Processo:0613885
Data do Acordão: 09/01/2007Relator: ÉLIA SÃO PEDROTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Se o condutor de um autocarro circula com a porta aberta e, ao aproximar-se de uma paragem, faz uma manobra brusca que leva um passageiro, que já se pusera de pé, a desequilibrar-se e a cair para o lado da porta, sendo, através desta, projectado para o exterior do veículo, em consequência do que sofreu lesões que determinaram a sua morte, não pode entender-se que a vítima contribuía para a prestação do resultado, para o efeito do artº 570º do Código Civil.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0613885
Relator
ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores
CONCORRÊNCIA DE CULPAS NEXO DE CAUSALIDADE
No do documento
Data do Acordão
01/10/2007
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário
Se o condutor de um autocarro circula com a porta aberta e, ao aproximar-se de uma paragem, faz uma manobra brusca que leva um passageiro, que já se pusera de pé, a desequilibrar-se e a cair para o lado da porta, sendo, através desta, projectado para o exterior do veículo, em consequência do que sofreu lesões que determinaram a sua morte, não pode entender-se que a vítima contribuía para a prestação do resultado, para o efeito do artº 570º do Código Civil.
Decisão integral
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 

1. Relatório
No .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi julgado em processo comum (n.º …/04.2GFVNG) e perante tribunal singular, o arguido B………., identificado nos autos, tendo sido proferida a seguinte decisão:
“A - Decisão Penal
Pelo exposto, decido:
a) Absolver o arguido B………., pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no artigo 137º, nº2 do Código Penal 
b) Condenar o arguido B………., pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no artigo 137º, nº 1 do Código Penal, por referência às disposições dos artigos 12º, nº 1; 24º, nº 1, 25º, nº 1, alínea f) e 53º, nº 1, todos do Código da Estrada, revisto pelo D.L. nº 2/98, de 3/1 e actualmente com a redacção introduzida pelo D.L. nº 265-A/2001, de 28/09, na pena de 1 (um) ano de prisão.
Decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
O arguido vai, ainda, condenado nas custas do processo (…) 
B) - Decisão Civil
Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes C………., D………., E………., F………., G………., H……….a e I………. e, em consequência, condenar a demandada “Companhia de Seguros X………., SA”, a pagar a quantia global de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), a título de danos de natureza não patrimonial, sendo € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a título de dano de morte, € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de dano sofrido pela 1ª demandante, C………. e € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de dano sofrido pelos 2º a 7º demandantes, D………., E………., F………., G………., H………. e I………., acrescida de juros à taxa legal de 4%, nos termos dos artigos 559º, nº 1, 805º, nº 3 e 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Abril, liquidados a partir da data da presente sentença, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do S.T.J. nº 4/02, D.R., Iª Série, de 27/06/02, uma vez que estes foram objecto de cálculo actualizado, sem prejuízo de eventuais alterações da taxa de juro, absolvendo no mais a demandada.
As custas serão suportadas pelos demandantes e demandada, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.”
 
Inconformada com tal decisão, “no que ao pedido de indemnização civil diz respeito”, a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS X………., SA” recorreu para esta Relação, formulando (em síntese) as seguintes conclusões: 
- Devem ser expurgados da matéria conclusiva e de juízos de valor, os itens 1, 2, 4, 6 e 11 dos “factos provados”; 
- Devem eliminar-se os itens 11 e 12 dos “factos provados” da sentença; 
- Devem ser dados como provados os seguintes factos: 
a) O J………. levantou-se do local onde ia sentado e dirigiu-se para a porta traseira do RN, com este veículo em andamento; 
b) O autocarro dispunha de varões na porta de saída, para os passageiros se segurarem; 
c) O autocarro parou mal o arguido ouviu gritos; 
d) O J………. apresentava placas de ateromas na aorta, aderências fibrosas da pleura visceral e parietal em toda a superfície do pulmão esquerdo e lesões dos rins; 
e) O J………. apresentava ausência de vesícula biliar por colecistectomia; 
f) O J………. era de constituição esquelética “Anormal” e era doente; 
- De acordo com esta matéria provada, deve reconhecer-se que para o acidente contribuíram em partes iguais, o arguido e o infeliz J……….; 
- Deve reduzir-se para não mais de € 25.000,00 a indemnização da perda da vida; para não mais de € 12.000,00 a compensação da viúva pelos (seus) danos não patrimoniais próprios e para não mais de € 6.000,00 a compensação a cada um dos filhos, pelos (seus) danos não patrimoniais próprios. 

Notificados do despacho que admitiu o recurso interposto pela Seguradora, os demandantes C………. e outros interpuseram recurso subordinado da sentença, também na parte respeitante ao pedido cível, ao abrigo do disposto no art. 404º do CPP, formulando as seguintes conclusões: 
- O dano da morte deve ser valorizado em, pelo menos, € 50.000; 
- Entre o acidente e o momento da morte, o infeliz J………. esteve em estado de coma mais de 4 horas, tendo dores e sofrimento;
- Esses danos devem ser indemnizados em valor não inferior a €20.000,00;
- Os danos sofridos pela recorrente C………., com a morte do marido, devem ser indemnizados pelo valor de € 40.000,00.
Quanto ao recurso interposto pela Seguradora, responderam concluindo pela sua improcedência.

O Ex.º Procurador-geral Adjunto nesta Relação apôs o seu “visto”.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se à audiência de julgamento. 

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: 

Factos provados:
“Com interesse directo e relevante para a decisão da causa, o tribunal tem por provada a factualidade que se segue:

1 – No dia 5 de Julho de 2004, cerca das 11H30 da manhã, o arguido B………. conduzia o autocarro de matrícula RN-..-.., pesado de passageiros, no sentido Porto/Espinhaço e, quando entrou na rotunda que faz a ligação da E.N. … para a Rua ………, fê-lo imprimindo ao mesmo um andamento rápido de mais e por isso inadequado ao local (rotunda), curvando de forma brusca para a esquerda, não tendo em atenção que a vítima já se tinha levantado e se aproximava da porta da saída dos passageiros, a qual, desde a paragem anterior, permanecia aberta.

2 – A manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava, provocaram o desequilíbrio da vítima J………., levando-o a cair para o lado direito no sentido da porta que se encontrava aberta e ser projectado por esta para o exterior do veículo vindo a estatelar-se no solo. 

3 – O local onde a vítima caiu situa-se mais ou menos na equidistância entre a entrada do autocarro na rotunda e a saída a seguir, numa parte mais funda da valeta, cerca de 15 metros antes do local da próxima paragem para saída e entrada de passageiros. 

4 – O acidente foi provocado pela falta de cuidado do condutor que não fechou a porta de saída dos passageiros e porque entrou na rotunda em velocidade superior à exigível pelas características rodoviárias do local, sabendo que entretanto o passageiro J………. se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás.  

5 – O arguido enquanto condutor da viatura de passageiros, sabia que, curvando bruscamente para a esquerda poderia provocar o desequilíbrio do passageiro e que o mesmo poderia cair, como caiu pela porta que se encontrava aberta, causando-lhe as lesões crânio-encefálicas descritas no relatório de autópsia e que foram causa directa e necessária da sua morte.  

6 – O acidente ficou assim a dever-se ao facto de o condutor não ter tomado as devidas precauções, tendo em atenção as específicas características do transporte que realizava (transporte colectivo de passageiros), a exigir de si especiais cuidados que no caso concreto não observou, nomeadamente, no que diz respeito ao ter circulado sem previamente ter fechado a porta de saída dos passageiros e à velocidade inadequada que imprimiu ao autocarro aquando do acidente.

7 – A responsabilidade civil decorrente da circulação rodoviária do veículo pesado de passageiros com a matrícula RN-..-.. havia sido transferida para a Companhia de Seguros X………., S.A. através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ……… . 

8 - O falecido J………. era casado no regime de comunhão geral de bens com a 1ª demandante C………, em primeiras núpcias de ambos e era pai dos 2º a 7º demandantes, D………., E………., F………., G………., H………. e I………., sendo estes os seus únicos e universais herdeiros.  

9 – O J…….. não conheceu a morte de imediato, tendo sido socorrido no local pela equipa médica do INEM e, posteriormente foi transportado pelos Bombeiros Sapadores de Vila Nova de Gaia para o Hospital, onde ficou internado.

10 – O J………. veio a falecer, no Hospital, eram 15 horas e 45 minutos.

11 – O J………., embora com 79 anos de idade, era pessoa saudável, com uma vida plena de actividade.

12 – Embora reformado, o J………. tratava de assuntos relacionados com seguros.

13 – Era também o J……… quem tratava, nas horas vagas, do seu quintal, plantando e colhendo produtos hortícolas com que abastecia a sua casa e a casa dos seus filhos.

14 – Era uma pessoa muito metódica e organizada, preparando com tempo todas as suas tarefas, incluindo a gestão e administração de todos os assuntos económicos do casal. 

15 – Entre o J………. e a 1ª demandante havia um casamento que já durava, há mais de 57 anos, sendo o convívio entre ambos, salutar e de cooperação mútua, o que também acontecia com os filhos.

16 – A casa do J………. e da 1ª demandante estava sempre aberta para o convívio com os filhos, o seu cônjuges e os netos. 

17 – O Sábado e o Domingo eram os dias escolhidos pelos filhos para visitar o J………. e a 1ª demandante, sendo muitas as vezes que se encontravam a lanchar, almoçar ou jantar, alguns dos demandantes e suas famílias. 

18 – Antes do acidente, a 1ª demandante era uma pessoa alegre, comunicativa e afável, após o acidente, a mesma passou a ser uma pessoa triste, que se sente sozinha na vida, referindo que preferia ter sido ela a morrer e que não consegue ultrapassar a dor que sente por ter perdido, de forma tão brutal e violenta, o seu companheiro de toda a vida. 

19 – Ainda hoje a 1ª demandante recorda todos os pormenores como foi chamada ao local do acidente e a aflição que sentiu quando lhe disseram que era o marido que estava a ser transportado para o Hospital.

20 – A 1ª demandante, ainda hoje, não consegue passar pelo local onde se deu o acidente sem que lhe venham à memória todos os sofrimentos da irreparável perda do seu ente mais querido.

21 – A 1ª demandante deixou de se interessar pelo cultivo do quintal, deixando de aí retirar quaisquer produtos.

22 – A 1ª denunciante, por causa do desgosto que sofreu com a morte do J………. perdeu peso, anda em consultas de psiquiatria e está a tomar medicamentos para conseguir dormir.   

23 – Cada um, dos 2º a 7º demandantes, também sofreu muito com a morte do seu pai, deixaram de ter os alegres convívios que eram habituais em casa dos seus pais, deixaram de ter os seus conselhos, a quem antes do acidente, recorriam com frequência e deixaram de receber os produtos que ele cultivava no quintal e que, com carinho e afecto fazia questão de dar a cada um deles. 

24 – Os 2º a 7º demandantes também sofrem com o sofrimento que a 1ª demandante tem após a morte do J………. .

25 – Os seus pais, antes do acidente, pediam aos 2º a 7º demandantes para lhes deixarem os netos, durante o dia, aos fins-de-semana e nas férias escolares, o que ainda fazem.

26 – Os 2º a 7º demandantes, quando se encontram, a primeira recordação que lhes vem à cabeça é a morte do pai, olhando de forma triste uns para os outros, recordando o momento trágico da morte do pai.

27 – Cada vez mais, os 2º a 7º demandantes sentem que têm de apoiar a 1ª demandante, tentando mostrar-lhe uma alegria que não têm, e executando algumas das tarefas que antes eram executadas por ela própria e pelo J………. . 

28 – São os 2º a 7º demandantes quem gere os dinheiros, contas e as obrigações legais da 1ª denunciante, antes do acidente era o J……… quem, com muito método e cuidado o fazia sozinho.

29 – A análise feita ao sangue do marido e pai dos demandantes acusou uma TAS de 1,06 g/l.

30 - O J………. após o acidente esteve internado no Serviço de Observações do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia por hemorragia cerebral, foi transferido da sala de ressuscitação onde efectuou um TAC cerebral que mostrou hemorragia subdural à direita, com efeito de massa, tendo dado entrada no referido Hospital em estado de coma tendo falecido no mesmo dia em OBS sem ter recuperado o estado de consciência. 

31 – O falecido esteve sempre inconsciente entre o acidente e a morte.

32 – O arguido é motorista profissional e circulava pelo local onde o acidente ocorreu habitualmente, tendo perfeito conhecimento do respectivo percurso.

33 – O arguido aufere com tal actividade mensalmente o montante de 560,00 Euros.

34 – O arguido vive com uma companheira em casa desta, que se encontra desempregada e aufere a título de subsídio o montante mensal equivalente ao salário mínimo nacional.

35 – O arguido possui o 9º ano de escolaridade. 

36 – O arguido conduz desde os 20 anos de idade. 

37 – Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

Factos não provados:
1 – Que ao sair do autocarro, J………. desequilibrou-se e caiu desamparado, batendo com a cabeça no chão, em virtude do estado de alcoolismo em que se encontrava e que afectava a sua capacidade de equilíbrio e concentração. 
2 – Que o autocarro dispunha junto à porta de saída, de um varão para os passageiros se segurarem, impedindo a sua queda o que o J………. não fez, ao aproximar-se da porta de saída.
3 – Que estava comprometida a saúde e longevidade do J………..
4 – Que o arguido fez uma condução cuidadosa, não podendo de forma nenhuma ter imprimindo uma marcha rápida ao autocarro.
5 – Que a vítima J………. ter-se-á desequilibrado porque ao aproximar-se da porta tentou apanhar uma pasta que entretanto terá deixado cair.
6 – Que para tal desequilíbrio e queda, terá contribuído, não a falta de atenção do arguido, mas o estado de embriaguez da vítima.
7 – Que durante as mais de 4 horas, entre o acidente e a morte, o J………. debateu-se com o horror da morte que lhe pareceu inevitável. 
8 – Que o J………. continuava a exercer a actividade de mediador de seguros por conta própria.
9 – Que a deslocação, que no próprio dia do acidente, tinha efectuado ao centro de Vila Nova de Gaia, foi para tratar de assuntos da sua actividade de mediação de seguros, na agência local da Companhia de Seguros Y………. .
10 – Que nenhum dos 2º a 7º demandantes, passava mais que uma semana sem que visitasse a casa do J………. . 
11 – Que a 1ª demandante deixou de ter interesse pela vida, não tem interesse em se arranjar, nem em confeccionar as suas refeições ou preparar os lanches, almoço e jantares que, antes do acidente, ansiava poder fazer para os filhos e netos.
12 – Que desde o acidente, a 1ª demandante despende na aquisição de produtos – couves, pencas, cebolas, alhos, batatas ervilhas, favas, etc., mais de €75,00 por mês.
13 – Que agora, a 1ª demandante, já não quer receber os seus netos em sua casa, porque diz que não tem o afecto, a atenção e a paciência para cuidar deles, não conseguindo suportar o mínimo barulho que façam.
14 – Que a casa está desarrumada e as refeições não são feitas a tempo e horas, por falta de iniciativa da 1ª demandante.
Não se provou qualquer outro facto susceptível de influir na decisão da causa.

2.2. Matéria de direito
Estão em causa dois recursos da sentença final, restritos ao pedido de indemnização civil, sendo que o dos demandantes foi interposto e admitido como recurso subordinado, nos termos do artigo 404º do CPP. 
Apreciaremos em primeiro lugar o recurso principal, interposto pela Companhia de Seguros “X………., SA”, começando por analisar a impugnação da matéria de facto e, de seguida, a alegada culpa da vítima na produção do acidente. Finalmente, apreciaremos conjuntamente ambos os recursos (principal e subordinado), na parte relativa ao montante dos danos morais fixados na decisão recorrida, uma vez que as questões suscitadas são idênticas. 

i) Modificação da matéria de facto
A Seguradora/recorrente entende que os itens 1, 2, 4, 6 e 11 dos “factos provados” contêm matéria conclusiva e juízos de valor, os quais devem ser expurgados da referida matéria de facto. 

Vejamos cada um deles:

a) No n.º 1 dos “factos provados”, a decisão recorrida deu como assente o seguinte: 
“1 – No dia 5 de Julho de 2004, cerca das 11H30 da manhã, o arguido B………. conduzia o autocarro de matrícula RN-..-.., pesado de passageiros, no sentido Porto/Espinhaço e, quando entrou na rotunda que faz a ligação da E.N. … para a Rua ………., fê-lo imprimindo ao mesmo um andamento rápido de mais e por isso inadequado ao local (rotunda), curvando de forma brusca para a esquerda, não tendo em atenção que a vítima já se tinha levantado e se aproximava da porta da saída dos passageiros, a qual, desde a paragem anterior, permanecia aberta.”

A recorrente entende que são conclusivas e constituem juízos de valor as seguintes expressões: 

- “imprimindo ao mesmo um andamento rápido demais”. 
Neste aspecto, a recorrente tem razão. Na verdade, o que se afirma é um conceito relativo e conclusivo que há-de ser extraído da velocidade a que seguia o veículo e das condições concretas da estrada. 

- “inadequado ao local”. 
Também aqui a recorrente tem razão, pelos motivos acima referidos. 

- “curvando de forma brusca”. 
A recorrente não tem razão. A brusquidão é um conceito factual que relata a mudança inopinada de direcção (curva). Tal mudança pode ser feita de forma “lenta” ou “brusca”. A qualificação da manobra como “curvando de forma brusca” quer dizer que não houve uma travagem gradual na aproximação à curva e que se iniciou a manobra inopinadamente. 

Assim, devem ter-se por não escritas no referido ponto 1) as expressões que qualificam o andamento do veículo como rápido demais e inadequado ao local, ficando a constar a seguinte redacção: 

“1 – No dia 5 de Julho de 2004, cerca das 11H30 da manhã, o arguido B………. conduzia o autocarro de matrícula RN-..-.., pesado de passageiros, no sentido Porto/Espinhaço e, quando entrou na rotunda que faz a ligação da E.N. … para a Rua ………., fê-lo curvando de forma brusca para a esquerda, não tendo em atenção que a vítima já se tinha levantado e se aproximava da porta da saída dos passageiros, a qual, desde a paragem anterior, permanecia aberta.”

b) No ponto 2 dos factos provados, a decisão recorrida disse:
“2 – A manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava, provocaram o desequilíbrio da vítima J………., levando-o a cair para o lado direito no sentido da porta que se encontrava aberta e ser projectado por esta para o exterior do veículo vindo a estatelar-se no solo”

A recorrente entende que não se sabe o sentido em que o veículo seguia e é conclusivo afirmar-se que “a manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava provocaram o desequilibro da vítima”, sendo que nenhuma testemunha o referiu. 

Não tem, a nosso ver, qualquer razão. 

O “desequilíbrio” é uma consequência de outros factos, é certo, mas não é um juízo conclusivo no sentido de depender apenas da prova de factos instrumentais, sem poder apreender-se com autonomia. Pode efectivamente, em termos empíricos, falar-se no desequilíbrio de um passageiro, provocado pelo movimento brusco de um autocarro a curvar. Foi esse aspecto que a sentença deu como provado. 
O argumento de que nenhuma testemunha o referiu, é inócuo, pois a ligação do desequilíbrio de um passageiro (que segue de pé num autocarro) a uma curva brusca, corresponde às máximas da experiência comum – sendo portanto possível e plausível a convicção do julgador nessa matéria, ainda que nenhuma testemunha tivesse visto o concreto momento do desequilíbrio. 

c) O ponto 4 dos factos provados diz o seguinte:
“4 – O acidente foi provocado pela falta de cuidado do condutor que não fechou a porta de saída dos passageiros e porque entrou na rotunda em velocidade superior à exigível pelas características rodoviárias do local, sabendo que entretanto o passageiro J………. se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás.”  

A recorrente entende que é conclusivo dizer-se que o “acidente foi provocado pela falta de cuidado do condutor” e “porque entrou na rotunda em velocidade superior à exigida pelas características rodoviárias do local”. 

Tem razão a recorrente. 

A matéria de facto relevante é apenas a que descreve a situação, ou seja, a que se refere ao facto de o arguido não ter fechado a porta de saída dos passageiros desde a última paragem e ao conhecimento de que o passageiro J……… se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás. As demais considerações podem estar certas ou erradas, mas não são factos. Devem assim considerar-se não escritas as expressões em causa, ficando o referido artigo limitado à descrição factual: 
“4. O condutor não fechou a porta de saída dos passageiros e entrou na rotunda sabendo que entretanto o passageiro J………. se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás”  

d) No ponto 6 da matéria de facto deu-se como provado o seguinte: 
“6 – O acidente ficou assim a dever-se ao facto de o condutor não ter tomado as devidas precauções, tendo em atenção as específicas características do transporte que realizava (transporte colectivo de passageiros), a exigir de si especiais cuidados que no caso concreto não observou, nomeadamente, no que diz respeito ao ter circulado sem previamente ter fechado a porta de saída dos passageiros e à velocidade inadequada que imprimiu ao autocarro aquando do acidente.”

A recorrente entende que a referência às “devidas precauções” e “especiais cuidados” é conclusiva. Também aqui tem razão, pelo que o ponto 6 passará a ter a seguinte redacção: 
“6 - O acidente ficou assim a dever-se ao facto de o condutor, tendo em atenção as específicas características do transporte que realizava (transporte colectivo de passageiros), ter circulado sem previamente ter fechado a porta de saída dos passageiros e à velocidade que imprimiu ao autocarro aquando do acidente.”

e) O ponto 11 dos factos provados tem seguinte redacção: 
“11 – O J………., embora com 79 anos de idade, era pessoa saudável, com uma vida plena de actividade”. 

A recorrente entende que não pode considerar-se provado que a vítima era uma pessoa saudável e que a expressão “vida plena de actividade” é conclusiva. 

Quanto ao primeiro aspecto, argumenta a recorrente com o constante do relatório da autópsia (ausência de vesícula biliar, aorta com placas de ateroma, aderência visceral e parietal em toda a superfície do pulmão esquerdo e lesões nos rins). Neste aspecto e na medida das descrições constantes do relatório da autópsia, a recorrente tem razão. Assim, deve considerar-se assente a factualidade resultante do relatório de autópsia de fls. 41 e seguintes, onde se dá conta que a vítima apresentava placas de ateroma na aorta; ausência de vesícula biliar por colecistectomia não recente; quisto urinoso no pólo superior do rim direito e esquerdo. 
Quanto a uma “vida plena de actividade”, entendemos que o facto não é meramente conclusivo, representando antes um estádio geral de vivência, perceptível pelas pessoas com quem se convive. Uma vida plena de actividade é, neste sentido, uma vida activa em função da respectiva idade. 

Deve em consequência ser modificado o ponto 11, ficando com a seguinte redacção:
“11 – O J………., embora com 79 anos de idade, tinha uma vida plena de actividade”

f) No que respeita ao ponto 22, a sentença deu como provado o seguinte: 
“22 – A 1ª denunciante, por causa do desgosto que sofreu com a morte do J………. perdeu peso, anda em consultas de psiquiatria e está a tomar medicamentos para conseguir dormir”

Diz a recorrente que nenhuma testemunha referiu que a mesma anda em consultas de psiquiatria, sendo que o próprio cunhado (Dr. L……….) referiu que não sabia se a denunciante teve acompanhamento psiquiátrico. 

Contudo, não foi bem assim que as coisas se passaram. 
Na fundamentação da matéria de facto, é referido o depoimento do Dr. L………., médico e cunhado da demandante: “ …a assistente chegou a ser medicada com antidepressivos e tomava medicamentos para conseguir dormir. A mesma ainda não conseguiu ultrapassar a dor, referindo-lhe que não se importava de ter morrido.” 
Não tem assim razão de ser a crítica da recorrente, ao invocar o depoimento desta testemunha, dizendo ignorar se a mesma teve ou não acompanhamento psiquiátrico. Ser medicada com antidepressivos é, bem vistas as coisas, acompanhamento psiquiátrico, já que os antidepressivos se destinam a patologias do foro psiquiátrico. Daí que o ataque à convicção do julgador não tenha consistência, pois não é totalmente fiel aos depoimentos invocados. Perante o depoimento invocado na fundamentação (de que demandante foi medicada com antidepressivos e tomava medicamentos para conseguir dormir), julgamos possível e plausível a convicção do julgador no que respeita ao ponto 22. 

g) Pretende ainda a recorrente que se considerem provados os seguintes factos: 
“a) O J………. levantou-se do local onde ia sentado e dirigiu-se para a porta traseira do RN, com este veículo em andamento; 
b) O autocarro dispunha de varões na porta de saída, para os passageiros se segurarem; 
c) O autocarro parou mal o arguido ouviu gritos; 
d) O J………. apresentava placas de ateroma na aorta, aderências fibrosas da pleura visceral e parietal em toda a superfície do pulmão esquerdo e lesões dos rins; 
e) O J………. apresentava ausência de vesícula biliar por colecistectomia; 
f) O J………. era de constituição esquelética “Anormal” e era doente”.

Tendo em atenção o que consta do relatório da autópsia de fls. 41 e seguintes, as alíneas d) e e) devem efectivamente dar-se como provadas, sendo que a alínea f) é conclusiva. 
Deve assim aditar-se um ponto à matéria de facto, com a seguinte redacção: 
“Dá-se por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o relatório da autópsia de fls. 41 a 48 dos autos, considerando-se provadas as descrições aí feitas sobre o estado físico da vítima”. 

Relativamente às alíneas a) b) e c) acima referidas, a recorrente invoca o depoimento do arguido e das testemunhas M.........., N………. e O………. (al. a); N………. (a. b). 
Quanto a estes pontos de facto – contrariamente aos relativos ao estado físico da vítima, cuja prova decorre do relatório da autópsia – a recorrente não apresenta os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do art. 412º, 3 do C. P. Penal. 
A recorrente não cumpriu o ónus do art. 412º, 4 CPP, especificando as provas (depoimentos, ou parte deles) que impunham decisão diversa da recorrida, fazendo-o por referência aos respectivos suportes magnéticos. 
Por outro lado, a convicção do julgador não evidencia qualquer erro notório na apreciação da prova, resultante do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, pelo que também se não verifica o vício previsto no art. 410º, 2 al. c) do C. P. Penal. 
Assim sendo, e porque a plausibilidade da convicção do julgador não foi destruída, impõe-se julgar, nesta parte, improcedente o recurso. 

ii) Culpa (também) da vítima na produção do acidente
Neste segmento do recurso, apreciaremos as questões suscitadas tendo em conta a alteração da matéria de facto, nos termos acima expostos.

No que respeita à alegada contribuição da vítima para o acidente, a recorrente conclui que esta e o arguido contribuíram em partes iguais na sua produção. Tal contribuição decorre, em seu entender, do seguinte quadro: “ (…) para o acidente contribuíram o arguido, ao circular com a porta traseira do autocarro aberta; bem como o infeliz J………., ao aproximar-se da porta de saída com o autocarro em andamento, sabendo que ele ia curvar à esquerda, com o risco de ser projectado, tanto mais que os seus reflexos, o equilíbrio e coordenação motora se encontravam afectados pela elevada taxa de álcool no sangue. E, finalmente, podia ter evitado a sua projecção se, como devia, se tivesse afastado da porta ou segurado no varão. A contribuição de ambos deve ser graduada em partes iguais”. 

Nos termos do art. 570º do C. Civil, quando o lesado tiver “concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesma excluída”. 

Para que seja aplicável este regime, é necessário assim que o lesado tenha contribuído para a produção do dano, ou seja, que entre o seu comportamento e o dano (no caso a morte) exista, antes de mais, um nexo de causalidade adequada. 

No presente caso, não existe causalidade adequada entre o comportamento da vítima (levantar-se com o autocarro em andamento e caminhar para a porta traseira) e a morte. 
Em primeiro lugar, não está provado que foi o facto de a vítima se ter levantado e caminhado para porta traseira que provocou o seu desequilíbrio, mas sim a entrada brusca na curva (cfr. ponto 2 dos factos provados, o qual não sofreu qualquer alteração, em consequência da impugnação da matéria de facto). Assim, o comportamento da vítima (levantar-se com o autocarro em andamento e caminhar para a porta traseira) não foi sequer causa adequada do desequilíbrio, pois este só se deu por intervenção de uma circunstância idónea: a entrada brusca na curva: “A manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava, provocaram o desequilíbrio da vítima (…) levando-a a cair para o lado direito no sentido da porta que se encontrava aberta e ser projectada por esta para o exterior do veículo, vindo a estatelar-se no solo” (ponto 2 dos factos provados). 
Não há, assim, nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o dano (morte). 
De resto, o que determinou no presente caso a morte da vítima, nem sequer foi o seu desequilíbrio, mas o facto de o autocarro circular com a porta de saída dos passageiros aberta. Se a porta estivesse fechada, o desequilíbrio da vítima provocaria apenas uma queda no autocarro, não tendo, nessa medida, aquela “idoneidade abstracta” para produzir o dano – EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, Coimbra, 1971, pág. 257. Na verdade, nem toda a condição pode considerar-se causa adequada do dano. “ (…) Há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado” VAZ SERRA, citado por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1982, pág. 547. Uma condição deixa de ser causa adequada, quando a mesma seja de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, Coimbra, 2005, pág. 894.

No caso dos autos, o comportamento da vítima não foi, como vimos, condição adequada nem da queda (devida a um desequilibro provocado pela entrada brusca do autocarro numa curva) nem da morte (devida à circunstância de o autocarro circular com a porta de saída dos passageiros aberta, permitindo a projecção da vítima para exterior, estatelando-se no solo). Não há assim qualquer contributo da acção da vítima para o processo causal que determinou a sua morte. 

Improcede, deste modo, a alegada situação de concorrência de culpas.

iii) Montante dos danos não patrimoniais
Relativamente aos danos não patrimoniais, a decisão recorrida fixou-os nos seguintes termos: 
- € 45.000,00, a título de dano morte;
- € 25.000,00, a título de dano moral sofrido pela viúva 
- €15.000,00, para cada um dos 6 filhos da vítima (danos morais por eles sofridos).

Quanto ao “dano morte”, a Jurisprudência do STJ tem vindo a fixar a respectiva indemnização entre os 6.000 e os 10.000 contos (€ 30.000,00 e € 50.000,00) – cfr. Acórdão de 26.3.98, Proc. nº 104/98, 10.000 contos; acórdão de 11.01.2000, Proc. n.º 1113/99, 7.000 contos; acórdão de 17.10.2000, Proc. nº 214/00, 6.000 contos; acórdão de 19.04.2001, Proc. n.º 832/01, 10.000 contos; acórdão de 05.07.2001, Proc. n.º 1478/01, 8.500 contos; acórdão de 27.09.2001, Proc. n.º 2118/01, 8.000 contos; acórdão de 30.10.2001, Proc. n.º 2900/01, 7.000 contos; acórdão de 15.01.2002, Proc. n.º 3952/01, 10.000 contos e acórdão de 28.05.02, Proc. n.º 920/02, 8.000 contos.
Atendendo aos valores seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal, ao facto de a vítima já ter 79 anos de idade e alguns problemas de saúde (descritos no relatório da autópsia e considerados provados) e ainda ao facto de o autor do dano (arguido) ter agido com mera culpa, julgamos que a compensação pela perda do bem supremo (vida) deverá, neste caso, aproximar-se dos 8.000 contos, ou seja, € 40.000,00 e, nesta medida, alterar a decisão recorrida. 

Pelo sofrimento próprio resultante da perda do marido e pai dos demandantes, julgamos também adequadas as quantias de € 25.000,00 e € 15.000,00 respectivamente. Com efeito, embora estes valores sejam sempre equitativamente fixados (art. 496º, 3 e remissão para o art. 494º do C. Civil), a dor e angústia provocadas pela perda do marido e pai constitui um sofrimento moral muito grande. A sua compensação com os valores monetários acima referidos é, assim, razoável. 

Quanto aos danos morais decorrentes do sofrimento da vítima, antes da morte, pretendem os demandantes (no âmbito do seu recurso subordinado) que o mesmo seja fixado em valor não inferior a € 20.000,00, invocando que “tem sido entendimento da nossa doutrina e jurisprudência que, em circunstâncias semelhantes, não poderá concluir-se que a morte não lhe causou qualquer dor ou sofrimento, visto não ter sido instantânea”.
A decisão recorrida entendeu que da factualidade provada não resultava que a vítima tivesse tido dores ou qualquer tipo de sofrimento entre o acidente e a morte, razão porque concluiu que nada era devido, a esse título.
Julgamos que a sentença decidiu com acerto. Na verdade, neste tipo de dano inclui-se o sofrimento sentido pela vítima no período que antecede a morte e a sua pré-ciência. Há em regra, neste espaço de tempo, todo um sofrimento e angústia que atingem elevado grau e, por isso, merecem compensação. 
Não foi o caso dos autos.
Da matéria de facto provada resulta que “O J………. após o acidente esteve internado no Serviço de Observações do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia por hemorragia cerebral, foi transferido da sala de ressuscitação onde efectuou um TAC cerebral que mostrou hemorragia subdural à direita, com efeito de massa, tendo dado entrada no referido Hospital em estado de coma tendo falecido no mesmo dia em OBS sem ter recuperado o estado de consciência. O falecido esteve sempre inconsciente entre o acidente e a morte” (pontos 30 e 31 dos factos provados).
Não é assim válido o argumento invocado, de que “não poderá concluir-se que a morte não lhe causou qualquer dor ou sofrimento, visto não ter sido instantânea”. É que embora a morte não tenha sido instantânea, não ficou provado que a vítima, durante as mais de 4 horas que mediaram entre o acidente e a morte tivesse tido dores ou qualquer outro tipo de sofrimento (esteve sempre inconsciente entre o acidente e a morte).
Assim, mantém-se nesta parte a decisão recorrida. 

Deste modo, e relativamente aos danos morais, impõe-se julgar improcedente o recurso subordinado dos demandantes e parcialmente procedente o recurso da Seguradora, na parte relativa ao montante da indemnização devida a título de “dano morte”, cujo montante se fixa em € 40.000,00 (quarenta mil euros).

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso principal da demandada civil “Companhia de Seguros X………., SA”, quanto a alguns aspectos da impugnação da matéria de facto, nos termos acima expostos, e quanto ao montante da indemnização devida a título de “dano morte”, cujo montante se fixa em € 40.000,00 (quarenta mil euros), revogando nesta parte a decisão recorrida.
b) Negar provimento ao recurso subordinado das demandantes C………. e outros. 
c) Manter, no mais, a decisão recorrida.
Custas pela Seguradora e demandantes, na proporção dos respectivos decaimentos. 

Porto, 10 de Janeiro de 2007
Élia Costa de Mendonça São Pedro
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
José Manuel Baião Papão

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi julgado em processo comum (n.º …/04.2GFVNG) e perante tribunal singular, o arguido B………., identificado nos autos, tendo sido proferida a seguinte decisão: “A - Decisão Penal Pelo exposto, decido: a) Absolver o arguido B………., pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no artigo 137º, nº2 do Código Penal b) Condenar o arguido B………., pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no artigo 137º, nº 1 do Código Penal, por referência às disposições dos artigos 12º, nº 1; 24º, nº 1, 25º, nº 1, alínea f) e 53º, nº 1, todos do Código da Estrada, revisto pelo D.L. nº 2/98, de 3/1 e actualmente com a redacção introduzida pelo D.L. nº 265-A/2001, de 28/09, na pena de 1 (um) ano de prisão. Decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. O arguido vai, ainda, condenado nas custas do processo (…) B) - Decisão Civil Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes C………., D………., E………., F………., G………., H……….a e I………. e, em consequência, condenar a demandada “Companhia de Seguros X………., SA”, a pagar a quantia global de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), a título de danos de natureza não patrimonial, sendo € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a título de dano de morte, € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de dano sofrido pela 1ª demandante, C………. e € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de dano sofrido pelos 2º a 7º demandantes, D………., E………., F………., G………., H………. e I………., acrescida de juros à taxa legal de 4%, nos termos dos artigos 559º, nº 1, 805º, nº 3 e 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Abril, liquidados a partir da data da presente sentença, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do S.T.J. nº 4/02, D.R., Iª Série, de 27/06/02, uma vez que estes foram objecto de cálculo actualizado, sem prejuízo de eventuais alterações da taxa de juro, absolvendo no mais a demandada. As custas serão suportadas pelos demandantes e demandada, na proporção do respectivo decaimento. Notifique.” Inconformada com tal decisão, “no que ao pedido de indemnização civil diz respeito”, a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS X………., SA” recorreu para esta Relação, formulando (em síntese) as seguintes conclusões: - Devem ser expurgados da matéria conclusiva e de juízos de valor, os itens 1, 2, 4, 6 e 11 dos “factos provados”; - Devem eliminar-se os itens 11 e 12 dos “factos provados” da sentença; - Devem ser dados como provados os seguintes factos: a) O J………. levantou-se do local onde ia sentado e dirigiu-se para a porta traseira do RN, com este veículo em andamento; b) O autocarro dispunha de varões na porta de saída, para os passageiros se segurarem; c) O autocarro parou mal o arguido ouviu gritos; d) O J………. apresentava placas de ateromas na aorta, aderências fibrosas da pleura visceral e parietal em toda a superfície do pulmão esquerdo e lesões dos rins; e) O J………. apresentava ausência de vesícula biliar por colecistectomia; f) O J………. era de constituição esquelética “Anormal” e era doente; - De acordo com esta matéria provada, deve reconhecer-se que para o acidente contribuíram em partes iguais, o arguido e o infeliz J……….; - Deve reduzir-se para não mais de € 25.000,00 a indemnização da perda da vida; para não mais de € 12.000,00 a compensação da viúva pelos (seus) danos não patrimoniais próprios e para não mais de € 6.000,00 a compensação a cada um dos filhos, pelos (seus) danos não patrimoniais próprios. Notificados do despacho que admitiu o recurso interposto pela Seguradora, os demandantes C………. e outros interpuseram recurso subordinado da sentença, também na parte respeitante ao pedido cível, ao abrigo do disposto no art. 404º do CPP, formulando as seguintes conclusões: - O dano da morte deve ser valorizado em, pelo menos, € 50.000; - Entre o acidente e o momento da morte, o infeliz J………. esteve em estado de coma mais de 4 horas, tendo dores e sofrimento; - Esses danos devem ser indemnizados em valor não inferior a €20.000,00; - Os danos sofridos pela recorrente C………., com a morte do marido, devem ser indemnizados pelo valor de € 40.000,00. Quanto ao recurso interposto pela Seguradora, responderam concluindo pela sua improcedência. O Ex.º Procurador-geral Adjunto nesta Relação apôs o seu “visto”. Colhidos os vistos legais, procedeu-se à audiência de julgamento. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: Factos provados: “Com interesse directo e relevante para a decisão da causa, o tribunal tem por provada a factualidade que se segue: 1 – No dia 5 de Julho de 2004, cerca das 11H30 da manhã, o arguido B………. conduzia o autocarro de matrícula RN-..-.., pesado de passageiros, no sentido Porto/Espinhaço e, quando entrou na rotunda que faz a ligação da E.N. … para a Rua ………, fê-lo imprimindo ao mesmo um andamento rápido de mais e por isso inadequado ao local (rotunda), curvando de forma brusca para a esquerda, não tendo em atenção que a vítima já se tinha levantado e se aproximava da porta da saída dos passageiros, a qual, desde a paragem anterior, permanecia aberta. 2 – A manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava, provocaram o desequilíbrio da vítima J………., levando-o a cair para o lado direito no sentido da porta que se encontrava aberta e ser projectado por esta para o exterior do veículo vindo a estatelar-se no solo. 3 – O local onde a vítima caiu situa-se mais ou menos na equidistância entre a entrada do autocarro na rotunda e a saída a seguir, numa parte mais funda da valeta, cerca de 15 metros antes do local da próxima paragem para saída e entrada de passageiros. 4 – O acidente foi provocado pela falta de cuidado do condutor que não fechou a porta de saída dos passageiros e porque entrou na rotunda em velocidade superior à exigível pelas características rodoviárias do local, sabendo que entretanto o passageiro J………. se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás. 5 – O arguido enquanto condutor da viatura de passageiros, sabia que, curvando bruscamente para a esquerda poderia provocar o desequilíbrio do passageiro e que o mesmo poderia cair, como caiu pela porta que se encontrava aberta, causando-lhe as lesões crânio-encefálicas descritas no relatório de autópsia e que foram causa directa e necessária da sua morte. 6 – O acidente ficou assim a dever-se ao facto de o condutor não ter tomado as devidas precauções, tendo em atenção as específicas características do transporte que realizava (transporte colectivo de passageiros), a exigir de si especiais cuidados que no caso concreto não observou, nomeadamente, no que diz respeito ao ter circulado sem previamente ter fechado a porta de saída dos passageiros e à velocidade inadequada que imprimiu ao autocarro aquando do acidente. 7 – A responsabilidade civil decorrente da circulação rodoviária do veículo pesado de passageiros com a matrícula RN-..-.. havia sido transferida para a Companhia de Seguros X………., S.A. através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ……… . 8 - O falecido J………. era casado no regime de comunhão geral de bens com a 1ª demandante C………, em primeiras núpcias de ambos e era pai dos 2º a 7º demandantes, D………., E………., F………., G………., H………. e I………., sendo estes os seus únicos e universais herdeiros. 9 – O J…….. não conheceu a morte de imediato, tendo sido socorrido no local pela equipa médica do INEM e, posteriormente foi transportado pelos Bombeiros Sapadores de Vila Nova de Gaia para o Hospital, onde ficou internado. 10 – O J………. veio a falecer, no Hospital, eram 15 horas e 45 minutos. 11 – O J………., embora com 79 anos de idade, era pessoa saudável, com uma vida plena de actividade. 12 – Embora reformado, o J………. tratava de assuntos relacionados com seguros. 13 – Era também o J……… quem tratava, nas horas vagas, do seu quintal, plantando e colhendo produtos hortícolas com que abastecia a sua casa e a casa dos seus filhos. 14 – Era uma pessoa muito metódica e organizada, preparando com tempo todas as suas tarefas, incluindo a gestão e administração de todos os assuntos económicos do casal. 15 – Entre o J………. e a 1ª demandante havia um casamento que já durava, há mais de 57 anos, sendo o convívio entre ambos, salutar e de cooperação mútua, o que também acontecia com os filhos. 16 – A casa do J………. e da 1ª demandante estava sempre aberta para o convívio com os filhos, o seu cônjuges e os netos. 17 – O Sábado e o Domingo eram os dias escolhidos pelos filhos para visitar o J………. e a 1ª demandante, sendo muitas as vezes que se encontravam a lanchar, almoçar ou jantar, alguns dos demandantes e suas famílias. 18 – Antes do acidente, a 1ª demandante era uma pessoa alegre, comunicativa e afável, após o acidente, a mesma passou a ser uma pessoa triste, que se sente sozinha na vida, referindo que preferia ter sido ela a morrer e que não consegue ultrapassar a dor que sente por ter perdido, de forma tão brutal e violenta, o seu companheiro de toda a vida. 19 – Ainda hoje a 1ª demandante recorda todos os pormenores como foi chamada ao local do acidente e a aflição que sentiu quando lhe disseram que era o marido que estava a ser transportado para o Hospital. 20 – A 1ª demandante, ainda hoje, não consegue passar pelo local onde se deu o acidente sem que lhe venham à memória todos os sofrimentos da irreparável perda do seu ente mais querido. 21 – A 1ª demandante deixou de se interessar pelo cultivo do quintal, deixando de aí retirar quaisquer produtos. 22 – A 1ª denunciante, por causa do desgosto que sofreu com a morte do J………. perdeu peso, anda em consultas de psiquiatria e está a tomar medicamentos para conseguir dormir. 23 – Cada um, dos 2º a 7º demandantes, também sofreu muito com a morte do seu pai, deixaram de ter os alegres convívios que eram habituais em casa dos seus pais, deixaram de ter os seus conselhos, a quem antes do acidente, recorriam com frequência e deixaram de receber os produtos que ele cultivava no quintal e que, com carinho e afecto fazia questão de dar a cada um deles. 24 – Os 2º a 7º demandantes também sofrem com o sofrimento que a 1ª demandante tem após a morte do J………. . 25 – Os seus pais, antes do acidente, pediam aos 2º a 7º demandantes para lhes deixarem os netos, durante o dia, aos fins-de-semana e nas férias escolares, o que ainda fazem. 26 – Os 2º a 7º demandantes, quando se encontram, a primeira recordação que lhes vem à cabeça é a morte do pai, olhando de forma triste uns para os outros, recordando o momento trágico da morte do pai. 27 – Cada vez mais, os 2º a 7º demandantes sentem que têm de apoiar a 1ª demandante, tentando mostrar-lhe uma alegria que não têm, e executando algumas das tarefas que antes eram executadas por ela própria e pelo J………. . 28 – São os 2º a 7º demandantes quem gere os dinheiros, contas e as obrigações legais da 1ª denunciante, antes do acidente era o J……… quem, com muito método e cuidado o fazia sozinho. 29 – A análise feita ao sangue do marido e pai dos demandantes acusou uma TAS de 1,06 g/l. 30 - O J………. após o acidente esteve internado no Serviço de Observações do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia por hemorragia cerebral, foi transferido da sala de ressuscitação onde efectuou um TAC cerebral que mostrou hemorragia subdural à direita, com efeito de massa, tendo dado entrada no referido Hospital em estado de coma tendo falecido no mesmo dia em OBS sem ter recuperado o estado de consciência. 31 – O falecido esteve sempre inconsciente entre o acidente e a morte. 32 – O arguido é motorista profissional e circulava pelo local onde o acidente ocorreu habitualmente, tendo perfeito conhecimento do respectivo percurso. 33 – O arguido aufere com tal actividade mensalmente o montante de 560,00 Euros. 34 – O arguido vive com uma companheira em casa desta, que se encontra desempregada e aufere a título de subsídio o montante mensal equivalente ao salário mínimo nacional. 35 – O arguido possui o 9º ano de escolaridade. 36 – O arguido conduz desde os 20 anos de idade. 37 – Do certificado de registo criminal do arguido nada consta. Factos não provados: 1 – Que ao sair do autocarro, J………. desequilibrou-se e caiu desamparado, batendo com a cabeça no chão, em virtude do estado de alcoolismo em que se encontrava e que afectava a sua capacidade de equilíbrio e concentração. 2 – Que o autocarro dispunha junto à porta de saída, de um varão para os passageiros se segurarem, impedindo a sua queda o que o J………. não fez, ao aproximar-se da porta de saída. 3 – Que estava comprometida a saúde e longevidade do J……….. 4 – Que o arguido fez uma condução cuidadosa, não podendo de forma nenhuma ter imprimindo uma marcha rápida ao autocarro. 5 – Que a vítima J………. ter-se-á desequilibrado porque ao aproximar-se da porta tentou apanhar uma pasta que entretanto terá deixado cair. 6 – Que para tal desequilíbrio e queda, terá contribuído, não a falta de atenção do arguido, mas o estado de embriaguez da vítima. 7 – Que durante as mais de 4 horas, entre o acidente e a morte, o J………. debateu-se com o horror da morte que lhe pareceu inevitável. 8 – Que o J………. continuava a exercer a actividade de mediador de seguros por conta própria. 9 – Que a deslocação, que no próprio dia do acidente, tinha efectuado ao centro de Vila Nova de Gaia, foi para tratar de assuntos da sua actividade de mediação de seguros, na agência local da Companhia de Seguros Y………. . 10 – Que nenhum dos 2º a 7º demandantes, passava mais que uma semana sem que visitasse a casa do J………. . 11 – Que a 1ª demandante deixou de ter interesse pela vida, não tem interesse em se arranjar, nem em confeccionar as suas refeições ou preparar os lanches, almoço e jantares que, antes do acidente, ansiava poder fazer para os filhos e netos. 12 – Que desde o acidente, a 1ª demandante despende na aquisição de produtos – couves, pencas, cebolas, alhos, batatas ervilhas, favas, etc., mais de €75,00 por mês. 13 – Que agora, a 1ª demandante, já não quer receber os seus netos em sua casa, porque diz que não tem o afecto, a atenção e a paciência para cuidar deles, não conseguindo suportar o mínimo barulho que façam. 14 – Que a casa está desarrumada e as refeições não são feitas a tempo e horas, por falta de iniciativa da 1ª demandante. Não se provou qualquer outro facto susceptível de influir na decisão da causa. 2.2. Matéria de direito Estão em causa dois recursos da sentença final, restritos ao pedido de indemnização civil, sendo que o dos demandantes foi interposto e admitido como recurso subordinado, nos termos do artigo 404º do CPP. Apreciaremos em primeiro lugar o recurso principal, interposto pela Companhia de Seguros “X………., SA”, começando por analisar a impugnação da matéria de facto e, de seguida, a alegada culpa da vítima na produção do acidente. Finalmente, apreciaremos conjuntamente ambos os recursos (principal e subordinado), na parte relativa ao montante dos danos morais fixados na decisão recorrida, uma vez que as questões suscitadas são idênticas. i) Modificação da matéria de facto A Seguradora/recorrente entende que os itens 1, 2, 4, 6 e 11 dos “factos provados” contêm matéria conclusiva e juízos de valor, os quais devem ser expurgados da referida matéria de facto. Vejamos cada um deles: a) No n.º 1 dos “factos provados”, a decisão recorrida deu como assente o seguinte: “1 – No dia 5 de Julho de 2004, cerca das 11H30 da manhã, o arguido B………. conduzia o autocarro de matrícula RN-..-.., pesado de passageiros, no sentido Porto/Espinhaço e, quando entrou na rotunda que faz a ligação da E.N. … para a Rua ………., fê-lo imprimindo ao mesmo um andamento rápido de mais e por isso inadequado ao local (rotunda), curvando de forma brusca para a esquerda, não tendo em atenção que a vítima já se tinha levantado e se aproximava da porta da saída dos passageiros, a qual, desde a paragem anterior, permanecia aberta.” A recorrente entende que são conclusivas e constituem juízos de valor as seguintes expressões: - “imprimindo ao mesmo um andamento rápido demais”. Neste aspecto, a recorrente tem razão. Na verdade, o que se afirma é um conceito relativo e conclusivo que há-de ser extraído da velocidade a que seguia o veículo e das condições concretas da estrada. - “inadequado ao local”. Também aqui a recorrente tem razão, pelos motivos acima referidos. - “curvando de forma brusca”. A recorrente não tem razão. A brusquidão é um conceito factual que relata a mudança inopinada de direcção (curva). Tal mudança pode ser feita de forma “lenta” ou “brusca”. A qualificação da manobra como “curvando de forma brusca” quer dizer que não houve uma travagem gradual na aproximação à curva e que se iniciou a manobra inopinadamente. Assim, devem ter-se por não escritas no referido ponto 1) as expressões que qualificam o andamento do veículo como rápido demais e inadequado ao local, ficando a constar a seguinte redacção: “1 – No dia 5 de Julho de 2004, cerca das 11H30 da manhã, o arguido B………. conduzia o autocarro de matrícula RN-..-.., pesado de passageiros, no sentido Porto/Espinhaço e, quando entrou na rotunda que faz a ligação da E.N. … para a Rua ………., fê-lo curvando de forma brusca para a esquerda, não tendo em atenção que a vítima já se tinha levantado e se aproximava da porta da saída dos passageiros, a qual, desde a paragem anterior, permanecia aberta.” b) No ponto 2 dos factos provados, a decisão recorrida disse: “2 – A manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava, provocaram o desequilíbrio da vítima J………., levando-o a cair para o lado direito no sentido da porta que se encontrava aberta e ser projectado por esta para o exterior do veículo vindo a estatelar-se no solo” A recorrente entende que não se sabe o sentido em que o veículo seguia e é conclusivo afirmar-se que “a manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava provocaram o desequilibro da vítima”, sendo que nenhuma testemunha o referiu. Não tem, a nosso ver, qualquer razão. O “desequilíbrio” é uma consequência de outros factos, é certo, mas não é um juízo conclusivo no sentido de depender apenas da prova de factos instrumentais, sem poder apreender-se com autonomia. Pode efectivamente, em termos empíricos, falar-se no desequilíbrio de um passageiro, provocado pelo movimento brusco de um autocarro a curvar. Foi esse aspecto que a sentença deu como provado. O argumento de que nenhuma testemunha o referiu, é inócuo, pois a ligação do desequilíbrio de um passageiro (que segue de pé num autocarro) a uma curva brusca, corresponde às máximas da experiência comum – sendo portanto possível e plausível a convicção do julgador nessa matéria, ainda que nenhuma testemunha tivesse visto o concreto momento do desequilíbrio. c) O ponto 4 dos factos provados diz o seguinte: “4 – O acidente foi provocado pela falta de cuidado do condutor que não fechou a porta de saída dos passageiros e porque entrou na rotunda em velocidade superior à exigível pelas características rodoviárias do local, sabendo que entretanto o passageiro J………. se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás.” A recorrente entende que é conclusivo dizer-se que o “acidente foi provocado pela falta de cuidado do condutor” e “porque entrou na rotunda em velocidade superior à exigida pelas características rodoviárias do local”. Tem razão a recorrente. A matéria de facto relevante é apenas a que descreve a situação, ou seja, a que se refere ao facto de o arguido não ter fechado a porta de saída dos passageiros desde a última paragem e ao conhecimento de que o passageiro J……… se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás. As demais considerações podem estar certas ou erradas, mas não são factos. Devem assim considerar-se não escritas as expressões em causa, ficando o referido artigo limitado à descrição factual: “4. O condutor não fechou a porta de saída dos passageiros e entrou na rotunda sabendo que entretanto o passageiro J………. se tinha levantado e se encaminhava para a porta de trás” d) No ponto 6 da matéria de facto deu-se como provado o seguinte: “6 – O acidente ficou assim a dever-se ao facto de o condutor não ter tomado as devidas precauções, tendo em atenção as específicas características do transporte que realizava (transporte colectivo de passageiros), a exigir de si especiais cuidados que no caso concreto não observou, nomeadamente, no que diz respeito ao ter circulado sem previamente ter fechado a porta de saída dos passageiros e à velocidade inadequada que imprimiu ao autocarro aquando do acidente.” A recorrente entende que a referência às “devidas precauções” e “especiais cuidados” é conclusiva. Também aqui tem razão, pelo que o ponto 6 passará a ter a seguinte redacção: “6 - O acidente ficou assim a dever-se ao facto de o condutor, tendo em atenção as específicas características do transporte que realizava (transporte colectivo de passageiros), ter circulado sem previamente ter fechado a porta de saída dos passageiros e à velocidade que imprimiu ao autocarro aquando do acidente.” e) O ponto 11 dos factos provados tem seguinte redacção: “11 – O J………., embora com 79 anos de idade, era pessoa saudável, com uma vida plena de actividade”. A recorrente entende que não pode considerar-se provado que a vítima era uma pessoa saudável e que a expressão “vida plena de actividade” é conclusiva. Quanto ao primeiro aspecto, argumenta a recorrente com o constante do relatório da autópsia (ausência de vesícula biliar, aorta com placas de ateroma, aderência visceral e parietal em toda a superfície do pulmão esquerdo e lesões nos rins). Neste aspecto e na medida das descrições constantes do relatório da autópsia, a recorrente tem razão. Assim, deve considerar-se assente a factualidade resultante do relatório de autópsia de fls. 41 e seguintes, onde se dá conta que a vítima apresentava placas de ateroma na aorta; ausência de vesícula biliar por colecistectomia não recente; quisto urinoso no pólo superior do rim direito e esquerdo. Quanto a uma “vida plena de actividade”, entendemos que o facto não é meramente conclusivo, representando antes um estádio geral de vivência, perceptível pelas pessoas com quem se convive. Uma vida plena de actividade é, neste sentido, uma vida activa em função da respectiva idade. Deve em consequência ser modificado o ponto 11, ficando com a seguinte redacção: “11 – O J………., embora com 79 anos de idade, tinha uma vida plena de actividade” f) No que respeita ao ponto 22, a sentença deu como provado o seguinte: “22 – A 1ª denunciante, por causa do desgosto que sofreu com a morte do J………. perdeu peso, anda em consultas de psiquiatria e está a tomar medicamentos para conseguir dormir” Diz a recorrente que nenhuma testemunha referiu que a mesma anda em consultas de psiquiatria, sendo que o próprio cunhado (Dr. L……….) referiu que não sabia se a denunciante teve acompanhamento psiquiátrico. Contudo, não foi bem assim que as coisas se passaram. Na fundamentação da matéria de facto, é referido o depoimento do Dr. L………., médico e cunhado da demandante: “ …a assistente chegou a ser medicada com antidepressivos e tomava medicamentos para conseguir dormir. A mesma ainda não conseguiu ultrapassar a dor, referindo-lhe que não se importava de ter morrido.” Não tem assim razão de ser a crítica da recorrente, ao invocar o depoimento desta testemunha, dizendo ignorar se a mesma teve ou não acompanhamento psiquiátrico. Ser medicada com antidepressivos é, bem vistas as coisas, acompanhamento psiquiátrico, já que os antidepressivos se destinam a patologias do foro psiquiátrico. Daí que o ataque à convicção do julgador não tenha consistência, pois não é totalmente fiel aos depoimentos invocados. Perante o depoimento invocado na fundamentação (de que demandante foi medicada com antidepressivos e tomava medicamentos para conseguir dormir), julgamos possível e plausível a convicção do julgador no que respeita ao ponto 22. g) Pretende ainda a recorrente que se considerem provados os seguintes factos: “a) O J………. levantou-se do local onde ia sentado e dirigiu-se para a porta traseira do RN, com este veículo em andamento; b) O autocarro dispunha de varões na porta de saída, para os passageiros se segurarem; c) O autocarro parou mal o arguido ouviu gritos; d) O J………. apresentava placas de ateroma na aorta, aderências fibrosas da pleura visceral e parietal em toda a superfície do pulmão esquerdo e lesões dos rins; e) O J………. apresentava ausência de vesícula biliar por colecistectomia; f) O J………. era de constituição esquelética “Anormal” e era doente”. Tendo em atenção o que consta do relatório da autópsia de fls. 41 e seguintes, as alíneas d) e e) devem efectivamente dar-se como provadas, sendo que a alínea f) é conclusiva. Deve assim aditar-se um ponto à matéria de facto, com a seguinte redacção: “Dá-se por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o relatório da autópsia de fls. 41 a 48 dos autos, considerando-se provadas as descrições aí feitas sobre o estado físico da vítima”. Relativamente às alíneas a) b) e c) acima referidas, a recorrente invoca o depoimento do arguido e das testemunhas M.........., N………. e O………. (al. a); N………. (a. b). Quanto a estes pontos de facto – contrariamente aos relativos ao estado físico da vítima, cuja prova decorre do relatório da autópsia – a recorrente não apresenta os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do art. 412º, 3 do C. P. Penal. A recorrente não cumpriu o ónus do art. 412º, 4 CPP, especificando as provas (depoimentos, ou parte deles) que impunham decisão diversa da recorrida, fazendo-o por referência aos respectivos suportes magnéticos. Por outro lado, a convicção do julgador não evidencia qualquer erro notório na apreciação da prova, resultante do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, pelo que também se não verifica o vício previsto no art. 410º, 2 al. c) do C. P. Penal. Assim sendo, e porque a plausibilidade da convicção do julgador não foi destruída, impõe-se julgar, nesta parte, improcedente o recurso. ii) Culpa (também) da vítima na produção do acidente Neste segmento do recurso, apreciaremos as questões suscitadas tendo em conta a alteração da matéria de facto, nos termos acima expostos. No que respeita à alegada contribuição da vítima para o acidente, a recorrente conclui que esta e o arguido contribuíram em partes iguais na sua produção. Tal contribuição decorre, em seu entender, do seguinte quadro: “ (…) para o acidente contribuíram o arguido, ao circular com a porta traseira do autocarro aberta; bem como o infeliz J………., ao aproximar-se da porta de saída com o autocarro em andamento, sabendo que ele ia curvar à esquerda, com o risco de ser projectado, tanto mais que os seus reflexos, o equilíbrio e coordenação motora se encontravam afectados pela elevada taxa de álcool no sangue. E, finalmente, podia ter evitado a sua projecção se, como devia, se tivesse afastado da porta ou segurado no varão. A contribuição de ambos deve ser graduada em partes iguais”. Nos termos do art. 570º do C. Civil, quando o lesado tiver “concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesma excluída”. Para que seja aplicável este regime, é necessário assim que o lesado tenha contribuído para a produção do dano, ou seja, que entre o seu comportamento e o dano (no caso a morte) exista, antes de mais, um nexo de causalidade adequada. No presente caso, não existe causalidade adequada entre o comportamento da vítima (levantar-se com o autocarro em andamento e caminhar para a porta traseira) e a morte. Em primeiro lugar, não está provado que foi o facto de a vítima se ter levantado e caminhado para porta traseira que provocou o seu desequilíbrio, mas sim a entrada brusca na curva (cfr. ponto 2 dos factos provados, o qual não sofreu qualquer alteração, em consequência da impugnação da matéria de facto). Assim, o comportamento da vítima (levantar-se com o autocarro em andamento e caminhar para a porta traseira) não foi sequer causa adequada do desequilíbrio, pois este só se deu por intervenção de uma circunstância idónea: a entrada brusca na curva: “A manobra brusca e o sentido em que o veículo curvava, provocaram o desequilíbrio da vítima (…) levando-a a cair para o lado direito no sentido da porta que se encontrava aberta e ser projectada por esta para o exterior do veículo, vindo a estatelar-se no solo” (ponto 2 dos factos provados). Não há, assim, nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o dano (morte). De resto, o que determinou no presente caso a morte da vítima, nem sequer foi o seu desequilíbrio, mas o facto de o autocarro circular com a porta de saída dos passageiros aberta. Se a porta estivesse fechada, o desequilíbrio da vítima provocaria apenas uma queda no autocarro, não tendo, nessa medida, aquela “idoneidade abstracta” para produzir o dano – EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, Coimbra, 1971, pág. 257. Na verdade, nem toda a condição pode considerar-se causa adequada do dano. “ (…) Há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado” VAZ SERRA, citado por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1982, pág. 547. Uma condição deixa de ser causa adequada, quando a mesma seja de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, Coimbra, 2005, pág. 894. No caso dos autos, o comportamento da vítima não foi, como vimos, condição adequada nem da queda (devida a um desequilibro provocado pela entrada brusca do autocarro numa curva) nem da morte (devida à circunstância de o autocarro circular com a porta de saída dos passageiros aberta, permitindo a projecção da vítima para exterior, estatelando-se no solo). Não há assim qualquer contributo da acção da vítima para o processo causal que determinou a sua morte. Improcede, deste modo, a alegada situação de concorrência de culpas. iii) Montante dos danos não patrimoniais Relativamente aos danos não patrimoniais, a decisão recorrida fixou-os nos seguintes termos: - € 45.000,00, a título de dano morte; - € 25.000,00, a título de dano moral sofrido pela viúva - €15.000,00, para cada um dos 6 filhos da vítima (danos morais por eles sofridos). Quanto ao “dano morte”, a Jurisprudência do STJ tem vindo a fixar a respectiva indemnização entre os 6.000 e os 10.000 contos (€ 30.000,00 e € 50.000,00) – cfr. Acórdão de 26.3.98, Proc. nº 104/98, 10.000 contos; acórdão de 11.01.2000, Proc. n.º 1113/99, 7.000 contos; acórdão de 17.10.2000, Proc. nº 214/00, 6.000 contos; acórdão de 19.04.2001, Proc. n.º 832/01, 10.000 contos; acórdão de 05.07.2001, Proc. n.º 1478/01, 8.500 contos; acórdão de 27.09.2001, Proc. n.º 2118/01, 8.000 contos; acórdão de 30.10.2001, Proc. n.º 2900/01, 7.000 contos; acórdão de 15.01.2002, Proc. n.º 3952/01, 10.000 contos e acórdão de 28.05.02, Proc. n.º 920/02, 8.000 contos. Atendendo aos valores seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal, ao facto de a vítima já ter 79 anos de idade e alguns problemas de saúde (descritos no relatório da autópsia e considerados provados) e ainda ao facto de o autor do dano (arguido) ter agido com mera culpa, julgamos que a compensação pela perda do bem supremo (vida) deverá, neste caso, aproximar-se dos 8.000 contos, ou seja, € 40.000,00 e, nesta medida, alterar a decisão recorrida. Pelo sofrimento próprio resultante da perda do marido e pai dos demandantes, julgamos também adequadas as quantias de € 25.000,00 e € 15.000,00 respectivamente. Com efeito, embora estes valores sejam sempre equitativamente fixados (art. 496º, 3 e remissão para o art. 494º do C. Civil), a dor e angústia provocadas pela perda do marido e pai constitui um sofrimento moral muito grande. A sua compensação com os valores monetários acima referidos é, assim, razoável. Quanto aos danos morais decorrentes do sofrimento da vítima, antes da morte, pretendem os demandantes (no âmbito do seu recurso subordinado) que o mesmo seja fixado em valor não inferior a € 20.000,00, invocando que “tem sido entendimento da nossa doutrina e jurisprudência que, em circunstâncias semelhantes, não poderá concluir-se que a morte não lhe causou qualquer dor ou sofrimento, visto não ter sido instantânea”. A decisão recorrida entendeu que da factualidade provada não resultava que a vítima tivesse tido dores ou qualquer tipo de sofrimento entre o acidente e a morte, razão porque concluiu que nada era devido, a esse título. Julgamos que a sentença decidiu com acerto. Na verdade, neste tipo de dano inclui-se o sofrimento sentido pela vítima no período que antecede a morte e a sua pré-ciência. Há em regra, neste espaço de tempo, todo um sofrimento e angústia que atingem elevado grau e, por isso, merecem compensação. Não foi o caso dos autos. Da matéria de facto provada resulta que “O J………. após o acidente esteve internado no Serviço de Observações do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia por hemorragia cerebral, foi transferido da sala de ressuscitação onde efectuou um TAC cerebral que mostrou hemorragia subdural à direita, com efeito de massa, tendo dado entrada no referido Hospital em estado de coma tendo falecido no mesmo dia em OBS sem ter recuperado o estado de consciência. O falecido esteve sempre inconsciente entre o acidente e a morte” (pontos 30 e 31 dos factos provados). Não é assim válido o argumento invocado, de que “não poderá concluir-se que a morte não lhe causou qualquer dor ou sofrimento, visto não ter sido instantânea”. É que embora a morte não tenha sido instantânea, não ficou provado que a vítima, durante as mais de 4 horas que mediaram entre o acidente e a morte tivesse tido dores ou qualquer outro tipo de sofrimento (esteve sempre inconsciente entre o acidente e a morte). Assim, mantém-se nesta parte a decisão recorrida. Deste modo, e relativamente aos danos morais, impõe-se julgar improcedente o recurso subordinado dos demandantes e parcialmente procedente o recurso da Seguradora, na parte relativa ao montante da indemnização devida a título de “dano morte”, cujo montante se fixa em € 40.000,00 (quarenta mil euros). 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam: a) Julgar parcialmente procedente o recurso principal da demandada civil “Companhia de Seguros X………., SA”, quanto a alguns aspectos da impugnação da matéria de facto, nos termos acima expostos, e quanto ao montante da indemnização devida a título de “dano morte”, cujo montante se fixa em € 40.000,00 (quarenta mil euros), revogando nesta parte a decisão recorrida. b) Negar provimento ao recurso subordinado das demandantes C………. e outros. c) Manter, no mais, a decisão recorrida. Custas pela Seguradora e demandantes, na proporção dos respectivos decaimentos. Porto, 10 de Janeiro de 2007 Élia Costa de Mendonça São Pedro António Eleutério Brandão Valente de Almeida Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves José Manuel Baião Papão