A sentença condenatória não pode deixar de condenar nas custas o arguido, mesmo que tenha apoio judiciário.
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. *I 1. B…….., arguido nos autos de processo comum nº …../02.7PAVLG do ….º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, interpôs o presente recurso da sentença de fls. 306-316 que a condenou: a.- como autora de um crime de ofensa à integridade física qualificada, da previsão conjugada dos arts. 143º, nº 1, 146º e 132º, nº 2, al. j), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição de pagar à assistente, no prazo de 1 ano, a indemnização que a esta foi fixada; b.- a pagar à assistente Dra. C…….. a quantia de € 3.000,00, para ressarcimento de danos não patrimoniais que lhe causou, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento; c.- nas respectivas custas criminais e civis. Terminou a motivação do seu recurso formulando as seguintes conclusões: 1º. A recorrente encontra-se desempregada, auferindo o rendimento de inserção social no valor mensal de € 200,00, e vive com a filha menor, a qual recebe uma pensão de alimentos mensal de € 150,00. Nestas circunstâncias, torna-se demasiadamente penalizante cumprir a obrigação que lhe foi imposta na sentença de recorrida, de pagar a indemnização fixada à assistente no prazo de um ano. 2º. O tribunal recorrido aplicou a norma do art. 51º, nº 2, do Código Penal sem verificar o princípio da razoabilidade, obrigando a recorrente a cumprir uma obrigação que não lhe era razoável exigir. 3º. O tribunal recorrido também condenou a recorrente nas custas, sem levar em conta que lhe havia sido deferido o apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo. 4º. Deve, em consequência, ser alterada a sentença recorrida de modo que a suspensão da execução da pena não fique dependente do pagamento da indemnização fixada a favor da assistente, ou, se assim não se entender, prolongar o prazo para o cumprimento dessa condição por um período não inferior a 3 anos. 5º. E deve a decisão recorrida ser também alterada no que respeita à condenação em custas, isentando-a de custas e demais encargos do processo.*2. O Ministério Público respondeu à motivação do recurso apresentado pela arguida, tendo concluído que deve ser-lhe negado provimento e mantida a decisão recorrida.*3. Nesta Relação, os autos foram em vista ao Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. A recorrente nada disse. Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência de julgamento.*II 4. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: 1) No dia 27-04-2002, cerca das 11H30, no interior do Hospital ……, Valongo, as arguidas envolveram-se em discussão com a assistente, C……., médica no Serviço de Urgência nesse Hospital, com vínculo definitivo à Função Pública; 2) As arguidas discutiram com a assistente em virtude de terem ficado insatisfeitas com a circunstância de a mesma, momentos antes, ter examinado a neta e sobrinha da arguida D…… e B……, respectivamente, e lhe ter diagnosticado orofaringite e não meningite; 3) Como as arguidas consideravam que a criança sofria de meningite, pretendiam que a assistente lhes passasse um documento que lhes permitisse conduzir a menina a outro hospital, situado no Porto, para aí ser observada; 4) Como a arguida se recusou a emitir tal documento, a arguida D…… disse àquela que a mesma era uma merda e chamou-a de puta e de grande vaca; 5) Em consequência directa e necessária da actuação da arguida D……., a assistente sentiu-se ofendida na sua honra e consideração bem como na sua dignidade pessoal e profissional, inquieta, nervosa e com receio de que tal actuação se repetisse; 6) Na mesma ocasião, a arguida B…….. dirigiu-se à assistente e desferiu-lhe murros na cabeça e na mandíbula e orelha esquerdas, puxou-lhe os cabelos e desferiu-lhe uma joelhada na mama esquerda e outra na coxa esquerda; 7) Em consequência directa e necessária da actuação da arguida B…….., a assistente sofreu traumatismo da coluna cervical, anca e coxa, hematoma na região da mama e coxa esquerdas, lesões que lhe determinaram oito dias de doença, com incapacidade para o trabalho, e sentiu-se inquieta, nervosa e com receio de que tal actuação se repetisse; 8) As arguidas previram e quiseram actuar da forma acima descrita, sabendo que a assistente se encontrava no exercício das suas funções profissionais e por causa delas; 9) A arguida D…… quis ofender a honra e consideração pessoal da assistente; 10) A arguida B……. quis ofender a saúde e integridade física da assistente; 11) As arguidas actuaram de modo livre, deliberado e consciente, sabendo bem que a sua actuação era proibida e punida por Lei; 12) A arguida D……… é sócia de uma sociedade que se dedica à exploração de um clube de vídeo e aufere rendimento médio mensal não concretamente apurado; 13) A arguida D……. vive com o marido e um filho de 16 anos, em casa própria; 14) A arguida B…….. encontra-se desempregada, auferindo uma pensão de alimentos de € 150,00 mensais e o rendimento de inserção social no valor mensal de € 200,00; 15) A arguida B……. vive com uma filha menor em casa dos pais 16) As arguidas não têm antecedentes criminais; 17) Em consequência da actuação de cada uma das arguidas, a assistente sentiu-se envergonhada por ter sido desrespeitada no seu local de trabalho.*5. E considerou não provados os factos seguintes: a) que a arguida B……. proferiu as expressões referidas em 4; b) que a arguida D…….. disse à assistente que ambas as arguidas haviam de fodê-la, de lhe arrancar os cabelos e deixá-la careca e sem dentes; c) que as arguidas previram e quiseram actuar da forma descrita em 2, com a intenção de causar receio na assistente de que algum mal lhe acontecesse; d) que devido à actuação de cada uma das arguidas, a assistente sentiu-se deprimida, não dormia nem comia, tinha crises de choro e assustava-se facilmente com pequenos barulhos; e) que devido à actuação de cada uma das arguidas, a assistente apresenta um temperamento emocionalmente desequilibrado, que tem afectado o seu desempenho profissional e a sua vida familiar e social f) que as arguidas actuaram em conjugação e comunhão de esforços e de vontades; g) que a arguida D…… quis ofender a integridade física da assistente; h) que a arguida D……. é pessoa bem educada e respeitadora; i) que a arguida D…….. é pessoa considerada por familiares e amigos; j) que a arguida B……. é pessoa de bem, pacífica e respeitada no meio onde vive; k) que a arguida B…….. actuou em estado de esgotamento psíquico.*6. O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto provada e não provada nos seguintes termos: «O tribunal fundou a sua convicção nos seguintes elementos de prova: Nas declarações do assistente, prestadas de modo espontâneo, seguro e coerente no sentido da matéria de facto provada, tendo sido peremptória a identificar as actuações de cada uma das arguidas, negando a actuação vertida na acusação dada como não provada, sendo certo que as mesmas foram corroboradas pelos depoimentos que abaixo se referirão bem como pela documentação clínica que também se mencionará; Nas declarações das arguidas quanto à sua situação pessoal, sendo certo que não mereceram credibilidade quando negaram a comissão dos factos dados como provados, atentos os elementos de prova produzidos em audiência de julgamento; No depoimento da testemunha E…….., auxiliar de acção médica no Hospital de Valongo, que, ao ouvir barulho junto ao gabinete da assistente, se dirigiu para perto do mesmo e assistiu à agressão (até tentou separar a arguida da assistente) e ao proferimento de expressões injuriosas conforme descrito na matéria de facto provada, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha F……., colega e amigo da assistente, que a observou dois dias depois dos factos, sobre as lesões e sentimentos manifestados pela mesma, no sentido da matéria de facto provada, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha G…….., colega da assistente no Hospital de Valongo à data dos factos, onde desempenhava as funções de director clínico, que subscreveu o relatório clínico de fls. 56, com base na documentação existente no Hospital, prestado de modo seguro, coerente e seguro; No depoimento da testemunha H……., Director do Hospital de Valongo à data dos factos, sobre o sentimento da assistente (com quem falou) em relação à actuação das arguidas, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha I…….., funcionário do Hospital, que assistiu à agressão da assistente conforme matéria de facto dada como provada e afastou a agressora da assistente, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha J……., enfermeira no Hospital, que falou com a mesma depois dos factos, e confirmou a manifestação de receio por parte da assistente de que voltasse a ser agredida por alguma das arguidas (na altura da saída do serviço, solicitava que fosse acompanhada por algum funcionário até ao seu veículo); O depoimento da testemunha L……, irmã da arguida B……., no sentido de que as arguidas não cometeram os factos dados como provados, não mereceu credibilidade, atentos os elementos de prova produzidos em audiência em sentido contrário; No depoimento da testemunha M……., medido no Hospital de Valongo, que assistiu à agressão da arguida B…….. à assistente tendo a outra arguida proferido “nomes maus” de que não se recordava (o que se compreende, atento o distanciamento temporal entre os factos e o momento da prestação do depoimento), no sentido da matéria de facto dada como provada, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; O depoimento da testemunha L….., irmã da arguida B……. e que a foi buscar ao Hospital, porque não assistiu aos factos vertidos na acusação, revelou-se inóquo para a decisão; Os depoimentos das testemunhas O…….. e P…….., sobre a personalidade e carácter da arguida B…….., não se mostraram suficientes para demonstrar a matéria alegada pela mesma quanto a tal, pois revelaram ter pouco relacionamento com a arguida; Docs. de fls. 53 e ss., 63 e ss., 270-271; Fotografias de fls. 73 e ss., respeitantes à arguida B…….. à altura dos factos acima descritos, como a mesma confirmou e audiência, sendo certo que as lesões aí retratadas não colocam em causa os elementos de prova acima enunciados, já que as mesmas se ajustam à actuação dos serviços hospitalares no sentido de retirar a arguida do interior das instalações de serviço (as lesões são típicas de quem foi agarrado pelo braço e levado); Nos c.r.c. das arguidas, constantes de fls. 43 e 44».*III 6. As conclusões do recurso compreendem apenas matéria de direito e nelas se contêm duas questões: 1ª. A primeira prende-se com a subordinação da suspensão da execução da pena aplicada à recorrente à obrigação de pagar a indemnização fixada a favor da assistente no prazo de 1 ano; 2ª. A segunda diz respeito à condenação da recorrente em custas, quando beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e encargos do processo. Quanto à primeira questão, alega a recorrente que o tribunal recorrido cometeu erro na aplicação do regime previsto no art. 51º, nº 2, do Código Penal, por ter subordinado a suspensão da execução da pena de prisão a uma obrigação que a arguida diz não ter possibilidades de cumprir. Dispõe o preceito do nº 1 do art. 51º do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado. O nº 2 do mesmo artigo acrescenta que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (princípio da razoabilidade dos deveres). Por sua vez, o nº 3 dispõe ainda que os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento (princípio da modificabilidade superveniente). Comentando estas disposições legais, escreve Maia Gonçalves que “os deveres distinguem-se das regras de conduta, pois estas destinam-se primordialmente a facilitar a reintegração do condenado na sociedade, enquanto que os deveres só visam indirectamente tal desiderato, destinando-se principalmente à reparação do mal do crime. Em qualquer caso, os deveres terão que obedecer ao princípio da razoabilidade (nº 2) e podem ser modificados mediante circunstâncias supervenientes ou de conhecimento superveniente (nº 3)” (em Código Penal Português, anotado e comentado, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 1995, p. 315 e 317). Isto quer dizer que a suspensão da execução da pena de prisão pode ficar sujeita à condição de o condenado pagar determinada importância pecuniária ao ofendido, que poderá ser o montante da indemnização àquele devida. Todavia, aquela importância tem de ser adequada às suas condições económicas, de modo que a possa razoavelmente pagar (cfr. neste sentido o acórdão desta Relação de 4/02/2004, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf sob o nº 0315956; e o acórdão da Relação de Coimbra de 20/09/2000, CJ/2000/IV/51). É também neste sentido que alude o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2004 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf sob o nº 03P4033): “A decisão de suspensão de execução da pena de prisão, quando sujeita a condições, deveres ou regras de conduta, nos termos permitidos pelo artigo 50°, nº 2, do Código Penal, tem de pressupor e conter um razoável equilíbrio entre natureza das imposições à pessoa condenada e a eficácia e integridade da medida de substituição. A imposição de condições de muito difícil ou não suportável cumprimento não satisfaz, nem as injunções para a reintegração dos valores afectados e para a condução de vida de acordo com tais valores, nem conformação da vontade da pessoa condenada na aceitação e no respeito das sujeições que devem acompanhar e potenciar o reencaminhamento para o reencontro com os valores do direito. Por isso, os deveres ou condições a estabelecer na suspensão da execução da pena devem ser adequados, pessoal e materialmente possíveis, num plano de reordenação para os valores do direito que previna, no essencial, a reincidência, ou que possa contribuir para a reparação das consequências do crime”. Também o Prof. Germano Marques da Silva defende que não devem ser impostos à pessoa condenada deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres (em Direito Penal Português, vol. III, pág. 208). Ora, no presente caso, o tribunal recorrido substituiu a pena de 6 meses de prisão, que entendeu por adequada à punição do crime praticado pela arguida, pela pena de suspensão da execução dessa prisão pelo período de 3 anos, mas subordinou a suspensão ao pagamento pela arguida à assistente/lesada, no prazo de 1 ano, da indemnização que a favor deste foi fixada, no montante de € 3.000,00, justificada por razões de prevenção positiva reparadora. Não cabendo nem podendo ser aqui apreciada a bondade da suspensão da pena de prisão (porque o objecto do recurso não abrange essa questão), há que, todavia, considerar todas as virtualidades que a este respeito resultam dos factos provados com vista a ponderar do acerto da condição a que foi sujeita aquela suspensão. E a primeira dessas considerações é que a suspensão da prisão não pode, por si só, desacompanhada do dever imposto, dar resposta adequada às finalidades da punição do crime praticado, quer na sua vertente pedagógica e ressocializadora, quer sobretudo, na vertente da prevenção geral, em face da elevada gravidade do crime, apreciada tanto ao nível da acção/execução (agressão praticada a uma médica no Serviço de Urgências de um Hospital, onde se encontrava em exercício de funções, com murros, puxões de cabelos e pontapés), como ao nível do resultado produzido, com diversos ferimentos por todo o corpo, designadamente na coluna cervical, anca, coxas e região mamária, que lhe provocaram 8 dias de doença com incapacidade para o trabalho e sequelas de âmbito psicológico (inquietação, nervosismo e medo de que tal agressão pudesse ser repetida). Tendo em conta o lugar onde o crime foi praticado (no serviço de urgências de uma unidade hospitalar, onde estes casos vão ocorrendo com mais frequência), e a função específica que aí exercia a pessoa ofendida (médica), a simples suspensão da pena mais não significava do que uma condenação sem pena. E não só o interesse da ofendida ficava ostensivamente postergado como o efeito da prevenção geral ficava gravemente diminuído, já que, em termos práticos, a decisão condenatória em nada alteraria a normalidade da vida da condenada, liberta que ficava do dever de pagar à ofendida a indemnização pelos danos que lhe causou, e passaria para a comunidade local o frustrante sentimento de injustiça, de que um tal crime teria escapado à merecida censura do tribunal. Como bem observou o ex.mo magistrado do Ministério Público na sua resposta, “impunha-se atribuir um carácter compulsório à pena aplicada, por razões de justiça e por razões de eficácia”. Até porque, para além dos aspectos ligados à prática do crime, refere ainda que a arguida manteve em audiência uma postura em que “não demonstrou arrependimento, negou a prática dos factos contra a evidência das provas e inviabilizou qualquer possibilidade de reparação moral à ofendida, mediante, por exemplo, um pedido de desculpas”. Fica, assim, claro que a confiança nas normas violadas só pode ser restabelecida com a imposição à arguida do dever de satisfazer a reparação dos danos causados à ofendida, mediante o pagamento, em prazo razoável, da indemnização que a favor desta foi fixada. Deverá considerar-se como razoável o prazo de um ano fixado? Cremos que sim. Compreende-se que a situação económica da arguida projectada pelos factos provados é débil e que o nível de rendimentos que aufere é bastante precário, eventualmente insuficiente até para as suas necessidades básicas. O que não quer dizer que tal situação corresponda efectivamente à sua real capacidade económica. É do domínio público que os índices da actividade económica clandestina no país são elevadíssimos. Como também é do domínio público que há muitos “falsos carenciados” a receber subsídios sociais diversos, designadamente o subsídio de inserção social. Não obstante isso, certo é também que o valor da indemnização fixada perfaz apenas o montante de € 3.000,00. Que equivale a € 250,00 por mês e a € 8,22 por dia. Cuja realização se mostra perfeitamente ao alcance de qualquer pessoa empenhada, e também da arguida. Que, embora actualmente desempregada, pode e deve empenhar-se em arranjar trabalho que lhe permita obter aquela quantia e realizar a obrigação imposta pelo tribunal. Eventualmente, o pagamento desse montante poderá exigir-lhe algum esforço extra. Mas a finalidade da lei (art. 51º, nº 1, do Código Penal) é exactamente a de obrigar o condenado a esse esforço suplementar como instrumento pedagógico de reparação, de ressocialização e de prevenção. Exigindo-lhe que passe a trabalhar mais horas por dia e/ou passe a gastar menos e prescinda de certas vantagens pessoais, de modo a amealhar os proventos necessários à reparação dos prejuízos causados, e assim contribuir para a normalização dos bens jurídicos violados. A recorrente é ainda uma jovem, na pujança da sua força de trabalho. Tal como teve energia para sovar uma profissional de saúde no seu local de trabalho e no exercício das suas funções, também encontrará energia e modo de arranjar trabalho lícito para solver esta obrigação para com a lesada e a sociedade. Que corresponde à pena que lhe cabe cumprir: trabalhar o necessário para pagar o que deve. O prazo de um ano fixado mostra-se, pois, adequado e razoável. O qual, aliás, já vai aumentado para dois anos, dado que, com o presente recurso, a arguida já retardou em cerca de um ano o cumprimento desse dever. Aliás, cabe aqui dizer que a imposição deste dever à arguida não pode inibir nem impedir a assistente/lesada de, imediatamente após o trânsito, executar a decisão nessa parte, exigindo o pagamento coercivo daquela quantia, sem que a arguida lhe possa opor o prazo de um ano para pagar, cujo alcance é outro, bem diferente. Como é óbvio. Deste modo, improcede este fundamento do recurso.*7. A segunda questão, respeitante à condenação da recorrente em custas é também improcedente. Carecendo, apenas, de ser esclarecida. Assim, dispõe o nº 4 do art. 376º do Código de Processo Penal que “a sentença observa o disposto neste Código e no Código das Custas Judiciais em matéria de custas”. Em matéria de responsabilidade do arguido pelas custas (taxa de justiça e encargos), prescreve o nº 1 do art. 513º do mesmo código que “é devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1ª instância”. E o nº 1 do art. 514º ainda do mesmo código acrescenta que “o arguido condenado em taxa de justiça paga também os encargos a que a sua actividade houver dado lugar”. Tratam-se de disposições legais que obrigam o Juiz a tomar posição na sentença sobre a responsabilidade do arguido pelas custas do processo, em caso de condenação. Como aqui aconteceu. A concessão do apoio judiciário em nada altera esse dever legal quanto à decisão sobre a responsabilidade do arguido em matéria de custas. Até porque, em rigor, os beneficiários do apoio judiciário não gozam de isenção de custas. A lei apenas lhes concede “dispensa, total ou parcial, do pagamento de custas”, nos termos do art. 16º, nº 1, al. a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho. O que é diferente de isenção de custas e tem a sua justificação nos preceitos dos arts. 10º e 13º do mesma Lei. Que prevêem a possibilidade de o apoio judiciário ser, posteriormente, retirado ou cancelado e o respectivo beneficiário ter de pagar as custas da sua responsabilidade. Que, nesse caso, deve estar especificada na decisão. Quer isto significar que a sentença, devendo especificar a responsabilidade da arguida pelas custas, por efeito da sua condenação, deveria também mencionar que a arguida estava dispensada do seu pagamento por lhe ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa total. Todavia, a omissão dessa menção em nada prejudica a arguida, porquanto o efeito do benefício do apoio judiciário concedido mantém-se válido e eficaz para todos os actos do processo, designadamente para evitar e obstar uma execução para a cobrança das custas.*IV Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, assim, manter a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente, pelo seu decaimento no recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3UC (arts. 513º, nº 1, e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal e art. 87º, nº 1, al. b), do Código das Custas Judiciais), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.*Porto, 14 de Junho de 2006 António Guerra Banha Jaime Paulo Tavares Valério Joaquim Arménio Correia Gomes José Manuel Baião Papão
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. *I 1. B…….., arguido nos autos de processo comum nº …../02.7PAVLG do ….º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, interpôs o presente recurso da sentença de fls. 306-316 que a condenou: a.- como autora de um crime de ofensa à integridade física qualificada, da previsão conjugada dos arts. 143º, nº 1, 146º e 132º, nº 2, al. j), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição de pagar à assistente, no prazo de 1 ano, a indemnização que a esta foi fixada; b.- a pagar à assistente Dra. C…….. a quantia de € 3.000,00, para ressarcimento de danos não patrimoniais que lhe causou, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento; c.- nas respectivas custas criminais e civis. Terminou a motivação do seu recurso formulando as seguintes conclusões: 1º. A recorrente encontra-se desempregada, auferindo o rendimento de inserção social no valor mensal de € 200,00, e vive com a filha menor, a qual recebe uma pensão de alimentos mensal de € 150,00. Nestas circunstâncias, torna-se demasiadamente penalizante cumprir a obrigação que lhe foi imposta na sentença de recorrida, de pagar a indemnização fixada à assistente no prazo de um ano. 2º. O tribunal recorrido aplicou a norma do art. 51º, nº 2, do Código Penal sem verificar o princípio da razoabilidade, obrigando a recorrente a cumprir uma obrigação que não lhe era razoável exigir. 3º. O tribunal recorrido também condenou a recorrente nas custas, sem levar em conta que lhe havia sido deferido o apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo. 4º. Deve, em consequência, ser alterada a sentença recorrida de modo que a suspensão da execução da pena não fique dependente do pagamento da indemnização fixada a favor da assistente, ou, se assim não se entender, prolongar o prazo para o cumprimento dessa condição por um período não inferior a 3 anos. 5º. E deve a decisão recorrida ser também alterada no que respeita à condenação em custas, isentando-a de custas e demais encargos do processo.*2. O Ministério Público respondeu à motivação do recurso apresentado pela arguida, tendo concluído que deve ser-lhe negado provimento e mantida a decisão recorrida.*3. Nesta Relação, os autos foram em vista ao Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. A recorrente nada disse. Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência de julgamento.*II 4. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: 1) No dia 27-04-2002, cerca das 11H30, no interior do Hospital ……, Valongo, as arguidas envolveram-se em discussão com a assistente, C……., médica no Serviço de Urgência nesse Hospital, com vínculo definitivo à Função Pública; 2) As arguidas discutiram com a assistente em virtude de terem ficado insatisfeitas com a circunstância de a mesma, momentos antes, ter examinado a neta e sobrinha da arguida D…… e B……, respectivamente, e lhe ter diagnosticado orofaringite e não meningite; 3) Como as arguidas consideravam que a criança sofria de meningite, pretendiam que a assistente lhes passasse um documento que lhes permitisse conduzir a menina a outro hospital, situado no Porto, para aí ser observada; 4) Como a arguida se recusou a emitir tal documento, a arguida D…… disse àquela que a mesma era uma merda e chamou-a de puta e de grande vaca; 5) Em consequência directa e necessária da actuação da arguida D……., a assistente sentiu-se ofendida na sua honra e consideração bem como na sua dignidade pessoal e profissional, inquieta, nervosa e com receio de que tal actuação se repetisse; 6) Na mesma ocasião, a arguida B…….. dirigiu-se à assistente e desferiu-lhe murros na cabeça e na mandíbula e orelha esquerdas, puxou-lhe os cabelos e desferiu-lhe uma joelhada na mama esquerda e outra na coxa esquerda; 7) Em consequência directa e necessária da actuação da arguida B…….., a assistente sofreu traumatismo da coluna cervical, anca e coxa, hematoma na região da mama e coxa esquerdas, lesões que lhe determinaram oito dias de doença, com incapacidade para o trabalho, e sentiu-se inquieta, nervosa e com receio de que tal actuação se repetisse; 8) As arguidas previram e quiseram actuar da forma acima descrita, sabendo que a assistente se encontrava no exercício das suas funções profissionais e por causa delas; 9) A arguida D…… quis ofender a honra e consideração pessoal da assistente; 10) A arguida B……. quis ofender a saúde e integridade física da assistente; 11) As arguidas actuaram de modo livre, deliberado e consciente, sabendo bem que a sua actuação era proibida e punida por Lei; 12) A arguida D……… é sócia de uma sociedade que se dedica à exploração de um clube de vídeo e aufere rendimento médio mensal não concretamente apurado; 13) A arguida D……. vive com o marido e um filho de 16 anos, em casa própria; 14) A arguida B…….. encontra-se desempregada, auferindo uma pensão de alimentos de € 150,00 mensais e o rendimento de inserção social no valor mensal de € 200,00; 15) A arguida B……. vive com uma filha menor em casa dos pais 16) As arguidas não têm antecedentes criminais; 17) Em consequência da actuação de cada uma das arguidas, a assistente sentiu-se envergonhada por ter sido desrespeitada no seu local de trabalho.*5. E considerou não provados os factos seguintes: a) que a arguida B……. proferiu as expressões referidas em 4; b) que a arguida D…….. disse à assistente que ambas as arguidas haviam de fodê-la, de lhe arrancar os cabelos e deixá-la careca e sem dentes; c) que as arguidas previram e quiseram actuar da forma descrita em 2, com a intenção de causar receio na assistente de que algum mal lhe acontecesse; d) que devido à actuação de cada uma das arguidas, a assistente sentiu-se deprimida, não dormia nem comia, tinha crises de choro e assustava-se facilmente com pequenos barulhos; e) que devido à actuação de cada uma das arguidas, a assistente apresenta um temperamento emocionalmente desequilibrado, que tem afectado o seu desempenho profissional e a sua vida familiar e social f) que as arguidas actuaram em conjugação e comunhão de esforços e de vontades; g) que a arguida D…… quis ofender a integridade física da assistente; h) que a arguida D……. é pessoa bem educada e respeitadora; i) que a arguida D…….. é pessoa considerada por familiares e amigos; j) que a arguida B……. é pessoa de bem, pacífica e respeitada no meio onde vive; k) que a arguida B…….. actuou em estado de esgotamento psíquico.*6. O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto provada e não provada nos seguintes termos: «O tribunal fundou a sua convicção nos seguintes elementos de prova: Nas declarações do assistente, prestadas de modo espontâneo, seguro e coerente no sentido da matéria de facto provada, tendo sido peremptória a identificar as actuações de cada uma das arguidas, negando a actuação vertida na acusação dada como não provada, sendo certo que as mesmas foram corroboradas pelos depoimentos que abaixo se referirão bem como pela documentação clínica que também se mencionará; Nas declarações das arguidas quanto à sua situação pessoal, sendo certo que não mereceram credibilidade quando negaram a comissão dos factos dados como provados, atentos os elementos de prova produzidos em audiência de julgamento; No depoimento da testemunha E…….., auxiliar de acção médica no Hospital de Valongo, que, ao ouvir barulho junto ao gabinete da assistente, se dirigiu para perto do mesmo e assistiu à agressão (até tentou separar a arguida da assistente) e ao proferimento de expressões injuriosas conforme descrito na matéria de facto provada, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha F……., colega e amigo da assistente, que a observou dois dias depois dos factos, sobre as lesões e sentimentos manifestados pela mesma, no sentido da matéria de facto provada, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha G…….., colega da assistente no Hospital de Valongo à data dos factos, onde desempenhava as funções de director clínico, que subscreveu o relatório clínico de fls. 56, com base na documentação existente no Hospital, prestado de modo seguro, coerente e seguro; No depoimento da testemunha H……., Director do Hospital de Valongo à data dos factos, sobre o sentimento da assistente (com quem falou) em relação à actuação das arguidas, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha I…….., funcionário do Hospital, que assistiu à agressão da assistente conforme matéria de facto dada como provada e afastou a agressora da assistente, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; No depoimento da testemunha J……., enfermeira no Hospital, que falou com a mesma depois dos factos, e confirmou a manifestação de receio por parte da assistente de que voltasse a ser agredida por alguma das arguidas (na altura da saída do serviço, solicitava que fosse acompanhada por algum funcionário até ao seu veículo); O depoimento da testemunha L……, irmã da arguida B……., no sentido de que as arguidas não cometeram os factos dados como provados, não mereceu credibilidade, atentos os elementos de prova produzidos em audiência em sentido contrário; No depoimento da testemunha M……., medido no Hospital de Valongo, que assistiu à agressão da arguida B…….. à assistente tendo a outra arguida proferido “nomes maus” de que não se recordava (o que se compreende, atento o distanciamento temporal entre os factos e o momento da prestação do depoimento), no sentido da matéria de facto dada como provada, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; O depoimento da testemunha L….., irmã da arguida B……. e que a foi buscar ao Hospital, porque não assistiu aos factos vertidos na acusação, revelou-se inóquo para a decisão; Os depoimentos das testemunhas O…….. e P…….., sobre a personalidade e carácter da arguida B…….., não se mostraram suficientes para demonstrar a matéria alegada pela mesma quanto a tal, pois revelaram ter pouco relacionamento com a arguida; Docs. de fls. 53 e ss., 63 e ss., 270-271; Fotografias de fls. 73 e ss., respeitantes à arguida B…….. à altura dos factos acima descritos, como a mesma confirmou e audiência, sendo certo que as lesões aí retratadas não colocam em causa os elementos de prova acima enunciados, já que as mesmas se ajustam à actuação dos serviços hospitalares no sentido de retirar a arguida do interior das instalações de serviço (as lesões são típicas de quem foi agarrado pelo braço e levado); Nos c.r.c. das arguidas, constantes de fls. 43 e 44».*III 6. As conclusões do recurso compreendem apenas matéria de direito e nelas se contêm duas questões: 1ª. A primeira prende-se com a subordinação da suspensão da execução da pena aplicada à recorrente à obrigação de pagar a indemnização fixada a favor da assistente no prazo de 1 ano; 2ª. A segunda diz respeito à condenação da recorrente em custas, quando beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e encargos do processo. Quanto à primeira questão, alega a recorrente que o tribunal recorrido cometeu erro na aplicação do regime previsto no art. 51º, nº 2, do Código Penal, por ter subordinado a suspensão da execução da pena de prisão a uma obrigação que a arguida diz não ter possibilidades de cumprir. Dispõe o preceito do nº 1 do art. 51º do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado. O nº 2 do mesmo artigo acrescenta que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (princípio da razoabilidade dos deveres). Por sua vez, o nº 3 dispõe ainda que os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento (princípio da modificabilidade superveniente). Comentando estas disposições legais, escreve Maia Gonçalves que “os deveres distinguem-se das regras de conduta, pois estas destinam-se primordialmente a facilitar a reintegração do condenado na sociedade, enquanto que os deveres só visam indirectamente tal desiderato, destinando-se principalmente à reparação do mal do crime. Em qualquer caso, os deveres terão que obedecer ao princípio da razoabilidade (nº 2) e podem ser modificados mediante circunstâncias supervenientes ou de conhecimento superveniente (nº 3)” (em Código Penal Português, anotado e comentado, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 1995, p. 315 e 317). Isto quer dizer que a suspensão da execução da pena de prisão pode ficar sujeita à condição de o condenado pagar determinada importância pecuniária ao ofendido, que poderá ser o montante da indemnização àquele devida. Todavia, aquela importância tem de ser adequada às suas condições económicas, de modo que a possa razoavelmente pagar (cfr. neste sentido o acórdão desta Relação de 4/02/2004, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf sob o nº 0315956; e o acórdão da Relação de Coimbra de 20/09/2000, CJ/2000/IV/51). É também neste sentido que alude o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2004 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf sob o nº 03P4033): “A decisão de suspensão de execução da pena de prisão, quando sujeita a condições, deveres ou regras de conduta, nos termos permitidos pelo artigo 50°, nº 2, do Código Penal, tem de pressupor e conter um razoável equilíbrio entre natureza das imposições à pessoa condenada e a eficácia e integridade da medida de substituição. A imposição de condições de muito difícil ou não suportável cumprimento não satisfaz, nem as injunções para a reintegração dos valores afectados e para a condução de vida de acordo com tais valores, nem conformação da vontade da pessoa condenada na aceitação e no respeito das sujeições que devem acompanhar e potenciar o reencaminhamento para o reencontro com os valores do direito. Por isso, os deveres ou condições a estabelecer na suspensão da execução da pena devem ser adequados, pessoal e materialmente possíveis, num plano de reordenação para os valores do direito que previna, no essencial, a reincidência, ou que possa contribuir para a reparação das consequências do crime”. Também o Prof. Germano Marques da Silva defende que não devem ser impostos à pessoa condenada deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres (em Direito Penal Português, vol. III, pág. 208). Ora, no presente caso, o tribunal recorrido substituiu a pena de 6 meses de prisão, que entendeu por adequada à punição do crime praticado pela arguida, pela pena de suspensão da execução dessa prisão pelo período de 3 anos, mas subordinou a suspensão ao pagamento pela arguida à assistente/lesada, no prazo de 1 ano, da indemnização que a favor deste foi fixada, no montante de € 3.000,00, justificada por razões de prevenção positiva reparadora. Não cabendo nem podendo ser aqui apreciada a bondade da suspensão da pena de prisão (porque o objecto do recurso não abrange essa questão), há que, todavia, considerar todas as virtualidades que a este respeito resultam dos factos provados com vista a ponderar do acerto da condição a que foi sujeita aquela suspensão. E a primeira dessas considerações é que a suspensão da prisão não pode, por si só, desacompanhada do dever imposto, dar resposta adequada às finalidades da punição do crime praticado, quer na sua vertente pedagógica e ressocializadora, quer sobretudo, na vertente da prevenção geral, em face da elevada gravidade do crime, apreciada tanto ao nível da acção/execução (agressão praticada a uma médica no Serviço de Urgências de um Hospital, onde se encontrava em exercício de funções, com murros, puxões de cabelos e pontapés), como ao nível do resultado produzido, com diversos ferimentos por todo o corpo, designadamente na coluna cervical, anca, coxas e região mamária, que lhe provocaram 8 dias de doença com incapacidade para o trabalho e sequelas de âmbito psicológico (inquietação, nervosismo e medo de que tal agressão pudesse ser repetida). Tendo em conta o lugar onde o crime foi praticado (no serviço de urgências de uma unidade hospitalar, onde estes casos vão ocorrendo com mais frequência), e a função específica que aí exercia a pessoa ofendida (médica), a simples suspensão da pena mais não significava do que uma condenação sem pena. E não só o interesse da ofendida ficava ostensivamente postergado como o efeito da prevenção geral ficava gravemente diminuído, já que, em termos práticos, a decisão condenatória em nada alteraria a normalidade da vida da condenada, liberta que ficava do dever de pagar à ofendida a indemnização pelos danos que lhe causou, e passaria para a comunidade local o frustrante sentimento de injustiça, de que um tal crime teria escapado à merecida censura do tribunal. Como bem observou o ex.mo magistrado do Ministério Público na sua resposta, “impunha-se atribuir um carácter compulsório à pena aplicada, por razões de justiça e por razões de eficácia”. Até porque, para além dos aspectos ligados à prática do crime, refere ainda que a arguida manteve em audiência uma postura em que “não demonstrou arrependimento, negou a prática dos factos contra a evidência das provas e inviabilizou qualquer possibilidade de reparação moral à ofendida, mediante, por exemplo, um pedido de desculpas”. Fica, assim, claro que a confiança nas normas violadas só pode ser restabelecida com a imposição à arguida do dever de satisfazer a reparação dos danos causados à ofendida, mediante o pagamento, em prazo razoável, da indemnização que a favor desta foi fixada. Deverá considerar-se como razoável o prazo de um ano fixado? Cremos que sim. Compreende-se que a situação económica da arguida projectada pelos factos provados é débil e que o nível de rendimentos que aufere é bastante precário, eventualmente insuficiente até para as suas necessidades básicas. O que não quer dizer que tal situação corresponda efectivamente à sua real capacidade económica. É do domínio público que os índices da actividade económica clandestina no país são elevadíssimos. Como também é do domínio público que há muitos “falsos carenciados” a receber subsídios sociais diversos, designadamente o subsídio de inserção social. Não obstante isso, certo é também que o valor da indemnização fixada perfaz apenas o montante de € 3.000,00. Que equivale a € 250,00 por mês e a € 8,22 por dia. Cuja realização se mostra perfeitamente ao alcance de qualquer pessoa empenhada, e também da arguida. Que, embora actualmente desempregada, pode e deve empenhar-se em arranjar trabalho que lhe permita obter aquela quantia e realizar a obrigação imposta pelo tribunal. Eventualmente, o pagamento desse montante poderá exigir-lhe algum esforço extra. Mas a finalidade da lei (art. 51º, nº 1, do Código Penal) é exactamente a de obrigar o condenado a esse esforço suplementar como instrumento pedagógico de reparação, de ressocialização e de prevenção. Exigindo-lhe que passe a trabalhar mais horas por dia e/ou passe a gastar menos e prescinda de certas vantagens pessoais, de modo a amealhar os proventos necessários à reparação dos prejuízos causados, e assim contribuir para a normalização dos bens jurídicos violados. A recorrente é ainda uma jovem, na pujança da sua força de trabalho. Tal como teve energia para sovar uma profissional de saúde no seu local de trabalho e no exercício das suas funções, também encontrará energia e modo de arranjar trabalho lícito para solver esta obrigação para com a lesada e a sociedade. Que corresponde à pena que lhe cabe cumprir: trabalhar o necessário para pagar o que deve. O prazo de um ano fixado mostra-se, pois, adequado e razoável. O qual, aliás, já vai aumentado para dois anos, dado que, com o presente recurso, a arguida já retardou em cerca de um ano o cumprimento desse dever. Aliás, cabe aqui dizer que a imposição deste dever à arguida não pode inibir nem impedir a assistente/lesada de, imediatamente após o trânsito, executar a decisão nessa parte, exigindo o pagamento coercivo daquela quantia, sem que a arguida lhe possa opor o prazo de um ano para pagar, cujo alcance é outro, bem diferente. Como é óbvio. Deste modo, improcede este fundamento do recurso.*7. A segunda questão, respeitante à condenação da recorrente em custas é também improcedente. Carecendo, apenas, de ser esclarecida. Assim, dispõe o nº 4 do art. 376º do Código de Processo Penal que “a sentença observa o disposto neste Código e no Código das Custas Judiciais em matéria de custas”. Em matéria de responsabilidade do arguido pelas custas (taxa de justiça e encargos), prescreve o nº 1 do art. 513º do mesmo código que “é devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1ª instância”. E o nº 1 do art. 514º ainda do mesmo código acrescenta que “o arguido condenado em taxa de justiça paga também os encargos a que a sua actividade houver dado lugar”. Tratam-se de disposições legais que obrigam o Juiz a tomar posição na sentença sobre a responsabilidade do arguido pelas custas do processo, em caso de condenação. Como aqui aconteceu. A concessão do apoio judiciário em nada altera esse dever legal quanto à decisão sobre a responsabilidade do arguido em matéria de custas. Até porque, em rigor, os beneficiários do apoio judiciário não gozam de isenção de custas. A lei apenas lhes concede “dispensa, total ou parcial, do pagamento de custas”, nos termos do art. 16º, nº 1, al. a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho. O que é diferente de isenção de custas e tem a sua justificação nos preceitos dos arts. 10º e 13º do mesma Lei. Que prevêem a possibilidade de o apoio judiciário ser, posteriormente, retirado ou cancelado e o respectivo beneficiário ter de pagar as custas da sua responsabilidade. Que, nesse caso, deve estar especificada na decisão. Quer isto significar que a sentença, devendo especificar a responsabilidade da arguida pelas custas, por efeito da sua condenação, deveria também mencionar que a arguida estava dispensada do seu pagamento por lhe ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa total. Todavia, a omissão dessa menção em nada prejudica a arguida, porquanto o efeito do benefício do apoio judiciário concedido mantém-se válido e eficaz para todos os actos do processo, designadamente para evitar e obstar uma execução para a cobrança das custas.*IV Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, assim, manter a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente, pelo seu decaimento no recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3UC (arts. 513º, nº 1, e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal e art. 87º, nº 1, al. b), do Código das Custas Judiciais), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.*Porto, 14 de Junho de 2006 António Guerra Banha Jaime Paulo Tavares Valério Joaquim Arménio Correia Gomes José Manuel Baião Papão