Processo:0624144
Data do Acordão: 25/09/2006Relator: CÂNDIDO LEMOSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Na impugnação de justificação notarial, intentada já após a inscrição definitiva no Registo Predial da aquisição da propriedade, compete a quem impugna o ónus da prova do seu direito.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0624144
Relator
CÂNDIDO LEMOS
Descritores
IMPUGNAÇÃO ÓNUS DA PROVA
No do documento
Data do Acordão
09/26/2006
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA EM PARTE.
Sumário
Na impugnação de justificação notarial, intentada já após a inscrição definitiva no Registo Predial da aquisição da propriedade, compete a quem impugna o ónus da prova do seu direito.
Decisão integral
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No Tribunal Judicial de Chaves, 1.º Juízo e em 15 de Setembro de 2004, B………., solteiro, maior, residente em ………., ………., da comarca move a presente acção com processo sumário de impugnação de justificação notarial contra C………., divorciada, residente na mesma localidade, pedindo que na procedência da acção:
a) seja declarada sem qualquer efeito a escritura pública de justificação notarial outorgada a 19/11/2003 no Cartório Notarial de Chaves (livro de escrituras diversas n.º481-C, folhas 64 e 65) e inexistente o direito de propriedade que a ré se arroga na mesma escritura;
b) seja ordenado o cancelamento da inscrição G-1 feita sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00947/070104 e inscrito na matriz predial rústica de ………. sob o n.º 3.776, bem como todos os registos ou inscrições posteriores sobre o mesmo prédio.
Para tanto alega, em síntese, ter a R. outorgado uma escritura de justificação notarial de um prédio, onde se diz ser dona do mesmo, por tê-lo adquirido pelo instituto jurídico da usucapião, mas que tal prédio não tem sido possuído pela R. nos termos constantes da referida escritura, sendo o mesmo parte de um outro prédio que é seu e que tem sido possuído por si e seus familiares.
Contesta a ré, pedindo a improcedência da acção, além de alegar litispendência e ineptidão da petição inicial.
Responde o autor, mantendo no essencial o já alegado e retirando a palavra manuscrita “nula” do 1.º pedido formulado.
Foi elaborado o despacho saneador que desatendeu as excepções suscitas e dispensou a elaboração de BI, dada a simplicidade.
Procedeu-se a julgamento observando-se o formalismo legal aplicável, merecendo a matéria de facto as respostas constantes de fls. 203 e seguintes dos autos.
De seguida foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando nula e sem qualquer efeito a escritura de justificação notarial outorgada pela R. no cartório Notarial de Chaves no dia 19-11-2003, exarada de fls. 64 a 65, do livro de notas para escrituras diversas nº 481-C, e inexistente o direito de propriedade que a R. se arroga na mesma; e ordenou o cancelamento da inscrição G-1, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 00947/070104, da freguesia de ………. .
Inconformada a ré apresenta este recurso de apelação e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1ª- O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito;
2ª- Acata-se na íntegra o entendimento seguido na Sentença recorrida na parte em que defende que a recorrente beneficia da presunção do registo, pelo que, não precisava de provar os factos conducentes ao seu direito, incumbindo ao recorrido alegar e provar factualidade que elidisse tal presunção mediante prova em contrário, pelo que somos pela manutenção de tal entendimento e não pretendemos interpor recurso desta parte.
3ª- Pelo que, a recorrente é titular do direito de propriedade sobre o prédio identificado em 3 e 4 dos Factos provados da Sentença recorrida, que se encontra registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob a descrição nº 0947 da freguesia de ………., por o ter adquirido por usucapião, tudo como consta da escritura de justificação notarial – documento autêntico - com base na qual procedeu ao referido registo, beneficiando assim da presunção legal prevista no art. 7º do C.R.P., de que resulta a inversão do ónus da prova (Ac. Rel. Porto de 16-03-2000, Boi. Min. da Just., 495, 363, e Ac. do STJ de 19-03-2002, Col. Jur., 2002, 1, 148, dentre outros);
4ª- A Sentença recorrida não podia declarar nula aquela escritura de justificação notarial, porquanto se trata dum documento autêntico, lavrado nos termos dos artigos 361º, nº 2, do Cód. Civil e 35º, nº 2, do Cód. Notariado, e especialmente ai previsto no artigo 80º, nº 2, alínea a), que só poderia ser declarado nulo se tivesse sido dada como provada alguma das circunstâncias a que se referem os artigos 70º e 71º do Código do Notariado, o que não foi o caso;
5ª- Também não foi provado que tal documento autêntico era falso, o que só se verificaria se tivesse sido feita prova de que "nele se atestou como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer fado que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi." – art. 372 °, nº 2, do Cód. Civil;
6ª- Para que a força probatória dum documento autêntico possa ser posta em causa, e para que este não venha a produzir efeitos, necessária seria uma prova cabal no sentido de contrariar as declarações dele constantes, o que no caso não se verificou e, inclusivamente, o Meritíssimo Juiz a quo viu-se colocado perante duas versões antagónicas que o colocaram ante uma "ingrata tarefa" e o levaram a concluir que as testemunhas indicadas pelo recorrido, em termos gerais, lhe mereceram maior credibilidade (saliente-se que, no entanto, não foi referido na globalidade que as testemunhas indicadas pela recorrente não mereceram qualquer credibilidade);
7ª- Apesar da já de si debilitada prova, todos os factos dados como provados na Sentença recorrida não contrariam as declarações constantes da escritura de justificação notarial, isto é, não provam que a factualidade lá descrita está em desacordo com a realidade, pelo que, não elidem a presunção legal conferida pelo registo;
8ª- Em suma, o A./recorrido, que tinha a seu cargo o ónus da prova, não logrou provar que a R./recorrente, desde 1980, não é dona do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de ………. sob o art. 3776, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 947 da mesma freguesia e registado a favor dela pela inscrição G-um, nem logrou provar que ela não o adquiriu por usucapião;
9ª- Muito menos logrou provar que ele e os seus familiares tivessem adquirido o prédio por usucapião após 1980 (data em que a recorrente iniciou a posse conforme consta da escritura de justificação notarial), já que não conseguiu provar todas as características necessárias à aquisição originária por usucapião (prática de actos materiais de posse; posse em exclusividade; exercício da posse como verdadeiros proprietários) nem conseguiu localizar no tempo os "mais de 20 anos" constantes do ponto 6 dos Factos Provados, quando sabe a recorrente, e assim o referiu na sua contestação, que aqueles 20 anos se reportam a uma data anterior a 1980;
10ª- Ora, não tendo o A/recorrido feito prova de que as declarações feitas pela recorrente na escritura de justificação notarial não correspondiam à realidade, é esta perfeitamente válida e eficaz, devendo produzir todos os seus efeitos, mantendo-se o registo do prédio a favor da recorrente.
11ª- A sentença recorrida, ao ter considerado que o recorrido, com os factos dados como provados, nomeadamente no ponto 6 dos Factos Provados, "demonstrou que tem sido ele e familiares que tem praticado actos de posse no prédio com as características e prazos inerentes á aquisição do mesmo por força do instituto jurídico da usucapião" (pág. 116, linhas 10 e sgs.), e pelo referido na Conclusão anterior, violou o disposto nos artigos 1287º e sgs. do Código Civil;
12ª- A mesma sentença, ao declarar nulo um documento autêntico nas circunstâncias atrás referidas, violou o disposto nos artigos 70º e 71º do Código do Notariado. e no art. 372º do Cód. Civil.
13ª- Também, a sentença recorrida, ao ter considerada elidida uma presunção sem que os Factos Provados possam conduzir a tal solução, encontra-se em manifesta oposição com os factos que foram dados como provados, pelo que, foram violados, por erro de interpretarão o n.º 2, do artigo 350º do Cód. Civil, e o artigo 7º do Cód. Registo Predial, e por erro de aplicação o nº 3, do artigo 659º do Cód. Processo Civil.
Pugna pela revogação da sentença recorrida, sendo a acção julgada improcedente.
Contra-alega o autor em defesa do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Da instância vêm dados como provados os seguintes factos:
1- Por escrito designado por contrato promessa de compra e venda, datado de 25 de Julho de 1994, D………., como promitente vendedor, prometeu vender à R., e esta prometeu comprar-lhe, a parte descoberta de um prédio urbano, sito na povoação de ………., único que possuía naquele lugar, a confrontar com a R. Mais declarou D………., já ter recebido a totalidade do preço, ou seja, 1.000.000$00, e que se obrigava a outorgar a correspondente escritura logo que lhe fosse exigido.
2- Encontra-se inscrita a favor do A., no registo predial, a aquisição, por sucessão hereditária de E………., de ¼ do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, pela freguesia de ………, sob o n º 304.
3- Por escritura de justificação, outorgada no Cartório Notarial de Chaves, em 19-11-2003, a R. declarou ser dona, com exclusão de outrem, do prédio rústico situado no ………., freguesia de ………., concelho de Chaves, composto de terra de horta, com a área de 55m2, a confrontar de norte com a R., de sul e poente com D………. e de nascente com o caminho público, inscrito na respectiva matriz sob o art. 3.776. Mais declarou estar o prédio omisso na Conservatória do Registo Predial de Chaves e inscrito em seu nome na respectiva matriz. Disse ainda, não ter qualquer título de onde resulte pertencer-lhe o direito de propriedade do prédio, mas ter iniciado a sua posse em 1980, ano em que o adquiriu, por compra, meramente verbal, a D………. . Que, desde essa data, sempre tem usado e fruído o prédio, cultivando-o e colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por ele devidas e fazendo essa exploração com a consciência de ser a sua única dona, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição, há mais de 20 anos, o que confere à posse a natureza de pública, pacífica, contínua e de boa fé, razão pela qual adquiriu o direito de propriedade sob o prédio por usucapião.
4- Encontra-se inscrita a favor da R., no registo predial, a aquisição, por usucapião, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, pela freguesia de ………, sob o nº 947.
5- O prédio referido em 4, fazia parte do prédio mencionado em 2, só tendo ganho autonomia matricial em 19-09-2003 e no registo predial em 07-01-2004.
6- O prédio referido em 4, foi usado e mantido pelo A. e seus familiares antepassados, ao longo de mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição, com conhecimento de todas as pessoas da aldeia, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, e de não lesarem direito de outrem.
7- Por volta de 2003, a R. iniciou obras de reconstrução do prédio referido em 4, construindo ali uma garagem.
Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.º n.º1 do CPC).
São-nos coladas as seguintes questões:
- Delimitação do recurso (conclusões 1.ª e 2.ª);
- Nulidade da escritura (conclusões 3.ª a 7.ª e 11.ª);
- Ilisão da presunção registral por parte do autor (conclusões 8.ª a 10.ª e 12.ª).*Delimitação do recurso.
Nas conclusões 1.ª e 2.ª, expressamente a apelante refere aceitar o decidido quanto ao ónus da prova.
Estamos em presença de uma acção de impugnação de escritura notarial, proposta nos termos dos arts. 101º do Cód. do Notariado e 116º do C. Registo Predial.
Para evitar a prática de actos inúteis, entendeu o legislador ser conveniente retardar a feitura do registo predial, com base na respectiva escritura, por um período de tempo tido por adequado e suficiente para o surgimento de uma eventual impugnação. Se, decorridos 30 dias após a publicação do extracto, o notário não tiver recebido comunicação da pendência da impugnação, poderá então ser passada certidão da escritura e deixará de haver obstáculo à realização do registo. Isso não significa, porém, que o facto justificado deixe de ser impugnável em juízo (neste sentido, para além da jurisprudência citada nas doutas contra-alegações do Ministério Público, v., ainda, RC, 23/4/02 in CJ XXVII, II, pág. 33 e 07/7/04 in CJ, XXIX, III, pág. 36).
Assim é que na presente acção a impugnação é feita já depois do registo com base na escritura celebrado, logo, muito depois dos ditos 30 dias.
Se a questão é pacífica quando a impugnação surge antes dos 30 dias, antes do registo, já o mesmo se não pode dizer quando a impugnação é feita com o registo celebrado.
A sentença seguiu de perto o decidido no Acórdão do STJ de 19/3/2002, Relator Ribeiro Coelho, Proc. 02ª197, disponível em DGSI.PT e na Colectânea do STJ, 2002, T1, 148, com o seguinte sumário: “O registo predial efectuado com base naquela escritura de justificação notarial, constitui presunção da propriedade, quando haja (como acontece no caso vertente) impugnação deduzida extemporaneamente, isto é, já após o decurso daquele prazo de 30 dias sobre a data da publicação da escritura num jornal e mesmo depois de feita a inscrição no registo da escritura de justificação, cabendo, então, ao A. o encargo da prova, por inversão do respectivo ónus – ao invés, sendo a acção de impugnação deduzida dentro dos referidos 30 dias já caberá ao réu, nos termos do artº. 343º, nº 1, do CC, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito afirmado no instrumento notarial (STJ, 19/03/02 in CJ/STJ, X, I, 2002, pág. 48).”
Não sendo esta posição uniforme, nem sequer maioritária nesta Relação (ver Acórdão de 4/4/2002, Proc. 0230063 – João Vale; de 13/10/2005, Proc. 0533037 - Pinto de Almeida; de 17/11/2005, Proc. 05535796 – Gonçalo Silvano; da RC de 7/7/2004 in CJ, Ano XXIX, T3, 36; do STJ de 25/10/2005, Proc. 05A2709 – Azevedo Ramos e de 21/2/2006, Proc. 06A073 – Fernandes Magalhães), será que temos de aceitá-la, concordando-se ou não?
Salvo o devido respeito, entendemos que inexistindo recurso do autor, principal ou subordinado e dado o disposto no n.º2 do art.684.º do CPC, a solução encontrada na sentença tem de ser aceite por nós.
Definitivamente decidido está que a ré beneficia da presunção legal do art. 7.º do CRPredial. *Nulidade da escritura.
É manifesta a razão da apelante nesta questão, merecendo até o apoio do apelado.
Não se teve a devida conta o que consta dos artigos 31.º e seguintes da resposta de fls.45.
Ninguém formula o pedido de declaração de nulidade da escritura, nem ninguém invoca factos que se possam integrar-se nos artigos 70.º e 71.º do Código de Notariado.
Deste modo, terá de ser retirado da decisão “declaro nula a escritura de justificação notarial”, nesta parte procedendo a apelação.*Ilisão da presunção pelo autor.
Determina o art. 7.º do CRP que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Segundo o art. 350.º do CC, escusando a ré de provar a sua propriedade, pode porém a sua presunção ser ilidida mediante prova do contrário.
Desde a petição inicial que o autor alega factos suficientes para ilidir a presunção de propriedade da ré, tendo até sido julgada improcedente a excepção de ineptidão de petição inicial suscitada pela ré.
Concretamente, nos artigos 1 a 6, 19, 20, 21.
Daí que se tenha como correcta a afirmação da sentença de que “incumbia, então, ao A., alegar a factualidade que elidisse a referida presunção, mediante prova em contrário, já que se trata de uma presunção júris tantum, a consagrada no art. 7º, do C.R.P.”
Infelizmente não foi elaborada a BI, afirmando-se a simplicidade da causa. Mas o certo é que em tal hipótese é mais difícil controlar os factos provados, a sua suficiência ou insuficiência.
Ora os factos provados são apenas os que acima se deixaram transcritos.
Consta da sentença: “De facto, demonstrou, desde logo, que o prédio cuja titularidade se encontra inscrita a favor da A. com base em escritura de justificação fazia parte do prédio cuja titularidade de ¼ se encontra inscrita a seu favor.
Ou seja, parte do prédio inscrito a favor da R. era parte da mesma realidade do prédio cujo ¼ está inscrito a favor do A.
Ora, tal factualidade coloca-nos, a nosso ver, perante uma possível parcial duplicação de presunções, já que o ¼ do prédio inscrito a favor do A. abrangia a realidade criada pela R. matricialmente e registralmente, pelo que, terá que continuar a abrangê-lo, ou seja, o ¼ inscrito a favor do A. abrangerá o prédio inscrito a favor da R.
Provou-se ainda que, o prédio cuja titularidade está inscrita no registo predial a favor da R., foi usado e mantido pelo A. e seus familiares antepassados, ao longo de mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição, com conhecimento de todas as pessoas da aldeia, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, e de não lesarem direito de outrem e que só por volta de 2003 é que a R. iniciou obras de reconstrução no prédio, construindo ali uma garagem.
Assim, embora a R. não tivesse de provar a factualidade constante da escritura de justificação, com base na qual registou o direito de propriedade a seu favor, a verdade é que, o A. demonstrou o contrário do que na mesma escritura consta, ou seja, demonstrou que tem sido ele e familiares, e não, portanto, a R., que tem praticado actos de posse no prédio, com as características e prazos inerentes à aquisição do mesmo por força do instituto jurídico da usucapião.
A factualidade dada como provada contraria efectivamente a constante da escritura de justificação notarial, com base na qual a R. procedeu ao registo do seu direito, ou seja, de que a R. iniciou a posse do prédio em 1980, data desde a qual, sempre tem usado e fruído o prédio, cultivando-o e colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por ele devidas e fazendo essa exploração com a consciência de ser a sua única dona, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição.
Portanto, demonstrou o A., não estar a factualidade constante da escritura de justificação notarial em conformidade com a realidade, não ser verdadeira, elidindo, assim, a presunção do registo de que beneficiava a R.”
No fundo a ré critica o decidido, partindo do princípio de que provou a compra em 1980 e a sua entrada na posse do imóvel que criou desde essa data.
Nada disso resulta dos autos.
Basta ver a fundamentação da matéria de facto, para se entender que o artigo matricial rústico 3.776 criado em 2003 pela ré, na altura em que fez a sua declaração na escritura de justificação notarial sempre fez parte do prédio da família do autor, sempre tendo estado na posse desta há mais de 40 anos (testemunhas F………., G………., H………. e I……….).
Embora de forma um tanto sintética, tal resulta desde logo dos factos em 5., 6. e 7: 
“5 - O prédio referido em 4, fazia parte do prédio mencionado em 2, só tendo ganho autonomia matricial em 19-09-2003 e no registo predial em 07-01-2004.
6 - O prédio referido em 4, foi usado e mantido pelo A. e seus familiares antepassados, ao longo de mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição, com conhecimento de todas as pessoas da aldeia, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, e de não lesarem direito de outrem.
7 – Por volta de 2003, a R. iniciou obras de reconstrução do prédio referido em 4, construindo ali uma garagem.”
Duas críticas ainda a ré apresenta aos factos: não saber quando se iniciam os 20 anos referidos e falta de actos de posse.
Quanto aos 20 anos, que bem poderiam ser 30 ou 40, é matéria que se alega no artigo 20 da petição inicial. Inserida no devido contexto, é patente que o decurso de 20 anos se refere ao período de posse que antecede 2003, altura em que se iniciam as obras pela ré.
Nos actos de posse, não se pode dizer que a resposta prima pela perfeição, mas expressões como “usado e mantido” sempre significaram a prática de actos materiais de fruição.
Salvo o devido respeito, concluímos como a sentença que o autor provou factos incompatíveis com a propriedade da ré da propriedade que esta justifica notarialmente.
Assim, o registo efectuado com base na escritura de justificação será nulo por força do art. 16.ºb) do Código de Registo Predial (descrição G-1, sobre o prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 00947, da freguesia de ……….).
DECISÃO:
Nestes termos se decide julgar a apelação parcialmente procedente, procedendo-se à reformulação da parte condenatória da sentença conforme o anteriormente decidido.
Assim, se retira a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial, passando a ter a primeira parte a seguinte redacção: “Declaro sem qualquer efeito a escritura de justificação notarial outorgada pela R. no cartório Notarial de Chaves no dia 19-11-2003, exarada de fls. 64 a 65, do livro de notas para escrituras diversas n º 481-C, e inexistente o direito de propriedade que a R. se arroga na mesma”.
No mais se confirma o decidido.
Custas por apelante e apelado, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente.

PORTO, 26 de Setembro de 2006
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: No Tribunal Judicial de Chaves, 1.º Juízo e em 15 de Setembro de 2004, B………., solteiro, maior, residente em ………., ………., da comarca move a presente acção com processo sumário de impugnação de justificação notarial contra C………., divorciada, residente na mesma localidade, pedindo que na procedência da acção: a) seja declarada sem qualquer efeito a escritura pública de justificação notarial outorgada a 19/11/2003 no Cartório Notarial de Chaves (livro de escrituras diversas n.º481-C, folhas 64 e 65) e inexistente o direito de propriedade que a ré se arroga na mesma escritura; b) seja ordenado o cancelamento da inscrição G-1 feita sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00947/070104 e inscrito na matriz predial rústica de ………. sob o n.º 3.776, bem como todos os registos ou inscrições posteriores sobre o mesmo prédio. Para tanto alega, em síntese, ter a R. outorgado uma escritura de justificação notarial de um prédio, onde se diz ser dona do mesmo, por tê-lo adquirido pelo instituto jurídico da usucapião, mas que tal prédio não tem sido possuído pela R. nos termos constantes da referida escritura, sendo o mesmo parte de um outro prédio que é seu e que tem sido possuído por si e seus familiares. Contesta a ré, pedindo a improcedência da acção, além de alegar litispendência e ineptidão da petição inicial. Responde o autor, mantendo no essencial o já alegado e retirando a palavra manuscrita “nula” do 1.º pedido formulado. Foi elaborado o despacho saneador que desatendeu as excepções suscitas e dispensou a elaboração de BI, dada a simplicidade. Procedeu-se a julgamento observando-se o formalismo legal aplicável, merecendo a matéria de facto as respostas constantes de fls. 203 e seguintes dos autos. De seguida foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando nula e sem qualquer efeito a escritura de justificação notarial outorgada pela R. no cartório Notarial de Chaves no dia 19-11-2003, exarada de fls. 64 a 65, do livro de notas para escrituras diversas nº 481-C, e inexistente o direito de propriedade que a R. se arroga na mesma; e ordenou o cancelamento da inscrição G-1, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 00947/070104, da freguesia de ………. . Inconformada a ré apresenta este recurso de apelação e nas suas alegações formula as seguintes conclusões: 1ª- O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito; 2ª- Acata-se na íntegra o entendimento seguido na Sentença recorrida na parte em que defende que a recorrente beneficia da presunção do registo, pelo que, não precisava de provar os factos conducentes ao seu direito, incumbindo ao recorrido alegar e provar factualidade que elidisse tal presunção mediante prova em contrário, pelo que somos pela manutenção de tal entendimento e não pretendemos interpor recurso desta parte. 3ª- Pelo que, a recorrente é titular do direito de propriedade sobre o prédio identificado em 3 e 4 dos Factos provados da Sentença recorrida, que se encontra registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob a descrição nº 0947 da freguesia de ………., por o ter adquirido por usucapião, tudo como consta da escritura de justificação notarial – documento autêntico - com base na qual procedeu ao referido registo, beneficiando assim da presunção legal prevista no art. 7º do C.R.P., de que resulta a inversão do ónus da prova (Ac. Rel. Porto de 16-03-2000, Boi. Min. da Just., 495, 363, e Ac. do STJ de 19-03-2002, Col. Jur., 2002, 1, 148, dentre outros); 4ª- A Sentença recorrida não podia declarar nula aquela escritura de justificação notarial, porquanto se trata dum documento autêntico, lavrado nos termos dos artigos 361º, nº 2, do Cód. Civil e 35º, nº 2, do Cód. Notariado, e especialmente ai previsto no artigo 80º, nº 2, alínea a), que só poderia ser declarado nulo se tivesse sido dada como provada alguma das circunstâncias a que se referem os artigos 70º e 71º do Código do Notariado, o que não foi o caso; 5ª- Também não foi provado que tal documento autêntico era falso, o que só se verificaria se tivesse sido feita prova de que "nele se atestou como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer fado que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi." – art. 372 °, nº 2, do Cód. Civil; 6ª- Para que a força probatória dum documento autêntico possa ser posta em causa, e para que este não venha a produzir efeitos, necessária seria uma prova cabal no sentido de contrariar as declarações dele constantes, o que no caso não se verificou e, inclusivamente, o Meritíssimo Juiz a quo viu-se colocado perante duas versões antagónicas que o colocaram ante uma "ingrata tarefa" e o levaram a concluir que as testemunhas indicadas pelo recorrido, em termos gerais, lhe mereceram maior credibilidade (saliente-se que, no entanto, não foi referido na globalidade que as testemunhas indicadas pela recorrente não mereceram qualquer credibilidade); 7ª- Apesar da já de si debilitada prova, todos os factos dados como provados na Sentença recorrida não contrariam as declarações constantes da escritura de justificação notarial, isto é, não provam que a factualidade lá descrita está em desacordo com a realidade, pelo que, não elidem a presunção legal conferida pelo registo; 8ª- Em suma, o A./recorrido, que tinha a seu cargo o ónus da prova, não logrou provar que a R./recorrente, desde 1980, não é dona do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de ………. sob o art. 3776, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 947 da mesma freguesia e registado a favor dela pela inscrição G-um, nem logrou provar que ela não o adquiriu por usucapião; 9ª- Muito menos logrou provar que ele e os seus familiares tivessem adquirido o prédio por usucapião após 1980 (data em que a recorrente iniciou a posse conforme consta da escritura de justificação notarial), já que não conseguiu provar todas as características necessárias à aquisição originária por usucapião (prática de actos materiais de posse; posse em exclusividade; exercício da posse como verdadeiros proprietários) nem conseguiu localizar no tempo os "mais de 20 anos" constantes do ponto 6 dos Factos Provados, quando sabe a recorrente, e assim o referiu na sua contestação, que aqueles 20 anos se reportam a uma data anterior a 1980; 10ª- Ora, não tendo o A/recorrido feito prova de que as declarações feitas pela recorrente na escritura de justificação notarial não correspondiam à realidade, é esta perfeitamente válida e eficaz, devendo produzir todos os seus efeitos, mantendo-se o registo do prédio a favor da recorrente. 11ª- A sentença recorrida, ao ter considerado que o recorrido, com os factos dados como provados, nomeadamente no ponto 6 dos Factos Provados, "demonstrou que tem sido ele e familiares que tem praticado actos de posse no prédio com as características e prazos inerentes á aquisição do mesmo por força do instituto jurídico da usucapião" (pág. 116, linhas 10 e sgs.), e pelo referido na Conclusão anterior, violou o disposto nos artigos 1287º e sgs. do Código Civil; 12ª- A mesma sentença, ao declarar nulo um documento autêntico nas circunstâncias atrás referidas, violou o disposto nos artigos 70º e 71º do Código do Notariado. e no art. 372º do Cód. Civil. 13ª- Também, a sentença recorrida, ao ter considerada elidida uma presunção sem que os Factos Provados possam conduzir a tal solução, encontra-se em manifesta oposição com os factos que foram dados como provados, pelo que, foram violados, por erro de interpretarão o n.º 2, do artigo 350º do Cód. Civil, e o artigo 7º do Cód. Registo Predial, e por erro de aplicação o nº 3, do artigo 659º do Cód. Processo Civil. Pugna pela revogação da sentença recorrida, sendo a acção julgada improcedente. Contra-alega o autor em defesa do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Da instância vêm dados como provados os seguintes factos: 1- Por escrito designado por contrato promessa de compra e venda, datado de 25 de Julho de 1994, D………., como promitente vendedor, prometeu vender à R., e esta prometeu comprar-lhe, a parte descoberta de um prédio urbano, sito na povoação de ………., único que possuía naquele lugar, a confrontar com a R. Mais declarou D………., já ter recebido a totalidade do preço, ou seja, 1.000.000$00, e que se obrigava a outorgar a correspondente escritura logo que lhe fosse exigido. 2- Encontra-se inscrita a favor do A., no registo predial, a aquisição, por sucessão hereditária de E………., de ¼ do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, pela freguesia de ………, sob o n º 304. 3- Por escritura de justificação, outorgada no Cartório Notarial de Chaves, em 19-11-2003, a R. declarou ser dona, com exclusão de outrem, do prédio rústico situado no ………., freguesia de ………., concelho de Chaves, composto de terra de horta, com a área de 55m2, a confrontar de norte com a R., de sul e poente com D………. e de nascente com o caminho público, inscrito na respectiva matriz sob o art. 3.776. Mais declarou estar o prédio omisso na Conservatória do Registo Predial de Chaves e inscrito em seu nome na respectiva matriz. Disse ainda, não ter qualquer título de onde resulte pertencer-lhe o direito de propriedade do prédio, mas ter iniciado a sua posse em 1980, ano em que o adquiriu, por compra, meramente verbal, a D………. . Que, desde essa data, sempre tem usado e fruído o prédio, cultivando-o e colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por ele devidas e fazendo essa exploração com a consciência de ser a sua única dona, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição, há mais de 20 anos, o que confere à posse a natureza de pública, pacífica, contínua e de boa fé, razão pela qual adquiriu o direito de propriedade sob o prédio por usucapião. 4- Encontra-se inscrita a favor da R., no registo predial, a aquisição, por usucapião, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, pela freguesia de ………, sob o nº 947. 5- O prédio referido em 4, fazia parte do prédio mencionado em 2, só tendo ganho autonomia matricial em 19-09-2003 e no registo predial em 07-01-2004. 6- O prédio referido em 4, foi usado e mantido pelo A. e seus familiares antepassados, ao longo de mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição, com conhecimento de todas as pessoas da aldeia, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, e de não lesarem direito de outrem. 7- Por volta de 2003, a R. iniciou obras de reconstrução do prédio referido em 4, construindo ali uma garagem. Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.º n.º1 do CPC). São-nos coladas as seguintes questões: - Delimitação do recurso (conclusões 1.ª e 2.ª); - Nulidade da escritura (conclusões 3.ª a 7.ª e 11.ª); - Ilisão da presunção registral por parte do autor (conclusões 8.ª a 10.ª e 12.ª).*Delimitação do recurso. Nas conclusões 1.ª e 2.ª, expressamente a apelante refere aceitar o decidido quanto ao ónus da prova. Estamos em presença de uma acção de impugnação de escritura notarial, proposta nos termos dos arts. 101º do Cód. do Notariado e 116º do C. Registo Predial. Para evitar a prática de actos inúteis, entendeu o legislador ser conveniente retardar a feitura do registo predial, com base na respectiva escritura, por um período de tempo tido por adequado e suficiente para o surgimento de uma eventual impugnação. Se, decorridos 30 dias após a publicação do extracto, o notário não tiver recebido comunicação da pendência da impugnação, poderá então ser passada certidão da escritura e deixará de haver obstáculo à realização do registo. Isso não significa, porém, que o facto justificado deixe de ser impugnável em juízo (neste sentido, para além da jurisprudência citada nas doutas contra-alegações do Ministério Público, v., ainda, RC, 23/4/02 in CJ XXVII, II, pág. 33 e 07/7/04 in CJ, XXIX, III, pág. 36). Assim é que na presente acção a impugnação é feita já depois do registo com base na escritura celebrado, logo, muito depois dos ditos 30 dias. Se a questão é pacífica quando a impugnação surge antes dos 30 dias, antes do registo, já o mesmo se não pode dizer quando a impugnação é feita com o registo celebrado. A sentença seguiu de perto o decidido no Acórdão do STJ de 19/3/2002, Relator Ribeiro Coelho, Proc. 02ª197, disponível em DGSI.PT e na Colectânea do STJ, 2002, T1, 148, com o seguinte sumário: “O registo predial efectuado com base naquela escritura de justificação notarial, constitui presunção da propriedade, quando haja (como acontece no caso vertente) impugnação deduzida extemporaneamente, isto é, já após o decurso daquele prazo de 30 dias sobre a data da publicação da escritura num jornal e mesmo depois de feita a inscrição no registo da escritura de justificação, cabendo, então, ao A. o encargo da prova, por inversão do respectivo ónus – ao invés, sendo a acção de impugnação deduzida dentro dos referidos 30 dias já caberá ao réu, nos termos do artº. 343º, nº 1, do CC, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito afirmado no instrumento notarial (STJ, 19/03/02 in CJ/STJ, X, I, 2002, pág. 48).” Não sendo esta posição uniforme, nem sequer maioritária nesta Relação (ver Acórdão de 4/4/2002, Proc. 0230063 – João Vale; de 13/10/2005, Proc. 0533037 - Pinto de Almeida; de 17/11/2005, Proc. 05535796 – Gonçalo Silvano; da RC de 7/7/2004 in CJ, Ano XXIX, T3, 36; do STJ de 25/10/2005, Proc. 05A2709 – Azevedo Ramos e de 21/2/2006, Proc. 06A073 – Fernandes Magalhães), será que temos de aceitá-la, concordando-se ou não? Salvo o devido respeito, entendemos que inexistindo recurso do autor, principal ou subordinado e dado o disposto no n.º2 do art.684.º do CPC, a solução encontrada na sentença tem de ser aceite por nós. Definitivamente decidido está que a ré beneficia da presunção legal do art. 7.º do CRPredial. *Nulidade da escritura. É manifesta a razão da apelante nesta questão, merecendo até o apoio do apelado. Não se teve a devida conta o que consta dos artigos 31.º e seguintes da resposta de fls.45. Ninguém formula o pedido de declaração de nulidade da escritura, nem ninguém invoca factos que se possam integrar-se nos artigos 70.º e 71.º do Código de Notariado. Deste modo, terá de ser retirado da decisão “declaro nula a escritura de justificação notarial”, nesta parte procedendo a apelação.*Ilisão da presunção pelo autor. Determina o art. 7.º do CRP que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Segundo o art. 350.º do CC, escusando a ré de provar a sua propriedade, pode porém a sua presunção ser ilidida mediante prova do contrário. Desde a petição inicial que o autor alega factos suficientes para ilidir a presunção de propriedade da ré, tendo até sido julgada improcedente a excepção de ineptidão de petição inicial suscitada pela ré. Concretamente, nos artigos 1 a 6, 19, 20, 21. Daí que se tenha como correcta a afirmação da sentença de que “incumbia, então, ao A., alegar a factualidade que elidisse a referida presunção, mediante prova em contrário, já que se trata de uma presunção júris tantum, a consagrada no art. 7º, do C.R.P.” Infelizmente não foi elaborada a BI, afirmando-se a simplicidade da causa. Mas o certo é que em tal hipótese é mais difícil controlar os factos provados, a sua suficiência ou insuficiência. Ora os factos provados são apenas os que acima se deixaram transcritos. Consta da sentença: “De facto, demonstrou, desde logo, que o prédio cuja titularidade se encontra inscrita a favor da A. com base em escritura de justificação fazia parte do prédio cuja titularidade de ¼ se encontra inscrita a seu favor. Ou seja, parte do prédio inscrito a favor da R. era parte da mesma realidade do prédio cujo ¼ está inscrito a favor do A. Ora, tal factualidade coloca-nos, a nosso ver, perante uma possível parcial duplicação de presunções, já que o ¼ do prédio inscrito a favor do A. abrangia a realidade criada pela R. matricialmente e registralmente, pelo que, terá que continuar a abrangê-lo, ou seja, o ¼ inscrito a favor do A. abrangerá o prédio inscrito a favor da R. Provou-se ainda que, o prédio cuja titularidade está inscrita no registo predial a favor da R., foi usado e mantido pelo A. e seus familiares antepassados, ao longo de mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição, com conhecimento de todas as pessoas da aldeia, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, e de não lesarem direito de outrem e que só por volta de 2003 é que a R. iniciou obras de reconstrução no prédio, construindo ali uma garagem. Assim, embora a R. não tivesse de provar a factualidade constante da escritura de justificação, com base na qual registou o direito de propriedade a seu favor, a verdade é que, o A. demonstrou o contrário do que na mesma escritura consta, ou seja, demonstrou que tem sido ele e familiares, e não, portanto, a R., que tem praticado actos de posse no prédio, com as características e prazos inerentes à aquisição do mesmo por força do instituto jurídico da usucapião. A factualidade dada como provada contraria efectivamente a constante da escritura de justificação notarial, com base na qual a R. procedeu ao registo do seu direito, ou seja, de que a R. iniciou a posse do prédio em 1980, data desde a qual, sempre tem usado e fruído o prédio, cultivando-o e colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por ele devidas e fazendo essa exploração com a consciência de ser a sua única dona, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição. Portanto, demonstrou o A., não estar a factualidade constante da escritura de justificação notarial em conformidade com a realidade, não ser verdadeira, elidindo, assim, a presunção do registo de que beneficiava a R.” No fundo a ré critica o decidido, partindo do princípio de que provou a compra em 1980 e a sua entrada na posse do imóvel que criou desde essa data. Nada disso resulta dos autos. Basta ver a fundamentação da matéria de facto, para se entender que o artigo matricial rústico 3.776 criado em 2003 pela ré, na altura em que fez a sua declaração na escritura de justificação notarial sempre fez parte do prédio da família do autor, sempre tendo estado na posse desta há mais de 40 anos (testemunhas F………., G………., H………. e I……….). Embora de forma um tanto sintética, tal resulta desde logo dos factos em 5., 6. e 7: “5 - O prédio referido em 4, fazia parte do prédio mencionado em 2, só tendo ganho autonomia matricial em 19-09-2003 e no registo predial em 07-01-2004. 6 - O prédio referido em 4, foi usado e mantido pelo A. e seus familiares antepassados, ao longo de mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição, com conhecimento de todas as pessoas da aldeia, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, e de não lesarem direito de outrem. 7 – Por volta de 2003, a R. iniciou obras de reconstrução do prédio referido em 4, construindo ali uma garagem.” Duas críticas ainda a ré apresenta aos factos: não saber quando se iniciam os 20 anos referidos e falta de actos de posse. Quanto aos 20 anos, que bem poderiam ser 30 ou 40, é matéria que se alega no artigo 20 da petição inicial. Inserida no devido contexto, é patente que o decurso de 20 anos se refere ao período de posse que antecede 2003, altura em que se iniciam as obras pela ré. Nos actos de posse, não se pode dizer que a resposta prima pela perfeição, mas expressões como “usado e mantido” sempre significaram a prática de actos materiais de fruição. Salvo o devido respeito, concluímos como a sentença que o autor provou factos incompatíveis com a propriedade da ré da propriedade que esta justifica notarialmente. Assim, o registo efectuado com base na escritura de justificação será nulo por força do art. 16.ºb) do Código de Registo Predial (descrição G-1, sobre o prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 00947, da freguesia de ……….). DECISÃO: Nestes termos se decide julgar a apelação parcialmente procedente, procedendo-se à reformulação da parte condenatória da sentença conforme o anteriormente decidido. Assim, se retira a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial, passando a ter a primeira parte a seguinte redacção: “Declaro sem qualquer efeito a escritura de justificação notarial outorgada pela R. no cartório Notarial de Chaves no dia 19-11-2003, exarada de fls. 64 a 65, do livro de notas para escrituras diversas n º 481-C, e inexistente o direito de propriedade que a R. se arroga na mesma”. No mais se confirma o decidido. Custas por apelante e apelado, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente. PORTO, 26 de Setembro de 2006 Cândido Pelágio Castro de Lemos Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho