Processo:0522135
Data do Acordão: 13/06/2005Relator: MÁRIO CRUZTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I- As benfeitorias, uma vez integradas no imóvel, passam a ser direito de crédito correspondente à sua integração. II- A penhora do imóvel, igualmente as abrange, não sendo caso de defesa através de embargos de terceiro. III- Todavia podem as mesmas conceder ao seu titular direito de retenção e até direito de preferência em futura compra e venda.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0522135
Relator
MÁRIO CRUZ
Descritores
BENFEITORIA PENHORA COMODATO
No do documento
Data do Acordão
06/14/2005
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA.
Sumário
I- As benfeitorias, uma vez integradas no imóvel, passam a ser direito de crédito correspondente à sua integração. II- A penhora do imóvel, igualmente as abrange, não sendo caso de defesa através de embargos de terceiro. III- Todavia podem as mesmas conceder ao seu titular direito de retenção e até direito de preferência em futura compra e venda.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

“B................, S.A.”, com sede na Rua ......., ..., ...º-...., Braga,
instaurou execução de Sentença para pagamento de quantia certa, no valor de € 161.062,31
contra a executada
“C..........., com sede na Rua da ........, em Mirandela
e no decurso dessa execução veio a ser efectuada a penhora do
- “Prédio urbano composto por uma parcela de terreno destina à construção, com a área de 2.700 m2, sito no ..........., incluindo todas as benfeitorias nela existentes, a confrontar pelo Norte com a Câmara Municipal e a Rua da ....., pelo Sul com a Rua da ......, pelo Nascente com a D..............., pelo Poente com a Rua da ......., inscrito da matriz predial urbana da freguesia de Mirandela sob o artigo n.º 5807 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mirandela sob a ficha n.º 03856/210203 da mesma freguesia.

A “E...............”, no entanto, veio deduzir oposição mediante os presentes embargos de terceiro contra a penhora efectuada alegando, em síntese, que as benfeitorias penhoradas foram por si realizadas no âmbito de um contrato existente entre a executada e ela (E.............), pelo que são sua pertença, não constituindo, portanto, garantia do pagamento da dívida da Executada à Exequente.
Concluiu, pedindo que sejam os embargos julgados procedentes e levantada a penhora que incide sobre as benfeitorias em causa.
Os embargos de terceiro foram liminarmente admitidos e recebidos e foi ordenada a suspensão dos termos da execução em relação às benfeitorias (fls.107 a 109).

A Embargada/Exequente deduziu contestação aos embargos de terceiro invocando a nulidade do contrato em que a Embargante funda a realização das benfeitorias, a inexistência de posse por parte da Embargante e a inexistência de ofensa à posse da Embargante.
Conclui pela improcedência total dos embargos e a condenação da Embargante como litigante de má-fé.

A Embargada/Executada, por sua vez, deduziu também contestação, invocando, no entanto, que apenas parte das benfeitorias efectuadas no prédio foram realizadas pela Embargante, sendo que na restante parte foram realizadas pela própria Embargada/Executada.
Conclui pela improcedência parcial dos embargos.

A Embargante deduziu réplica contra a contestação da Embargada/Exequente contestando a matéria de excepção invocada e concluiu como na petição inicial.

Foi proferido Saneador-Sentença, onde:
os Embargados vieram a ser absolvidos da instância, por se sustentar a inadmissibilidade legal dos embargos de terceiro ao caso em presença;
e se declarou cessada a suspensão dos termos da execução em relação às benfeitorias, ordenando-se o prosseguimento da execução;
e se absolveu a Embargante do pedido de condenação como litigante de má-fé.

A Embargante não se conformou com a decisão, dela vindo a interpor recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.
Apresentou alegações de recurso.
Contra-alegou apenas o Embargado/Exequente.

Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação e demais atributos que lhe haviam sido atribuídos na primeira instância.
Correram os vistos legais.

II. Âmbito do recurso.

Vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelo apelante, já que de acordo com o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, é através delas que ele delimita as questões que pretende ver tratadas.
Assim:
“A- Na decisão recorrida qualificou-se erradamente o contrato celebrado entre a Recorrente e a C............... como um contrato de Comodato, quando as partes celebraram um contrato "Atípico" bilateral e oneroso, contrato esse celebrado dentro dos limites da lei nomeadamente da liberdade contratual.
B- Ao não terem celebrado um contrato de Comodato fica prejudicado o que na decisão recorrida se diz quanto às benfeitorias, uma vez que a Recorrente é aí considerada comodatária e por isso equiparada ao possuidor de má-fé.
C- A douta sentença assenta assim em meras e erróneas conclusões e suposições do Meretissimo Juiz.
D- Não foi tida em conta a existência de um direito de retenção a favor da Recorrente que legitima de per si a dedução dos embargos de terceiro.
E- A sentença viola os artigos 1129.º e 775.º do CC. e o artigo 351.º do CPC..
F-A douta sentença está ferida de nulidade por os respectivos fundamentos estarem em oposição com a decisão. (artigo 668 n.º1-c) do CPC.)
Nestes termos deve a decisão recorrida ser revogada, dando provimento ao presente recurso e em consequência serem admitidos os Embargos de Terceiro propostos pela Recorrente E............ contra a C................ e “B............., SA.”
Sendo assim feita JUSTIÇA.

Em face de tais conclusões, vemos que o recurso se reconduz a determinar se é ou não admissível a defesa através de embargos de terceiro por parte de benfeitorizante de imóvel em construção que lhe foi cedido pelo dono para aquele ali instalar um lar de idosos por um período de vinte anos (renovável), relativamente a uma penhora em execução movida contra o dono do imóvel, quando:
a) as benfeitorias foram realizadas pelo Embargante benfeitor, ao abrigo de contrato celebrado entre ambos, e onde está estipulado que as mesmas se integrarão gratuitamente na propriedade do dono prédio após o decurso de vinte anos, 
b) e entretanto vem a ocorrer penhora sobre o prédio benfeitorizado antes desse prazo.

III. Fundamentação

III-A) Os factos

Os factos a ter em consideração no presente recurso são os já constantes do Relatório, a que acrescentamos ainda os seguintes factos:

-. A Embargante (E...............) celebrou com a segunda Embargada (C............) um contrato “com início em Dezembro de 1997 e com a validade de 20 anos, com início a 2 de Dezembro de 1997” (...) findo o qual será renovado a definir por ambas as Direcções”, e no qual se pode ler que a “C..............cedeu a título gratuito o bloco “B” das suas instalações, a cozinha e a sala de jantar situadas no primeiro andar do bloco “A”, a ligação entre os blocos “A” e “B” e os espaços exteriores de recreio e lazer, direito de passagem na zona denominada “Anfiteatro”, destinando-se as referidas instalações ao funcionamento de um lar de idosos...
-. Como contrapartida a Embargante comprometia-se a concluir todas as obras necessárias ao bom funcionamento dos serviços de acordo com as normas técnicas e proceder ao longo dos anos à sua conservação(...), ficavam os associados da Embargada a poder usufruir do refeitório nas condições previstas nos regulamentos internos (...)ficava obrigada a manter, durante a vigência do contrato, como utentes do Lar de Idosos, até ao limite de 20% da sua capacidade, os associados indicados pela Direcção da C...............(...).”
-. Constava ainda do referido contrato que “Findo o prazo referido na cláusula segunda (20 anos), as instalações são propriedade da C.............. (...) e a E.............. (...) não poderá exigir o levantamento ou pagamento, de quaisquer benfeitorias efectuadas em cumprimento das obras a que se comprometeu, renunciando a exigir qualquer quantia, e constituindo as mesmas, parte integrante do edifício.
-. Ficou indiciariamente provado, aquando da admissão liminar dos embargos, que a Embargante fez no edifício várias obras, nomeadamente levantamento e reboco de paredes, obras de adaptação e restauro do bloco “A”, colocação de um piso, seu revestimento total, colocação de portas interiores e exteriores, janelas e várias vidros, obras relativas ao aquecimento central do edifício, rede de electricidade e água e ainda a montagem de um elevador, havendo gasto nos cinco anos de vigência do contrato a quantia de € 194.174,46 com as obras de conservação e beneficiação do prédio tendo em vista o funcionamento do lar e a duração do contrato, e que a segunda Executada (C...............) não utiliza as benfeitorias penhoradas. Estes factos são no entanto, pelo menos parcialmente, objecto de impugnação

Passemos então a analisar o recurso em causa:

III-B) Análise do recurso

A decisão recorrida – como já atrás foi referido – julgou os embargos logo no saneador, e qualificou o contrato celebrado entre a C............. e a E.............. como um contrato de comodato, sustentando que deveriam os embargos terem já sido indeferidos liminarmente, porque:
a) de acordo com o disposto no art. 406.º-2 do CC, o contrato só produz efeitos nos casos especialmente previstos na lei;
b) a lei apenas assegura ao comodatário o direito de indemnização pelo comodante, quando o bem comodatado seja alienado ou onerado;
c) não sendo admissível embargar de terceiro com base na existência de um contrato de comodato,
d) nem com base na existência de benfeitorias porque as realizadas pelo comodatário equiparam-se às do possuidor de má fé.


A Apelante/Embargante (E............) entende que não se está perante um contrato de comodato, porque, de acordo com o disposto no art. 1129.º do CC., “Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega á outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de restituir.” (sublinhado nosso), e, no caso em presença nos encontramos perante um contrato atípico, bilateral e oneroso, em que não existe qualquer liberalidade.

Para se poder fazer o diagnóstico diferencial entre comodato e qualquer outro contrato de outra natureza, há que ter presente os ensinamentos de Pires de Lima/A.Varela, sucintamente expressos no CC Anotado e Comentado, vol II, 3.ª ed. revista e actualizada, pag. 661, em anotação ao art. 1129.º, de que repescamos as seguintes passagens:
“(...)O comodato é um contrato gratuito, onde não há, por conseguinte, a cargo do comodatário, prestações que constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante. Nenhuma das obrigações discriminadas no art. 1135.º está realmente ligada a esta atribuição pelo nexo próprio do sinalagma, ou mesmo dos contratos onerosos.[Art. 1135.º do CC.:
São obrigações do comodatário:
a) Guardar e conservar a coisa emprestada;
b) Facultar ao comodante o exame dela;
c) Não a aplicar a fim diverso daquele a que a coisa se destina;
d) Não fazer dela uma utilização imprudente;
e) Tolerar quaisquer benfeitorias que o comodante queira realizar na coisa;
f) Não proporcionar a terceiro o uso da coisa, excepto se o comodante o autorizar;
g) Avisar imediatamente o comodante, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arroga; direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado do comodante;
h) Restituir a coisa findo o contrato.]

Se em troca do uso da coisa, o contraente, que a recebe, promete alguma prestação, o contrato deixa de ser comodato e passa a ser de arrendamento, de aluguer, ou um contrato atípico, consoante os casos.(...)
Apesar de gratuito, o contrato não deixa de ser em regra um contrato bilateral imperfeito: o contrato envolve obrigações, não só para o comodatário, mas também para o comodante. Não há porém, entre umas e outras, a relação de interdependência e reciprocidade que, através do sinalagma, define os contratos bilaterais ou sinalagmáticos (perfeitos).
Também não há, em contrapartida, na estrutura do comodato a obrigação a cargo do comodante de não repetir a coisa comodada durante o período de vigência do contrato(...)
A gratuitidade do comodato não nega a possibilidade do comodante impor ao comodatário certos encargos (claúsulas modais), como o de pagar a contribuição predial (hoje correspondente ao IMI) ou outros impostos relativos ao prédio cedido. (...) O que é necessário é que o encargo não seja de tal valor que faça desaparecer o benefício do comodatário, como razão determinante do contrato(...)

Em face de tais ensinamentos, entendemos que a Apelante tem razão no seu inconformismo quanto à parte da sentença que qualificou o contrato como sendo de comodato, defendendo antes, que se trata de um contrato atípico e oneroso (ainda que discordemos da existência de sinalagma):
Na verdade, sobre a Apelante/Embargante (E...........) ficaram a pesar algumas obrigações de pendor relevante para a cedência das instalações, e de que cumpre destacar, desde logo:
-. a conclusão das obras necessárias ao bom funcionamento dos serviços do Lar de Idosos e de proceder ao longo dos anos à sua conservação;
-. a reserva de 20% dos lugares para os associados da C............. no referido Lar da Terceira Idade (para o qual foram cedidas à ora Apelante as respectivas instalações);
-. o direito de os associados da C............. poderem usufruir do refeitório do Lar, segundo as condições previstas nos regulamentos internos da E.....................;
-. o de, findo o prazo de vinte anos, não poder a E........... exigir o levantamento ou pagamento de quaisquer benfeitorias efectuadas, constituindo as mesmas, parte integrante do edifício, renunciando a E............ à exigência de qualquer quantia.

É fácil de ver que, perante a extensão e dimensão das obrigações a que a E............. ficou submetida, não nos encontramos perante qualquer gratuitidade de cedência de instalações ou perante encargos meramente simbólicos (como o pagamento de impostos relativamente ao prédio cedido - para além daquilo que o art. 1135.º do CC. enuncia como obrigações do comodatário-), mas sim perante um verdadeiro contrato oneroso em que a entrega de instalações tem conexionadas obrigações importantes para a E........... .

Daí que possamos concluir que não nos encontramos perante um contrato de comodato.
Por outro lado, também não nos encontramos perante um contrato de locação, porque as obrigações e encargos a que ficou submetida a E............. não têm a natureza de retribuição, porque a retribuição na locação, corresponde a um pagamento autónomo, com carácter periódico (renda), e, como se pode ler no Código Civil, Anotado e Comentado, de Pires de Lima/Antunes Varela [Ob. citada, II- pg. 365, em anotação ao art. 1022.º do CC.], o contrato de arrendamento exige que a renda esteja fixada ou pelo menos exista um critério definido que permita a sua fixação, circunstâncias estas que nada têm a ver com a situação em causa.

Estamos então perante um contrato atípico, celebrado no âmbito da liberdade contratual das partes.
De acordo com o disposto no art. 405.º-1 do CC., “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.”

Pois bem:

Voltando ao contrato celebrado, vemos que a E.............., - mais do que autorizada -, ficou obrigada a realizar obras no edifício cedido.
Donde concluir que nenhuma dessas obras a que estivesse obrigada no âmbito do contrato se pode considerar como não tendo sido autorizada pela dona (C.............), ou seja, foram todas elas realizadas de boa fé.
Todas as obras respeitam ao aperfeiçoamento ou melhoramento da coisa, ao abrigo de um vínculo jurídico, pelo que, a existirem, nos encontramos, indubitavelmente perante simples benfeitorias e não perante qualquer fenómeno de acessão imobiliária.
Na verdade, é esse o traço distintivo entre benfeitoria e acessão, como nos refere Pires de Lima/A. Varela [Ob. citada, III-pg. 137, em anotação ao art. 1325.º do CC.]

Avancemos, portanto, mais um pouco:

A existirem as alegadas benfeitorias que não podem ser retiradas do prédio - consoante alegado - o acordo contratual estabelecido entre as partes (C.............. e E.............) no sentido de as mesmas passarem a ser propriedade da aqui Executada (C................), gratuitamente, findo o prazo de vinte anos (cláusula 8.ª), encontra-se feito no pressuposto de que a E................... iria poder exercer a sua função social durante o período previsto no contrato.
Por outro lado, a E............... efectuou as benfeitorias para as mesmas ficarem integradas na propriedade da C.............., que lhe conferira a possibilidade de uso temporário do imóvel.

Uma vez integradas no imóvel, perdeu a propriedade sobre elas, passando apenas a assistir-lhe o direito de crédito correspondente à sua integração ou à indemnização decorrente da quebra do contrato - crédito esse que apenas deixaria de ter se porventura o contrato firmado com a C.............. chegasse ao termo previsto, de acordo com o que resulta do disposto nas cláusulas 2.ª e 8.ª do contrato firmado (cfr. fls. 103)
É que na verdade, na relação jurídica estabelecida entre a E.............. e a C................, aquela actuaria face ao imóvel como possuidora precária ou mera detentora, porque, embora possuidora do corpus possessório (que lhe fora entregue nos termos do contrato) não tinha o animus (porque não agia como se fosse dona, pois sabia que ao efectuar as benfeitorias que refere, as estava a incorporar no imóvel (alheio) para passarem a fazer parte desse imóvel alheio; por outras palavras, faltava-lhe o “animus sibi habendi”).
Ao receber o imóvel e ao efectuar nele as obras em falta não tinha a intenção de actuar sobre ele como verdadeira titular do direito real correspondente aos actos praticados [Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, pg. 180], - cfr. art. 1251.º do CC - estando, pelo contrário, a exercer sim, a posse em nome de outrem.[A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, pg. 557]

Não exercendo a E.............. a posse em nome próprio, mas apenas em nome da Executada (C............), a penhora não ofende a posse (corpus+animus) da Embargante, pela simples razão – já expressa - de que lhe falta o animus.
Por outro lado, a penhora do imóvel (e benfeitorias incorporadas e não separáveis sem detrimento de qualquer deles, porque perderam a sua autonomia) não é incompatível com o direito de crédito da Embargante, pois mesmo que venha haver alienação do imóvel, assiste-lhe o direito de retenção enquanto o seu crédito não for pago, pois como ensinam A. Varela [A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol II, 6.ª ed., pgs. 572 e ss.] e Almeida Costa [A. Costa, Obrigações, 3.ª ed., pg. 699] estão verificados os três requisitos indispensáveis para o seu reconhecimento:
a) licitude de detenção da coisa (art. 756.º-a) do CC.;
b) reciprocidade de créditos;
c) e conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção(art. 754.º do CC:
Na verdade, a terem sido realizadas as obras, à Embargante assistirá o direito de retenção, nos termos do art. 754.º do CC., porque, na qualidade de devedora das prestações decorrentes a que ficou submetida no contrato com a C................[“(...), realização de obras, prestação de serviços para os associados desta numa quota de 20% ao longo do tempo, direito reconhecido aos respectivos membros da Executada para beneficiarem do refeitório e de frequentar as instalações(...)”], e a haverem sido efectuadas as benfeitorias a que se comprometeu, passou a assistir-lhe o direito aí conferido (onde estão incorporadas as respectivas benfeitorias, originadoras do crédito) enquanto esse mesmo crédito lhe não for pago.
A lei vai até mais longe, pois confere-lhe o direito de preferência no pagamento pelo valor da coisa, nos termos dos arts. 758.º e 759.º do CC, sendo de destacar, inclusive, que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente, como referido no art. 759.º-2 do CC.[Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, Lições de Direito das Obrigações, ed. da AFDL do ano 1968/69 II, fasc. 3, pg.25]

Ora, só em casos específicos, previstos na lei, poderá o mero detentor ou possuidor precário - como é o caso do possuidor em nome de outrem - usar de embargos de terceiro para defesa da posse:
É o caso do locatário habitacional, dadas as características muito próximas que assume face aos direitos reais.[Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, Lisboa 1971, sustenta mesmo que o arrendamento urbano tem todas as características de um efectivo direito real]
O direito de retenção que a E............ invoca apenas lhe garante manter-se na detenção ou posse precária do imóvel onde tem inseridas as alegadas benfeitorias, enquanto as mesmas lhe não forem pagas, mas não pode evitar que o imóvel seja penhorado e vendido.
O seu direito tem de ser exercido no âmbito do concurso de credores, de acordo com os termos previstos nos arts. 865.º e ss. do CPC.[O art. 869.º do CPC permite mesmo que o credor com garantia, possa requerer, dentro do prazo da reclamação de créditos, que a graduação relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguardem pela obtenção do título em falta, se ainda não tiver título exequível]
Não lhe está reconhecido o direito de embargar a penhora, mas simplesmente de ver garantido o pagamento do seu crédito em caso de venda, pelo produto da própria venda, e o de só largar o imóvel em favor do comprador quando estiver inteiramente paga das benfeitorias que lá introduziu, de boa fé, e que, pela sua natureza, não podem jamais retirar-se sem detrimento delas ou do imóvel onde ficaram incorporadas.

Em face do exposto, entendem os Juízes deste Tribunal que a apelação não pode proceder.

IV. Deliberação

Na improcedência da apelação, confirma-se a Sentença recorrida, ainda que por razões não inteiramente coincidentes com as aí consideradas.
Sem custas - art. 2.º-1-c) do CCJ.
Porto, 14 de Junho de 2005
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório “B................, S.A.”, com sede na Rua ......., ..., ...º-...., Braga, instaurou execução de Sentença para pagamento de quantia certa, no valor de € 161.062,31 contra a executada “C..........., com sede na Rua da ........, em Mirandela e no decurso dessa execução veio a ser efectuada a penhora do - “Prédio urbano composto por uma parcela de terreno destina à construção, com a área de 2.700 m2, sito no ..........., incluindo todas as benfeitorias nela existentes, a confrontar pelo Norte com a Câmara Municipal e a Rua da ....., pelo Sul com a Rua da ......, pelo Nascente com a D..............., pelo Poente com a Rua da ......., inscrito da matriz predial urbana da freguesia de Mirandela sob o artigo n.º 5807 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mirandela sob a ficha n.º 03856/210203 da mesma freguesia. A “E...............”, no entanto, veio deduzir oposição mediante os presentes embargos de terceiro contra a penhora efectuada alegando, em síntese, que as benfeitorias penhoradas foram por si realizadas no âmbito de um contrato existente entre a executada e ela (E.............), pelo que são sua pertença, não constituindo, portanto, garantia do pagamento da dívida da Executada à Exequente. Concluiu, pedindo que sejam os embargos julgados procedentes e levantada a penhora que incide sobre as benfeitorias em causa. Os embargos de terceiro foram liminarmente admitidos e recebidos e foi ordenada a suspensão dos termos da execução em relação às benfeitorias (fls.107 a 109). A Embargada/Exequente deduziu contestação aos embargos de terceiro invocando a nulidade do contrato em que a Embargante funda a realização das benfeitorias, a inexistência de posse por parte da Embargante e a inexistência de ofensa à posse da Embargante. Conclui pela improcedência total dos embargos e a condenação da Embargante como litigante de má-fé. A Embargada/Executada, por sua vez, deduziu também contestação, invocando, no entanto, que apenas parte das benfeitorias efectuadas no prédio foram realizadas pela Embargante, sendo que na restante parte foram realizadas pela própria Embargada/Executada. Conclui pela improcedência parcial dos embargos. A Embargante deduziu réplica contra a contestação da Embargada/Exequente contestando a matéria de excepção invocada e concluiu como na petição inicial. Foi proferido Saneador-Sentença, onde: os Embargados vieram a ser absolvidos da instância, por se sustentar a inadmissibilidade legal dos embargos de terceiro ao caso em presença; e se declarou cessada a suspensão dos termos da execução em relação às benfeitorias, ordenando-se o prosseguimento da execução; e se absolveu a Embargante do pedido de condenação como litigante de má-fé. A Embargante não se conformou com a decisão, dela vindo a interpor recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo. Apresentou alegações de recurso. Contra-alegou apenas o Embargado/Exequente. Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação e demais atributos que lhe haviam sido atribuídos na primeira instância. Correram os vistos legais. II. Âmbito do recurso. Vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelo apelante, já que de acordo com o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, é através delas que ele delimita as questões que pretende ver tratadas. Assim: “A- Na decisão recorrida qualificou-se erradamente o contrato celebrado entre a Recorrente e a C............... como um contrato de Comodato, quando as partes celebraram um contrato "Atípico" bilateral e oneroso, contrato esse celebrado dentro dos limites da lei nomeadamente da liberdade contratual. B- Ao não terem celebrado um contrato de Comodato fica prejudicado o que na decisão recorrida se diz quanto às benfeitorias, uma vez que a Recorrente é aí considerada comodatária e por isso equiparada ao possuidor de má-fé. C- A douta sentença assenta assim em meras e erróneas conclusões e suposições do Meretissimo Juiz. D- Não foi tida em conta a existência de um direito de retenção a favor da Recorrente que legitima de per si a dedução dos embargos de terceiro. E- A sentença viola os artigos 1129.º e 775.º do CC. e o artigo 351.º do CPC.. F-A douta sentença está ferida de nulidade por os respectivos fundamentos estarem em oposição com a decisão. (artigo 668 n.º1-c) do CPC.) Nestes termos deve a decisão recorrida ser revogada, dando provimento ao presente recurso e em consequência serem admitidos os Embargos de Terceiro propostos pela Recorrente E............ contra a C................ e “B............., SA.” Sendo assim feita JUSTIÇA. Em face de tais conclusões, vemos que o recurso se reconduz a determinar se é ou não admissível a defesa através de embargos de terceiro por parte de benfeitorizante de imóvel em construção que lhe foi cedido pelo dono para aquele ali instalar um lar de idosos por um período de vinte anos (renovável), relativamente a uma penhora em execução movida contra o dono do imóvel, quando: a) as benfeitorias foram realizadas pelo Embargante benfeitor, ao abrigo de contrato celebrado entre ambos, e onde está estipulado que as mesmas se integrarão gratuitamente na propriedade do dono prédio após o decurso de vinte anos, b) e entretanto vem a ocorrer penhora sobre o prédio benfeitorizado antes desse prazo. III. Fundamentação III-A) Os factos Os factos a ter em consideração no presente recurso são os já constantes do Relatório, a que acrescentamos ainda os seguintes factos: -. A Embargante (E...............) celebrou com a segunda Embargada (C............) um contrato “com início em Dezembro de 1997 e com a validade de 20 anos, com início a 2 de Dezembro de 1997” (...) findo o qual será renovado a definir por ambas as Direcções”, e no qual se pode ler que a “C..............cedeu a título gratuito o bloco “B” das suas instalações, a cozinha e a sala de jantar situadas no primeiro andar do bloco “A”, a ligação entre os blocos “A” e “B” e os espaços exteriores de recreio e lazer, direito de passagem na zona denominada “Anfiteatro”, destinando-se as referidas instalações ao funcionamento de um lar de idosos... -. Como contrapartida a Embargante comprometia-se a concluir todas as obras necessárias ao bom funcionamento dos serviços de acordo com as normas técnicas e proceder ao longo dos anos à sua conservação(...), ficavam os associados da Embargada a poder usufruir do refeitório nas condições previstas nos regulamentos internos (...)ficava obrigada a manter, durante a vigência do contrato, como utentes do Lar de Idosos, até ao limite de 20% da sua capacidade, os associados indicados pela Direcção da C...............(...).” -. Constava ainda do referido contrato que “Findo o prazo referido na cláusula segunda (20 anos), as instalações são propriedade da C.............. (...) e a E.............. (...) não poderá exigir o levantamento ou pagamento, de quaisquer benfeitorias efectuadas em cumprimento das obras a que se comprometeu, renunciando a exigir qualquer quantia, e constituindo as mesmas, parte integrante do edifício. -. Ficou indiciariamente provado, aquando da admissão liminar dos embargos, que a Embargante fez no edifício várias obras, nomeadamente levantamento e reboco de paredes, obras de adaptação e restauro do bloco “A”, colocação de um piso, seu revestimento total, colocação de portas interiores e exteriores, janelas e várias vidros, obras relativas ao aquecimento central do edifício, rede de electricidade e água e ainda a montagem de um elevador, havendo gasto nos cinco anos de vigência do contrato a quantia de € 194.174,46 com as obras de conservação e beneficiação do prédio tendo em vista o funcionamento do lar e a duração do contrato, e que a segunda Executada (C...............) não utiliza as benfeitorias penhoradas. Estes factos são no entanto, pelo menos parcialmente, objecto de impugnação Passemos então a analisar o recurso em causa: III-B) Análise do recurso A decisão recorrida – como já atrás foi referido – julgou os embargos logo no saneador, e qualificou o contrato celebrado entre a C............. e a E.............. como um contrato de comodato, sustentando que deveriam os embargos terem já sido indeferidos liminarmente, porque: a) de acordo com o disposto no art. 406.º-2 do CC, o contrato só produz efeitos nos casos especialmente previstos na lei; b) a lei apenas assegura ao comodatário o direito de indemnização pelo comodante, quando o bem comodatado seja alienado ou onerado; c) não sendo admissível embargar de terceiro com base na existência de um contrato de comodato, d) nem com base na existência de benfeitorias porque as realizadas pelo comodatário equiparam-se às do possuidor de má fé. A Apelante/Embargante (E............) entende que não se está perante um contrato de comodato, porque, de acordo com o disposto no art. 1129.º do CC., “Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega á outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de restituir.” (sublinhado nosso), e, no caso em presença nos encontramos perante um contrato atípico, bilateral e oneroso, em que não existe qualquer liberalidade. Para se poder fazer o diagnóstico diferencial entre comodato e qualquer outro contrato de outra natureza, há que ter presente os ensinamentos de Pires de Lima/A.Varela, sucintamente expressos no CC Anotado e Comentado, vol II, 3.ª ed. revista e actualizada, pag. 661, em anotação ao art. 1129.º, de que repescamos as seguintes passagens: “(...)O comodato é um contrato gratuito, onde não há, por conseguinte, a cargo do comodatário, prestações que constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante. Nenhuma das obrigações discriminadas no art. 1135.º está realmente ligada a esta atribuição pelo nexo próprio do sinalagma, ou mesmo dos contratos onerosos.[Art. 1135.º do CC.: São obrigações do comodatário: a) Guardar e conservar a coisa emprestada; b) Facultar ao comodante o exame dela; c) Não a aplicar a fim diverso daquele a que a coisa se destina; d) Não fazer dela uma utilização imprudente; e) Tolerar quaisquer benfeitorias que o comodante queira realizar na coisa; f) Não proporcionar a terceiro o uso da coisa, excepto se o comodante o autorizar; g) Avisar imediatamente o comodante, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arroga; direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado do comodante; h) Restituir a coisa findo o contrato.] Se em troca do uso da coisa, o contraente, que a recebe, promete alguma prestação, o contrato deixa de ser comodato e passa a ser de arrendamento, de aluguer, ou um contrato atípico, consoante os casos.(...) Apesar de gratuito, o contrato não deixa de ser em regra um contrato bilateral imperfeito: o contrato envolve obrigações, não só para o comodatário, mas também para o comodante. Não há porém, entre umas e outras, a relação de interdependência e reciprocidade que, através do sinalagma, define os contratos bilaterais ou sinalagmáticos (perfeitos). Também não há, em contrapartida, na estrutura do comodato a obrigação a cargo do comodante de não repetir a coisa comodada durante o período de vigência do contrato(...) A gratuitidade do comodato não nega a possibilidade do comodante impor ao comodatário certos encargos (claúsulas modais), como o de pagar a contribuição predial (hoje correspondente ao IMI) ou outros impostos relativos ao prédio cedido. (...) O que é necessário é que o encargo não seja de tal valor que faça desaparecer o benefício do comodatário, como razão determinante do contrato(...) Em face de tais ensinamentos, entendemos que a Apelante tem razão no seu inconformismo quanto à parte da sentença que qualificou o contrato como sendo de comodato, defendendo antes, que se trata de um contrato atípico e oneroso (ainda que discordemos da existência de sinalagma): Na verdade, sobre a Apelante/Embargante (E...........) ficaram a pesar algumas obrigações de pendor relevante para a cedência das instalações, e de que cumpre destacar, desde logo: -. a conclusão das obras necessárias ao bom funcionamento dos serviços do Lar de Idosos e de proceder ao longo dos anos à sua conservação; -. a reserva de 20% dos lugares para os associados da C............. no referido Lar da Terceira Idade (para o qual foram cedidas à ora Apelante as respectivas instalações); -. o direito de os associados da C............. poderem usufruir do refeitório do Lar, segundo as condições previstas nos regulamentos internos da E.....................; -. o de, findo o prazo de vinte anos, não poder a E........... exigir o levantamento ou pagamento de quaisquer benfeitorias efectuadas, constituindo as mesmas, parte integrante do edifício, renunciando a E............ à exigência de qualquer quantia. É fácil de ver que, perante a extensão e dimensão das obrigações a que a E............. ficou submetida, não nos encontramos perante qualquer gratuitidade de cedência de instalações ou perante encargos meramente simbólicos (como o pagamento de impostos relativamente ao prédio cedido - para além daquilo que o art. 1135.º do CC. enuncia como obrigações do comodatário-), mas sim perante um verdadeiro contrato oneroso em que a entrega de instalações tem conexionadas obrigações importantes para a E........... . Daí que possamos concluir que não nos encontramos perante um contrato de comodato. Por outro lado, também não nos encontramos perante um contrato de locação, porque as obrigações e encargos a que ficou submetida a E............. não têm a natureza de retribuição, porque a retribuição na locação, corresponde a um pagamento autónomo, com carácter periódico (renda), e, como se pode ler no Código Civil, Anotado e Comentado, de Pires de Lima/Antunes Varela [Ob. citada, II- pg. 365, em anotação ao art. 1022.º do CC.], o contrato de arrendamento exige que a renda esteja fixada ou pelo menos exista um critério definido que permita a sua fixação, circunstâncias estas que nada têm a ver com a situação em causa. Estamos então perante um contrato atípico, celebrado no âmbito da liberdade contratual das partes. De acordo com o disposto no art. 405.º-1 do CC., “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.” Pois bem: Voltando ao contrato celebrado, vemos que a E.............., - mais do que autorizada -, ficou obrigada a realizar obras no edifício cedido. Donde concluir que nenhuma dessas obras a que estivesse obrigada no âmbito do contrato se pode considerar como não tendo sido autorizada pela dona (C.............), ou seja, foram todas elas realizadas de boa fé. Todas as obras respeitam ao aperfeiçoamento ou melhoramento da coisa, ao abrigo de um vínculo jurídico, pelo que, a existirem, nos encontramos, indubitavelmente perante simples benfeitorias e não perante qualquer fenómeno de acessão imobiliária. Na verdade, é esse o traço distintivo entre benfeitoria e acessão, como nos refere Pires de Lima/A. Varela [Ob. citada, III-pg. 137, em anotação ao art. 1325.º do CC.] Avancemos, portanto, mais um pouco: A existirem as alegadas benfeitorias que não podem ser retiradas do prédio - consoante alegado - o acordo contratual estabelecido entre as partes (C.............. e E.............) no sentido de as mesmas passarem a ser propriedade da aqui Executada (C................), gratuitamente, findo o prazo de vinte anos (cláusula 8.ª), encontra-se feito no pressuposto de que a E................... iria poder exercer a sua função social durante o período previsto no contrato. Por outro lado, a E............... efectuou as benfeitorias para as mesmas ficarem integradas na propriedade da C.............., que lhe conferira a possibilidade de uso temporário do imóvel. Uma vez integradas no imóvel, perdeu a propriedade sobre elas, passando apenas a assistir-lhe o direito de crédito correspondente à sua integração ou à indemnização decorrente da quebra do contrato - crédito esse que apenas deixaria de ter se porventura o contrato firmado com a C.............. chegasse ao termo previsto, de acordo com o que resulta do disposto nas cláusulas 2.ª e 8.ª do contrato firmado (cfr. fls. 103) É que na verdade, na relação jurídica estabelecida entre a E.............. e a C................, aquela actuaria face ao imóvel como possuidora precária ou mera detentora, porque, embora possuidora do corpus possessório (que lhe fora entregue nos termos do contrato) não tinha o animus (porque não agia como se fosse dona, pois sabia que ao efectuar as benfeitorias que refere, as estava a incorporar no imóvel (alheio) para passarem a fazer parte desse imóvel alheio; por outras palavras, faltava-lhe o “animus sibi habendi”). Ao receber o imóvel e ao efectuar nele as obras em falta não tinha a intenção de actuar sobre ele como verdadeira titular do direito real correspondente aos actos praticados [Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, pg. 180], - cfr. art. 1251.º do CC - estando, pelo contrário, a exercer sim, a posse em nome de outrem.[A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, pg. 557] Não exercendo a E.............. a posse em nome próprio, mas apenas em nome da Executada (C............), a penhora não ofende a posse (corpus+animus) da Embargante, pela simples razão – já expressa - de que lhe falta o animus. Por outro lado, a penhora do imóvel (e benfeitorias incorporadas e não separáveis sem detrimento de qualquer deles, porque perderam a sua autonomia) não é incompatível com o direito de crédito da Embargante, pois mesmo que venha haver alienação do imóvel, assiste-lhe o direito de retenção enquanto o seu crédito não for pago, pois como ensinam A. Varela [A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol II, 6.ª ed., pgs. 572 e ss.] e Almeida Costa [A. Costa, Obrigações, 3.ª ed., pg. 699] estão verificados os três requisitos indispensáveis para o seu reconhecimento: a) licitude de detenção da coisa (art. 756.º-a) do CC.; b) reciprocidade de créditos; c) e conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção(art. 754.º do CC: Na verdade, a terem sido realizadas as obras, à Embargante assistirá o direito de retenção, nos termos do art. 754.º do CC., porque, na qualidade de devedora das prestações decorrentes a que ficou submetida no contrato com a C................[“(...), realização de obras, prestação de serviços para os associados desta numa quota de 20% ao longo do tempo, direito reconhecido aos respectivos membros da Executada para beneficiarem do refeitório e de frequentar as instalações(...)”], e a haverem sido efectuadas as benfeitorias a que se comprometeu, passou a assistir-lhe o direito aí conferido (onde estão incorporadas as respectivas benfeitorias, originadoras do crédito) enquanto esse mesmo crédito lhe não for pago. A lei vai até mais longe, pois confere-lhe o direito de preferência no pagamento pelo valor da coisa, nos termos dos arts. 758.º e 759.º do CC, sendo de destacar, inclusive, que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente, como referido no art. 759.º-2 do CC.[Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, Lições de Direito das Obrigações, ed. da AFDL do ano 1968/69 II, fasc. 3, pg.25] Ora, só em casos específicos, previstos na lei, poderá o mero detentor ou possuidor precário - como é o caso do possuidor em nome de outrem - usar de embargos de terceiro para defesa da posse: É o caso do locatário habitacional, dadas as características muito próximas que assume face aos direitos reais.[Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, Lisboa 1971, sustenta mesmo que o arrendamento urbano tem todas as características de um efectivo direito real] O direito de retenção que a E............ invoca apenas lhe garante manter-se na detenção ou posse precária do imóvel onde tem inseridas as alegadas benfeitorias, enquanto as mesmas lhe não forem pagas, mas não pode evitar que o imóvel seja penhorado e vendido. O seu direito tem de ser exercido no âmbito do concurso de credores, de acordo com os termos previstos nos arts. 865.º e ss. do CPC.[O art. 869.º do CPC permite mesmo que o credor com garantia, possa requerer, dentro do prazo da reclamação de créditos, que a graduação relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguardem pela obtenção do título em falta, se ainda não tiver título exequível] Não lhe está reconhecido o direito de embargar a penhora, mas simplesmente de ver garantido o pagamento do seu crédito em caso de venda, pelo produto da própria venda, e o de só largar o imóvel em favor do comprador quando estiver inteiramente paga das benfeitorias que lá introduziu, de boa fé, e que, pela sua natureza, não podem jamais retirar-se sem detrimento delas ou do imóvel onde ficaram incorporadas. Em face do exposto, entendem os Juízes deste Tribunal que a apelação não pode proceder. IV. Deliberação Na improcedência da apelação, confirma-se a Sentença recorrida, ainda que por razões não inteiramente coincidentes com as aí consideradas. Sem custas - art. 2.º-1-c) do CCJ. Porto, 14 de Junho de 2005 Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes