Processo:0523548
Data do Acordão: 06/07/2005Relator: DURVAL MORAISTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Em processo de inventário em que o activo a partilhar é inferior ao passivo, dois caminhos se podem tomar: - ou é requerida a falência por algum credor ou por deliberação de todos os interessados; - ou, nada sendo requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0523548
Relator
DURVAL MORAIS
Descritores
INVENTÁRIO FALÊNCIA CONHECIMENTO OFICIOSO
No do documento
Data do Acordão
07/07/2005
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
AGRAVO.
Decisão
NEGADO PROVIMENTO.
Sumário
Em processo de inventário em que o activo a partilhar é inferior ao passivo, dois caminhos se podem tomar: - ou é requerida a falência por algum credor ou por deliberação de todos os interessados; - ou, nada sendo requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide.
Decisão integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – B....., residente em...., freguesia de....., concelho de....., requereu, em 16/09/2004, inventário facultativo por óbito de C......, falecido em 28 de Outubro de 2000, na freguesia de....., concelho de....., no estado de casado com a requerente.

Nomeada cabeça de casal a requerente, foram citados os interessados e tiveram lugar as demais diligências pertinentes, inclusive a conferência de interessados, até que foi, em 02/03/2005, proferida decisão que julgou extinta a instância com o fundamento de que na operação de partilha, ao abater-se o passivo ao activo, se ficaria numa situação em que não existiria o que partilhar.

Inconformada, agravou a cabeça de casal, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões:
1ª - No entender do Meritíssimo Juiz "a quo", por força do disposto no artigo 1361.° do C.P.C., sendo o passivo da herança contabilisticamente superior ao activo, o processo de inventário ou segue como acção de insolvência, a requerimento dos herdeiros ou de qualquer credor, ou então haverá como que uma falta de causa de pedir, ou qualquer irregularidade que conduz à absolvição da instância.
2ª - A decisão ancora-se numa possível interpretação literal do disposto no artigo 1361º do C.P.C. - não sufragada pela Recorrente - sem que tenha levado em conta o disposto nos artigos 2068º e 2071º, n.º 2 do C.C., disposições que regulam substantivamente as situações jurídicas em que o caso dos autos se integra.
3ª - Decorre do disposto nos artigo 2068º e 2071º, n.º 2 do C.C. que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido e, sendo esta aceita pura e simplesmente, e o passivo superior ao activo, aos herdeiros compete satisfazer esse passivo na medida do valor dos bens herdados, salvo se provarem que na herança não existem valores suficientes.
Por sua vez, os credores têm o direito de exigir dos herdeiros o pagamento integral dessas dívidas, salvo se estes provarem que o valor dos bens adquiridos não excede o valor que lhes foi atribuído.
4ª - Para a resolução de situações da espécie concorrem assim as normas substantivas e processuais invocadas, devendo o artigo 1361º do C.P.C. ser harmonizado com os referidos artigos 2068º e 2071º, nº 2 do C.C., podendo quer os herdeiros quer os credores, querendo afastar a aplicação do nº 2 do artigo 2071º do C.C., deliberar ou requerer que o processo de inventário prossiga como acção de insolvência. 
5ª - Como nem os herdeiros, nem o credor quiseram lançar mão daquelas faculdades processuais, não compete ao Tribunal substitui-los uma vez que se discutem direitos disponíveis.

Não houve contra-alegações e o M.Juiz manteve a sua decisão.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – Os factos a atender na resolução do presente recurso são os referidos em I) e ainda que:
1 – Das respectivas licitações resultou que o valor total dos bens a partilhar é de € 27.675,38, enquanto que o passivo aprovado é de  € 29.801,95.

III - O DIREITO.
Como se sabe, são as conclusões da alegação dos recorrentes delimitam o objecto do recurso e este tribunal, exceptuadas as de conhecimento oficioso, só pode conhecer e resolver as questões por eles suscitadas (art.s 684º, nº3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), não também as razões ou argumentos que expendem em defesa dos seus pontos de vista. 

No caso sujeito, a questão a resolver consiste em saber se merece algum reparo a decisão recorrida.
Vejamos então.
Nos termos do disposto no artº 2068º do Cód.Civil, “a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentária, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.”
Daqui decorre que a herança é a única responsável pelas dívidas do falecido que se lhe transmitiram por morte daquele, “só podendo ser demandado algum dos herdeiros no caso de ter assumido esse encargo na partilha da herança” (cfr. Acórdão do STJ de 27/10/1998, in BMJ, 480-392).

Sobre a responsabilidade do herdeiro dispõe o artigo 2071. ° do mesmo Código :
“1 - Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2 - Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.”
Daqui se vê que, em qualquer dos casos referidos neste artigo, o herdeiro só responde dentro das «forças» da herança, cujo âmbito consta do artigo 2069º do mesmo Código 
Por outras palavras, a existência de bens hereditários constitui pressuposto da responsabilidade do herdeiro pelos «encargos da herança».
De sorte que o herdeiro será responsável pelo pagamento das dívidas do de cujus se e na exacta medida em que houver bens da herança.

Dispõe, por outro lado, o artº 1361º do Cód.Proc.Civil:
“Quando se verifique a situação de insolvência da herança, seguir-se-ão, a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados, os termos do processo de falência que mostrem adequados, aproveitando-se, sempre que possível, o processado”.

A respeito deste artigo, escreve Carvalho de Sá (“Do Inventário, 1996, pág. 127):
«Para que no processo de inventário se sigam os termos do processo de falência, não basta que, na altura da relação de  bens, o valor do passivo da herança ultrapasse o do activo. De facto, é necessário aguardar pela conferência de  interessados para se tornar certo que as dívidas são aprovadas por unanimidade pelos interessados ou reconhecida judicialmente. É ainda necessário, por outro lado, aguardar pelas licitações e, por vezes, pela avaliação para se verificar qual o valor certo do activo.
Portanto, só em caso nítido de manifesta desproporção entre o valor do activo e o do passivo estarão o credor e os interessados aptos a requerer a passagem do processo de inventário a processo de falência.
Essa passagem não é oficiosa, tendo de ser requerida por qualquer credor que tenha visto verificado o seu crédito no processo ou por requerimento dos interessados que tenham deliberado por unanimidade em tal sentido. Se nada requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide.” 

Também a este respeito, assinala J.A.Lopes Cardoso (in “Partilhas Judiciais”, vol.II, pág. 162 :
“Sob fundamento em que a insolvência é instaurada em beneficio dos credores e que aos herdeiros pode convir que ela não se declare, o art. 1 361º, coerente com a regra do art. 870º (1886), veio a dispor peremptoriamente que os termos do processo de insolvência só serão observados «a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados». O que tudo vale dizer que, não sendo requerida ou deliberada, o inventário toca oportunamente seu termo pela inutilidade superveniente da lide (Cód. Proc. Civil, art. 287º-e)”.

Daqui parece resultar inequivocamente que em processo de inventário em que, como sucede no caso dos autos, o activo a partilhar seja inferior ao passivo, há dois caminhos a seguir:
- Ou é requerida a falência a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados;
- Ou, nada sendo requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide (artº 287º-e) do C.P.C..

Voltando agora aos factos que resultam dos autos, parece-nos seguro que ao M.Juiz não restava outra alternativa que não fosse a de julgar a extinção da instância, como julgou.
Na verdade, verifica-se no caso do inventário em apreço nos autos que o passivo devidamente aprovado é superior ao activo da herança e por nenhum daqueles interessados foi requerido o processo de falência.
Bem andou, pois, o M.Juiz “a quo” ao declarar, no caso sujeito, extinta a instância.
Com o que improcedem as conclusões recursivas:
****
IV – Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.*PORTO, 07 de Julho de 2005 
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – B....., residente em...., freguesia de....., concelho de....., requereu, em 16/09/2004, inventário facultativo por óbito de C......, falecido em 28 de Outubro de 2000, na freguesia de....., concelho de....., no estado de casado com a requerente. Nomeada cabeça de casal a requerente, foram citados os interessados e tiveram lugar as demais diligências pertinentes, inclusive a conferência de interessados, até que foi, em 02/03/2005, proferida decisão que julgou extinta a instância com o fundamento de que na operação de partilha, ao abater-se o passivo ao activo, se ficaria numa situação em que não existiria o que partilhar. Inconformada, agravou a cabeça de casal, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões: 1ª - No entender do Meritíssimo Juiz "a quo", por força do disposto no artigo 1361.° do C.P.C., sendo o passivo da herança contabilisticamente superior ao activo, o processo de inventário ou segue como acção de insolvência, a requerimento dos herdeiros ou de qualquer credor, ou então haverá como que uma falta de causa de pedir, ou qualquer irregularidade que conduz à absolvição da instância. 2ª - A decisão ancora-se numa possível interpretação literal do disposto no artigo 1361º do C.P.C. - não sufragada pela Recorrente - sem que tenha levado em conta o disposto nos artigos 2068º e 2071º, n.º 2 do C.C., disposições que regulam substantivamente as situações jurídicas em que o caso dos autos se integra. 3ª - Decorre do disposto nos artigo 2068º e 2071º, n.º 2 do C.C. que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido e, sendo esta aceita pura e simplesmente, e o passivo superior ao activo, aos herdeiros compete satisfazer esse passivo na medida do valor dos bens herdados, salvo se provarem que na herança não existem valores suficientes. Por sua vez, os credores têm o direito de exigir dos herdeiros o pagamento integral dessas dívidas, salvo se estes provarem que o valor dos bens adquiridos não excede o valor que lhes foi atribuído. 4ª - Para a resolução de situações da espécie concorrem assim as normas substantivas e processuais invocadas, devendo o artigo 1361º do C.P.C. ser harmonizado com os referidos artigos 2068º e 2071º, nº 2 do C.C., podendo quer os herdeiros quer os credores, querendo afastar a aplicação do nº 2 do artigo 2071º do C.C., deliberar ou requerer que o processo de inventário prossiga como acção de insolvência. 5ª - Como nem os herdeiros, nem o credor quiseram lançar mão daquelas faculdades processuais, não compete ao Tribunal substitui-los uma vez que se discutem direitos disponíveis. Não houve contra-alegações e o M.Juiz manteve a sua decisão. Corridos os vistos, cumpre decidir. II – Os factos a atender na resolução do presente recurso são os referidos em I) e ainda que: 1 – Das respectivas licitações resultou que o valor total dos bens a partilhar é de € 27.675,38, enquanto que o passivo aprovado é de € 29.801,95. III - O DIREITO. Como se sabe, são as conclusões da alegação dos recorrentes delimitam o objecto do recurso e este tribunal, exceptuadas as de conhecimento oficioso, só pode conhecer e resolver as questões por eles suscitadas (art.s 684º, nº3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), não também as razões ou argumentos que expendem em defesa dos seus pontos de vista. No caso sujeito, a questão a resolver consiste em saber se merece algum reparo a decisão recorrida. Vejamos então. Nos termos do disposto no artº 2068º do Cód.Civil, “a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentária, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.” Daqui decorre que a herança é a única responsável pelas dívidas do falecido que se lhe transmitiram por morte daquele, “só podendo ser demandado algum dos herdeiros no caso de ter assumido esse encargo na partilha da herança” (cfr. Acórdão do STJ de 27/10/1998, in BMJ, 480-392). Sobre a responsabilidade do herdeiro dispõe o artigo 2071. ° do mesmo Código : “1 - Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens. 2 - Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.” Daqui se vê que, em qualquer dos casos referidos neste artigo, o herdeiro só responde dentro das «forças» da herança, cujo âmbito consta do artigo 2069º do mesmo Código Por outras palavras, a existência de bens hereditários constitui pressuposto da responsabilidade do herdeiro pelos «encargos da herança». De sorte que o herdeiro será responsável pelo pagamento das dívidas do de cujus se e na exacta medida em que houver bens da herança. Dispõe, por outro lado, o artº 1361º do Cód.Proc.Civil: “Quando se verifique a situação de insolvência da herança, seguir-se-ão, a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados, os termos do processo de falência que mostrem adequados, aproveitando-se, sempre que possível, o processado”. A respeito deste artigo, escreve Carvalho de Sá (“Do Inventário, 1996, pág. 127): «Para que no processo de inventário se sigam os termos do processo de falência, não basta que, na altura da relação de bens, o valor do passivo da herança ultrapasse o do activo. De facto, é necessário aguardar pela conferência de interessados para se tornar certo que as dívidas são aprovadas por unanimidade pelos interessados ou reconhecida judicialmente. É ainda necessário, por outro lado, aguardar pelas licitações e, por vezes, pela avaliação para se verificar qual o valor certo do activo. Portanto, só em caso nítido de manifesta desproporção entre o valor do activo e o do passivo estarão o credor e os interessados aptos a requerer a passagem do processo de inventário a processo de falência. Essa passagem não é oficiosa, tendo de ser requerida por qualquer credor que tenha visto verificado o seu crédito no processo ou por requerimento dos interessados que tenham deliberado por unanimidade em tal sentido. Se nada requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide.” Também a este respeito, assinala J.A.Lopes Cardoso (in “Partilhas Judiciais”, vol.II, pág. 162 : “Sob fundamento em que a insolvência é instaurada em beneficio dos credores e que aos herdeiros pode convir que ela não se declare, o art. 1 361º, coerente com a regra do art. 870º (1886), veio a dispor peremptoriamente que os termos do processo de insolvência só serão observados «a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados». O que tudo vale dizer que, não sendo requerida ou deliberada, o inventário toca oportunamente seu termo pela inutilidade superveniente da lide (Cód. Proc. Civil, art. 287º-e)”. Daqui parece resultar inequivocamente que em processo de inventário em que, como sucede no caso dos autos, o activo a partilhar seja inferior ao passivo, há dois caminhos a seguir: - Ou é requerida a falência a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados; - Ou, nada sendo requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide (artº 287º-e) do C.P.C.. Voltando agora aos factos que resultam dos autos, parece-nos seguro que ao M.Juiz não restava outra alternativa que não fosse a de julgar a extinção da instância, como julgou. Na verdade, verifica-se no caso do inventário em apreço nos autos que o passivo devidamente aprovado é superior ao activo da herança e por nenhum daqueles interessados foi requerido o processo de falência. Bem andou, pois, o M.Juiz “a quo” ao declarar, no caso sujeito, extinta a instância. Com o que improcedem as conclusões recursivas: **** IV – Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente.*PORTO, 07 de Julho de 2005 Durval dos Anjos Morais Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho