Processo:0424318
Data do Acordão: 17/01/2005Relator: ALZIRO CARDOSOTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - Há que distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou seja, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca). II - Exigindo a lei substantiva certo tipo de documento para a constituição ou prova da obrigação, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0424318
Relator
ALZIRO CARDOSO
Descritores
TÍTULO EXECUTIVO
No do documento
Data do Acordão
01/18/2005
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA A DECISÃO.
Sumário
I - Há que distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou seja, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca). II - Exigindo a lei substantiva certo tipo de documento para a constituição ou prova da obrigação, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa.
Decisão integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – Relatório
B..... veio, por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa que contra ele moveu C....., deduzir oposição por embargos, alegando, em resumo, que:
O escrito particular dado à execução foi viciado e contém declarações divergentes daquelas que por ele foram subscritas;
Por outro lado, um documento particular para ser título executivo tem de ser formal e substancialmente válido para que, por seu intermédio, se constitua uma obrigação ou se reconheça validamente a sua existência;
O que não é o caso do escrito dado à execução, dado que as declarações negociais dele constantes só seriam válidas se reduzidas a escritura pública;
Acresce que a divida a que o escrito em causa se refere não existe, o que determina a nulidade da declaração e a inexistência de qualquer divida com fundamento nela.
Concluiu que julgados procedentes os deduzidos embargos deve a execução ser rejeitada por invalidade do título ou, caso assim se não entenda, declarada extinta.

No saneador foi julgada improcedente a “excepção da inexequibilidade do título” e, a fim dos autos prosseguirem, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Discordando daquela decisão o embargante interpôs o pressente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1- O M.º Juiz a quo considerou ser o titulo exequível por se mostrarem verificados os requisitos do documento de que depende a sua exequibilidade intrínseca e extrínseca, sendo ele próprio o facto constitutivo do crédito;
2- O documento dado à execução refere que a prestação prometida de pagamento é relativa à “venda da habitação e partilha da herança”;
3- Ora, mediante escritura pública outorgada em 28 de Junho de 2001, no -º Cartório Notarial de Competência Especializada de....., a fls. 12 a 15 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 9-A daquele Cartório, a recorrida, a mulher do executado e a mãe e irmão de ambas procederam à partilha da herança por óbito de D.....;
4- Ao tempo da abertura da sucessão, a mulher do recorrente era ainda solteira, pelo que, em qualquer caso, os bens que lhe foram adjudicados em partilha e as eventuais dívidas que os onerem são próprios e exclusivos dela;
5- O recorrente não assumiu qualquer obrigação a respeito da herança aberta por óbito do pai de sua mulher, nem quanto aos bens que ali foram adjudicados àquela;
6- Da escritura de partilha junta aos autos que constitui documento autêntico, resulta que o recorrente nem dela é parte e que, aliás, nenhuma dívida existe quanto ao pagamento das tornas devidas na partilha efectuada;
7- Ora, o documento particular que se pretenda que seja titulo executivo tem de ser formal e substancialmente válido para que, por seu intermédio, se constitua uma obrigação ou se reconheça validamente a sua existência.
8- É que a eficácia do título é meramente processual e não pode prevalecer sobre a eficácia substancial da relação jurídica subjacente, de sorte que se o executado demonstrar, no processo de oposição, que o direito de crédito, cuja existência o título faz supor, não existe na realidade (ou é inválido, acrescentamos nós), a eficácia do título cai, é submergida e vencida pela supremacia da relação jurídica substancial;
9- E a nulidade da relação jurídica substancial importa a inexequibilidade do título executivo (Ac. do STJ de 16-03-02, in www.dgsi.pt, procº n.º 024463);
10- Assim, a relação fundamental – partilha de herança – está sujeita a escritura pública, não tendo tal formalidade sido observada no documento exequendo, o que afasta a validade do próprio documento, em conformidade com o disposto no art. 458º n.º 2, do Código Civil;
11- Nesta conformidade e porque o titulo exequendo é apenas um documento particular, são nulas as declarações negociais dele constantes e, em consequência, nenhuma obrigação foi por ele constituída;
12- Da mesma forma e por força da remissão constante do art. 295º do Cód. Civil, o acto jurídico do reconhecimento de uma divida de valor superior a € 20.000 está sujeito a escritura pública, sob pena de nulidade, o que é expressamente confirmado pelo disposto no art. 358º n.º 2, do mesmo código, porquanto a confissão extrajudicial em documento particular só se considera provada na medida em que o documento particular seja ele próprio válido;
13- Por outro lado, o recorrente invocou nos embargos a inexistência da divida exequenda e a invalidade da declaração, enquanto excepções peremptórias;
14- Do douto despacho saneador nada consta relativamente ao conhecimento dessa excepção, dela não se conhecendo naquela sede, nem se remetendo o seu conhecimento para momento posterior, pelo que existe omissão de pronúncia e a consequente nulidade do despacho saneador;
15- O douto despacho saneador viola o disposto nos art.ºs 46º n.º 1, alínea c), 510º, n.º 1, alínea b) e 668º, n.º 1, al. c), do Cód. de Processo Civil, devendo aquele ser revogado e substituído por despacho que julgue os embargos procedentes e extinga a execução, ou, caso assim se não entenda, ser o despacho saneador julgado nulo e ordenado ao Mº Juiz a quo que conheça das excepções invocadas e de que não conheceu.

A embargada contra-alegou defendendo a improcedência do recurso. 

Em face das conclusões do apelante que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir, consiste, no essencial, em saber se ocorre a invocada inexequibilidade do título em que se baseia a execução.

Corridos os vistos cumpre decidir.
II – Fundamentos
1- De facto
Além dos enunciados no antecedente relatório, em face dos elementos juntos aos autos, têm-se como assentes os seguintes factos:
1. A presente execução funda-se no escrito fotocopiado a folhas 49, datado de 28 de Junho de 2001 e assinado pelo executado, do qual consta o seguinte:
“Eu B..... …declaro que estou devedor da quantia de sete milhões de escudos (7.000.000$00) a C..... … devido à venda da habitação e partilha da herança. Declaro ainda que esta tem direito a habitar no rés-do-chão da mesma habitação sita na Rua..... em..... até ao pagamento integral da respectiva divida, até ao dia 28 de Junho de 2002”. 
2. Por escritura pública de 28 de Junho de 2001, lavrada no -º Cartório Notarial de....., foi partilhada a herança aberta por óbito de D....., pai da esposa do embargante, E....., tendo sido adjudicado a esta o prédio sito na Rua....., freguesia de......
3. A exequente declarou naquela escritura que já tinha recebido da esposa do executado as tornas que lhe eram devidas, no montante de 1.575.000$00. 

2. De direito
Como acima se referiu a questão essencial a decidir consiste em saber se ocorre a invocada inexequibilidade do escrito particular em que se baseia a execução.
Sabe-se que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 45º, n.º 1 do CPC).
O título executivo é o documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, por conseguinte, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva. Por isso, costuma dizer-se que tem uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada coactivamente.
Às partes está vedado atribuir força executiva a qualquer documento que a lei não preveja como título executivo, assim como também lhes está vedada a recusa de força executiva a um documento legalmente previsto e qualificado como tal.
É a regra da tipicidade estabelecida no art.º 46º do CPC, ao dispor que à execução apenas podem servir de base os títulos ali enumerados.
Atento o preceituado na sua alínea c), na actual redacção resultante da reforma de 1995/96, aqui aplicável, podem servir de base à execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º”.
Daqui resulta que estes títulos executivos vêem a sua exequibilidade condicionada à verificação de dois requisitos: um de natureza formal – estarem assinados pelo devedor – e outro de natureza substantiva – referirem-se a obrigações pecuniárias líquidas ou liquidáveis através de simples cálculo aritmético.
No caso dos autos o exequente baseou a execução no escrito particular de que se encontra junta cópia a folhas 49, assinado pelo executado e do qual consta, o seguinte:
“Eu B..... …declaro que estou devedor da quantia de sete milhões de escudos (7.000.000$00) a C..... …devido à venda da habitação e partilha da herança …”.
Não oferece dúvidas que se verificam em relação ao escrito particular em que se baseia a execução, os requisitos exigidos pela al. c) do art. 46º do CPC para que um qualquer documento particular possa servir de base à execução, em especial, a assinatura do devedor e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária.
Mas o mesmo já não se poderá dizer no tocante à exequibilidade da pretensão nele fundada.
Como é sabido em sede de acção executiva e suas condições, importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou – o que vale o mesmo –, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).
Exigindo a lei substantiva certo tipo de documento para a constituição ou prova da obrigação, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa.
No caso dos autos, o documento em que se baseia a execução não é claro quanto à causa da dívida, referindo-se à “venda da habitação e partilha da herança”, sendo que a venda e a partilha de bens constituem negócios jurídicos distintos, ficando assim sem se saber se a divida respeita ao preço da venda do imóvel identificado naquele escrito ou a tornas relativa à partilha do mesmo bem.  
Mas quer a quantia de que o executado se declarou devedor respeite ao preço da venda do imóvel identificado no escrito em que se baseia a execução quer respeite a tornas relativas à partilha do mesmo imóvel, não pode ser admitida a execução com base num mero escrito particular. È que quer para a venda quer para a partilha de imóveis a lei substantiva exige escritura pública ( art. 875º do Cód. Civil e 80 n.º 1 e n.º 2 alínea j) do Código do Notariado). 
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, pág. 70, “a inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.”
No caso dos autos, sendo o negócio do qual, em primeira linha ou remotamente, decorre a pretensão exequenda – a venda ou partilha de imóvel que explica a posterior confissão de dívida –, nula por irregularidade de forma, embora o título se apresente exequível, por virtude da invalidade formal da obrigação pré-existente (a venda ou partilha de imóvel), a pretensão exequenda é inexequível.
Mas não só, em face desse vício formal, a pretensão exequenda é inexequível; outrossim, o próprio título.
Com efeito, e tal como escreve Teixeira de Sousa (ob. e loc. cit.), “...a invalidade formal do negócio jurídico afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título.” No mesmo sentido se pronuncia também Remédio Marques, in Curso do Processo Executivo à Face do Cód. Revisto, Almedina, pp. 70-71, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 61, Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., C. Editora, pp. 41-42 e, ainda, Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., Almedina, pág. 44.
São deste Autor, nesse local, as seguintes palavras: “É claro que, nos casos em que a lei substantiva exija certas condições de forma para a constituição ou prova da obrigação, o título que não obedeça a tais condições não pode servir para exigir executivamente a dita obrigação.”
Respeitando a quantia a que se refere o escrito em que se baseia a execução à alegada “venda ou partilha” de um imóvel, sendo que tanto para a venda como para a partilha de imóveis a lei exige escritura pública, o escrito particular não pode servir para exigir executivamente a obrigação exequenda.
O art. 458, nº 1, do CC estabelece que “se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”.
Resulta, assim, de tal normativo, que quando, através de uma declaração unilateral, se efectue o reconhecimento de uma dívida, sem que o devedor indique a causa que o leva a obrigar-se, se presume a existência e a validade da relação fundamental, embora podendo o devedor fazer a prova do contrário (cfr. ainda, art. 349 e 350, nºs 1 e 2, do CC).
Porém, no caso dos autos, embora de uma forma imprecisa, foi indicada no titulo dado à execução a causa da obrigação, o que determina a não aplicação da indicada presunção. 
Procedendo, quanto à invocada inexequibilidade, as conclusões do apelante, fica prejudicado o conhecimento da alegada omissão de pronúncia do despacho saneador quanto à invocada inexistência da divida e à arguida invalidade da declaração.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e julgando os embargos procedentes, declara-se extinta a execução.
Custas pela agravada.*Porto, 18 de Janeiro de 2005
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – Relatório B..... veio, por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa que contra ele moveu C....., deduzir oposição por embargos, alegando, em resumo, que: O escrito particular dado à execução foi viciado e contém declarações divergentes daquelas que por ele foram subscritas; Por outro lado, um documento particular para ser título executivo tem de ser formal e substancialmente válido para que, por seu intermédio, se constitua uma obrigação ou se reconheça validamente a sua existência; O que não é o caso do escrito dado à execução, dado que as declarações negociais dele constantes só seriam válidas se reduzidas a escritura pública; Acresce que a divida a que o escrito em causa se refere não existe, o que determina a nulidade da declaração e a inexistência de qualquer divida com fundamento nela. Concluiu que julgados procedentes os deduzidos embargos deve a execução ser rejeitada por invalidade do título ou, caso assim se não entenda, declarada extinta. No saneador foi julgada improcedente a “excepção da inexequibilidade do título” e, a fim dos autos prosseguirem, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória. Discordando daquela decisão o embargante interpôs o pressente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1- O M.º Juiz a quo considerou ser o titulo exequível por se mostrarem verificados os requisitos do documento de que depende a sua exequibilidade intrínseca e extrínseca, sendo ele próprio o facto constitutivo do crédito; 2- O documento dado à execução refere que a prestação prometida de pagamento é relativa à “venda da habitação e partilha da herança”; 3- Ora, mediante escritura pública outorgada em 28 de Junho de 2001, no -º Cartório Notarial de Competência Especializada de....., a fls. 12 a 15 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 9-A daquele Cartório, a recorrida, a mulher do executado e a mãe e irmão de ambas procederam à partilha da herança por óbito de D.....; 4- Ao tempo da abertura da sucessão, a mulher do recorrente era ainda solteira, pelo que, em qualquer caso, os bens que lhe foram adjudicados em partilha e as eventuais dívidas que os onerem são próprios e exclusivos dela; 5- O recorrente não assumiu qualquer obrigação a respeito da herança aberta por óbito do pai de sua mulher, nem quanto aos bens que ali foram adjudicados àquela; 6- Da escritura de partilha junta aos autos que constitui documento autêntico, resulta que o recorrente nem dela é parte e que, aliás, nenhuma dívida existe quanto ao pagamento das tornas devidas na partilha efectuada; 7- Ora, o documento particular que se pretenda que seja titulo executivo tem de ser formal e substancialmente válido para que, por seu intermédio, se constitua uma obrigação ou se reconheça validamente a sua existência. 8- É que a eficácia do título é meramente processual e não pode prevalecer sobre a eficácia substancial da relação jurídica subjacente, de sorte que se o executado demonstrar, no processo de oposição, que o direito de crédito, cuja existência o título faz supor, não existe na realidade (ou é inválido, acrescentamos nós), a eficácia do título cai, é submergida e vencida pela supremacia da relação jurídica substancial; 9- E a nulidade da relação jurídica substancial importa a inexequibilidade do título executivo (Ac. do STJ de 16-03-02, in www.dgsi.pt, procº n.º 024463); 10- Assim, a relação fundamental – partilha de herança – está sujeita a escritura pública, não tendo tal formalidade sido observada no documento exequendo, o que afasta a validade do próprio documento, em conformidade com o disposto no art. 458º n.º 2, do Código Civil; 11- Nesta conformidade e porque o titulo exequendo é apenas um documento particular, são nulas as declarações negociais dele constantes e, em consequência, nenhuma obrigação foi por ele constituída; 12- Da mesma forma e por força da remissão constante do art. 295º do Cód. Civil, o acto jurídico do reconhecimento de uma divida de valor superior a € 20.000 está sujeito a escritura pública, sob pena de nulidade, o que é expressamente confirmado pelo disposto no art. 358º n.º 2, do mesmo código, porquanto a confissão extrajudicial em documento particular só se considera provada na medida em que o documento particular seja ele próprio válido; 13- Por outro lado, o recorrente invocou nos embargos a inexistência da divida exequenda e a invalidade da declaração, enquanto excepções peremptórias; 14- Do douto despacho saneador nada consta relativamente ao conhecimento dessa excepção, dela não se conhecendo naquela sede, nem se remetendo o seu conhecimento para momento posterior, pelo que existe omissão de pronúncia e a consequente nulidade do despacho saneador; 15- O douto despacho saneador viola o disposto nos art.ºs 46º n.º 1, alínea c), 510º, n.º 1, alínea b) e 668º, n.º 1, al. c), do Cód. de Processo Civil, devendo aquele ser revogado e substituído por despacho que julgue os embargos procedentes e extinga a execução, ou, caso assim se não entenda, ser o despacho saneador julgado nulo e ordenado ao Mº Juiz a quo que conheça das excepções invocadas e de que não conheceu. A embargada contra-alegou defendendo a improcedência do recurso. Em face das conclusões do apelante que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir, consiste, no essencial, em saber se ocorre a invocada inexequibilidade do título em que se baseia a execução. Corridos os vistos cumpre decidir. II – Fundamentos 1- De facto Além dos enunciados no antecedente relatório, em face dos elementos juntos aos autos, têm-se como assentes os seguintes factos: 1. A presente execução funda-se no escrito fotocopiado a folhas 49, datado de 28 de Junho de 2001 e assinado pelo executado, do qual consta o seguinte: “Eu B..... …declaro que estou devedor da quantia de sete milhões de escudos (7.000.000$00) a C..... … devido à venda da habitação e partilha da herança. Declaro ainda que esta tem direito a habitar no rés-do-chão da mesma habitação sita na Rua..... em..... até ao pagamento integral da respectiva divida, até ao dia 28 de Junho de 2002”. 2. Por escritura pública de 28 de Junho de 2001, lavrada no -º Cartório Notarial de....., foi partilhada a herança aberta por óbito de D....., pai da esposa do embargante, E....., tendo sido adjudicado a esta o prédio sito na Rua....., freguesia de...... 3. A exequente declarou naquela escritura que já tinha recebido da esposa do executado as tornas que lhe eram devidas, no montante de 1.575.000$00. 2. De direito Como acima se referiu a questão essencial a decidir consiste em saber se ocorre a invocada inexequibilidade do escrito particular em que se baseia a execução. Sabe-se que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 45º, n.º 1 do CPC). O título executivo é o documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, por conseguinte, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva. Por isso, costuma dizer-se que tem uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada coactivamente. Às partes está vedado atribuir força executiva a qualquer documento que a lei não preveja como título executivo, assim como também lhes está vedada a recusa de força executiva a um documento legalmente previsto e qualificado como tal. É a regra da tipicidade estabelecida no art.º 46º do CPC, ao dispor que à execução apenas podem servir de base os títulos ali enumerados. Atento o preceituado na sua alínea c), na actual redacção resultante da reforma de 1995/96, aqui aplicável, podem servir de base à execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º”. Daqui resulta que estes títulos executivos vêem a sua exequibilidade condicionada à verificação de dois requisitos: um de natureza formal – estarem assinados pelo devedor – e outro de natureza substantiva – referirem-se a obrigações pecuniárias líquidas ou liquidáveis através de simples cálculo aritmético. No caso dos autos o exequente baseou a execução no escrito particular de que se encontra junta cópia a folhas 49, assinado pelo executado e do qual consta, o seguinte: “Eu B..... …declaro que estou devedor da quantia de sete milhões de escudos (7.000.000$00) a C..... …devido à venda da habitação e partilha da herança …”. Não oferece dúvidas que se verificam em relação ao escrito particular em que se baseia a execução, os requisitos exigidos pela al. c) do art. 46º do CPC para que um qualquer documento particular possa servir de base à execução, em especial, a assinatura do devedor e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária. Mas o mesmo já não se poderá dizer no tocante à exequibilidade da pretensão nele fundada. Como é sabido em sede de acção executiva e suas condições, importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou – o que vale o mesmo –, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca). Exigindo a lei substantiva certo tipo de documento para a constituição ou prova da obrigação, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa. No caso dos autos, o documento em que se baseia a execução não é claro quanto à causa da dívida, referindo-se à “venda da habitação e partilha da herança”, sendo que a venda e a partilha de bens constituem negócios jurídicos distintos, ficando assim sem se saber se a divida respeita ao preço da venda do imóvel identificado naquele escrito ou a tornas relativa à partilha do mesmo bem. Mas quer a quantia de que o executado se declarou devedor respeite ao preço da venda do imóvel identificado no escrito em que se baseia a execução quer respeite a tornas relativas à partilha do mesmo imóvel, não pode ser admitida a execução com base num mero escrito particular. È que quer para a venda quer para a partilha de imóveis a lei substantiva exige escritura pública ( art. 875º do Cód. Civil e 80 n.º 1 e n.º 2 alínea j) do Código do Notariado). Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, pág. 70, “a inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.” No caso dos autos, sendo o negócio do qual, em primeira linha ou remotamente, decorre a pretensão exequenda – a venda ou partilha de imóvel que explica a posterior confissão de dívida –, nula por irregularidade de forma, embora o título se apresente exequível, por virtude da invalidade formal da obrigação pré-existente (a venda ou partilha de imóvel), a pretensão exequenda é inexequível. Mas não só, em face desse vício formal, a pretensão exequenda é inexequível; outrossim, o próprio título. Com efeito, e tal como escreve Teixeira de Sousa (ob. e loc. cit.), “...a invalidade formal do negócio jurídico afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título.” No mesmo sentido se pronuncia também Remédio Marques, in Curso do Processo Executivo à Face do Cód. Revisto, Almedina, pp. 70-71, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 61, Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., C. Editora, pp. 41-42 e, ainda, Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., Almedina, pág. 44. São deste Autor, nesse local, as seguintes palavras: “É claro que, nos casos em que a lei substantiva exija certas condições de forma para a constituição ou prova da obrigação, o título que não obedeça a tais condições não pode servir para exigir executivamente a dita obrigação.” Respeitando a quantia a que se refere o escrito em que se baseia a execução à alegada “venda ou partilha” de um imóvel, sendo que tanto para a venda como para a partilha de imóveis a lei exige escritura pública, o escrito particular não pode servir para exigir executivamente a obrigação exequenda. O art. 458, nº 1, do CC estabelece que “se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”. Resulta, assim, de tal normativo, que quando, através de uma declaração unilateral, se efectue o reconhecimento de uma dívida, sem que o devedor indique a causa que o leva a obrigar-se, se presume a existência e a validade da relação fundamental, embora podendo o devedor fazer a prova do contrário (cfr. ainda, art. 349 e 350, nºs 1 e 2, do CC). Porém, no caso dos autos, embora de uma forma imprecisa, foi indicada no titulo dado à execução a causa da obrigação, o que determina a não aplicação da indicada presunção. Procedendo, quanto à invocada inexequibilidade, as conclusões do apelante, fica prejudicado o conhecimento da alegada omissão de pronúncia do despacho saneador quanto à invocada inexistência da divida e à arguida invalidade da declaração. IV – Decisão Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e julgando os embargos procedentes, declara-se extinta a execução. Custas pela agravada.*Porto, 18 de Janeiro de 2005 Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves