Processo:0733811
Data do Acordão: 12/09/2007Relator: FERNANDO BAPTISTATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – O DL nº 218/99, de 15.06, visando a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde, não contém um regime substantivo de responsabilidade civil, mas, antes, um regime processual para o aludido fim. II – Emergindo o crédito hospitalar de crime de ofensas à integridade física do assistido, o respectivo prazo prescricional não pode deixar de ser o previsto, para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, no art. 498º, nº3, do CC, tido em conta o disposto nos arts. 118º, nº1, al. c) e 143º, ambos do C. Penal.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0733811
Relator
FERNANDO BAPTISTA
Descritores
DÍVIDA HOSPITALAR PRAZO DE PRESCRIÇÃO
No do documento
Data do Acordão
09/13/2007
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA.
Sumário
I – O DL nº 218/99, de 15.06, visando a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde, não contém um regime substantivo de responsabilidade civil, mas, antes, um regime processual para o aludido fim. II – Emergindo o crédito hospitalar de crime de ofensas à integridade física do assistido, o respectivo prazo prescricional não pode deixar de ser o previsto, para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, no art. 498º, nº3, do CC, tido em conta o disposto nos arts. 118º, nº1, al. c) e 143º, ambos do C. Penal.
Decisão integral
Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto


I. RELATÓRIO:

No …º Juízo do Tribunal Judicialde Vila Real veio o HOSPITAL DE S. PEDRO - VILA REAL, instaurar contra B………………, residente na Rua ……., nº…. , ……., Alijó, acção declarativa com processo sumário, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe “944,583$00” (€ 4.711,56), relativos ao custo dos serviços de urgência e  internamento prestados ao réu.

Alegou, em síntese:
Que o R. agrediu C…………………, o qual foi admitido nos serviços de urgência daquela instituição hospitalar em 11/04/97, tendo ali permanecido internado até ao dia 18 desse mesmo mês.
Por via desta agressão correu termos autos de processo comum singular, que viriam a terminar por desistência de queixa do ofendido e com transacção quanto ao pedido de indemnização civil ali deduzido pelo mesmo.
Em contestação, veio o R. opor-se à pretensão do A. invocando para tanto que a dívida aqui peticionada já foi paga em Julho de 1997 e que, além disso, já prescreveu, por via do disposto no art. 498° do C.P.C.

Teve lugar uma audiência preliminar e foi elaborada a relação dos factos assente e a base instrutória (fls. 40/41), sem qualquer reclamação.

Teve lugar a audiência de julgamento (fls. 139), a pós a qual o tribunal respondeu à matéria de facto da base instrutória sem que houvesse qualquer reclamação (fls. 140).

Foi, de seguida, proferida sentença, julgando-se procedente a invocada excepção peremptória da prescrição do direito do autor, com a consequente absolvição do réu do pedido.

Inconformado com o sentenciado, recorreu o autor, apresentando alegações que remata com as seguintes 

“CONCLUSÕES:
1ª - A lide, na qual foi proferida a sentença apelada, tem por objecto um pedido de indemnização civil, fundado em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483°, n.°1, 495° n.° 2 , 562° e segs., todos do Código Civil e não, como se afirma na decisão recorrida, a cobrança de um direito de crédito, à luz do disposto no artigo 3°, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15/06.

2ª - Embora de forma ambígua/conclusiva, a Sentença apelada concluiu que o facto gerador da responsabilidade pelos encargos com a assistência hospitalar integra o crime de ofensas à integridade física simples punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 (três) anos, de onde resulta um prazo de prescrição de 5 (cinco) anos (artigos 10°, 143°, n.° 1 e 118°, n.° 1, alínea c), todos do Código Penal).

3ª - A sentença apelada ao julgar procedente a excepção da prescrição do direito do Autor/Recorrente, por aplicação do disposto no artigo 30, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15 de Junho, padece de erro na determinação da norma aplicável, pois que devia ter sido aplicada a norma constante no n.° 3, do artigo 498° do Código Civil, conjugada com o disposto nos artigos 10°, 143°, n.° 1 e 118°, n.° 1, alínea c), todos do Código Penal.

4ª - Além disso, a sentença apelada fez uma errada interpretação da norma constante no n.° 3 do artigo 498° do Código Civil, interpretação na qual sustenta a não aplicabilidade desta norma ao caso sub judice.

5ª - A norma do n.° 3, do artigo 498° do Código Civil deve ser interpretada no sentido de que a mesma aproveita ao lesado que prove, na acção cível, que o facto ilícito constitui crime com prazo de prescrição mais longo do que três anos (vide Ac. STJ de 08-03-2005 e Ac. STJ de 02-12-2004, ambos in www.dgsi.pt).

6ª - A agressão em causa nestes autos ocorreu em 11/04/1997. Proposta a acção em 31/10/2001, a prescrição tem-se por interrompida, consoante o n.° 2 do artigo 323° do Código Civil, no quinto dia subsequente, isto é em 05/11/2001, portanto antes de decorrido o prazo prescricional.

7ªª- Deve, assim, ser revogada a Sentença apelada e substituída por outra que, aplicando ao caso sub j udice a norma d o nº 3 do artigo 498° d o Código Civil, julgue improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito do Autor invocada pelo Réu/Recorrido.”

Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a única questão a resolver consiste em saber se deve considerar-se prescrito o direito indemizatório que o autor pretendia fazer valer na presente lide.

II. 2. OS FACTOS:

No tribunal recorrido deram-se como provados os seguintes factos:
- No dia 11 de Abril de 1997 foi admitido nos serviços de urgência do Hospital de S. Pedro, Vila Real, C………………...
- O que determinou o seu internamento no serviço de cirurgia deste Hospital onde permaneceu até ao dia 18 desse mesmo mês e ano.
- Os serviços competentes deste Hospital apuraram que a referida agressão era objecto de processo de inquérito n° …./97 que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Alijó.
- O aludido processo viria a concluir-se com a desistência de queixa crime apresentada pelo assistido C……………, mediante o pagamento pelo aqui R. da quantia de Esc. 150.000$00.
- O episódio de urgência e o internamento orçaram em Esc. 689.175$00 de acordo com os preços a aplicar pelos serviços e estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de, Saúde.
- As facturas supra referidas venciam-se 30 dias após a notificação para o pagamento.
- C…………. foi vítima de alegada agressão perpretada pelo R. dentro da casa do doente.

III. O DIREITO:

O apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

A questão suscitada consiste, como vimos, em saber se deve considerar-se prescrito o direito que o autor pretende fazer valer nesta lide.

Entendeu-se na sentença recorrida que o direito do autor prescreveu porque:
- primeiro, à data da instauração da acção já havia decorrido o prazo (prescricional) de três anos previsto no artº 3º do DL nº 218/99, de 15.6;
- Segundo, porque, mesmo constituindo crime o facto ilícito perpretado contra o réu e que determinou a prestação dos aludidos serviços hospitalares, nunca seria de aplicar o prazo previsto no artº 498º, nº 3 do CC, pois que tal prazo “apenas aproveita ao lesado directo e imediato com a prática do ilícito criminal”, e não à instituição hospitalar (a autora), pois que esta “não sofre um dano, na verdadeira acepção da palavra, já que apenas se limita a prestar um serviço que lhe foi solicitado por quem a procura”. 
Qui juris?

Parece manifesto que não assiste razão à decisão recorrida.
Com efeito, o autor alegou que os serviços de assistência prestados foram causados por uma “agressão, perpetrada pelo ora Réu, (…) …e em circunstâncias  que se desconhecem (…)”, bem assim que houve lugar a um inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de Aijó, que “terminou com uma desistência da queixa crime” apresentada pelo doente, C……………, mediante o pagamento de uma indemnização.
Como resultado de tal agressão, teve o C………………. que ser socorrido no Hospital autor, sendo que o respectivo “episódio de urgência e internamento” importou no montante de “689.175$00”, montante esse que, com os juros de mora, importava, à data da instauração da acção, nos “944.583$00” (€ 4.711,56), peticionados nesta acção.
Assim, portanto, alegou o autor, na petição inicial, factos integrantes de crime de ofensas à integridade física, p.p. pelo artº 143º CP.
E perante o exposto, facilmente se deduzirá que a causa de pedir da acção não é apenas e só a prestação de serviços de saúde ao agredido C……………….., mas, sim (também), o facto que motivou a prestação de tais serviços. E esse facto preenche uma situação de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito (ut  arts. 143º CP e 483º, 495º/2 e 562º segs. CC)(1).
Por isso, cremos que razão assiste à apelante, ao sustentar que -- diferentemente do que foi defendido na sentença -- a responsabilidade civil do demandado não assenta no artº 3º do Dec.-Lei nº 218/99, de 15.06, mas, sim, na responsabililidade civil extracontratual, em conformidae com os já citados normativos.
Com efeito, o aludido Dec.-Lei nº 218/99, visando a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde, não contém um regime substantivo de responsabilidade civil, mas, antes, um regime processual para o aludido fim.

Assente isto, parece evidente que, atenta a natureza dos factos geradores dos serviços prestados pelo autor-- e cujo ressarcimento ora pretende satisfazer --, o prazo prescricional a ter em conta no caso  sub judice não pode deixar de ser o previsto, para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, no artº 498º, nº3 CC. E tal prazo é de cinco anos -- como tal, superior ao previsto no nº 1 do mesmo artº 498º--, como claramente emerge dos factos provados (“o C…………… foi vítima de alegada agressão perpretada pelo R. dentro da casa do doente”), em conjugação com o estatuído nos arts. 143º e 118º, nº1, al.c), do C. Penal.

O prazo prescricional começa a contar do data em que o lesado “teve conhecimento do direito que lhe compete (…)” (cit. artº 498º/1CC)-- sendo certo que o Hospital autor não pode deixar de ser conciderado lesado, pois (como refere o apelante), é a própria lei a atribuir-lhe o direito a indemnização (cfr. artº 495º/2 CC-- sendo que o artº 6º do próprio Dec.- Lei nº  218/99, de 15.06, permite ao autor constituir-se parte civil no processo crime relativo ao facto que motivou a prestação dos cuidados de saúde, para lograr o ressarcimento das respectivas despesas).

Ora, tendo a agressão ocorrido em 11.04.1997 e o internamento no hospital autor decorrido até ao dia 18 desse mesmo mês e ano, seria nesta data que o aludido prazo começaria a correr. 
A acção foi instaurada em 31.10.2001 e o réu -- conforme ordenado por despacho de fls. 13 -- foi citado por carta registada com AR expedida em 12.12.2001 e recepcionada em 17.12.2001 (fls. 14).
Ora, como a citação interrompe o prazo prescricional (artº 323º/1 CC), tal significa que nessa data ainda faltava muito tempo para o decurso dos aludidos cinco anos necessários à prescrição.

É certo que, por despacho de fls. 16, por se ter dado conta de erro na forma de processo a Mmª Juiz a quo ordenou que os autos passassem a seguir a forma sumária, tendo, ainda, ordenado fosse feita nova citação do réu -- a qual que teve lugar a 06.05.2002 (cfr. fls. 19 -- logo, já depois dos aludidos cinco anos).
Acontece, porém, que a aludida alteração na forma do processo, com as aludidas consequências, diz respeito ao funcionamento de regras de natureza processual (e de organização judiciária). E estas não justificam uma imputação de culpa ao autor por eventuais atrasos que daí possam advir para a citação. 

Efectivamente, o dispositivo do artº 323º CC assenta como que numa presunção: a ideia de que a citação, normalmente, deverá estar feita dentro dos cinco dias subsequentes ao seu requerimento. Logo, o entendimento de que, decorridos estes cinco dias, a prescrição interrompe-se, não obstante a citação ocorrer posteriormente» (acórdão de 30 de Novembro de 1972, no Boletim do Ministério da justiça, n.- 221, pág. 222).
Simplesmente, a lei ressalva a hipótese de ser imputável ao requerente a causa dessa demora anormal.
E esta excepção é que é susceptível de provocar dúvidas, algo semelhantes às que anteriormente se suscitavam.
No entanto, cremos que a jurisprudência do STJ já adoptou uma linha de conduta: razões de orgânica judiciária, ou de índole processual (tal como razões atinentes ao regime tributário), não relevam para a imputabilidade do atraso ao requerente.
Será, v.g., além da situação em causa nestes autos (erro na forma de processo), o facto de decorrerem férias judiciais, a morosidade do andamento do processo, mesmo que o erro na indicação da residência dos réus e o deixar seguir a deprecada pelo correio tenham provocado perda de tempo (acórdão de 24 de Abril de 1979, no Boletim, n.° 286, pág. 252), ainda que se não tenha requerido citação antecipada, ou notificação judicial avulsa, ou pedido de citação telegráfica, nem pago o preparo imediatamente (acórdãos de 10 de Maio de 1979, 8 de Julho de 1980 e 13 de Novembro de 1980, no processo n.° 67 996, no Boletim, n.° 299, pág. 294, e no processo n.° 68 887), etc…

Por isso, não podemos deixar de dar razão ao apelante, pois a citação relevante para efeitos da prescrição do direito que pretende fazer valer com esta demanda é a ocorrida … em primeiro lugar.

Aliás, tendo a acção sido instaurada em 31.10.2001, cremos que o prazo de prescrição se deve, até, considerar interrompido logo que decorreram cinco dias após ter sido requerida a citação, uma vez que se não mostra que esta não teve lugar nesse prazo por causa imputável à requerente (cit. artº 323º, nº2 CC).
Assim, tal interrupção teve lugar em…05 de Novembro de 2001.

Perante a matéria de facto apurada -- e assente que a excepção da prescrição invocada pelo réu não procede --, é manifesto que a acção não pode deixar de proceder in integrum.
Com efeito, ficou provado que o autor prestou ao réu os serviços alegados na petição inicial e que os mesmos importaram no montante ali referido.
Igualmente se provou que as respectivas facturas (fls. 11 e 12) se venciam trinta dias após a notificação para pagamento -- logo vencendo juros de mora., por se tratar de prestação com prazo certo (ut artº 805º/2/a), CC).
Os normativos que sustentam o direito do autor já foram supra referenciados (CC e Dec.-Lei cit.), pelo que aqui nos dispensamos de os repetir.

Procede, assim, a questão suscitada pelo apelante -- e pretensão indemnizatória deduzida nesta demanda.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o réu no pedido.

Custas, em ambas as instâncias, pelo autor/apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido ( cfr. fls. 26).

Porto, 13 de Setembro de 2007
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves
_____________
(1) Acentuese que o autor alegou na acção o que tinha de alegar. E provou até mais do que lhe competia provar.
Com efeito, conforme art. 5º do DL 218/99, "nas acções para cobrança das dívidas de que trata o presente diploma, incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação dos cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro".
O DL 194/92 não continha qualquer norma deste género. Ela distingue entre o que o credor tem de alegar (o facto gerador da responsabilidade) e o que tem de provar (apenas a prestação dos cuidados de saúde).
Tratando-se de uma norma especial, ela não diz que cabe ao credor alegar e provar os factos constitutivos da responsabilidade civil extra-contratual (facto ilícito, dolo ou culpa, dano e nexo causal: art. 483 do CC), mas tão só: o facto gerador da responsabilidade pelos encargos. Ora, o facto gerador da responsabilidade pelos encargos é, aqui, a agressão de que o C…………foi vítima.  A expressão "facto gerador da responsabilidade" parece reportar-se mais ao facto ilícito e ao nexo causal que à culpa. Doutra forma, parece que o legislador teria falado em factos constitutivos da responsabilidade civil extra-contratual, pois ele bem sabia quais eram os problemas que se discutiam e pretendeu resolver.
Portanto, repete-se: o autor alegou tudo o que tinha de alegar; provou, porém, mais do que lhe competia (a prestação dos cuidados de saúde agressão, bem assim a própria agressão que os causou).

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No …º Juízo do Tribunal Judicialde Vila Real veio o HOSPITAL DE S. PEDRO - VILA REAL, instaurar contra B………………, residente na Rua ……., nº…. , ……., Alijó, acção declarativa com processo sumário, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe “944,583$00” (€ 4.711,56), relativos ao custo dos serviços de urgência e internamento prestados ao réu. Alegou, em síntese: Que o R. agrediu C…………………, o qual foi admitido nos serviços de urgência daquela instituição hospitalar em 11/04/97, tendo ali permanecido internado até ao dia 18 desse mesmo mês. Por via desta agressão correu termos autos de processo comum singular, que viriam a terminar por desistência de queixa do ofendido e com transacção quanto ao pedido de indemnização civil ali deduzido pelo mesmo. Em contestação, veio o R. opor-se à pretensão do A. invocando para tanto que a dívida aqui peticionada já foi paga em Julho de 1997 e que, além disso, já prescreveu, por via do disposto no art. 498° do C.P.C. Teve lugar uma audiência preliminar e foi elaborada a relação dos factos assente e a base instrutória (fls. 40/41), sem qualquer reclamação. Teve lugar a audiência de julgamento (fls. 139), a pós a qual o tribunal respondeu à matéria de facto da base instrutória sem que houvesse qualquer reclamação (fls. 140). Foi, de seguida, proferida sentença, julgando-se procedente a invocada excepção peremptória da prescrição do direito do autor, com a consequente absolvição do réu do pedido. Inconformado com o sentenciado, recorreu o autor, apresentando alegações que remata com as seguintes “CONCLUSÕES: 1ª - A lide, na qual foi proferida a sentença apelada, tem por objecto um pedido de indemnização civil, fundado em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483°, n.°1, 495° n.° 2 , 562° e segs., todos do Código Civil e não, como se afirma na decisão recorrida, a cobrança de um direito de crédito, à luz do disposto no artigo 3°, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15/06. 2ª - Embora de forma ambígua/conclusiva, a Sentença apelada concluiu que o facto gerador da responsabilidade pelos encargos com a assistência hospitalar integra o crime de ofensas à integridade física simples punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 (três) anos, de onde resulta um prazo de prescrição de 5 (cinco) anos (artigos 10°, 143°, n.° 1 e 118°, n.° 1, alínea c), todos do Código Penal). 3ª - A sentença apelada ao julgar procedente a excepção da prescrição do direito do Autor/Recorrente, por aplicação do disposto no artigo 30, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15 de Junho, padece de erro na determinação da norma aplicável, pois que devia ter sido aplicada a norma constante no n.° 3, do artigo 498° do Código Civil, conjugada com o disposto nos artigos 10°, 143°, n.° 1 e 118°, n.° 1, alínea c), todos do Código Penal. 4ª - Além disso, a sentença apelada fez uma errada interpretação da norma constante no n.° 3 do artigo 498° do Código Civil, interpretação na qual sustenta a não aplicabilidade desta norma ao caso sub judice. 5ª - A norma do n.° 3, do artigo 498° do Código Civil deve ser interpretada no sentido de que a mesma aproveita ao lesado que prove, na acção cível, que o facto ilícito constitui crime com prazo de prescrição mais longo do que três anos (vide Ac. STJ de 08-03-2005 e Ac. STJ de 02-12-2004, ambos in www.dgsi.pt). 6ª - A agressão em causa nestes autos ocorreu em 11/04/1997. Proposta a acção em 31/10/2001, a prescrição tem-se por interrompida, consoante o n.° 2 do artigo 323° do Código Civil, no quinto dia subsequente, isto é em 05/11/2001, portanto antes de decorrido o prazo prescricional. 7ªª- Deve, assim, ser revogada a Sentença apelada e substituída por outra que, aplicando ao caso sub j udice a norma d o nº 3 do artigo 498° d o Código Civil, julgue improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito do Autor invocada pelo Réu/Recorrido.” Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO II. 1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a única questão a resolver consiste em saber se deve considerar-se prescrito o direito indemizatório que o autor pretendia fazer valer na presente lide. II. 2. OS FACTOS: No tribunal recorrido deram-se como provados os seguintes factos: - No dia 11 de Abril de 1997 foi admitido nos serviços de urgência do Hospital de S. Pedro, Vila Real, C………………... - O que determinou o seu internamento no serviço de cirurgia deste Hospital onde permaneceu até ao dia 18 desse mesmo mês e ano. - Os serviços competentes deste Hospital apuraram que a referida agressão era objecto de processo de inquérito n° …./97 que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Alijó. - O aludido processo viria a concluir-se com a desistência de queixa crime apresentada pelo assistido C……………, mediante o pagamento pelo aqui R. da quantia de Esc. 150.000$00. - O episódio de urgência e o internamento orçaram em Esc. 689.175$00 de acordo com os preços a aplicar pelos serviços e estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de, Saúde. - As facturas supra referidas venciam-se 30 dias após a notificação para o pagamento. - C…………. foi vítima de alegada agressão perpretada pelo R. dentro da casa do doente. III. O DIREITO: O apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância. Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC). A questão suscitada consiste, como vimos, em saber se deve considerar-se prescrito o direito que o autor pretende fazer valer nesta lide. Entendeu-se na sentença recorrida que o direito do autor prescreveu porque: - primeiro, à data da instauração da acção já havia decorrido o prazo (prescricional) de três anos previsto no artº 3º do DL nº 218/99, de 15.6; - Segundo, porque, mesmo constituindo crime o facto ilícito perpretado contra o réu e que determinou a prestação dos aludidos serviços hospitalares, nunca seria de aplicar o prazo previsto no artº 498º, nº 3 do CC, pois que tal prazo “apenas aproveita ao lesado directo e imediato com a prática do ilícito criminal”, e não à instituição hospitalar (a autora), pois que esta “não sofre um dano, na verdadeira acepção da palavra, já que apenas se limita a prestar um serviço que lhe foi solicitado por quem a procura”. Qui juris? Parece manifesto que não assiste razão à decisão recorrida. Com efeito, o autor alegou que os serviços de assistência prestados foram causados por uma “agressão, perpetrada pelo ora Réu, (…) …e em circunstâncias que se desconhecem (…)”, bem assim que houve lugar a um inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de Aijó, que “terminou com uma desistência da queixa crime” apresentada pelo doente, C……………, mediante o pagamento de uma indemnização. Como resultado de tal agressão, teve o C………………. que ser socorrido no Hospital autor, sendo que o respectivo “episódio de urgência e internamento” importou no montante de “689.175$00”, montante esse que, com os juros de mora, importava, à data da instauração da acção, nos “944.583$00” (€ 4.711,56), peticionados nesta acção. Assim, portanto, alegou o autor, na petição inicial, factos integrantes de crime de ofensas à integridade física, p.p. pelo artº 143º CP. E perante o exposto, facilmente se deduzirá que a causa de pedir da acção não é apenas e só a prestação de serviços de saúde ao agredido C……………….., mas, sim (também), o facto que motivou a prestação de tais serviços. E esse facto preenche uma situação de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito (ut arts. 143º CP e 483º, 495º/2 e 562º segs. CC)(1). Por isso, cremos que razão assiste à apelante, ao sustentar que -- diferentemente do que foi defendido na sentença -- a responsabilidade civil do demandado não assenta no artº 3º do Dec.-Lei nº 218/99, de 15.06, mas, sim, na responsabililidade civil extracontratual, em conformidae com os já citados normativos. Com efeito, o aludido Dec.-Lei nº 218/99, visando a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde, não contém um regime substantivo de responsabilidade civil, mas, antes, um regime processual para o aludido fim. Assente isto, parece evidente que, atenta a natureza dos factos geradores dos serviços prestados pelo autor-- e cujo ressarcimento ora pretende satisfazer --, o prazo prescricional a ter em conta no caso sub judice não pode deixar de ser o previsto, para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, no artº 498º, nº3 CC. E tal prazo é de cinco anos -- como tal, superior ao previsto no nº 1 do mesmo artº 498º--, como claramente emerge dos factos provados (“o C…………… foi vítima de alegada agressão perpretada pelo R. dentro da casa do doente”), em conjugação com o estatuído nos arts. 143º e 118º, nº1, al.c), do C. Penal. O prazo prescricional começa a contar do data em que o lesado “teve conhecimento do direito que lhe compete (…)” (cit. artº 498º/1CC)-- sendo certo que o Hospital autor não pode deixar de ser conciderado lesado, pois (como refere o apelante), é a própria lei a atribuir-lhe o direito a indemnização (cfr. artº 495º/2 CC-- sendo que o artº 6º do próprio Dec.- Lei nº 218/99, de 15.06, permite ao autor constituir-se parte civil no processo crime relativo ao facto que motivou a prestação dos cuidados de saúde, para lograr o ressarcimento das respectivas despesas). Ora, tendo a agressão ocorrido em 11.04.1997 e o internamento no hospital autor decorrido até ao dia 18 desse mesmo mês e ano, seria nesta data que o aludido prazo começaria a correr. A acção foi instaurada em 31.10.2001 e o réu -- conforme ordenado por despacho de fls. 13 -- foi citado por carta registada com AR expedida em 12.12.2001 e recepcionada em 17.12.2001 (fls. 14). Ora, como a citação interrompe o prazo prescricional (artº 323º/1 CC), tal significa que nessa data ainda faltava muito tempo para o decurso dos aludidos cinco anos necessários à prescrição. É certo que, por despacho de fls. 16, por se ter dado conta de erro na forma de processo a Mmª Juiz a quo ordenou que os autos passassem a seguir a forma sumária, tendo, ainda, ordenado fosse feita nova citação do réu -- a qual que teve lugar a 06.05.2002 (cfr. fls. 19 -- logo, já depois dos aludidos cinco anos). Acontece, porém, que a aludida alteração na forma do processo, com as aludidas consequências, diz respeito ao funcionamento de regras de natureza processual (e de organização judiciária). E estas não justificam uma imputação de culpa ao autor por eventuais atrasos que daí possam advir para a citação. Efectivamente, o dispositivo do artº 323º CC assenta como que numa presunção: a ideia de que a citação, normalmente, deverá estar feita dentro dos cinco dias subsequentes ao seu requerimento. Logo, o entendimento de que, decorridos estes cinco dias, a prescrição interrompe-se, não obstante a citação ocorrer posteriormente» (acórdão de 30 de Novembro de 1972, no Boletim do Ministério da justiça, n.- 221, pág. 222). Simplesmente, a lei ressalva a hipótese de ser imputável ao requerente a causa dessa demora anormal. E esta excepção é que é susceptível de provocar dúvidas, algo semelhantes às que anteriormente se suscitavam. No entanto, cremos que a jurisprudência do STJ já adoptou uma linha de conduta: razões de orgânica judiciária, ou de índole processual (tal como razões atinentes ao regime tributário), não relevam para a imputabilidade do atraso ao requerente. Será, v.g., além da situação em causa nestes autos (erro na forma de processo), o facto de decorrerem férias judiciais, a morosidade do andamento do processo, mesmo que o erro na indicação da residência dos réus e o deixar seguir a deprecada pelo correio tenham provocado perda de tempo (acórdão de 24 de Abril de 1979, no Boletim, n.° 286, pág. 252), ainda que se não tenha requerido citação antecipada, ou notificação judicial avulsa, ou pedido de citação telegráfica, nem pago o preparo imediatamente (acórdãos de 10 de Maio de 1979, 8 de Julho de 1980 e 13 de Novembro de 1980, no processo n.° 67 996, no Boletim, n.° 299, pág. 294, e no processo n.° 68 887), etc… Por isso, não podemos deixar de dar razão ao apelante, pois a citação relevante para efeitos da prescrição do direito que pretende fazer valer com esta demanda é a ocorrida … em primeiro lugar. Aliás, tendo a acção sido instaurada em 31.10.2001, cremos que o prazo de prescrição se deve, até, considerar interrompido logo que decorreram cinco dias após ter sido requerida a citação, uma vez que se não mostra que esta não teve lugar nesse prazo por causa imputável à requerente (cit. artº 323º, nº2 CC). Assim, tal interrupção teve lugar em…05 de Novembro de 2001. Perante a matéria de facto apurada -- e assente que a excepção da prescrição invocada pelo réu não procede --, é manifesto que a acção não pode deixar de proceder in integrum. Com efeito, ficou provado que o autor prestou ao réu os serviços alegados na petição inicial e que os mesmos importaram no montante ali referido. Igualmente se provou que as respectivas facturas (fls. 11 e 12) se venciam trinta dias após a notificação para pagamento -- logo vencendo juros de mora., por se tratar de prestação com prazo certo (ut artº 805º/2/a), CC). Os normativos que sustentam o direito do autor já foram supra referenciados (CC e Dec.-Lei cit.), pelo que aqui nos dispensamos de os repetir. Procede, assim, a questão suscitada pelo apelante -- e pretensão indemnizatória deduzida nesta demanda. IV. DECISÃO: Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o réu no pedido. Custas, em ambas as instâncias, pelo autor/apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido ( cfr. fls. 26). Porto, 13 de Setembro de 2007 Fernando Baptista Oliveira José Manuel Carvalho Ferraz Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves _____________ (1) Acentuese que o autor alegou na acção o que tinha de alegar. E provou até mais do que lhe competia provar. Com efeito, conforme art. 5º do DL 218/99, "nas acções para cobrança das dívidas de que trata o presente diploma, incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação dos cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro". O DL 194/92 não continha qualquer norma deste género. Ela distingue entre o que o credor tem de alegar (o facto gerador da responsabilidade) e o que tem de provar (apenas a prestação dos cuidados de saúde). Tratando-se de uma norma especial, ela não diz que cabe ao credor alegar e provar os factos constitutivos da responsabilidade civil extra-contratual (facto ilícito, dolo ou culpa, dano e nexo causal: art. 483 do CC), mas tão só: o facto gerador da responsabilidade pelos encargos. Ora, o facto gerador da responsabilidade pelos encargos é, aqui, a agressão de que o C…………foi vítima. A expressão "facto gerador da responsabilidade" parece reportar-se mais ao facto ilícito e ao nexo causal que à culpa. Doutra forma, parece que o legislador teria falado em factos constitutivos da responsabilidade civil extra-contratual, pois ele bem sabia quais eram os problemas que se discutiam e pretendeu resolver. Portanto, repete-se: o autor alegou tudo o que tinha de alegar; provou, porém, mais do que lhe competia (a prestação dos cuidados de saúde agressão, bem assim a própria agressão que os causou).