A nulidade consubstanciada em insuficiência do inquérito só ocorrerá se se omitir a prática de acto que a lei prescreva como obrigatório.
Recurso n.º 1781/06-4 2.º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão Acordam nesta Secção do Tribunal da Relação do Porto No inquérito n.º …./04.0TAVNF, logo depois de requerida a instrução foi, pelo M.mo Juiz de Instrução, proferido o despacho de fl.s 168 a 172 (os autos encontram-se incorrectamente paginados, uma vez que após fl.s 194 se retrocedeu para o número 155), através do qual se indeferiu a nulidade de insuficiência do inquérito, alegada pela recorrente, com o fundamento em que não foram ouvidas todas as testemunhas indicadas, por se ter considerado que todas foram inquiridas e só o depoimento de uma delas foi junto já depois de proferido pelo MP o despacho de arquivamento, sendo que esta declarou nada saber, pelo que em nada ficou afectada validade e regularidade dos autos e não foi admitida a abertura da instrução requerida pela assistente, por impossibilidade legal da instrução (cfr. artigos 287, n.os 2 e 3 e 283, n.º 3, al. b), todos do CPP) e ainda por se verificar a nulidade prevista no citado artigo 283, n.º 3, al. b), do CPP, com o fundamento em que a assistente não descreveu no seu requerimento os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido e, em consequência, determinou o arquivamento dos autos. Inconformada, recorreu a assistente B………., melhor identificada nos autos, concluindo a sua motivação do seguinte modo: 1. Contrariamente ao entendimento expendido no douto despacho recorrido, não se encontram reunidos todos os pressupostos jurídico-processuais que pudessem levar à rejeição do requerimento de abertura de instrução formulado pela recorrente. 2. A recorrente sustentou o seu pedido de abertura de instrução consubstanciado no facto de o MP ter entendido pela preclusão do prazo de dedução da competente queixa-crime. 3. Entende-se do despacho de arquivamento que o arguido só não foi acusado do crime de infidelidade por a ora recorrente ter deduzido fora de prazo, ou seja volvidos mais de seis meses sobre a constatação dos factos, a competente queixa-crime. 4. O que não reflecte a verdade material uma vez que a recorrente só tomou conhecimento dos factos em finais de Novembro de 2003, tendo deduzido a queixa-crime em 13 de Maio de 2004. 5. Não se verifica a situação jurídico - processual referida no artigo 287, n.º 3, do CPP, que levou à rejeição do requerimento de abertura de instrução, uma vez que nele não cabe a situação em apreço. 6. Uma vez que, não era o preenchimento, tipificação ou respectiva qualificação do crime de infidelidade que estava em causa, mas tão somente se o mesmo já teria sido do conhecimento da recorrente há mais de 6 meses. 7. Em parte alguma do despacho de acusação se coloca em causa outras questões que não sejam a preclusão do prazo de dedução de queixa, para que o arguido pudesse ter sido acusado do crime de infidelidade. 8. O MP, no despacho de arquivamento do inquérito assume de forma clara que os factos imputados ao arguido integram o tipo de crime de infidelidade, só não o acusando por ter precludido, no seu entendimento, o direito a queixa. 9. Uma vez que estava em causa sindicar da tempestividade ou não da queixa-crime deduzida pela ora recorrente não poderia o requerimento de abertura de instrução ser rejeitado por falta de objecto legal suficiente. 10. Uma vez que o tribunal a quo sustenta a sua fundamentação para a rejeição do requerimento de abertura de instrução por o mesmo não conter todos os requisitos legais/formais e que só por si e em nosso modesto entendimento não configura uma situação de rejeição por falta de objecto legal suficiente, deveria ter sido ordenado oficiosamente a sua reparação, como resulta, aliás, do disposto no artigo 123, n.º 2, do CPP. 11. A rejeição do requerimento de abertura de instrução, sem que ao requerente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências, para além de não ter fundamento viola flagrante e desproporcionalmente o direito da assistente, ora recorrente, que pela instrução pretende ver reconhecido (artigo 20, n.º 1, da CRP). 12. A lei permite a reparação da irregularidade verificada (artigo 123, n.º 2, do CPP) reparação que, atentos os interesses em causa, se impõe. 13. Para a fundamentação do despacho de arquivamento o MP não levou em consideração o depoimento prestado pelo representante da ora recorrente, cujas declarações foram juntas aos autos muito depois da prolacção do despacho de arquivamento. 14. O mesmo sucedendo com as declarações prestadas em 27/10/2004 e 17/11/2004 pelas testemunhas C…… e D….. . 15. Esses testemunhos eram essenciais para sindicar da prática dos actos ilícitos efectuados pelo arguido. 16. Ao preterir as declarações do representante legal da ora recorrente e das testemunhas ouvidas pela segunda vez em 27/10/2004 e 17/11/2004, ou seja após o despacho de arquivamento, foi posta em causa o objecto da prova, que são todos os factos relevantes para a existência ou inexistência de crime. 17. Face a esta omissão, entende a ora recorrente que estamos perante a insuficiência de inquérito, a que se refere o artigo 120, n.º 1, al. b), do CPP, o que constitui nulidade. 18. O douto despacho recorrido, fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais, nomeadamente das contidas nos artigos 120, n.º 2, al. d); 122, n.º 1; 123, n.º 2; 283; 287, n.os 1 e 3, todos do CPP e ainda dos artigos 20 e 32, n.º 1, da CRP. 19. Pelo que é ilegal a douta decisão recorrida. O MP na comarca, respondeu pugnando pela improcedência do recurso, com o fundamento em que do requerimento para abertura da instrução não consta a narração da factualidade que possa fundamentar a aplicação de uma pena ao arguido, o que, desde logo, impossibilita a realização da instrução, por ausência de vinculação temática e não sendo possível a formulação de um convite à assistente para a mesma reformular o teor do seu requerimento de abertura da instrução. Relativamente à invocada insuficiência de inquérito, igualmente pugna pela sua inexistência, uma vez que todas as testemunhas foram ouvidas, não se tendo proferido despacho de arquivamento dos autos por insuficiência de indícios, mas por inadmissibilidade legal do procedimento criminal. De igual forma, o arguido, apresentou resposta de idêntico teor, referindo, designadamente, que a instrução não pode ter lugar por a recorrente não ter descrito, no requerimento de abertura respectivo, quaisquer factos, não sendo possível a prolacção de despacho de aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução e, relativamente à invocada nulidade, para além de a mesma não respeitar à instrução, defende que a mesma não se verifica porquanto todas as testemunhas foram ouvidas e aquela a que se reporta a recorrente afirmou desconhecer a matéria aqui em causa. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, aderindo ao teor da resposta dada pelo MP na 1.ª instância. Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, há que decidir: O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. As questões a resolver são as seguintes: A. Averiguar se o requerimento formulado pela assistente para abertura da instrução, contém a indicação dos factos necessários e suficientes para que ao arguido possa ser imputada a alegada prática do crime de infidelidade e, assim não sendo, qual a consequência daí a retirar. B. Se é possível a formulação de convite ao assistente para que aperfeiçoe ou reformule o requerimento por este formulado para abertura da instrução, no caso de o mesmo não conter todos os elementos para tal exigíveis. C. Se se verifica a alegada nulidade de insuficiência de inquérito, ao preterir as declarações do representante legal da recorrente e das testemunhas C….. e D….. . A. O requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente, contém a indicação de todos os elementos necessários e suficientes para que o arguido possa vir a ser pronunciado pela prática do crime nele referido? Como já referido, o M.mo Juiz de Instrução não admitiu a realização da instrução, com o fundamento em se verificar a impossibilidade legal de a realizar e a nulidade prevista no artigo 283, n.º 3, al. b), do CPP, decorrentes do facto de a assistente não ter descrito, no requerimento para abertura da instrução, os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido. É do seguinte teor o despacho recorrido: “No seu requerimento de abertura de instrução formulado a fls. 157 e seguintes veio a assistente B……, para além do mais, arguir nulidade nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Código de Processo Penal, decorrente da circunstância de o Ministério Público não ter valorado o depoimento das testemunhas arroladas pela mesma em sede de inquérito, testemunhas que teriam sido ouvidas através de carta precatória e cujos depoimentos não teriam sido juntos aos autos antes de proferido o despacho final de arquivamento. O Ministério Público pronunciou-se a fls. 191, promovendo o indeferimento da nulidade arguida pela assistente, com o fundamento de que as testemunhas arroladas pela assistente foram inquiridas em sede de inquérito e os respectivos depoimentos juntos aos autos antes de proferido o despacho final de arquivamento, com excepção do depoimento de uma testemunha, sendo certo que o depoimento prestado pela mesma não assumiria qualquer relevância para os autos, face à ausência de conhecimento relevante entretanto constatada pela mesma. Notificado para, querendo, se pronunciar, o arguido veio pugnar pelo indeferimento da arguida nulidade, com os mesmos argumentos constantes da promoção do Ministério Público – cfr. fls. 166. Cumpre decidir. E como elementos essenciais para a decisão a proferir, importará constatar que ao contrário do alegado pela assistente, as testemunhas arroladas pela assistente (cfr. fls. 09 e 10) foram inquiridas em sede de inquérito e o seus depoimentos foram juntos aos autos antes de proferido o despacho final de arquivamento, conforme se pode constatar do teor de fls. 51, 65, 80, 97, 128, 130 e 135; a única excepção reporta-se ao depoimento prestado pela testemunha identificada a fls. 176, sendo certo que o mesmo veio declarar nada saber quanto ao objecto dos autos. Estabelece o art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Código de Processo Penal que “Constituem nulidades dependentes de arguição (…) a insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”. Ora, atendendo ao relatório do processado nos autos por nós supra referido, não se vislumbra qualquer omissão de realização de diligência de inquérito, designadamente não se verificou qualquer omissão de inquirição das testemunhas arroladas pela assistente: as mesmas foram inquiridas; apenas uma testemunha foi inquirida após a prolação do despacho de arquivamento, mas, mesmo assim foi inquirida; quando muito poderia verificar-se uma prolação apressada do despacho final, já que não se terá atentado em que faltava proceder à junção de um depoimento testemunhal, mas tal não é sinónimo de omissão de realização de diligência de inquérito: repete-se, a mesma foi realizada, não foi omitida. Acresce que o próprio Ministério Público teve o cuidado de fazer consignar que do depoimento de tal testemunha não resultou qualquer conhecimento quanto ao objecto dos autos (a testemunha referiu nada saber, não podendo ser mais eloquente), razão pela qual, de resto, não deu o Ministério Público sem efeito o despacho final de inquérito, nem determinou a reabertura daquela fase processual, pelo que qualquer irregularidade que daí decorresse (que decorresse da não junção de tal depoimento) não teria a virtualidade de afectar o valor do acto processado (do despacho de arquivamento) – cfr. o art.º 123.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal. Em conformidade com o exposto, afigurando-se-nos notório que as diligências de inquérito requeridas pela assistente foram realizadas, não se verifica a nulidade decorrente de qualquer omissão de realização de diligências de inquérito, sendo que a eventual decorrente da junção posterior ao despacho de arquivamento de um depoimento de uma testemunha que referiu nada saber, ficará sanada com a junção aos autos propriamente dita e a constatação pelo Ministério Público de que não afecta o despacho final de arquivamento, uma vez que a testemunha referiu nada saber quanto ao objecto dos autos. Nesta sequência, indefere-se a nulidade arguida pela assistente. Custas a cargo da assistente, com taxa de justiça em 01 (uma) UC, a compensar com o já pago. Notifique.* *Ainda a fls. 157 e seguintes veio a assistente B…… requerer a abertura de instrução, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia do arguido E….., sustentando que o mesmo praticou o crime de infidelidade, sendo que apenas teria tomado conhecimento da prática dos factos ilícitos por parte do arguido em Novembro de 2003, tendo, assim, apresentado a queixa dentro do prazo legal. Cumpre proferir despacho liminar. Estabelece o art.º 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.*O tribunal é o competente – cfr. o art.º 19.º do Código de Processo Penal.*O requerimento formulado é tempestivo – cfr. as disposições conjugadas dos números 2, 3 e 9 do art.º 113.º, o disposto no art.º 287.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, a notificação de fls. 139 e data aposta no fax de fls. 148.*A requerente tem a qualidade de assistente nos autos, pelo que dispõe de legitimidade para o efeito – cfr. o art.º 287.º, n.º 1, al.ª b), do Código de Processo Penal e despacho proferido a fls. 187.*A requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida – cfr. os art.os 80.º, n.º 1 e 83.º, ambos do Código das Custas Judiciais e fls. 162 e 182.*No tocante à questão da inadmissibilidade legal: A assistente limita-se a afirmar que discorda do despacho de arquivamento proferido, que a queixa foi tempestiva e que o arguido deverá ser pronunciado pela prática do crime de infidelidade. Nada mais. Ora, não compete ao tribunal perscrutar os autos em busca dos factos que deverão estar subjacentes à pretensão da assistente e a uma eventual pronúncia do arguido, nos termos requeridos. O requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente não contem a factualidade necessária (mínima, sequer) que permita julgar preenchidos os pressupostos de um qualquer tipo legal, designadamente do crime de infidelidade referido por aquela. Não existe factualidade concretamente imputada que permita concluir pela imputação de condutas integrantes do tipo legal referido nem de qualquer tipo legal, sendo certo que, conforme referido, ao tribunal não incumbe compulsar os autos, reunindo a factualidade não sustentada pela assistente, devendo, ao invés, analisar a factualidade constante do requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente, no sentido da sua verificação indiciária ou não. Na verdade, nos termos do disposto no art.º 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura de instrução, prevendo o art.º 303.º do mesmo código as consequências da alteração não substancial e substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução constatada no decurso desta. A este requerimento aplica-se, nos termos preceituados pelo n.º 2 do art.º 287.º, do Código de Processo Penal, o previsto no n.º 3, al.as b) e c) do mesmo normativo. Impõe-se, assim, à assistente requerente da abertura de instrução (obviamente em caso de arquivamento, como é o caso dos autos) um especial cuidado na selecção dos factos pelos quais pretende ver o arguido pronunciado, especificamente, tendo em vista a verificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal que imputa. À assistente impunha-se proceder a uma imputação de factos – qual verdadeira acusação – ao arguido, o que não fez, não podendo o tribunal substituir-se àquela requerente da abertura de instrução nessa tarefa, sob pena de nulidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido, conforme supra exposto - cfr. a este propósito o Ac. RE de 14-04-1995, CJ, XX, II, 280. Face a estas deficiências, impõe-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade do mesmo (falta de objecto criminal imputado ao arguido), não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, conforme, de resto, jurisprudência quer do Tribunal Constitucional (cfr. o Ac. n.º 27/2001 – processo n.º 189/2000, D.R. – II Série de 23-03-2001, págs. 5265 e seguintes), quer das Relações – cfr. os Acs. RL de 08-10-2002, 27-05-2003 e 15-12-2004, in www.dgsi.pt/jtrl, e os Acs. da RP de 14-01-2004, 21-01-2004, 24-03-2004, 31-03-2004, 05-01-2005 e 12-01-2005, estes in www.dgsi.pt/jtrp. Efectivamente, o convite ao aperfeiçoamento encontra-se previsto para o processo civil, processo de partes e interesses privados, enquanto no processo criminal nos movemos no domínio do interesse público, alicerçado numa estrutura acusatória (cfr. o n.º 5 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa), a qual resultaria totalmente subvertida caso se admitisse esse convite ao aperfeiçoamento, ao que acresceria uma dilação (e, logo, também aqui, subversão) do prazo para requerer a abertura de instrução. Face à falta de alegação de factos que integrem os tipos legais que alega, importa, pois, concluir pela inadmissibilidade legal da instrução, por falta de objecto (suficiente) da mesma. Restará consignar que a questão suscitada ao nível da tempestividade da queixa invocada pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução, surge prejudicada com o nosso entendimento ora exposto. Na verdade, analisar tal questão resultaria na prática de um acto absolutamente inútil, já que a pretensão da assistente reporta-se a que o tribunal considere a queixa tempestivamente efectuada e, em conformidade, pronuncie o arguido; ora, mesmo que se efectuassem diligências de prova no sentido da averiguação e comprovação de tal questão, como o que a assistente pretende é a pronúncia do arguido e o tribunal encontra-se impedido de efectuá-lo por inadmissibilidade legal decorrente da falta de imputação de factos, mesmo que se confirmasse tal tempestividade, a mesma não permitiria o resultado ou o deferimento da pretensão da assistente, qual seja a prolação de despacho de pronúncia. Em conformidade com o exposto, a averiguação de tal questão, com a eventual produção da prova requerida, conforme já referido, resultaria na prática de um acto inútil, proibido por lei, nos termos do art.º 137.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.*Em conformidade com o exposto e ao abrigo das normas legais supra citadas, o tribunal decide: Rejeitar o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente B……, por falta de objecto legal suficiente. Custas pela rejeição a cargo da assistente com taxa de justiça em 01 (uma) UC, a compensar com o já pago. Após trânsito remeta os autos aos serviços do Ministério Público, dando-se a competente baixa”. Como se respiga do despacho recorrido, considerou o M.mo Juiz de Instrução que o requerimento para abertura da instrução não obedeceu aos requisitos legais exigíveis, designadamente o disposto no artigo 287, n.º 2, in fine, o qual remete para o artigo 283, n.º 3, al. b), ambos do CPP. De acordo com este preceito, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como a indicação dos actos de instrução que se pretende sejam levados a cabo. Acrescentando-se no mesmo que, se o requerimento para abertura da instrução for do assistente, lhe é, ainda, aplicável, o disposto no artigo 283, n.º 3, al.s b) e c), de acordo com as quais se exige que o mesmo contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada a que tudo acresce a indicação das disposições legais aplicáveis. Daqui resulta que, cf. refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2000, pág.s 139 e 140, tal requerimento deve conter, em substância, uma verdadeira acusação, cujos factos vão delimitar a actividade do juiz na realização da pretendida instrução, tal como resulta do disposto nos artigos 308 e 309, do CPP. Acrescentando o mesmo autor que a indicação de tais factos pode resultar dos actos de instrução requeridos. No entanto, essencial é pois que, de uma maneira ou de outra, tais factos estejam contidos no requerimento de abertura de instrução uma vez que, de outro modo, não podem vir a ser objecto da instrução nem, consequentemente, dos autos, sob pena de tal acarretar a nulidade da decisão instrutória – artigo 309, n.º 1, do CPP. A nível jurisprudencial, e por último, no sentido de que o assistente está obrigado a descrever no seu requerimento de abertura da instrução os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido, sob pena de a pronúncia que vier a ser proferida violar o princípio do acusatório, podem ver-se os Acórdãos desta Relação de 19/02/97 e de 23/05/2001, in BMJ 464 – 617 e CJ, 2001, 3, 238; da Relação de Lisboa, de 03/02/2005 e da Relação de Coimbra, de 23/02/2005, in CJ, 2005, 1, 139 e 48, respectivamente. No essencial, todos estes Arestos salientam que por força dos princípios do acusatório e do contraditório porque, entre outros, se rege o processo penal e porque o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente, no fundo, constitui a pretensão de uma acusação alternativa ao arquivamento ou diferente acusação formulados pelo MP, se tem de exigir tal descrição fáctica, com a qual se demarca o âmbito e objecto da instrução a efectuar e reflexamente do próprio processo, ao mesmo tempo que possibilita ao arguido o efectivo exercício das suas garantias de defesa, dando-lhe a conhecer, com rigor, quais os factos que se lhe visam imputar e que só acerca desses se desenrolará a investigação, assim podendo exercitar o seu contraditório. Ora, cotejando o conteúdo do requerimento de abertura de instrução deduzido pela assistente com as considerações atrás expendidas, parece-nos que o mesmo não reúne as condições mínimas para poder ser considerado como satisfazendo os requisitos legalmente exigíveis. Efectivamente, o mesmo mais revela a preocupação de rebater a argumentação usada pelo MP para arquivar os autos e não deduzir acusação, do que proceder à descrição dos factos que, em seu entender, reputa terem existido e impliquem a respectiva condenação por parte do arguido, o que é bem notório no que a assistente mandou escrever nos artigos 6 a 17, nos quais não se faz referência à descrição de quaisquer factos, mas tão só revelam a convicção da assistente de que o MP não deveria ter arquivado os autos, com o fundamento em que, contrariamente ao expendido no despacho de arquivamento, a assistente só teve conhecimento dos factos praticados pelo arguido em Novembro de 2003 e não em 24 de Maio de 2002, como se refere no despacho de arquivamento. Assim, não contendo, como não contém, o requerimento para abertura da instrução a imputação/descrição de quaisquer factos ao arguido, não se pode considerar como tendo o mesmo respeitado os comandos ínsitos nos já referidos artigos 287, n.º 2 e 283, n.º 3, al.s b) e c), ambos do CPP. Como acima já referido, de tais preceitos surge a necessidade de se proceder à narração, ainda que sintética, das razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, a motivação, o grau de participação do agente e demais circunstâncias relevantes para a determinação da sanção. Ora, reitera-se o requerimento de abertura da instrução é completamente omisso no que respeita às circunstâncias de lugar, tempo e modo em que tais eventuais factos ocorreram. Efectivamente, nos artigos 7 a 14.º de tal requerimento (os únicos a tal respeitantes), refere a assistente: “7. Entendeu a Ilustre Procuradora do MP que, dos crimes carreados somente o de infidelidade poderia eventualmente proceder. 8. Mas mesmo em relação a esse já teria prescrito o direito à queixa. 9. Uma vez que «resulta indiciado dos autos que, em 24 de Maio de 2002, teve lugar uma auditoria no balcão de Vila Nova de Famalicão e que, logo nessa data, foi o arguido alertado para a situação em causa». 10. Ora, não foi, decerto, nenhuma testemunha arrolada pela queixosa B……, quem carreou para o inquérito tal informação. 11. Não é verdade que o arguido tenha sido alertado, para tal situação, na auditoria realizada no balcão, no dia 24 de Maio de 2002. 12. A queixosa só teve conhecimento, das práticas ilícitas do arguido, por um relatório elaborado, em Novembro de 2003, pelo Sr. Gerente de zona, Sr. F….. . 13. È assim inverosímil que a queixosa tenha tido conhecimento dos factos denunciados na queixa crime em data anterior a Novembro de 2003. 14. Estando, pois, ainda em tempo para deduzir a competente queixa, quando efectivamente a elaborou e entregou junto da Polícia Judiciária em Lisboa”. Ora, compulsado o teor dos artigos do requerimento de abertura da instrução que antecedem, é óbvio que tem de concluir-se que neles inexistem quaisquer referências aos factos em que se imputa ao arguido a prática do crime que a assistente lhe pretende ver imputado. Aliás, a própria assistente refere e aceita que o seu requerimento de abertura de instrução não contém todos os elementos que deveria conter e a que se alude no artigo 283, do CPP. Efectivamente, a mesma, ao motivar o recurso ora em apreciação, refere a fl.s 10, do requerimento de interposição de recurso, que se deveria limitar a levar ao conhecimento do juiz de instrução os factos que provassem a data do seu conhecimento, com o argumento de que o MP só não acusou por entender (mal, na sua óptica) por precludido o direito de queixa, mas ter assumido que os factos integravam por parte do arguido, a prática de um crime de infidelidade. Embora isso seja completamente irrelevante, cumpre salientar que no despacho de arquivamento o MP não enumerou quaisquer factos que tomasse por indiciariamente praticados pelo arguido. Como se constata de tal despacho, que se acha junto de fl.s 135 a 138, o MP limita-se a enumerar os factos constantes da queixa apresentada e a referir que “…de acordo com os indícios reunidos, os factos descritos na queixa e imputados ao denunciado, integrarão, eventualmente e unicamente, o tipo de crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224 do Código Penal”. E é por referência a este tipo de crime e considerando a data de 24 de Maio de 2002, que o MP considerou como precludido o direito de queixa, e não exerceu a acção penal e, ao invés, determinou o arquivamento dos autos. Como resulta do disposto nos artigos 278, 279, 286 e 287, todos do CPP, as únicas reacções possíveis contra um despacho de arquivamento do MP são as que resultam da intervenção hierárquica ou do requerimento de abertura de instrução, nos prazos e condições ali expressamente previstos. In casu, não foi suscitada nem houve intervenção hierárquica por banda do MP e foi requerida a instrução. No entanto, como já analisado, o requerimento de abertura da instrução não foi feito em obediência aos requisitos formais legalmente exigidos, designadamente, é completamente omisso quanto à descrição fáctica em que fundamenta ao arguido a autoria do crime em causa. Independentemente dos motivos que levaram o MP a determinar o arquivamento dos autos, a assistente, ao formular tal pedido de abertura de instrução tinha de o fazer nos moldes previstos nos artigos 287, n.º 2 e 283, al.s b) e c), do CPP, quer aqueles motivos fossem de ordem adjectiva ou de substância. Sem factos não pode haver instrução e o requerimento formulado pela assistente para a abertura da instrução não os contém, não se podendo afirmar, salvo o devido respeito, que na instrução apenas incumbia fazer a prova de que a queixa apresentada era tempestiva. Não, antes disto era necessária a comprovação de que o arguido cometeu um crime e ao redigir, como redigiu, o requerimento para abertura da instrução, a assistente inviabilizou que tal tarefa fosse possível, dado que se limitou a referir que a queixa era tempestiva e que o arguido deveria ser pronunciado pela prática do crime em causa. É, assim, indubitável, face ao exposto, que o requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente não contém os elementos referidos no artigo 283, n.º 3, al. b), aplicável ex vi artigo 287, n.º 2, ambos do CPP. As consequências a disso extrair não podem, face às considerações primeiramente referidas, ser outras que não as de indeferir a realização da requerida instrução. Efectivamente, conforme o disposto nos artigos 288, n.º 4, 303, n.º 4 e 309, n.º 1, todos do CPP, a instrução, sob pena de nulidade da decisão instrutória, não pode abarcar factos que não os contidos e descritos no requerimento de abertura da instrução. Por outro lado, sob pena de nulidade – artigo 283, n.º 3, al. b), ex vi artigo 287, n.º 2, ambos do CPP, deve o requerimento de abertura de instrução respeitar o que se acha estabelecido nestes preceitos. Verificando-se, como se verifica que in casu tal desiderato não foi respeitado, em tal requerimento de abertura da instrução, tem o mesmo de ser declarado como nulo, o que implica a impossibilidade legal da realização da instrução e, em consequência, a não realização da mesma, tal como propugnado na decisão recorrida – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso …, vol. III, Verbo, 2000, pág.s 134 e 135, dada a falta ou indeterminação do respectivo objecto. Consequência que também advém, como acima já aflorado, de que de outro modo, ficaria cerceado ou dificultado o direito de defesa do arguido, que só mediante uma descrição fáctica rigorosa e detalhada poderá exercer o contraditório. Assim, com estes fundamentos, nesta parte, tem o presente recurso de improceder. B. Se é possível a formulação de convite ao assistente para que aperfeiçoe ou reformule o requerimento de abertura de instrução, no caso de este não conter todos os elementos legalmente exigíveis. Sustenta a assistente que ainda que o seu requerimento para abertura da instrução não contivesse todos os elementos para tal exigíveis, então, sob pena de violação flagrante do seu direito, lhe deveria ter sido dada a oportunidade de suprir tais deficiências, mediante a prolacção de despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele requerimento. Esta questão, tal como o referem os diversos intervenientes processuais e resulta das alegações de recurso e respectivas respostas, bem como do próprio despacho recorrido, não vinha a ser defendida de forma unânime entre a doutrina e a jurisprudência. No entanto, já depois da apresentação da motivação de recurso por parte da assistente, foi publicado (no DR, I-A, de 04 de Novembro de 2005), o Acórdão do STJ n.º 7/2005 com força obrigatória geral, de 12 de Maio de 2005, de acordo com o qual: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”. Assim sendo e por força da eficácia que de tal Acórdão emana – cf. artigos 445 e 446, ambos do CPP – não há que proferir despacho de convite a aperfeiçoar ou reformular o requerimento de abertura da instrução, tendo, também, nesta parte, o presente recurso de improceder. C. Se se verifica a alegada nulidade de insuficiência de inquérito, dada a preterição das declarações do legal representante da queixosa e das testemunhas C….. e D…… . Para tal, sustenta a recorrente, que o MP proferiu despacho de arquivamento, ainda antes de ter sido ouvido o legal representante da empresa, bem como da junção aos autos dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas referidas. Contrapõe o MP que todas as testemunhas foram inquiridas e que apenas o depoimento da testemunha G…… foi junto aos autos já após ter sido proferido o despacho de arquivamento, o que em nada alterava a decisão quer porque o mesmo referiu nada saber quer porque o motivo que determinou o arquivamento não se prendeu com a suficiência ou insuficiência de indícios mas sim por preclusão do direito de queixa que acarretou a inadmissibilidade legal do procedimento criminal. Nos termos do disposto no artigo 120, n.º 2, al. d), CPP, uma das nulidades aí previstas consiste na insuficiência de inquérito e que a assistente, como vimos, alega verificar-se por não terem sido ouvidas as testemunhas indicadas. Quanto a tal e como resulta dos autos, as testemunhas indicadas com a queixa foram ouvidas, apenas se verificando que o depoimento da testemunha G….. foi junto aos autos já depois de proferido o despacho de arquivamento - cf. fl.s 176. E de igual forma, como se constata de fl.s 168, 171 e 174, igualmente foram juntos aos autos já depois de proferido o despacho de arquivamento os depoimentos prestados por H….. e os prestados, numa segunda vez, pelas testemunhas C……. e D……, os quais já antes tinham sido ouvidos – cf. fl.s 130 e 128, respectivamente. Assim, por ausência de inquirição de quem quer que seja, não se pode falar em insuficiência de inquérito. Mas para além disto e como refere Germano Marques da Silva, in Curso …, vol. II, Verbo, 2002, a pág.s 84 e 85, no actual quadro fixado pelo CPP, tal nulidade só decorrerá quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa. Ora, no inquérito, não existem quaisquer actos que a lei prescreva como obrigatórios, para além das normas de conteúdo geral dos artigos 262, n.º 1 e 267, do CPP, cabendo a respectiva direcção ao MP, tal como resulta do disposto no artigo 263, n.º 1, do mesmo Código. Assim, nenhum preceito impunha a obrigatoriedade de que aquelas pessoas fossem inquiridas, impondo-se ao assistente fazer intervir o imediato superior hierárquico do MP ou requerer a instrução como forma de reagir contra o despacho de arquivamento – artigos 278, 279 e 286, todos do CPP, assim proferido. Reagiu pedindo a abertura da instrução mas por forma deficiente o que, nos termos já acima expostos, a inviabilizou. Consequentemente, inexiste tal nulidade, pelo que, também, com este fundamento, tem o presente recurso de improceder. Nestes termos se decide: Julgar por não provido o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. A recorrente pagará 5 (cinco) Uc.s de taxa de justiça. Porto, 24 de Maio de 2006 Arlindo Martins Oliveira Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob José Joaquim Aniceto Piedade
Recurso n.º 1781/06-4 2.º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão Acordam nesta Secção do Tribunal da Relação do Porto No inquérito n.º …./04.0TAVNF, logo depois de requerida a instrução foi, pelo M.mo Juiz de Instrução, proferido o despacho de fl.s 168 a 172 (os autos encontram-se incorrectamente paginados, uma vez que após fl.s 194 se retrocedeu para o número 155), através do qual se indeferiu a nulidade de insuficiência do inquérito, alegada pela recorrente, com o fundamento em que não foram ouvidas todas as testemunhas indicadas, por se ter considerado que todas foram inquiridas e só o depoimento de uma delas foi junto já depois de proferido pelo MP o despacho de arquivamento, sendo que esta declarou nada saber, pelo que em nada ficou afectada validade e regularidade dos autos e não foi admitida a abertura da instrução requerida pela assistente, por impossibilidade legal da instrução (cfr. artigos 287, n.os 2 e 3 e 283, n.º 3, al. b), todos do CPP) e ainda por se verificar a nulidade prevista no citado artigo 283, n.º 3, al. b), do CPP, com o fundamento em que a assistente não descreveu no seu requerimento os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido e, em consequência, determinou o arquivamento dos autos. Inconformada, recorreu a assistente B………., melhor identificada nos autos, concluindo a sua motivação do seguinte modo: 1. Contrariamente ao entendimento expendido no douto despacho recorrido, não se encontram reunidos todos os pressupostos jurídico-processuais que pudessem levar à rejeição do requerimento de abertura de instrução formulado pela recorrente. 2. A recorrente sustentou o seu pedido de abertura de instrução consubstanciado no facto de o MP ter entendido pela preclusão do prazo de dedução da competente queixa-crime. 3. Entende-se do despacho de arquivamento que o arguido só não foi acusado do crime de infidelidade por a ora recorrente ter deduzido fora de prazo, ou seja volvidos mais de seis meses sobre a constatação dos factos, a competente queixa-crime. 4. O que não reflecte a verdade material uma vez que a recorrente só tomou conhecimento dos factos em finais de Novembro de 2003, tendo deduzido a queixa-crime em 13 de Maio de 2004. 5. Não se verifica a situação jurídico - processual referida no artigo 287, n.º 3, do CPP, que levou à rejeição do requerimento de abertura de instrução, uma vez que nele não cabe a situação em apreço. 6. Uma vez que, não era o preenchimento, tipificação ou respectiva qualificação do crime de infidelidade que estava em causa, mas tão somente se o mesmo já teria sido do conhecimento da recorrente há mais de 6 meses. 7. Em parte alguma do despacho de acusação se coloca em causa outras questões que não sejam a preclusão do prazo de dedução de queixa, para que o arguido pudesse ter sido acusado do crime de infidelidade. 8. O MP, no despacho de arquivamento do inquérito assume de forma clara que os factos imputados ao arguido integram o tipo de crime de infidelidade, só não o acusando por ter precludido, no seu entendimento, o direito a queixa. 9. Uma vez que estava em causa sindicar da tempestividade ou não da queixa-crime deduzida pela ora recorrente não poderia o requerimento de abertura de instrução ser rejeitado por falta de objecto legal suficiente. 10. Uma vez que o tribunal a quo sustenta a sua fundamentação para a rejeição do requerimento de abertura de instrução por o mesmo não conter todos os requisitos legais/formais e que só por si e em nosso modesto entendimento não configura uma situação de rejeição por falta de objecto legal suficiente, deveria ter sido ordenado oficiosamente a sua reparação, como resulta, aliás, do disposto no artigo 123, n.º 2, do CPP. 11. A rejeição do requerimento de abertura de instrução, sem que ao requerente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências, para além de não ter fundamento viola flagrante e desproporcionalmente o direito da assistente, ora recorrente, que pela instrução pretende ver reconhecido (artigo 20, n.º 1, da CRP). 12. A lei permite a reparação da irregularidade verificada (artigo 123, n.º 2, do CPP) reparação que, atentos os interesses em causa, se impõe. 13. Para a fundamentação do despacho de arquivamento o MP não levou em consideração o depoimento prestado pelo representante da ora recorrente, cujas declarações foram juntas aos autos muito depois da prolacção do despacho de arquivamento. 14. O mesmo sucedendo com as declarações prestadas em 27/10/2004 e 17/11/2004 pelas testemunhas C…… e D….. . 15. Esses testemunhos eram essenciais para sindicar da prática dos actos ilícitos efectuados pelo arguido. 16. Ao preterir as declarações do representante legal da ora recorrente e das testemunhas ouvidas pela segunda vez em 27/10/2004 e 17/11/2004, ou seja após o despacho de arquivamento, foi posta em causa o objecto da prova, que são todos os factos relevantes para a existência ou inexistência de crime. 17. Face a esta omissão, entende a ora recorrente que estamos perante a insuficiência de inquérito, a que se refere o artigo 120, n.º 1, al. b), do CPP, o que constitui nulidade. 18. O douto despacho recorrido, fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais, nomeadamente das contidas nos artigos 120, n.º 2, al. d); 122, n.º 1; 123, n.º 2; 283; 287, n.os 1 e 3, todos do CPP e ainda dos artigos 20 e 32, n.º 1, da CRP. 19. Pelo que é ilegal a douta decisão recorrida. O MP na comarca, respondeu pugnando pela improcedência do recurso, com o fundamento em que do requerimento para abertura da instrução não consta a narração da factualidade que possa fundamentar a aplicação de uma pena ao arguido, o que, desde logo, impossibilita a realização da instrução, por ausência de vinculação temática e não sendo possível a formulação de um convite à assistente para a mesma reformular o teor do seu requerimento de abertura da instrução. Relativamente à invocada insuficiência de inquérito, igualmente pugna pela sua inexistência, uma vez que todas as testemunhas foram ouvidas, não se tendo proferido despacho de arquivamento dos autos por insuficiência de indícios, mas por inadmissibilidade legal do procedimento criminal. De igual forma, o arguido, apresentou resposta de idêntico teor, referindo, designadamente, que a instrução não pode ter lugar por a recorrente não ter descrito, no requerimento de abertura respectivo, quaisquer factos, não sendo possível a prolacção de despacho de aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução e, relativamente à invocada nulidade, para além de a mesma não respeitar à instrução, defende que a mesma não se verifica porquanto todas as testemunhas foram ouvidas e aquela a que se reporta a recorrente afirmou desconhecer a matéria aqui em causa. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, aderindo ao teor da resposta dada pelo MP na 1.ª instância. Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, há que decidir: O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. As questões a resolver são as seguintes: A. Averiguar se o requerimento formulado pela assistente para abertura da instrução, contém a indicação dos factos necessários e suficientes para que ao arguido possa ser imputada a alegada prática do crime de infidelidade e, assim não sendo, qual a consequência daí a retirar. B. Se é possível a formulação de convite ao assistente para que aperfeiçoe ou reformule o requerimento por este formulado para abertura da instrução, no caso de o mesmo não conter todos os elementos para tal exigíveis. C. Se se verifica a alegada nulidade de insuficiência de inquérito, ao preterir as declarações do representante legal da recorrente e das testemunhas C….. e D….. . A. O requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente, contém a indicação de todos os elementos necessários e suficientes para que o arguido possa vir a ser pronunciado pela prática do crime nele referido? Como já referido, o M.mo Juiz de Instrução não admitiu a realização da instrução, com o fundamento em se verificar a impossibilidade legal de a realizar e a nulidade prevista no artigo 283, n.º 3, al. b), do CPP, decorrentes do facto de a assistente não ter descrito, no requerimento para abertura da instrução, os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido. É do seguinte teor o despacho recorrido: “No seu requerimento de abertura de instrução formulado a fls. 157 e seguintes veio a assistente B……, para além do mais, arguir nulidade nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Código de Processo Penal, decorrente da circunstância de o Ministério Público não ter valorado o depoimento das testemunhas arroladas pela mesma em sede de inquérito, testemunhas que teriam sido ouvidas através de carta precatória e cujos depoimentos não teriam sido juntos aos autos antes de proferido o despacho final de arquivamento. O Ministério Público pronunciou-se a fls. 191, promovendo o indeferimento da nulidade arguida pela assistente, com o fundamento de que as testemunhas arroladas pela assistente foram inquiridas em sede de inquérito e os respectivos depoimentos juntos aos autos antes de proferido o despacho final de arquivamento, com excepção do depoimento de uma testemunha, sendo certo que o depoimento prestado pela mesma não assumiria qualquer relevância para os autos, face à ausência de conhecimento relevante entretanto constatada pela mesma. Notificado para, querendo, se pronunciar, o arguido veio pugnar pelo indeferimento da arguida nulidade, com os mesmos argumentos constantes da promoção do Ministério Público – cfr. fls. 166. Cumpre decidir. E como elementos essenciais para a decisão a proferir, importará constatar que ao contrário do alegado pela assistente, as testemunhas arroladas pela assistente (cfr. fls. 09 e 10) foram inquiridas em sede de inquérito e o seus depoimentos foram juntos aos autos antes de proferido o despacho final de arquivamento, conforme se pode constatar do teor de fls. 51, 65, 80, 97, 128, 130 e 135; a única excepção reporta-se ao depoimento prestado pela testemunha identificada a fls. 176, sendo certo que o mesmo veio declarar nada saber quanto ao objecto dos autos. Estabelece o art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Código de Processo Penal que “Constituem nulidades dependentes de arguição (…) a insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”. Ora, atendendo ao relatório do processado nos autos por nós supra referido, não se vislumbra qualquer omissão de realização de diligência de inquérito, designadamente não se verificou qualquer omissão de inquirição das testemunhas arroladas pela assistente: as mesmas foram inquiridas; apenas uma testemunha foi inquirida após a prolação do despacho de arquivamento, mas, mesmo assim foi inquirida; quando muito poderia verificar-se uma prolação apressada do despacho final, já que não se terá atentado em que faltava proceder à junção de um depoimento testemunhal, mas tal não é sinónimo de omissão de realização de diligência de inquérito: repete-se, a mesma foi realizada, não foi omitida. Acresce que o próprio Ministério Público teve o cuidado de fazer consignar que do depoimento de tal testemunha não resultou qualquer conhecimento quanto ao objecto dos autos (a testemunha referiu nada saber, não podendo ser mais eloquente), razão pela qual, de resto, não deu o Ministério Público sem efeito o despacho final de inquérito, nem determinou a reabertura daquela fase processual, pelo que qualquer irregularidade que daí decorresse (que decorresse da não junção de tal depoimento) não teria a virtualidade de afectar o valor do acto processado (do despacho de arquivamento) – cfr. o art.º 123.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal. Em conformidade com o exposto, afigurando-se-nos notório que as diligências de inquérito requeridas pela assistente foram realizadas, não se verifica a nulidade decorrente de qualquer omissão de realização de diligências de inquérito, sendo que a eventual decorrente da junção posterior ao despacho de arquivamento de um depoimento de uma testemunha que referiu nada saber, ficará sanada com a junção aos autos propriamente dita e a constatação pelo Ministério Público de que não afecta o despacho final de arquivamento, uma vez que a testemunha referiu nada saber quanto ao objecto dos autos. Nesta sequência, indefere-se a nulidade arguida pela assistente. Custas a cargo da assistente, com taxa de justiça em 01 (uma) UC, a compensar com o já pago. Notifique.* *Ainda a fls. 157 e seguintes veio a assistente B…… requerer a abertura de instrução, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia do arguido E….., sustentando que o mesmo praticou o crime de infidelidade, sendo que apenas teria tomado conhecimento da prática dos factos ilícitos por parte do arguido em Novembro de 2003, tendo, assim, apresentado a queixa dentro do prazo legal. Cumpre proferir despacho liminar. Estabelece o art.º 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.*O tribunal é o competente – cfr. o art.º 19.º do Código de Processo Penal.*O requerimento formulado é tempestivo – cfr. as disposições conjugadas dos números 2, 3 e 9 do art.º 113.º, o disposto no art.º 287.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, a notificação de fls. 139 e data aposta no fax de fls. 148.*A requerente tem a qualidade de assistente nos autos, pelo que dispõe de legitimidade para o efeito – cfr. o art.º 287.º, n.º 1, al.ª b), do Código de Processo Penal e despacho proferido a fls. 187.*A requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida – cfr. os art.os 80.º, n.º 1 e 83.º, ambos do Código das Custas Judiciais e fls. 162 e 182.*No tocante à questão da inadmissibilidade legal: A assistente limita-se a afirmar que discorda do despacho de arquivamento proferido, que a queixa foi tempestiva e que o arguido deverá ser pronunciado pela prática do crime de infidelidade. Nada mais. Ora, não compete ao tribunal perscrutar os autos em busca dos factos que deverão estar subjacentes à pretensão da assistente e a uma eventual pronúncia do arguido, nos termos requeridos. O requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente não contem a factualidade necessária (mínima, sequer) que permita julgar preenchidos os pressupostos de um qualquer tipo legal, designadamente do crime de infidelidade referido por aquela. Não existe factualidade concretamente imputada que permita concluir pela imputação de condutas integrantes do tipo legal referido nem de qualquer tipo legal, sendo certo que, conforme referido, ao tribunal não incumbe compulsar os autos, reunindo a factualidade não sustentada pela assistente, devendo, ao invés, analisar a factualidade constante do requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente, no sentido da sua verificação indiciária ou não. Na verdade, nos termos do disposto no art.º 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura de instrução, prevendo o art.º 303.º do mesmo código as consequências da alteração não substancial e substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução constatada no decurso desta. A este requerimento aplica-se, nos termos preceituados pelo n.º 2 do art.º 287.º, do Código de Processo Penal, o previsto no n.º 3, al.as b) e c) do mesmo normativo. Impõe-se, assim, à assistente requerente da abertura de instrução (obviamente em caso de arquivamento, como é o caso dos autos) um especial cuidado na selecção dos factos pelos quais pretende ver o arguido pronunciado, especificamente, tendo em vista a verificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal que imputa. À assistente impunha-se proceder a uma imputação de factos – qual verdadeira acusação – ao arguido, o que não fez, não podendo o tribunal substituir-se àquela requerente da abertura de instrução nessa tarefa, sob pena de nulidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido, conforme supra exposto - cfr. a este propósito o Ac. RE de 14-04-1995, CJ, XX, II, 280. Face a estas deficiências, impõe-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade do mesmo (falta de objecto criminal imputado ao arguido), não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, conforme, de resto, jurisprudência quer do Tribunal Constitucional (cfr. o Ac. n.º 27/2001 – processo n.º 189/2000, D.R. – II Série de 23-03-2001, págs. 5265 e seguintes), quer das Relações – cfr. os Acs. RL de 08-10-2002, 27-05-2003 e 15-12-2004, in www.dgsi.pt/jtrl, e os Acs. da RP de 14-01-2004, 21-01-2004, 24-03-2004, 31-03-2004, 05-01-2005 e 12-01-2005, estes in www.dgsi.pt/jtrp. Efectivamente, o convite ao aperfeiçoamento encontra-se previsto para o processo civil, processo de partes e interesses privados, enquanto no processo criminal nos movemos no domínio do interesse público, alicerçado numa estrutura acusatória (cfr. o n.º 5 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa), a qual resultaria totalmente subvertida caso se admitisse esse convite ao aperfeiçoamento, ao que acresceria uma dilação (e, logo, também aqui, subversão) do prazo para requerer a abertura de instrução. Face à falta de alegação de factos que integrem os tipos legais que alega, importa, pois, concluir pela inadmissibilidade legal da instrução, por falta de objecto (suficiente) da mesma. Restará consignar que a questão suscitada ao nível da tempestividade da queixa invocada pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução, surge prejudicada com o nosso entendimento ora exposto. Na verdade, analisar tal questão resultaria na prática de um acto absolutamente inútil, já que a pretensão da assistente reporta-se a que o tribunal considere a queixa tempestivamente efectuada e, em conformidade, pronuncie o arguido; ora, mesmo que se efectuassem diligências de prova no sentido da averiguação e comprovação de tal questão, como o que a assistente pretende é a pronúncia do arguido e o tribunal encontra-se impedido de efectuá-lo por inadmissibilidade legal decorrente da falta de imputação de factos, mesmo que se confirmasse tal tempestividade, a mesma não permitiria o resultado ou o deferimento da pretensão da assistente, qual seja a prolação de despacho de pronúncia. Em conformidade com o exposto, a averiguação de tal questão, com a eventual produção da prova requerida, conforme já referido, resultaria na prática de um acto inútil, proibido por lei, nos termos do art.º 137.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.*Em conformidade com o exposto e ao abrigo das normas legais supra citadas, o tribunal decide: Rejeitar o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente B……, por falta de objecto legal suficiente. Custas pela rejeição a cargo da assistente com taxa de justiça em 01 (uma) UC, a compensar com o já pago. Após trânsito remeta os autos aos serviços do Ministério Público, dando-se a competente baixa”. Como se respiga do despacho recorrido, considerou o M.mo Juiz de Instrução que o requerimento para abertura da instrução não obedeceu aos requisitos legais exigíveis, designadamente o disposto no artigo 287, n.º 2, in fine, o qual remete para o artigo 283, n.º 3, al. b), ambos do CPP. De acordo com este preceito, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como a indicação dos actos de instrução que se pretende sejam levados a cabo. Acrescentando-se no mesmo que, se o requerimento para abertura da instrução for do assistente, lhe é, ainda, aplicável, o disposto no artigo 283, n.º 3, al.s b) e c), de acordo com as quais se exige que o mesmo contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada a que tudo acresce a indicação das disposições legais aplicáveis. Daqui resulta que, cf. refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2000, pág.s 139 e 140, tal requerimento deve conter, em substância, uma verdadeira acusação, cujos factos vão delimitar a actividade do juiz na realização da pretendida instrução, tal como resulta do disposto nos artigos 308 e 309, do CPP. Acrescentando o mesmo autor que a indicação de tais factos pode resultar dos actos de instrução requeridos. No entanto, essencial é pois que, de uma maneira ou de outra, tais factos estejam contidos no requerimento de abertura de instrução uma vez que, de outro modo, não podem vir a ser objecto da instrução nem, consequentemente, dos autos, sob pena de tal acarretar a nulidade da decisão instrutória – artigo 309, n.º 1, do CPP. A nível jurisprudencial, e por último, no sentido de que o assistente está obrigado a descrever no seu requerimento de abertura da instrução os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido, sob pena de a pronúncia que vier a ser proferida violar o princípio do acusatório, podem ver-se os Acórdãos desta Relação de 19/02/97 e de 23/05/2001, in BMJ 464 – 617 e CJ, 2001, 3, 238; da Relação de Lisboa, de 03/02/2005 e da Relação de Coimbra, de 23/02/2005, in CJ, 2005, 1, 139 e 48, respectivamente. No essencial, todos estes Arestos salientam que por força dos princípios do acusatório e do contraditório porque, entre outros, se rege o processo penal e porque o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente, no fundo, constitui a pretensão de uma acusação alternativa ao arquivamento ou diferente acusação formulados pelo MP, se tem de exigir tal descrição fáctica, com a qual se demarca o âmbito e objecto da instrução a efectuar e reflexamente do próprio processo, ao mesmo tempo que possibilita ao arguido o efectivo exercício das suas garantias de defesa, dando-lhe a conhecer, com rigor, quais os factos que se lhe visam imputar e que só acerca desses se desenrolará a investigação, assim podendo exercitar o seu contraditório. Ora, cotejando o conteúdo do requerimento de abertura de instrução deduzido pela assistente com as considerações atrás expendidas, parece-nos que o mesmo não reúne as condições mínimas para poder ser considerado como satisfazendo os requisitos legalmente exigíveis. Efectivamente, o mesmo mais revela a preocupação de rebater a argumentação usada pelo MP para arquivar os autos e não deduzir acusação, do que proceder à descrição dos factos que, em seu entender, reputa terem existido e impliquem a respectiva condenação por parte do arguido, o que é bem notório no que a assistente mandou escrever nos artigos 6 a 17, nos quais não se faz referência à descrição de quaisquer factos, mas tão só revelam a convicção da assistente de que o MP não deveria ter arquivado os autos, com o fundamento em que, contrariamente ao expendido no despacho de arquivamento, a assistente só teve conhecimento dos factos praticados pelo arguido em Novembro de 2003 e não em 24 de Maio de 2002, como se refere no despacho de arquivamento. Assim, não contendo, como não contém, o requerimento para abertura da instrução a imputação/descrição de quaisquer factos ao arguido, não se pode considerar como tendo o mesmo respeitado os comandos ínsitos nos já referidos artigos 287, n.º 2 e 283, n.º 3, al.s b) e c), ambos do CPP. Como acima já referido, de tais preceitos surge a necessidade de se proceder à narração, ainda que sintética, das razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, a motivação, o grau de participação do agente e demais circunstâncias relevantes para a determinação da sanção. Ora, reitera-se o requerimento de abertura da instrução é completamente omisso no que respeita às circunstâncias de lugar, tempo e modo em que tais eventuais factos ocorreram. Efectivamente, nos artigos 7 a 14.º de tal requerimento (os únicos a tal respeitantes), refere a assistente: “7. Entendeu a Ilustre Procuradora do MP que, dos crimes carreados somente o de infidelidade poderia eventualmente proceder. 8. Mas mesmo em relação a esse já teria prescrito o direito à queixa. 9. Uma vez que «resulta indiciado dos autos que, em 24 de Maio de 2002, teve lugar uma auditoria no balcão de Vila Nova de Famalicão e que, logo nessa data, foi o arguido alertado para a situação em causa». 10. Ora, não foi, decerto, nenhuma testemunha arrolada pela queixosa B……, quem carreou para o inquérito tal informação. 11. Não é verdade que o arguido tenha sido alertado, para tal situação, na auditoria realizada no balcão, no dia 24 de Maio de 2002. 12. A queixosa só teve conhecimento, das práticas ilícitas do arguido, por um relatório elaborado, em Novembro de 2003, pelo Sr. Gerente de zona, Sr. F….. . 13. È assim inverosímil que a queixosa tenha tido conhecimento dos factos denunciados na queixa crime em data anterior a Novembro de 2003. 14. Estando, pois, ainda em tempo para deduzir a competente queixa, quando efectivamente a elaborou e entregou junto da Polícia Judiciária em Lisboa”. Ora, compulsado o teor dos artigos do requerimento de abertura da instrução que antecedem, é óbvio que tem de concluir-se que neles inexistem quaisquer referências aos factos em que se imputa ao arguido a prática do crime que a assistente lhe pretende ver imputado. Aliás, a própria assistente refere e aceita que o seu requerimento de abertura de instrução não contém todos os elementos que deveria conter e a que se alude no artigo 283, do CPP. Efectivamente, a mesma, ao motivar o recurso ora em apreciação, refere a fl.s 10, do requerimento de interposição de recurso, que se deveria limitar a levar ao conhecimento do juiz de instrução os factos que provassem a data do seu conhecimento, com o argumento de que o MP só não acusou por entender (mal, na sua óptica) por precludido o direito de queixa, mas ter assumido que os factos integravam por parte do arguido, a prática de um crime de infidelidade. Embora isso seja completamente irrelevante, cumpre salientar que no despacho de arquivamento o MP não enumerou quaisquer factos que tomasse por indiciariamente praticados pelo arguido. Como se constata de tal despacho, que se acha junto de fl.s 135 a 138, o MP limita-se a enumerar os factos constantes da queixa apresentada e a referir que “…de acordo com os indícios reunidos, os factos descritos na queixa e imputados ao denunciado, integrarão, eventualmente e unicamente, o tipo de crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224 do Código Penal”. E é por referência a este tipo de crime e considerando a data de 24 de Maio de 2002, que o MP considerou como precludido o direito de queixa, e não exerceu a acção penal e, ao invés, determinou o arquivamento dos autos. Como resulta do disposto nos artigos 278, 279, 286 e 287, todos do CPP, as únicas reacções possíveis contra um despacho de arquivamento do MP são as que resultam da intervenção hierárquica ou do requerimento de abertura de instrução, nos prazos e condições ali expressamente previstos. In casu, não foi suscitada nem houve intervenção hierárquica por banda do MP e foi requerida a instrução. No entanto, como já analisado, o requerimento de abertura da instrução não foi feito em obediência aos requisitos formais legalmente exigidos, designadamente, é completamente omisso quanto à descrição fáctica em que fundamenta ao arguido a autoria do crime em causa. Independentemente dos motivos que levaram o MP a determinar o arquivamento dos autos, a assistente, ao formular tal pedido de abertura de instrução tinha de o fazer nos moldes previstos nos artigos 287, n.º 2 e 283, al.s b) e c), do CPP, quer aqueles motivos fossem de ordem adjectiva ou de substância. Sem factos não pode haver instrução e o requerimento formulado pela assistente para a abertura da instrução não os contém, não se podendo afirmar, salvo o devido respeito, que na instrução apenas incumbia fazer a prova de que a queixa apresentada era tempestiva. Não, antes disto era necessária a comprovação de que o arguido cometeu um crime e ao redigir, como redigiu, o requerimento para abertura da instrução, a assistente inviabilizou que tal tarefa fosse possível, dado que se limitou a referir que a queixa era tempestiva e que o arguido deveria ser pronunciado pela prática do crime em causa. É, assim, indubitável, face ao exposto, que o requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente não contém os elementos referidos no artigo 283, n.º 3, al. b), aplicável ex vi artigo 287, n.º 2, ambos do CPP. As consequências a disso extrair não podem, face às considerações primeiramente referidas, ser outras que não as de indeferir a realização da requerida instrução. Efectivamente, conforme o disposto nos artigos 288, n.º 4, 303, n.º 4 e 309, n.º 1, todos do CPP, a instrução, sob pena de nulidade da decisão instrutória, não pode abarcar factos que não os contidos e descritos no requerimento de abertura da instrução. Por outro lado, sob pena de nulidade – artigo 283, n.º 3, al. b), ex vi artigo 287, n.º 2, ambos do CPP, deve o requerimento de abertura de instrução respeitar o que se acha estabelecido nestes preceitos. Verificando-se, como se verifica que in casu tal desiderato não foi respeitado, em tal requerimento de abertura da instrução, tem o mesmo de ser declarado como nulo, o que implica a impossibilidade legal da realização da instrução e, em consequência, a não realização da mesma, tal como propugnado na decisão recorrida – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso …, vol. III, Verbo, 2000, pág.s 134 e 135, dada a falta ou indeterminação do respectivo objecto. Consequência que também advém, como acima já aflorado, de que de outro modo, ficaria cerceado ou dificultado o direito de defesa do arguido, que só mediante uma descrição fáctica rigorosa e detalhada poderá exercer o contraditório. Assim, com estes fundamentos, nesta parte, tem o presente recurso de improceder. B. Se é possível a formulação de convite ao assistente para que aperfeiçoe ou reformule o requerimento de abertura de instrução, no caso de este não conter todos os elementos legalmente exigíveis. Sustenta a assistente que ainda que o seu requerimento para abertura da instrução não contivesse todos os elementos para tal exigíveis, então, sob pena de violação flagrante do seu direito, lhe deveria ter sido dada a oportunidade de suprir tais deficiências, mediante a prolacção de despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele requerimento. Esta questão, tal como o referem os diversos intervenientes processuais e resulta das alegações de recurso e respectivas respostas, bem como do próprio despacho recorrido, não vinha a ser defendida de forma unânime entre a doutrina e a jurisprudência. No entanto, já depois da apresentação da motivação de recurso por parte da assistente, foi publicado (no DR, I-A, de 04 de Novembro de 2005), o Acórdão do STJ n.º 7/2005 com força obrigatória geral, de 12 de Maio de 2005, de acordo com o qual: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”. Assim sendo e por força da eficácia que de tal Acórdão emana – cf. artigos 445 e 446, ambos do CPP – não há que proferir despacho de convite a aperfeiçoar ou reformular o requerimento de abertura da instrução, tendo, também, nesta parte, o presente recurso de improceder. C. Se se verifica a alegada nulidade de insuficiência de inquérito, dada a preterição das declarações do legal representante da queixosa e das testemunhas C….. e D…… . Para tal, sustenta a recorrente, que o MP proferiu despacho de arquivamento, ainda antes de ter sido ouvido o legal representante da empresa, bem como da junção aos autos dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas referidas. Contrapõe o MP que todas as testemunhas foram inquiridas e que apenas o depoimento da testemunha G…… foi junto aos autos já após ter sido proferido o despacho de arquivamento, o que em nada alterava a decisão quer porque o mesmo referiu nada saber quer porque o motivo que determinou o arquivamento não se prendeu com a suficiência ou insuficiência de indícios mas sim por preclusão do direito de queixa que acarretou a inadmissibilidade legal do procedimento criminal. Nos termos do disposto no artigo 120, n.º 2, al. d), CPP, uma das nulidades aí previstas consiste na insuficiência de inquérito e que a assistente, como vimos, alega verificar-se por não terem sido ouvidas as testemunhas indicadas. Quanto a tal e como resulta dos autos, as testemunhas indicadas com a queixa foram ouvidas, apenas se verificando que o depoimento da testemunha G….. foi junto aos autos já depois de proferido o despacho de arquivamento - cf. fl.s 176. E de igual forma, como se constata de fl.s 168, 171 e 174, igualmente foram juntos aos autos já depois de proferido o despacho de arquivamento os depoimentos prestados por H….. e os prestados, numa segunda vez, pelas testemunhas C……. e D……, os quais já antes tinham sido ouvidos – cf. fl.s 130 e 128, respectivamente. Assim, por ausência de inquirição de quem quer que seja, não se pode falar em insuficiência de inquérito. Mas para além disto e como refere Germano Marques da Silva, in Curso …, vol. II, Verbo, 2002, a pág.s 84 e 85, no actual quadro fixado pelo CPP, tal nulidade só decorrerá quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa. Ora, no inquérito, não existem quaisquer actos que a lei prescreva como obrigatórios, para além das normas de conteúdo geral dos artigos 262, n.º 1 e 267, do CPP, cabendo a respectiva direcção ao MP, tal como resulta do disposto no artigo 263, n.º 1, do mesmo Código. Assim, nenhum preceito impunha a obrigatoriedade de que aquelas pessoas fossem inquiridas, impondo-se ao assistente fazer intervir o imediato superior hierárquico do MP ou requerer a instrução como forma de reagir contra o despacho de arquivamento – artigos 278, 279 e 286, todos do CPP, assim proferido. Reagiu pedindo a abertura da instrução mas por forma deficiente o que, nos termos já acima expostos, a inviabilizou. Consequentemente, inexiste tal nulidade, pelo que, também, com este fundamento, tem o presente recurso de improceder. Nestes termos se decide: Julgar por não provido o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. A recorrente pagará 5 (cinco) Uc.s de taxa de justiça. Porto, 24 de Maio de 2006 Arlindo Martins Oliveira Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob José Joaquim Aniceto Piedade