido lavrado o despacho de fls. 521, que considerou que o despacho de fls. 508, que declarara a incompetência territorial da comarca de Loures e a competência das varas cíveis do Porto padecia de inexactidão devida a lapso manifesto, decorrente de lapso da própria p.i., porquanto a alfândega se situa no Aeroporto Sá Carneiro, na Maia e não no Porto, pelo que, ao abrigo do art. 667.º/2, 2.ª parte do CPCivil, determinou a rectificação do mesmo despacho, considerando competente o Tribunal Judicial da Comarca da Maia e ordenando a remessa dos autos a esse tribunal. Após trânsito, os autos foram remetidos à Maia. Nesta comarca foi proferido o despacho de fls. 533, que considerou inadmissível o proferido na 1.ª Vara Cível do Porto, por isso equivaler à resolução do conflito negativo de competência sem intervenção de órgão jurisdicional superior – art.s 111.º/2, 115.º e 116.º do CPCivil. Do mesmo modo, considerou ilegítima a rectificação de erros materiais por tribunal diferente daquele que proferiu a decisão. Afirmou, ainda, que a alteração do tribunal competente, sendo modificação essencial, não pode qualificar-se como rectificação de inexactidão, pois, quando muito, seria uma aclaração da decisão, sujeita a pedido de alguma parte, nos termos do art. 669.º do CPCivil. Entendeu, por conseguinte, que o despacho proferido na 1.ª Vara Cível só pode entender-se como nova declaração de incompetência em função do território, devendo no tribunal onde foi proferido permanecer os autos até à resolução do conflito, nos termos do art. 115.º/2 do CPCivil. Em conformidade, decretou a remessa dos autos à 1.ª Vara Cível do Porto. A A. recorreu desse despacho, recurso que não foi inicialmente admitido, mas que acabou por sê-lo no seguimento de reclamação apresentada ante o Ex.mo Presidente desta Relação, que o mandou receber. Conclusões da alegação da agravante: 1.ª. A fundamentação do despacho recorrido enferma de petição de princípio ao eleger como pressuposto para a sua prolação a existência de um conflito negativo de competência, suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Loures e as Varas Cíveis do Porto. À data da prolação do despacho recorrido não existia qualquer conflito negativo de competência com o consequente decaimento de toda a argumentação nele vertida. 2.ª. O M.mo Juiz da 1.ª Vara Cível do Porto, ao vir rectificar o despacho de 7.4.2003, proferido pelo M.mo Juiz de Loures, fê-lo adequadamente, em conformidade com o disposto no art. 667.º/1-2.ª parte do CPCivil e no respeito pelo princípio da celeridade processual. 3.ª. A referência feita à varas cíveis do Porto no despacho de 7.4.2003, resulta de lapso manifesto, atenta a respectiva fundamentação: com efeito, à luz do critério previsto no n.º 2 do art. 74.º do CPCivil, aí invocado, o tribunal competente para apreciar o pedido formulado contra os despachantes oficiais, com base em responsabilidade civil por facto ilícito extracontratual, sempre seria o da Maia – lugar onde se situa a Alfândega do Porto/Aeroporto Sá Carneiro, onde estão domiciliados o 2.º e 3.º RR e onde ocorreram os factos ilícitos descritos na p.i. – e não as varas cíveis do Porto. 4.ª. Tal lapso terá certamente resultado das múltiplas referências feitas nos articulados à Alfândega do Porto, sita no Aeroporto Sá Carneiro, no Porto, terminologia corrente que não coincide com a respectiva localização em termos de divisão comarcã. 5.ª. Não estamos perante qualquer erro de julgamento mas face a uma situação em que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreende claramente que o julgador disse coisa diversa daquela que tinha em mente exarar, verificando-se divergência entre a vontade real e a vontade declarada. 6.ª. A conclusão de que o tribunal competente em razão do território seria o tribunal da comarca do Porto não está conforme com a respectiva premissa exarada no despacho de 07.04.2003, a saber, a de que o tribunal competente seria o tribunal onde está localizada a Alfândega do Porto e onde estão domiciliados o segundo e terceiro réus - local onde ocorreram os factos ilícitos que sustentam o pedido de indemnização contra tais réus (cf. Ac. STJ, de 20.01.1977: BMJ, 278.º - 210, no sentido de que o erro material a que se refere o art. 677.º do C.P.C. respeita à expressão da vontade do julgador e deve, consequentemente, incidir ou reflectir-se numa conclusão não consentida pelas premissas.) 7.ª. A posição sufragada no despacho recorrido, no sentido de que a alteração do tribunal competente, sendo modificação essencial, poderia, quanto muito, ser decidida pelo julgador na sequência de um pedido de aclaração pela(s) parte(s), nos termos do art. 669.º do C.P.C., também não pode proceder. 8.ª. Justifica-se um pedido de aclaração da decisão, ao abrigo do disposto no art. 669.º, n.º 1, al. a) do C.P.C., quando aquela contenha alguma obscuridade ou ambiguidade, o que não sucede no despacho de 07.04.2003. 9.ª. Já Alberto do Reis, in – Código de Processo Civil Anotado -, vol. V, pág. 152, entendia que “a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes; num caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos – Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.” (cf. acórdão do STJ, de 13.11.2002, in www.dgsi.pt). 10.ª. Todas as premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o raciocínio cognitivo que levou à decisão constante do despacho de 07.04.2003, encontram-se inequivocamente enunciados e descritos no mesmo, sendo o seu sentido cristalino para qualquer destinatário normal. Tal despacho não é obscuro nem ambíguo: enferma antes de lapso manifesto, pelas razões acima expostas e que aqui se reproduzem, não carecendo a sua “modificação” de qualquer pedido de esclarecimento. 11.ª. Não tendo qualquer das partes recorrido do despacho de 07.04.2003, a rectificação de lapso manifesto poderia ter lugar a todo o tempo, não havendo qualquer impedimento legal a que tal rectificação seja feita por outro tribunal da mesma instância (cf. 2.ª parte do n.º 2 do art. 667.º do C.P.C.). 12.ª. De facto, da disposição legal acima citada resulta apenas que a rectificação de lapso material só pode ter lugar, em caso de recurso, antes da respectiva subida, devendo, em tal caso, ser feita pelo tribunal recorrido. 13.ª. No caso em apreço, a situação é diversa, não se descortinando qualquer razão, à luz dos princípios da verdade material e da celeridade processual, para que o juiz do tribunal designado como sendo o competente para apreciação da causa não possa rectificar o lapso manifesto constante do despacho que lhe reconheceu tal competência. 14.ª. A ter provimento a tese adiantada no despacho recorrido, a qual configura o despacho de 15.07.2003 como uma “nova declaração de incompetência” – recusando a sua qualificação como despacho rectificativo – ficaria em causa o regular andamento do processo, acabando por se desvirtuar, em nome de uma justiça formal, o princípio da celeridade e da justiça material. 15.ª. O despacho de 15.07.2003 não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso, tendo transitado em julgado, pelo que sempre deveria ter sido cumprido nos seus precisos termos com a consequente apreciação dos autos pelo tribunal judicial da Maia. 16.ª. A decisão transitada em julgado sobre a incompetência relativa – de que a incompetência territorial é uma das modalidades – resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada (cf. art. 111.º, n.º 2 do C.P.C.). 17.ª. Nestes termos, o despacho de 15.07.2003, transitado em julgado, ao vir rectificar, com fundamento em lapso manifesto, o despacho de 07.04.2003, sobre a incompetência territorial suscitada oficiosamente pelo juiz do tribunal da comarca de Loures, definiu, em termos definitivos, qual o tribunal territorialmente competente para conhecer a presente causa: in casu o tribunal da comarca da Maia. 18.ª. E não se diga, como adianta o Meritíssimo juiz a quo no despacho de 19.12.2003, em que manteve a decisão reclamada de não admissão do presente recurso, que a Agravante entra em contradição ao referir que também o despacho de 07.04.2003 não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso, tendo transitado em julgado, o que levaria à existência concomitante de duas decisões contraditórias em matéria de competência, com o conflito inerente à aplicação do disposto no n.º 3 do art. 115.º do C.P.C.. 19.ª. Tal argumentação não colhe quando o despacho de 15.07.2003 se limita a rectificar o despacho de 07.04.2003, emendando um lapso manifesto contido no primeiro no que respeita à identificação do tribunal competente para a apreciação da presente causa. 20.ª. O Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, para onde a acção foi remetida depois do trânsito em julgado do despacho de 15.07.2003, deveria ter aceite a competência que aí lhe é conferida por referência ao despacho de 07.04.2003. 21.ª. O despacho recorrido nunca deveria ter sido proferido por a questão já estar resolvida definitivamente no n.º 2 do art. 111.º do C.P.C. (cf. Acórdão do STJ – 2.ª Secção, proferido no Recurso de Conflito n.º 3203/00). 22.ª. Face a todo o exposto, espera confiadamente a Agravante que o Meritíssimo Juiz a quo não deixe de usar a faculdade de reparação que lhe é conferida pelo art. 744.º, n.º 1 do C.P.C. 23.ª. Quando assim não suceda, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho do tribunal a quo por violação das disposições legais acima citadas, ordenando-se, em conformidade, a baixa dos autos à 1.ª instância para prosseguimento dos seus termos. O que está em causa neste agravo é saber se é admissível a rectificação operada pelo Sr. Juiz da 1.ª Vara Cível do Porto, ou se isso equivale a nova declaração de incompetência. Os factos a considerar são os que supra se deixam descritos. Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 667, a propósito dos vícios e reforma da sentença, escrevem que os erros materiais, do tipo descrito no art. 249.º do Cód. Civil a propósito dos negócios jurídicos, que não interferem na substância ou na fundamentação de decisão, podem ser corrigidos a todo o tempo por meio de simples despacho, seja a requerimento de qualquer das partes ou de ambas, seja por iniciativa do próprio juiz (art. 667.º). Torna-se, por conseguinte, necessário apurar se se trata de erro material susceptível de ser corrigido, ou de erro de julgamento. Dispõe o art. 249.º do CCivil que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”. Naturalmente que este regime é aplicável aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, por força do art. 295.º do mesmo diploma legal. Castro Mendes, Direito Civil (Teoria Geral), Edição da Faculdade de Direito de Lisboa, 1973, tratando das relações entre a vontade e a declaração, afirma que a vontade e declaração são dois elementos fundamentais do negócio jurídico: elemento interno e elemento externo – pág. 221. Em seguida, tipificando as divergências entre a vontade real e a vontade declarada, afirma que a primeira classificação que se pode traçar é entre divergências intencionais e não intencionais, consoante sejam ou não produto da vontade do declarante. Quanto às divergências não intencionais, subdivide-as, consoante o nível de profundidade da divergência, em: 1) falta da vontade da acção – coacção física; 2) falta em absoluto da vontade da declaração – falta de consciência da declaração; 3) falta da vontade da declaração quanto à declaração formulada, ou falta de vontade funcional – se tal suceder intencionalmente, estamos perante o chamado erro na declaração, erro-obstáculo ou erro obstativo – 223 e 224. Interessa-nos o erro na declaração, o qual, segundo aquele Autor, se verifica em todos os casos em que inintencionalmente a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente mas de sentido diverso. O que pode suceder em dois casos: A- Quando a vontade de declaração exista com certo conteúdo, mas não coincida, por erro, nem com a vontade funcional nem com a vontade declarada; B- Quando a vontade de declaração exista, com certo conteúdo, e coincida com a vontade declarada; mas estejam ambas em contradição com a vontade funcional. O lapsus linguae e o lapsus calami (erro material, erro mecânico) são hipóteses da 1.ª espécie. A pessoa queria dizer x e por erro disse y, ou queria escrever z e por erro escreveu k. O regime do erro na declaração é diferente consoante três sub-hipóteses que a lei trata diversamente: A- Erro conhecido; B- Erro cognoscível ou ostensivo; C- Erro não conhecido nem ostensivo. Interessa-nos o 2.º, considerando-se cognoscível ou ostensivo o erro quando a divergência entre a vontade real e a vontade declarada é apreensível com segurança pelos próprios termos e circunstancialismo da declaração. E diz Castro Mendes que “também neste caso o negócio jurídico vale tal como é querido. Isto está absolutamente de acordo com o princípio do artigo 236.º, ..., e encontra um claro afloramento no artigo 249.º do Código Civil” e também no art. 667.º do CPCivil – 237. Podemos, portanto, dizer que o erro cometido é inintencional, cognoscível ou ostensivo, decorrendo da própria fundamentação da decisão que se considerou, independentemente da bondade da mesma, o que aqui se não encontra em causa, competente o tribunal da área em que se encontra sediada a Alfândega do Porto, que, por casualidade, não é o Porto, como o aeroporto não é no Porto, mas sim na Maia. Por erro, não de decisão, mas da declaração, visto que a vontade real do declarante consistiu no aferimento da competência pelo local da alfândega, o que é absolutamente apreensível com segurança pelos próprios termos em que a declaração foi proferida. E, assim, temos tal erro inintencional e ostensivo como rectificável. Resta saber se a rectificação pode ser feita por outro juiz que não aquele que proferiu a decisão. Se a declaração vale tal como é querida, segundo Castro Mendes, parece que nem era necessário proceder-se à rectificação, dado que se percebia pelo teor do despacho aquilo que se pretendeu dizer. E sendo assim, naturalmente que, a haver rectificação, a mesma pode ser feito nos termos em que o foi, o que não equivale, de forma alguma, a nova declaração de incompetência, desta feita, pelo Juiz da 1.ª Vara Cível do Porto. Este limitou-se a dizer aquilo que o subscritor do despacho anterior quis dizer e, por lapso, não disse, sendo que a declaração vale de acordo com o que se quis dizer e não de acordo com o que se declarou por escrito. Nestes termos, concede-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho agravado, que deve ser reformulado em conformidade com o que se deixa dito, independentemente da posição que vier a ser tomada quanto à questão de fundo. Sem custas. Porto, 21 de Outubro de 2004 Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes Fernando Baptista Oliveira