Processo:0545190
Data do Acordão: 28/02/2006Relator: JOSÉ PIEDADETribunal:trp
Decisão: Meio processual:

A suspensão da execução da pena de prisão suspende a prescrição dessa pena.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0545190
Relator
JOSÉ PIEDADE
Descritores
PENA SUSPENSA PRESCRIÇÃO
No do documento
Data do Acordão
03/01/2006
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
NEGADO PROVIMENTO.
Sumário
A suspensão da execução da pena de prisão suspende a prescrição dessa pena.
Decisão integral
Acordam, em Conferência, os Juízes da 2º Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Por decisão transitada em julgado em 6/4/95, foi o arguido B.......... (id. nos autos) condenado pela prática, em co-autoria material, na forma continuada e em concurso real de:
- Um crime de falsificação p.p. pelos arts. 228º, nºs 1 e 2 al. b) e 229º do C.P., na pena de 24 meses de prisão;
- Um crime de falso testemunho p.p. pelo art. 402º, nºs 1 e 3 do C.P. na pena de 16 meses de prisão:
- Um crime de denuncia caluniosa p.p. pelo art. 408º, nº 1 C.P. na pena de 16 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 5 anos e subordinada à condição de pagamento ao lesado da indemnização em que foi condenado no prazo de 18 meses.*Por despacho de 28/4/2005 foi indeferida a pretensão do recorrente de ser considerada prescrita a pena em que foi condenado por ter decorrido o prazo de 10 anos no dia 6 de Abril de 2005, não havendo nenhuma causa de suspensão ou de interrupção da prescrição.*São os seguintes os fundamentos do despacho recorrido:
- “nos presentes autos e em conformidade com o estatuído no art. 122º nº 2 do C.P., o prazo de prescrição da pena, iniciou-se em 6/4/95.
- De acordo com o disposto no art. 122º, nº 1, al. c) do C.P., as penas prescrevem no prazo de 10 anos, se forem iguais ou superiores a 10 anos de prisão.
- Porém estipula-se no art. 125º, nº 1 al. a) do C.P.: a prescrição da pena suspende-se, para além dós casos especialmente previstos na Lei, durante o tempo em que, por força da Lei não puder começar ou continuar a ter lugar.
- Ora por fora da mencionada disposição legal, a execução da pena de prisão aplicada ao arguido esteve suspensa durante 3 anos, 10 meses e 25 dias (entre 6/4/95, data do transito em julgado do Acórdão condenatório e 1/3/99, data em que foi revogada a suspensão da execução da pena) e voltou suspender-se durante 1 ano 9 meses e 12 dias (entre 2/2/2000, data em que foi perdoado o remanescente de 1 ano de prisão e 14/11/2001, data em que foi considerada verificada a condição resolutiva prevista no art. 4º da Lei 29/99 de 12 de Maio e ordenado o cumprimento da respectiva pena).
- E assim sendo, por força das aludidas suspensões, terá de concluir-se estar ainda muito longe de se ter atingido o prazo prescricional de 10 anos previsto no art. 122º, nº1, al. c) do C.P., pelo que se julga improcedente a alegada prescrição da pena".*O arguido veio recorrer deste despacho, formulando as seguintes conclusões:
- Entendeu V. Exª, para fundamentar o despacho ora em crise que, estipulando o art. 125º, nº 1, al. c) do C.P. que a prescrição da pena se suspende, para além dos casos especialmente previstos na Lei, durante o tempo em que, por força da Lei, não puder começar ou continuar a ter lugar.
- Entende por isso V. Exª, que, durante o tempo em que a execução da pena aplicada ao arguido esteve suspensa, foi igualmente suspenso o prazo de prescrição daquela.
- Salvo devido respeito e melhor opinião, entendo o arguido que esta decisão e respectivos fundamentos, in casu, resultam numa grave injustiça e na violação directa e necessária do disposto no art. 125º do C.P.
- De facto, aquela disposição legal que enumera taxativamente as causas de suspensão da prescrição não refere expressamente a suspensão da execução da pena como uma delas.
- Pelo contrário, o art. 123º no C.P. de 1982 indicava expressamente a situação de suspensão de execução da pena como causa de suspensão de prescrição (nº 1 al. b).
- A situação de arguido condenado em pena cuja execução foi suspensa por decisão judicial não é equiparável à situação de cumprimento de pena (execução) que, por força de Lei, não possa começar ou continuar a ter lugar pelo que não se enquadra nem está abrangida pela al. a) do nº 1 do art. 125º do C.P. em vigor.
- Entendeu o legislador que, para as penas superiores a 2 anos e inferiores a 5 anos de prisão, a prescrição deve ocorrer ao fim de 10 anos a contar do transito da decisão condenatória.
- A aceitar como boa a tese em que se fundamenta a decisão recorrida, resulta que a prescrição da pena do arguido poderá ocorrer apenas decorridos mais de 15 anos – prazo este previsto para condenações mais graves (superiores a 5 anos) – sendo afinal uma situação bem mais gravosa do que se tivesse sido condenado em pena efectiva.
- Está pois efectivamente prescrita a pena de 3 anos de prisão em que arguido foi condenado e, para os efeitos do nº 2 do art. 412º do C.P.P., o arguido entende que o Tribunal viola e interpreta erradamente a norma do art. 125º do C.P., ao defender que a suspensão da execução da pena é causa de suspensão da prescrição quando efectivamente o não é.*Em resposta, o M.P. na comarca, defende a improcedência do recurso, dizendo em síntese:
- A questão a dirimir é a de saber se o prazo de prescrição de uma pena que foi declarada suspensa corre enquanto se mantiver a suspensão, como defende o recorrente, ou, em contrário e como foi decidido, a suspensão da pena determina também a suspensão do prazo prescricional, pelo que só com a revogação daquela começa a correr tal prazo.
- Estando a pena suspensa, não pode o condenado cumprir a prisão cominada, enquanto a suspensão não for revogada, como se colhe do nº 2 do art. 56º do C.P..
- Significa tal que é a própria Lei que impede o cumprimento da prisão que foi declarada suspensa, daqui se concluindo que configura ma verdadeira causa de suspensão da prescrição da pena, por a execução da pena não poder começar enquanto não for revogada a suspensão.
- A suspensão da pena constitui uma verdadeira pena com natureza diferente da pena de prisão. Cada uma dessas penas, tem o respectivo regime de execução, encontrando-se, o respeitante à pena de prisão, regulado nos arts. 477º a 483º do C.P.P., e o respeitante à pena suspensa, nos arts. 492 a 495 do C.P.P..
- O condenado em pena suspensa, enquanto durar o período de suspensão, encontra-se em cumprimento de pena. Assim, por força do art. 125º, nº1 al. c) do C.P., tal facto constitui causa de suspensão da prescrição da pena.
Foi por isso que o legislador eliminou a referência em tal preceito, ao instituto da suspensão da pena, por a referência expressa a tal constituir uma verdadeira redundância.*Nesta Instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto entende que se deveria dar provimento ao recurso, argumentando em síntese:
- A pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena autónoma e de substituição à pena de prisão. Não cabe nas causas de suspensão das penas de prisão tal como previstas no art. 125º do C.P.. 
- Encaixar, como se fez, a pena de suspensão da execução da pena no catálogo das causa de suspensão da execução da pena, é uma interpretação inconstitucional, e por isso inaceitável.
- Aos Tribunais não cabe proceder a interpretações que gerem causas de suspensão da extinção da pena, pois isso é tarefa do legislador e não de quem aplica a Lei.*Colhidos os vistos, efectuada a Audiência, cumpre apreciar e decidir.*A questão de Direito sob a decisão do Tribunal, é a seguinte:
- Se a suspensão da execução da pena de prisão é causa de suspensão da prescrição dessa pena de prisão.*O Sr. Juiz, no despacho recorrido, entendeu que o é, considerando-a incluída na previsão da al. a), do nº 1, do art. 125º do C.P..
O recorrente entende que não, afirmando que o art. 125º do C.P. a não enumera – ao contrário do que acontecia com o art. 123º do C.P. de 1982 que a indicava expressamente – como causa de suspensão da prescrição.*
*Como se vê, estamos perante uma divergência na interpretação da Lei.
Interpretar a Lei é fixar-lhe o seu sentido e alcance. Para isso o intérprete não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – art. 9º do C. Civil.
Significa isto que, à apreensão literal do texto – o ponto de partida de toda a interpretação – se devem juntar, numa tarefa de interligação e valoração, a integração da norma no conjunto normativo em que se integra (ou seja, ter presente o seu contexto); ter em conta as fontes da lei e os trabalhos preparatórios; a razão de ser da norma e o fim visado pelo legislador ao criá-la.*No caso, a correcta interpretação e aplicação da lei, passa pela apreensão da natureza da suspensão da execução da pena e pela compreensão do regime de prescrição da (execução) da pena, fixado no nosso Direito Positivo.*A suspensão da execução da pena reveste – no nosso sistema jurídico-penal – a natureza de uma pena de substituição: é uma pena aplicada e executada em vez de uma pena principal (a pena de prisão), ou seja, substitui-a.
Assim, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é supõe que a sentença que a aplica, já determinou também, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída.
A revogação da suspensão da execução da pena, determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (a pena principal).*Para bem se compreender, na vertente que agora nos interessa, o actual regime de prescrição da pena – regulado nos arts. 122º a 126º do C.P. –, tem de se ter em conta a referenciada natureza da suspensão de execução da pena como uma pena de substituição, e a razão de ser da actual redacção do art. 125º.
A suspensão da prescrição da pena era regulada na versão originária do Código, pelo art. 123º que correspondia com ligeiras alterações ao art. 114º do Projecto de 1963 da Parte Geral do C.P. que, como é sabido, serviu de base ao C.P. de 1982.
Era a seguinte (na parte que nos interessa - Art. 123º, nº 1 als. a), b)): 
“1 – A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar;
b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena;”
Na versão actual do C.P., introduzida pelo DL 48/95 de 15 de Março, regula a matéria, o art. 125º, cujo nº 1 als. a), b) e c),com a seguinte redacção: 
“1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da Lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”*Em relação a essa versão originária do C.P. de 1982, nota-se na al. c) do nº 1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. 
Mas isso ocorre, não por o legislador ter pretendido eliminar a suspensão da execução da pena como causa de suspensão de prescrição da pena principal – e é isso que o recorrente quer defender –, mas porque considerou que a sua expressa referência era redundante.
Para tal se perceber, nada melhor que citar Maia Gonçalves (para além de comentador do Código, é uma fonte histórica, pois fez parte da Comissão Revisora do Projecto de 1963 da Parte Geral do C.P.) – C.P. Anotado, 17ª Edição, pág. 433:
“Em relação à versão originária, nota-se na al. c), do nº 1, do art. 125º, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda (regime de prova) e à terceira (suspensão da pena) por se tratar de casos de cumprimento de pena que portanto cabem na primeira parte do preceito: O condenado que estiver a cumprir outra pena”.
Também Figueiredo Dias “As Consequências Jurídicas do Crime – Parte Geral – II”, pág. 715, tece idêntico comentário: “a actual al. b) do art. 123º - reportava-se à versão original do C.P. de 1982 – não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto ás outras porque elas são «outras penas» e cabem por isso na primeira parte do preceito”.*Assim, a suspensão da execução da pena, é uma causa de suspensão da prescrição da pena principal, encontrando-se prevista na al. c), do nº 1 do art. 125º, sendo abrangida pela expressão: “o condenado estiver a cumprir outra pena”.*O despacho recorrido, ao considerar o período de suspensão de execução da pena de prisão como causa suspensiva do decurso do prazo de prescrição da mesma, comporta a solução jurídica correcta, embora erre na alínea do art. 125º aplicável: é, como vimos a alínea c) do art. 125º, nº 1, e não a alínea a) no mesmo mencionada.
O recorrente não tem razão, na interpretação que propugna, devendo ser mantida a decisão, alterando-se, no entanto, o seu fundamento legal.*Nos termos relatados, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida (mas por aplicação do disposto no art. 125, nº 1 al. c) do C.P.).*Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4UCs.

Porto, 1 de Março de 2006
José Joaquim Aniceto Piedade
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins

Acordam, em Conferência, os Juízes da 2º Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Por decisão transitada em julgado em 6/4/95, foi o arguido B.......... (id. nos autos) condenado pela prática, em co-autoria material, na forma continuada e em concurso real de: - Um crime de falsificação p.p. pelos arts. 228º, nºs 1 e 2 al. b) e 229º do C.P., na pena de 24 meses de prisão; - Um crime de falso testemunho p.p. pelo art. 402º, nºs 1 e 3 do C.P. na pena de 16 meses de prisão: - Um crime de denuncia caluniosa p.p. pelo art. 408º, nº 1 C.P. na pena de 16 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 5 anos e subordinada à condição de pagamento ao lesado da indemnização em que foi condenado no prazo de 18 meses.*Por despacho de 28/4/2005 foi indeferida a pretensão do recorrente de ser considerada prescrita a pena em que foi condenado por ter decorrido o prazo de 10 anos no dia 6 de Abril de 2005, não havendo nenhuma causa de suspensão ou de interrupção da prescrição.*São os seguintes os fundamentos do despacho recorrido: - “nos presentes autos e em conformidade com o estatuído no art. 122º nº 2 do C.P., o prazo de prescrição da pena, iniciou-se em 6/4/95. - De acordo com o disposto no art. 122º, nº 1, al. c) do C.P., as penas prescrevem no prazo de 10 anos, se forem iguais ou superiores a 10 anos de prisão. - Porém estipula-se no art. 125º, nº 1 al. a) do C.P.: a prescrição da pena suspende-se, para além dós casos especialmente previstos na Lei, durante o tempo em que, por força da Lei não puder começar ou continuar a ter lugar. - Ora por fora da mencionada disposição legal, a execução da pena de prisão aplicada ao arguido esteve suspensa durante 3 anos, 10 meses e 25 dias (entre 6/4/95, data do transito em julgado do Acórdão condenatório e 1/3/99, data em que foi revogada a suspensão da execução da pena) e voltou suspender-se durante 1 ano 9 meses e 12 dias (entre 2/2/2000, data em que foi perdoado o remanescente de 1 ano de prisão e 14/11/2001, data em que foi considerada verificada a condição resolutiva prevista no art. 4º da Lei 29/99 de 12 de Maio e ordenado o cumprimento da respectiva pena). - E assim sendo, por força das aludidas suspensões, terá de concluir-se estar ainda muito longe de se ter atingido o prazo prescricional de 10 anos previsto no art. 122º, nº1, al. c) do C.P., pelo que se julga improcedente a alegada prescrição da pena".*O arguido veio recorrer deste despacho, formulando as seguintes conclusões: - Entendeu V. Exª, para fundamentar o despacho ora em crise que, estipulando o art. 125º, nº 1, al. c) do C.P. que a prescrição da pena se suspende, para além dos casos especialmente previstos na Lei, durante o tempo em que, por força da Lei, não puder começar ou continuar a ter lugar. - Entende por isso V. Exª, que, durante o tempo em que a execução da pena aplicada ao arguido esteve suspensa, foi igualmente suspenso o prazo de prescrição daquela. - Salvo devido respeito e melhor opinião, entendo o arguido que esta decisão e respectivos fundamentos, in casu, resultam numa grave injustiça e na violação directa e necessária do disposto no art. 125º do C.P. - De facto, aquela disposição legal que enumera taxativamente as causas de suspensão da prescrição não refere expressamente a suspensão da execução da pena como uma delas. - Pelo contrário, o art. 123º no C.P. de 1982 indicava expressamente a situação de suspensão de execução da pena como causa de suspensão de prescrição (nº 1 al. b). - A situação de arguido condenado em pena cuja execução foi suspensa por decisão judicial não é equiparável à situação de cumprimento de pena (execução) que, por força de Lei, não possa começar ou continuar a ter lugar pelo que não se enquadra nem está abrangida pela al. a) do nº 1 do art. 125º do C.P. em vigor. - Entendeu o legislador que, para as penas superiores a 2 anos e inferiores a 5 anos de prisão, a prescrição deve ocorrer ao fim de 10 anos a contar do transito da decisão condenatória. - A aceitar como boa a tese em que se fundamenta a decisão recorrida, resulta que a prescrição da pena do arguido poderá ocorrer apenas decorridos mais de 15 anos – prazo este previsto para condenações mais graves (superiores a 5 anos) – sendo afinal uma situação bem mais gravosa do que se tivesse sido condenado em pena efectiva. - Está pois efectivamente prescrita a pena de 3 anos de prisão em que arguido foi condenado e, para os efeitos do nº 2 do art. 412º do C.P.P., o arguido entende que o Tribunal viola e interpreta erradamente a norma do art. 125º do C.P., ao defender que a suspensão da execução da pena é causa de suspensão da prescrição quando efectivamente o não é.*Em resposta, o M.P. na comarca, defende a improcedência do recurso, dizendo em síntese: - A questão a dirimir é a de saber se o prazo de prescrição de uma pena que foi declarada suspensa corre enquanto se mantiver a suspensão, como defende o recorrente, ou, em contrário e como foi decidido, a suspensão da pena determina também a suspensão do prazo prescricional, pelo que só com a revogação daquela começa a correr tal prazo. - Estando a pena suspensa, não pode o condenado cumprir a prisão cominada, enquanto a suspensão não for revogada, como se colhe do nº 2 do art. 56º do C.P.. - Significa tal que é a própria Lei que impede o cumprimento da prisão que foi declarada suspensa, daqui se concluindo que configura ma verdadeira causa de suspensão da prescrição da pena, por a execução da pena não poder começar enquanto não for revogada a suspensão. - A suspensão da pena constitui uma verdadeira pena com natureza diferente da pena de prisão. Cada uma dessas penas, tem o respectivo regime de execução, encontrando-se, o respeitante à pena de prisão, regulado nos arts. 477º a 483º do C.P.P., e o respeitante à pena suspensa, nos arts. 492 a 495 do C.P.P.. - O condenado em pena suspensa, enquanto durar o período de suspensão, encontra-se em cumprimento de pena. Assim, por força do art. 125º, nº1 al. c) do C.P., tal facto constitui causa de suspensão da prescrição da pena. Foi por isso que o legislador eliminou a referência em tal preceito, ao instituto da suspensão da pena, por a referência expressa a tal constituir uma verdadeira redundância.*Nesta Instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto entende que se deveria dar provimento ao recurso, argumentando em síntese: - A pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena autónoma e de substituição à pena de prisão. Não cabe nas causas de suspensão das penas de prisão tal como previstas no art. 125º do C.P.. - Encaixar, como se fez, a pena de suspensão da execução da pena no catálogo das causa de suspensão da execução da pena, é uma interpretação inconstitucional, e por isso inaceitável. - Aos Tribunais não cabe proceder a interpretações que gerem causas de suspensão da extinção da pena, pois isso é tarefa do legislador e não de quem aplica a Lei.*Colhidos os vistos, efectuada a Audiência, cumpre apreciar e decidir.*A questão de Direito sob a decisão do Tribunal, é a seguinte: - Se a suspensão da execução da pena de prisão é causa de suspensão da prescrição dessa pena de prisão.*O Sr. Juiz, no despacho recorrido, entendeu que o é, considerando-a incluída na previsão da al. a), do nº 1, do art. 125º do C.P.. O recorrente entende que não, afirmando que o art. 125º do C.P. a não enumera – ao contrário do que acontecia com o art. 123º do C.P. de 1982 que a indicava expressamente – como causa de suspensão da prescrição.* *Como se vê, estamos perante uma divergência na interpretação da Lei. Interpretar a Lei é fixar-lhe o seu sentido e alcance. Para isso o intérprete não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – art. 9º do C. Civil. Significa isto que, à apreensão literal do texto – o ponto de partida de toda a interpretação – se devem juntar, numa tarefa de interligação e valoração, a integração da norma no conjunto normativo em que se integra (ou seja, ter presente o seu contexto); ter em conta as fontes da lei e os trabalhos preparatórios; a razão de ser da norma e o fim visado pelo legislador ao criá-la.*No caso, a correcta interpretação e aplicação da lei, passa pela apreensão da natureza da suspensão da execução da pena e pela compreensão do regime de prescrição da (execução) da pena, fixado no nosso Direito Positivo.*A suspensão da execução da pena reveste – no nosso sistema jurídico-penal – a natureza de uma pena de substituição: é uma pena aplicada e executada em vez de uma pena principal (a pena de prisão), ou seja, substitui-a. Assim, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é supõe que a sentença que a aplica, já determinou também, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída. A revogação da suspensão da execução da pena, determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (a pena principal).*Para bem se compreender, na vertente que agora nos interessa, o actual regime de prescrição da pena – regulado nos arts. 122º a 126º do C.P. –, tem de se ter em conta a referenciada natureza da suspensão de execução da pena como uma pena de substituição, e a razão de ser da actual redacção do art. 125º. A suspensão da prescrição da pena era regulada na versão originária do Código, pelo art. 123º que correspondia com ligeiras alterações ao art. 114º do Projecto de 1963 da Parte Geral do C.P. que, como é sabido, serviu de base ao C.P. de 1982. Era a seguinte (na parte que nos interessa - Art. 123º, nº 1 als. a), b)): “1 – A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar; b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena;” Na versão actual do C.P., introduzida pelo DL 48/95 de 15 de Março, regula a matéria, o art. 125º, cujo nº 1 als. a), b) e c),com a seguinte redacção: “1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da Lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) Vigorar a declaração de contumácia; c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”*Em relação a essa versão originária do C.P. de 1982, nota-se na al. c) do nº 1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Mas isso ocorre, não por o legislador ter pretendido eliminar a suspensão da execução da pena como causa de suspensão de prescrição da pena principal – e é isso que o recorrente quer defender –, mas porque considerou que a sua expressa referência era redundante. Para tal se perceber, nada melhor que citar Maia Gonçalves (para além de comentador do Código, é uma fonte histórica, pois fez parte da Comissão Revisora do Projecto de 1963 da Parte Geral do C.P.) – C.P. Anotado, 17ª Edição, pág. 433: “Em relação à versão originária, nota-se na al. c), do nº 1, do art. 125º, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda (regime de prova) e à terceira (suspensão da pena) por se tratar de casos de cumprimento de pena que portanto cabem na primeira parte do preceito: O condenado que estiver a cumprir outra pena”. Também Figueiredo Dias “As Consequências Jurídicas do Crime – Parte Geral – II”, pág. 715, tece idêntico comentário: “a actual al. b) do art. 123º - reportava-se à versão original do C.P. de 1982 – não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto ás outras porque elas são «outras penas» e cabem por isso na primeira parte do preceito”.*Assim, a suspensão da execução da pena, é uma causa de suspensão da prescrição da pena principal, encontrando-se prevista na al. c), do nº 1 do art. 125º, sendo abrangida pela expressão: “o condenado estiver a cumprir outra pena”.*O despacho recorrido, ao considerar o período de suspensão de execução da pena de prisão como causa suspensiva do decurso do prazo de prescrição da mesma, comporta a solução jurídica correcta, embora erre na alínea do art. 125º aplicável: é, como vimos a alínea c) do art. 125º, nº 1, e não a alínea a) no mesmo mencionada. O recorrente não tem razão, na interpretação que propugna, devendo ser mantida a decisão, alterando-se, no entanto, o seu fundamento legal.*Nos termos relatados, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida (mas por aplicação do disposto no art. 125, nº 1 al. c) do C.P.).*Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4UCs. Porto, 1 de Março de 2006 José Joaquim Aniceto Piedade Joaquim Rodrigues Dias Cabral Isabel Celeste Alves Pais Martins