I- Quando em cumprimento do art. 50º do Regime Geral da Contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição pelo interessado, no prazo de 10 dias após a notificação. II- Tendo o recorrente impugnado a nota de ilicitude, compreendendo perfeitamente qual o sentido da imputação subjectiva à descrição dos factos que lhe eram imputados, de tal modo que não se limitou a invocar a nulidade referida em I, deve considerar-se sanada a referida nulidade.
Acordam, após audiência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto. I.- RELATÓRIO 1.- No P. Contra-Ordenação n.º …/00.9 PBBRG do ....º Juízo Criminal do Tribunal de Braga, em que são: Recorrente/arguida: B….., SA. Recorrido: Ministério Público foi proferida decisão em 2000/Mar./13, constante a fls. 186-192, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida, que se insurgia contra a sua condenação pelo Sr. Director-Geral do Comércio e Concorrência, pela prática de dez (10) contra-ordenações p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 5.º, n.º 2, al. a) e 3, do Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out., com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out./, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 140/98, de 16/Mai., na coima de Esc. “1.500.000$00” cada uma e, em cúmulo jurídico, na coima única de Esc. “6.000.000$00”. De novo inconformada com sentença, a mesma interpôs recurso para esta Relação, tendo concluído, entre muitas outras, a dado momento, que “Na nota de ilicitude comunicada à ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 50.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., na redacção do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/Set., não são alegados quaisquer factos que indiciem uma conduta culposa por parte da ora recorrente”, tendo na sua motivação adiantado que “teremos de concluir que a conduta desta não pode ser punida”. Nesta instância foi este recurso julgado improcedente, por acórdão proferido em 2001/Out./03, de fls. 219-232, interpondo-se do mesmo recurso para o Tribunal Constitucional, que por acórdão de 2002/Mai./22, a fls. 272-286, negou provimento ao mesmo. Entretanto em 2002/Jul./09 a arguida interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que culminou com o Acórdão do STJ proferido em 2003/Mar./12, de fls. 57/8 do correspondente apenso, pelo qual se decidiu e passa-se a citar “ordenar o reenvio dos autos ao Tribunal da Relação do Porto a fim de que se digne rever a decisão recorrida de acordo com a jurisprudência já fixada”. Recebidos estes autos novamente em 2003/Mai./26 e redistribuídos em 2006/Jan./04, colheram-se novos vistos legais, nada obstando ao conhecimento do seu mérito.* **II.- FUNDAMENTAÇÃO. 1.- CIRCUSNTÂNCIAS RELEVANTES. 1.1 No decurso desde autos foi remetida à arguida em 1999/Jul./02, a nota de ilicitude constantes a fls. 89-109, que se dá por reproduzida, onde se faz uma descrição dos factos que lhe são imputados [art. 1.º a 88.º], não se fazendo alusão expressa se tais factos foram praticados de modo intencional ou negligentemente, seguindo-se a apreciação jurídica dos mesmos [89.º], onde se diz que “O comportamento do B….., SA., constitui assim dez contra-ordenações puníveis com coima de 500.000$00 a 3.000.000$00 cada uma, da al. a) n.º 2, do Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out., com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out./, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 140/98, de 16/Mai.”, notificando-se a mesma para deduzir defesa, nos termos do artigo 50.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., na redacção do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/Set., no prazo de dez (10) dias úteis. 1.2 Na sua resposta apresentada em 1999/Jul./19 e constante a fls. 113-129, a arguida conclui que “Relativamente a nenhum dos produtos atrás referidos é correcto afirmar que a arguida praticou preços inferiores ao preço de compra efectivo, pelo que não violou o disposto no n.º 1 do art. 3.º do Dec.-Lei n.º 370/93, sumariando, deste modo, os principais vícios subjacentes à mesma: i) “Em primeiro lugar, a análise da DGCC ignora sistematicamente os descontos indicados nas próprias facturas ou caracteriza-os erradamente (cfr. a título de exemplo, os artigos 16.º, 29.º, 35.º, 41.º e 58.º supra desta resposta)” [63.º] ii) “Em segundo lugar, o entendimento adoptado pela DGCC quanto ao conceito de desconto promocional previsto na lei acaba por esvaziá-lo de qualquer conteúdo, como atrás se referiu, uma vez que não é possível conceber um desconto promocional que não se materialize na prestação de um serviço de promoção de determinados produtos”. [66.º] iii) “Em terceiro lugar, não são alegados na Nota de Ilicitude quaisquer factos que indiciem uma conduta culposa por parte da ora arguida”. [67.º] iv) “Em quarto lugar, deve entender-se que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República” [69.º] 1.3 A arguida no seu recurso apresentado em 1999/Dez./15 e constante a fls. 156-165 para o Tribunal de Primeira Instância, renova estes argumentos na respectiva motivação e subsequentes conclusões.*2. DO DIREITO. A questão que se suscita e cumpre conhecer, como se decidiu no Acórdão do STJ em referência, diz apenas respeito aos elementos que devem integrar a nota de ilicitude remetida para os efeitos do artigo 50.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., na redacção do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/Set., em que termos tal deve suceder e se isso leva à não punição da conduta da recorrente. A propósito o STJ, por Assento n.º 1/2003, de 2002/Out./16 [D.R. n.º 21, de 2003/Jan./25], fixou a seguinte jurisprudência: “Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado / notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão / acusação administrativa”. Neste recurso estava em causa a oposição de julgados formada pelo Ac. R. L. de 2001/Mar./22, recurso n.º 650/01-9 e o Ac. R. P. de 2001/Out./03, recurso n.º 567/01-4. No primeiro (acórdão fundamento) decidiu-se que o artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações exige - sob pena de «ausência processual do arguido, constituindo a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal» - que, antes da «decisão que aplica a coima» (artigo 58.º), a Administração assegure ao arguido - dando-lhe a conhecer os factos imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável - a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada. No segundo (acórdão recorrido) já se entendeu que a invocada “ausência processual, por impossibilidade de exercício do direito de defesa” apenas ocorreria “quando o arguido não é ouvido, em preterição nomeadamente do que impõe o artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82», não tendo sido isso, porém, «o que aconteceu no caso dos autos, em que o arguido foi notificado, tendo oportunidade de se pronunciar e apontar para omissões como as que ora invoca”. Foi precisamente este o acórdão confirmado, ao deliberar-se improcedente o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, por sinal interposto igualmente pelo aqui impugnante “B…., SA”. Como é bom de ver o Assento em referência dissentiu do entendimento do dito Acórdão da Relação de Lisboa, mantendo o decidido no Acórdão da Relação do Porto, pelo que à partida e como é linearmente óbvio, a posição a seguir não será a que decorre do acórdão fundamento, mas antes próxima do acórdão recorrido. No sumário do deste último acórdão, divulgado em www.dgsi.pt escreveu-se que “Integra a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 3 n.1 e 5 n.2 alínea a) do Decreto-Lei n.370/93, de 29 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.140/98, de 16 de Maio (venda de bens por preço inferior ao da compra), a conduta da arguida (hipermercado) que vendeu determinado produto a preço que bem sabia ser inferior ao preço de compra efectiva e que tal facto era proibido por lei e lesava interesses económicos dos seus concorrentes. Embora se desconheça quem marcou o preço, quem quer que fosse actuou por conta e no interesse da pessoa colectiva, sendo os seus actos tratados pelo direito como factos dessa mesma pessoa colectiva, tendo agido claramente com dolo. Não se verifica a nulidade do artigo 119 alínea c) do Código de Processo Penal, se o arguido foi notificado e teve oportunidade de se pronunciar e apontar para omissões que invoca no recurso relacionadas com o auto de notícia. Constitui aquela nulidade não só a ausência física da pessoa do arguido mas também a ausência processual, a sua não integração nos autos por factos imputáveis a autoridade administrativa e não a desinteresse, desleixo ou inércia do arguido”. Mas para melhor percebermos o sentido da jurisprudência fixada pelo Supremo, vejamos quais as conclusões aí tiradas e que se passam de seguida a transcrever, reforçando a negrito o que entendemos para aqui mais relevante: I.- Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do RGC-O, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, notificá-lo-á para - no prazo que o regime específico do procedimento previr ou, na falta deste, em prazo não inferior a 10 dias - dizer o que se lhes oferecer (cf. artigo 101.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo); II.- A notificação fornecerá os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (artigo 101.º, n.º 2) e, na resposta, o interessado pode pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos (artigo 101.º, n.º 3); III.- A omissão dessa notificação incutirá à decisão administrativa condenatória, se judicialmente impugnada e assim volvida «acusação», o vício formal de nulidade (sanável), arguível, pelo «acusado», no acto da impugnação [artigos 120.º, n.os 1, 2, alínea d), e 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Se a impugnação se limitar a arguir a invalidade, o tribunal invalidará a instrução, a partir da notificação omissa, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121.º, n.os 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Mas, se a impugnação se prevalecer do direito preterido (pronunciando-se sobre as questões objecto do procedimento e, sendo caso disso, requerendo diligências complementares e juntando documentos), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]; IV.- Se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 120.º, n.º 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 120.º, n.os 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações] V - No caso, a nulidade decorrente da insuficiência/incompletude do teor da notificação operada ao abrigo do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações ficou sanada logo que o interessado não a arguiu nem no prazo de 10 dias perante a administração nem, depois, na impugnação judicial da subsequente decisão/acusação administrativa”. Daqui decorre que existindo a falta de indicação do elemento subjectivo na nota de ilicitude enviada à recorrente, como aqui sucedeu, apenas haverá lugar à nulidade desse acto e dos subsequentes, se o impugnante se limitar a invocar a mesma. Ora não foi isso que o recorrente fez, porquanto o seu recurso ultrapassa, em muito essa questão, debruçando-se sobre a concreta factualidade que lhe é imputada, pela inscontitucionalidade das normas aplicadas, sendo aquela questão um dos seus quatro tópicos de resposta à nota de ilicitude que recebeu. Mas assim deverá considerar-se tal nulidade sanada, como se depreende do entendimento fixado pelo Acórdão de fixação de jurisprudência? Para o efeito tal aresto faz apelo ao disposto no art. 121.º, n.º 1, al. c) do Código Processo Penal, onde se estabelece que “Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados: Se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia”. Em comentário a tal segmento normativo Maia Gonçalves [“Código Processo Penal Anotado e Comentado” (2001), p. 326] já escreveu o seguinte: “A sanação através de prevalência pelo interessado da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, prevista na al. c) do n.º 1, respeita a actos processuais que se destinam a assegurar faculdades ou exercícios de direitos. Se o arguido foi notificado de que tinha determinado prazo para deduzir a sua defesa dou interpor recurso, e se nesse prazo efectivamente deduziu a sua defesa ou recorreu, ficará ipso facto sanada qualquer eventual nulidade dependente de arguição que tenha afectado o acto de notificação”. Por sua vez, Costa Pimenta [“Código Processo Penal Anotado” (1987), p. 532], enfileirando no mesmo sentido que o anterior, referiu que “A presente causa de sanação diz respeito àqueles actos que se destinam a garantir faculdades. Se o interessado se prevaleceu destas, fica sanada a nulidade. Trata-se da intervenção de um comportamento do interessado, através do qual o acto deixa de ser viciado, por alcançar o seu escopo ou finalidade”. Ora quando o recorrente impugnou a nota de ilicitude o mesmo percebeu perfeitamente qual o sentido da imputação subjectiva que estava subjacente à descrição dos factos que lhe eram imputados, de tal modo que o mesmo não se limitou, como já referimos, a invocar a apontada nulidade, o mesmo sucedendo quando recorreu para o tribunal de primeira instância. Por isso e em suma, teremos forçosamente de concluir, que a apontada nulidade de falta de indicação do elemento subjectivo na nota de ilicitude se deve considerar sanada com a resposta que a arguida desde logo apresentou, porquanto esta não se limitou a invocar a mesma, tendo perfeito conhecimento do sentido da intencionalidade que lhe era apontada. Nesta conformidade, muito embora em termos distintos daqueles que foram expendidos no anterior acórdão desta Relação [Tal baseou-se no entendimento de que “é a decisão administrativa que se assume como peça fundamental na definição dos factos e infracções que se imputam ao arguido, valendo, como vale, como acusação a apresentação dos autos pelo Ministério Público ao Juiz (…). É aliás, essa peça processual, a decisão administrativa, que o arguido impugna e de que se defende, mediante o recurso de impugnação judicial (…), sendo dela, pois, que hão-de constar os elementos necessários à definição da sua responsabilidade”], e cumprindo o determinado pelo acórdão do STJ será de manter o decidido em primeira instância.* **III.- DECISÃO. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente na parte agora em apreço, o recurso interposto por “B…., SA”, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente, nos termos já fixados no acórdão anterior. Notifique. Porto, 15 de Março de 2006 Joaquim Arménio Correia Gomes Manuel Jorge França Moreira Manuel Joaquim Braz
Acordam, após audiência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto. I.- RELATÓRIO 1.- No P. Contra-Ordenação n.º …/00.9 PBBRG do ....º Juízo Criminal do Tribunal de Braga, em que são: Recorrente/arguida: B….., SA. Recorrido: Ministério Público foi proferida decisão em 2000/Mar./13, constante a fls. 186-192, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida, que se insurgia contra a sua condenação pelo Sr. Director-Geral do Comércio e Concorrência, pela prática de dez (10) contra-ordenações p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 5.º, n.º 2, al. a) e 3, do Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out., com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out./, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 140/98, de 16/Mai., na coima de Esc. “1.500.000$00” cada uma e, em cúmulo jurídico, na coima única de Esc. “6.000.000$00”. De novo inconformada com sentença, a mesma interpôs recurso para esta Relação, tendo concluído, entre muitas outras, a dado momento, que “Na nota de ilicitude comunicada à ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 50.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., na redacção do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/Set., não são alegados quaisquer factos que indiciem uma conduta culposa por parte da ora recorrente”, tendo na sua motivação adiantado que “teremos de concluir que a conduta desta não pode ser punida”. Nesta instância foi este recurso julgado improcedente, por acórdão proferido em 2001/Out./03, de fls. 219-232, interpondo-se do mesmo recurso para o Tribunal Constitucional, que por acórdão de 2002/Mai./22, a fls. 272-286, negou provimento ao mesmo. Entretanto em 2002/Jul./09 a arguida interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que culminou com o Acórdão do STJ proferido em 2003/Mar./12, de fls. 57/8 do correspondente apenso, pelo qual se decidiu e passa-se a citar “ordenar o reenvio dos autos ao Tribunal da Relação do Porto a fim de que se digne rever a decisão recorrida de acordo com a jurisprudência já fixada”. Recebidos estes autos novamente em 2003/Mai./26 e redistribuídos em 2006/Jan./04, colheram-se novos vistos legais, nada obstando ao conhecimento do seu mérito.* **II.- FUNDAMENTAÇÃO. 1.- CIRCUSNTÂNCIAS RELEVANTES. 1.1 No decurso desde autos foi remetida à arguida em 1999/Jul./02, a nota de ilicitude constantes a fls. 89-109, que se dá por reproduzida, onde se faz uma descrição dos factos que lhe são imputados [art. 1.º a 88.º], não se fazendo alusão expressa se tais factos foram praticados de modo intencional ou negligentemente, seguindo-se a apreciação jurídica dos mesmos [89.º], onde se diz que “O comportamento do B….., SA., constitui assim dez contra-ordenações puníveis com coima de 500.000$00 a 3.000.000$00 cada uma, da al. a) n.º 2, do Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out., com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 370/93, de 29/Out./, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 140/98, de 16/Mai.”, notificando-se a mesma para deduzir defesa, nos termos do artigo 50.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., na redacção do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/Set., no prazo de dez (10) dias úteis. 1.2 Na sua resposta apresentada em 1999/Jul./19 e constante a fls. 113-129, a arguida conclui que “Relativamente a nenhum dos produtos atrás referidos é correcto afirmar que a arguida praticou preços inferiores ao preço de compra efectivo, pelo que não violou o disposto no n.º 1 do art. 3.º do Dec.-Lei n.º 370/93, sumariando, deste modo, os principais vícios subjacentes à mesma: i) “Em primeiro lugar, a análise da DGCC ignora sistematicamente os descontos indicados nas próprias facturas ou caracteriza-os erradamente (cfr. a título de exemplo, os artigos 16.º, 29.º, 35.º, 41.º e 58.º supra desta resposta)” [63.º] ii) “Em segundo lugar, o entendimento adoptado pela DGCC quanto ao conceito de desconto promocional previsto na lei acaba por esvaziá-lo de qualquer conteúdo, como atrás se referiu, uma vez que não é possível conceber um desconto promocional que não se materialize na prestação de um serviço de promoção de determinados produtos”. [66.º] iii) “Em terceiro lugar, não são alegados na Nota de Ilicitude quaisquer factos que indiciem uma conduta culposa por parte da ora arguida”. [67.º] iv) “Em quarto lugar, deve entender-se que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República” [69.º] 1.3 A arguida no seu recurso apresentado em 1999/Dez./15 e constante a fls. 156-165 para o Tribunal de Primeira Instância, renova estes argumentos na respectiva motivação e subsequentes conclusões.*2. DO DIREITO. A questão que se suscita e cumpre conhecer, como se decidiu no Acórdão do STJ em referência, diz apenas respeito aos elementos que devem integrar a nota de ilicitude remetida para os efeitos do artigo 50.º, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., na redacção do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/Set., em que termos tal deve suceder e se isso leva à não punição da conduta da recorrente. A propósito o STJ, por Assento n.º 1/2003, de 2002/Out./16 [D.R. n.º 21, de 2003/Jan./25], fixou a seguinte jurisprudência: “Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado / notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão / acusação administrativa”. Neste recurso estava em causa a oposição de julgados formada pelo Ac. R. L. de 2001/Mar./22, recurso n.º 650/01-9 e o Ac. R. P. de 2001/Out./03, recurso n.º 567/01-4. No primeiro (acórdão fundamento) decidiu-se que o artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações exige - sob pena de «ausência processual do arguido, constituindo a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal» - que, antes da «decisão que aplica a coima» (artigo 58.º), a Administração assegure ao arguido - dando-lhe a conhecer os factos imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável - a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada. No segundo (acórdão recorrido) já se entendeu que a invocada “ausência processual, por impossibilidade de exercício do direito de defesa” apenas ocorreria “quando o arguido não é ouvido, em preterição nomeadamente do que impõe o artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82», não tendo sido isso, porém, «o que aconteceu no caso dos autos, em que o arguido foi notificado, tendo oportunidade de se pronunciar e apontar para omissões como as que ora invoca”. Foi precisamente este o acórdão confirmado, ao deliberar-se improcedente o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, por sinal interposto igualmente pelo aqui impugnante “B…., SA”. Como é bom de ver o Assento em referência dissentiu do entendimento do dito Acórdão da Relação de Lisboa, mantendo o decidido no Acórdão da Relação do Porto, pelo que à partida e como é linearmente óbvio, a posição a seguir não será a que decorre do acórdão fundamento, mas antes próxima do acórdão recorrido. No sumário do deste último acórdão, divulgado em www.dgsi.pt escreveu-se que “Integra a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 3 n.1 e 5 n.2 alínea a) do Decreto-Lei n.370/93, de 29 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.140/98, de 16 de Maio (venda de bens por preço inferior ao da compra), a conduta da arguida (hipermercado) que vendeu determinado produto a preço que bem sabia ser inferior ao preço de compra efectiva e que tal facto era proibido por lei e lesava interesses económicos dos seus concorrentes. Embora se desconheça quem marcou o preço, quem quer que fosse actuou por conta e no interesse da pessoa colectiva, sendo os seus actos tratados pelo direito como factos dessa mesma pessoa colectiva, tendo agido claramente com dolo. Não se verifica a nulidade do artigo 119 alínea c) do Código de Processo Penal, se o arguido foi notificado e teve oportunidade de se pronunciar e apontar para omissões que invoca no recurso relacionadas com o auto de notícia. Constitui aquela nulidade não só a ausência física da pessoa do arguido mas também a ausência processual, a sua não integração nos autos por factos imputáveis a autoridade administrativa e não a desinteresse, desleixo ou inércia do arguido”. Mas para melhor percebermos o sentido da jurisprudência fixada pelo Supremo, vejamos quais as conclusões aí tiradas e que se passam de seguida a transcrever, reforçando a negrito o que entendemos para aqui mais relevante: I.- Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do RGC-O, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, notificá-lo-á para - no prazo que o regime específico do procedimento previr ou, na falta deste, em prazo não inferior a 10 dias - dizer o que se lhes oferecer (cf. artigo 101.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo); II.- A notificação fornecerá os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (artigo 101.º, n.º 2) e, na resposta, o interessado pode pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos (artigo 101.º, n.º 3); III.- A omissão dessa notificação incutirá à decisão administrativa condenatória, se judicialmente impugnada e assim volvida «acusação», o vício formal de nulidade (sanável), arguível, pelo «acusado», no acto da impugnação [artigos 120.º, n.os 1, 2, alínea d), e 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Se a impugnação se limitar a arguir a invalidade, o tribunal invalidará a instrução, a partir da notificação omissa, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121.º, n.os 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Mas, se a impugnação se prevalecer do direito preterido (pronunciando-se sobre as questões objecto do procedimento e, sendo caso disso, requerendo diligências complementares e juntando documentos), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]; IV.- Se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 120.º, n.º 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 120.º, n.os 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações] V - No caso, a nulidade decorrente da insuficiência/incompletude do teor da notificação operada ao abrigo do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações ficou sanada logo que o interessado não a arguiu nem no prazo de 10 dias perante a administração nem, depois, na impugnação judicial da subsequente decisão/acusação administrativa”. Daqui decorre que existindo a falta de indicação do elemento subjectivo na nota de ilicitude enviada à recorrente, como aqui sucedeu, apenas haverá lugar à nulidade desse acto e dos subsequentes, se o impugnante se limitar a invocar a mesma. Ora não foi isso que o recorrente fez, porquanto o seu recurso ultrapassa, em muito essa questão, debruçando-se sobre a concreta factualidade que lhe é imputada, pela inscontitucionalidade das normas aplicadas, sendo aquela questão um dos seus quatro tópicos de resposta à nota de ilicitude que recebeu. Mas assim deverá considerar-se tal nulidade sanada, como se depreende do entendimento fixado pelo Acórdão de fixação de jurisprudência? Para o efeito tal aresto faz apelo ao disposto no art. 121.º, n.º 1, al. c) do Código Processo Penal, onde se estabelece que “Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados: Se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia”. Em comentário a tal segmento normativo Maia Gonçalves [“Código Processo Penal Anotado e Comentado” (2001), p. 326] já escreveu o seguinte: “A sanação através de prevalência pelo interessado da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, prevista na al. c) do n.º 1, respeita a actos processuais que se destinam a assegurar faculdades ou exercícios de direitos. Se o arguido foi notificado de que tinha determinado prazo para deduzir a sua defesa dou interpor recurso, e se nesse prazo efectivamente deduziu a sua defesa ou recorreu, ficará ipso facto sanada qualquer eventual nulidade dependente de arguição que tenha afectado o acto de notificação”. Por sua vez, Costa Pimenta [“Código Processo Penal Anotado” (1987), p. 532], enfileirando no mesmo sentido que o anterior, referiu que “A presente causa de sanação diz respeito àqueles actos que se destinam a garantir faculdades. Se o interessado se prevaleceu destas, fica sanada a nulidade. Trata-se da intervenção de um comportamento do interessado, através do qual o acto deixa de ser viciado, por alcançar o seu escopo ou finalidade”. Ora quando o recorrente impugnou a nota de ilicitude o mesmo percebeu perfeitamente qual o sentido da imputação subjectiva que estava subjacente à descrição dos factos que lhe eram imputados, de tal modo que o mesmo não se limitou, como já referimos, a invocar a apontada nulidade, o mesmo sucedendo quando recorreu para o tribunal de primeira instância. Por isso e em suma, teremos forçosamente de concluir, que a apontada nulidade de falta de indicação do elemento subjectivo na nota de ilicitude se deve considerar sanada com a resposta que a arguida desde logo apresentou, porquanto esta não se limitou a invocar a mesma, tendo perfeito conhecimento do sentido da intencionalidade que lhe era apontada. Nesta conformidade, muito embora em termos distintos daqueles que foram expendidos no anterior acórdão desta Relação [Tal baseou-se no entendimento de que “é a decisão administrativa que se assume como peça fundamental na definição dos factos e infracções que se imputam ao arguido, valendo, como vale, como acusação a apresentação dos autos pelo Ministério Público ao Juiz (…). É aliás, essa peça processual, a decisão administrativa, que o arguido impugna e de que se defende, mediante o recurso de impugnação judicial (…), sendo dela, pois, que hão-de constar os elementos necessários à definição da sua responsabilidade”], e cumprindo o determinado pelo acórdão do STJ será de manter o decidido em primeira instância.* **III.- DECISÃO. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente na parte agora em apreço, o recurso interposto por “B…., SA”, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente, nos termos já fixados no acórdão anterior. Notifique. Porto, 15 de Março de 2006 Joaquim Arménio Correia Gomes Manuel Jorge França Moreira Manuel Joaquim Braz