Processo:0743314
Data do Acordão: 02/10/2007Relator: OLGA MAURÍCIOTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Não comete o crime de falsidade de declaração, por não haver ainda sido constituída arguida, a pessoa que, encontrada a conduzir um veículo automóvel sem possuir a respectiva habilitação, dá ao agente da autoridade que a interpela uma falsa identidade.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0743314
Relator
OLGA MAURÍCIO
Descritores
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO FALSAS DECLARAÇÕES
No do documento
Data do Acordão
10/03/2007
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
PROVIDO.
Sumário
Não comete o crime de falsidade de declaração, por não haver ainda sido constituída arguida, a pessoa que, encontrada a conduzir um veículo automóvel sem possuir a respectiva habilitação, dá ao agente da autoridade que a interpela uma falsa identidade.
Decisão integral
Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

1.
No tribunal judicial de Amarante, B………. e C………. foram condenados:
1º - a arguida B………. 
- na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 4,00 euros, pela prática do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 256º, nº1, al b) e nº 2, 22º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal;
- na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 4,00 euros, pela prática, em autoria material,  do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro;
- em cúmulo jurídico foi ela condenada na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 euros, o que perfaz o montante de 640,00 euros.
2º - o arguido C………., como autor moral, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 4,50 euros, o que perfaz o montante de 450,00 €.

2. 
Inconformada a arguida recorreu da decisão e apresentou as seguintes conclusões:
«1 - A douta sentença recorrida condenou a recorrente como autora material de um crime de falsificação na forma tentada, p. e p. pelo art. 256º, nº 1 al. b) e nº 2, por referência aos artigos 255º, al. a) e 22º nº 1 e 2, al. a) do C. Penal.
2 - Considera a recorrente que a douta sentença recorrida fez uma errada aplicação das normas em que se fundamentou para a condenar.
3 - Na verdade, a única questão aqui a decidir é a de saber se a conduta da arguida referida nos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 dos factos provados integra ou não os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento p. e p. nos art. 255º al. a) e 256º nº 1 al. b) do C. Penal.
4 - Entende a recorrente, na esteira do que foi decidido por este Tribunal, em 2 1.01.2006 no Pº 0515290 nº convencional JTRP00038758, e acessível em que “Não comete o crime de falsificação de documento, previsto nos arts. 255º, nº 1 al. a), e 256º, nº 1, al. b) do Código Penal, quem se identificar com um nome falso perante o agente da autoridade, com o intuito de se furtar à fiscalização e condenação por conduzir um veículo automóvel sem a competente habilitação legal “.
5 - A conduta da recorrente, ao indicar a identidade falsa ao agente da autoridade, estava prevista no art. 22º, do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944, que estipulava o seguinte:
“Aquele que declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, será punido com prisão até seis meses
6 - Esta norma incriminadora foi revogada pela Lei 33/99, de 18 de Maio e não há outra que preveja a punição para quem atestar falsamente a sua identidade perante autoridade pública.
7 - Não havendo norma incriminadora deve a recorrente ser absolvida.
8 - A douta sentença recorrida, ao condenar a recorrente pelo crime de falsificação, violou o disposto nos artigos 255º, n.1, al. a) e 256º, nº 1, al. b) do Código Penal, pelo que deve ser revogada».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Sr. Procurador da República junto do tribunal recorrido respondeu defendendo a manutenção do decidido.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso pois que mesmo que a conduta não seja enquadrável no tipo legal do crime de falsificação de documento, sempre ocorrerá um crime de falsas declarações, do nº 2 do art. 359º do Código Penal.

No cumprimento do estatuído no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., nada mais foi acrescentado.

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Teve lugar a audiência, cumprindo decidir.
*
FACTOS PROVADOS

6.
Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1. No dia 16.01.2006, durante a parte da tarde, no IP., ao Km .., na travessia freguesia de ………., área deste concelho e Comarca de Amarante, a arguida conduzia o automóvel ligeiro passageiros, com a matrícula ..-..-UF, de que é dono o segundo arguido, que seguia a seu lado, como passageiro. 
2. A arguida não possui carta de condução, nem qualquer outro documento que lhe permitisse conduzir o referido veículo. 
3. Ao ser fiscalizada, naquela ocasião e lugar, a arguida forneceu a identidade de sua mãe, D………., e declarou querer apresentar a carta de condução e bilhete de identidade no Posto da Guarda Nacional Republicana dos ………., em Vila Nova de Gaia, como sucedeu no dia 19.01.2006.
4. O agente fiscalizador do trânsito - a testemunha soldado E……… -, quando, em 13.02.2006, recebeu, no Destacamento de ………. da BT da Guarda Nacional Republicana, o expediente relativo à apresentação daqueles documentos, vindo do Posto dos ………., constatou através das fotografias da carta de condução e do bilhete de identidade que a pessoa ali identificada não era a mesma que tinha fiscalizado no exercício da condução. 
5. Por tal razão o agente da autoridade não elaborou o auto de contra-ordenação da infracção com o fundamento em a arguida conduzir sem se fazer acompanhar dos documentos pessoais - artigo 85°, n.ºs 1 e 4, do CE-, e remeteu ao Ministério Público a competente participação. 
6. Ao ser identificada, a arguida sabia que os elementos sobre a sua identidade, nomeadamente o nome, data de nascimento, estado civil e residência, que fornecera ao agente da autoridade eram falsos, por não serem os seus mas os de sua mãe que é detentora de carta de condução. 
7. Pretendeu a arguida eximir-se à responsabilidade criminal, por via de erro que criou e em que quis que o soldado da Brigada de Trânsito se mantivesse, nomeadamente para fazê-lo elaborar um auto de notícia de contra-ordenação para aplicação da coima de 30 a 150 €, nos termos do artigo 85°, n.º 4, 23 parte, do CE. 
8. Não fora a testemunha E………. lembrar-se ainda da fisionomia da arguida e teria elaborado aquele auto de contra-ordenação. 
9. A arguida sabia que os elementos de identificação que fornecera se destinavam a elaborar um auto de notícia de contra-ordenação, que é um documento que prova a constatação de uma Infracção pela autoridade que o elabora, em parte com as declarações que colhe, nomeadamente as que respeitam à identidade do autor da mesma. 
10. O referido auto de notícia de contra-ordenação só não veio a ser preenchido por facto alheio à vontade querida e representada pela arguida, que era a de eximir-se à responsabilidade criminal decorrente de conduzir sem habilitação legal, o que constituiria, como anteviu, uma vantagem que sabia não ser legítima pela qual prejudicava o interesse punitivo do Estado relativamente aos autores de factos criminais. 
11. Nesta conduta, a arguida actuou livre e deliberadamente, com consciência da proibição e punibilidade da mesma. 
12. Acresce que ambos os arguidos sabiam que para conduzir veículos automóveis na via pública é necessário possuir carta de condução ou documento equivalente passado pelas entidades oficiais competentes. 
13. E o arguido sabia que a arguida não possuía carta de condução que a habilitasse a conduzir o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, não obstante, quis e consentiu que a arguida conduzisse o seu automóvel pelo Itinerário Principal nº .. 
14. Ambos agiram livre e lucidamente, cientes de que praticavam um facto reprovável e punido criminalmente. 
15. Os arguidos confessaram os factos.
16. A arguida conduziu o veículo para levarem a mãe do arguido a casa, e em virtude de o arguido se ter sentido indisposto.
17. Ambos os arguidos não têm antecedentes criminais.
18. A arguida B………. encontra-se desempregada; vive com os pais.
19. O arguido C………. é porteiro, auferindo o salário mínimo; vive com um irmão em casa arrendada, pela qual paga a renda de 250,00 €».

7.
Quanto a factos não provados não se provou, apenas, que os factos narrados tivessem ocorrido às 16.20 horas.

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada assentou na análise de toda a prova examinada em audiência, em concreto, o Tribunal teve em consideração:
- a confissão livre dos arguidos, os quais confirmaram os factos constantes da acusação que se deram por provados, bem como, esclareceram a factualidade relativa às suas situações pessoais e económicas que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova.
- depoimento da testemunha E………., militar da GNR/BT de ………., confirmou os factos da acusação que se deram por provados; não se recordava a que horas fiscalizou a arguida.
- Ajudaram ainda a formar convicção do tribunal os documentos de fls. 5 a 7.
Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos aos autos».
*
*
DECISÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente – art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2 do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir neste recurso – a única – reside em saber se prestar identificação falsa perante agente da autoridade integra, ou não, um crime de falsificação de documento.
*
*
No caso estão em confronto três posições:
a) a defendida na decisão recorrida – a prestação de identificação falsa perante agente de autoridade integra um crime de falsificação de documento;
b) a defendida pelo Sr. P.G.A. – a identificação falsa perante agente de autoridade integra um crime de falsas declarações, p. e p. nos termos do nº 2 do art. 359º do Código Penal;
c) a defendida pela arguida – este comportamento, actualmente, não é punido.

A decisão recorrida defende que o comportamento da arguida integra um crime de falsificação de documento.
Diz, nomeadamente, que «a conduta da arguida esteve, expressamente, prevista no art. 22.º, do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944 …
Porém, esta norma incriminadora foi revogada pela Lei 33/99, de 18 de Maio.
Analisadas disposições que existem nosso Código Penal actualmente, na parte relativa aos crimes relacionados com a realização da justiça, facilmente, se conclui que não é possível subsumir a conduta da arguida, supra dada como provada, a qualquer dos ilícitos penais aí consagrados.
… Dispõe o artigo 256º, nº 1, alínea b), do Código Penal que: “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício ilegítimo fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
… A falsificação pode assumir formas diversas: falsificação material e ideológica. Na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica o documento é inverídico.
No caso importa dirigir a nossa atenção à falsificação ideológica na modalidade de falsidade em documento. Aqui se integram os casos em que se presta uma declaração de facto falso, juridicamente relevante.
São elementos objectivos deste tipo de crime, na parte da previsão legal analisada (a al.b) citada), a actuação com vista à menção de factos falsos em documento, in casu que da identificação do infractor no auto de noticia de contra-ordenação por circular sem documentos constasse a identificação de outra pessoa que não a da verdadeira pessoa que foi fiscalizada.
São elementos subjectivos …. o dolo genérico … traduzido, por um lado, num elemento intelectual – a consciência ou representação da conduta como integradora do elemento objectivo previsto no tipo legal e consciência do seu sentido ou significado … -, por outro lado, num elemento volitivo – a direcção da vontade na concretização da conduta …; o dolo específico – a prossecução pelo agente de uma concreta finalidade expressamente tipificada na lei (que no caso do ilícito que nos ocupa consiste na especial intenção do agente de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício a que não teria direito), finalidade essa que condiciona ou acompanha a sua actuação ….
A relevância jurídica desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício …
Existe “falsidade intelectual ou ideológica sempre que um documento não reproduz com verdade o evento que refere, isto é, quando apresenta uma desconformidade entre o que se declarou e o que se escreveu.
… Ao ser fiscalizada … a arguida forneceu a identidade de sua mãe, D………., e declarou querer apresentar a carta de condução e bilhete de identidade no Posto da Guarda Nacional Republicana dos ………., em Vila Nova de Gaia, como sucedeu no dia 19.01.2006.
O agente fiscalizador do trânsito … quando … recebeu … o expediente relativo à apresentação daqueles documentos, vindo do Posto dos ………., constatou através das fotografias da carta de condução e do bilhete de identidade que a pessoa ali identificada não era a mesma que tinha fiscalizado no exercício da condução. 
Por tal razão … não elaborou o auto de contra-ordenação da infracção com o fundamento em a arguida conduzir sem se fazer acompanhar dos documentos pessoais- artigo 85°, n.ºs 1 e 4, do CE-, e remeteu ao Ministério Público a competente participação. 
Ao ser identificada, a arguida sabia que os elementos sobre a sua identidade … eram falsos … Pretendeu a arguida eximir-se à responsabilidade criminal, por via de erro que criou e em que quis que o soldado da Brigada de Trânsito se mantivesse …
A arguida sabia que os elementos de identificação que fornecera se destinavam a elaborar um auto de notícia de contra-ordenação … 
O referido auto de notícia de contra-ordenação só não veio a ser preenchido por facto alheio à vontade querida e representada pela arguida, que era a de eximir-se à responsabilidade criminal decorrente de conduzir sem habilitação legal …».

O art. 22.º do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944, determinava que «aquele que declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, será punido com prisão até seis meses».
Entretanto, em 18 de Maio é publicada a Lei 33/99, regulamentando a identificação civil e a emissão do bilhete de identidade do cidadão nacional que, no seu art. 53º, revogou expressamente aquele art. 22.º.
Actualmente não existe nenhuma norma que contenha uma previsão semelhante à da norma revogada e, por isso, a punição de situações como a dos autos tem sido feita através de várias normas.
Uma delas é a do art. 256º do Código Penal, entendendo-se que com a prestação de identificação falsa o agente comete um crime de falsificação de documento.
Na esteira do decidido no acórdão deste tribunal, de 25-1-2006, processo 0515290, amplamente referido neste processo, tendo em conta o comportamento que está em causa e a forma de abordagem, sempre a questão teria que ser decidida com recurso às normas que versam sobre a realização da justiça. Não é razoável, parece-nos, entender que a conduta continua a ser sancionada criminalmente porque com ela a arguida pretendeu eximir-se à sua responsabilidade criminal e pôr em causa o interesse punitivo do Estado e, depois, sancioná-la com recurso ao tipo legal da falsificação de documento.
Para além disso, se a conduta fosse enquadrável no art. 256º do Código Penal, então é porque desde sempre o fora, isto é, desde sempre aquele comportamento seria punível através de ambas as normas, desta e da que foi revogada.
Ora, do que indagámos nunca esta possibilidade surgiu durante a vigência do art. 22º do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944.

Não concordamos, pois, com a decisão recorrida quando enquadra a falsidade de identificação perante agente da autoridade em serviço de fiscalização do trânsito como um crime de falsificação de documento.

E será o caso enquadrável no art. 359º do Código Penal?
A epígrafe desta norma é “falsidade de depoimento ou declaração” e enquadra-se no capítulo dos crimes contra a realização da justiça.
As situações aqui previstas são múltiplas, abrangendo desde o chamado depoimento falso até ao suborno feito com vista à prestação de depoimento falso, à denúncia caluniosa, simulação de crime, etc.
No que ao caso interessa prescreve o nº 1 do art. 359º que «quem presta depoimento de parte, fazendo falsas declarações … depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências … é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
E acrescenta o nº 2 que «na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade …».
O Sr. P.G.A. defende que o comportamento da arguida é punido através desta norma porque pelo simples facto de não ser portadora de carta de condução e de B.I. ela imediatamente passou a ter esta qualidade de arguida «pois incorreu na prática da contra-ordenação, p. e p. nos termos do art. 85º, nº 1 als, a) e b) e 4 do Código da Estrada. Note-se que a simples falta do BI acarreta a prática desta infracção». Isto mesmo, diz, o demonstram as normas dos art. 47º, nº 1, 50º e 53º, nº 1, todas do D.L. 433/82.
Dispõem estes artigos:
- art. 47º, nº 1: «a notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista»;
- art. 50º: «não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre»;
- art. 53º, nº 1: «o arguido da prática de uma contra-ordenação tem o direito de se fazer acompanhar de advogado, escolhido em qualquer fase do processo».

Mesmo sendo certo que no anterior C.P.P. a constituição de arguido era uma situação muito mais facilitada que no actual, bastaria para que um indivíduo fosse considerado arguido, para a lei, o facto de ter sido detectado numa situação punível por lei?
O D.L. 433/82, de 27/10, não nos fornece o conceito de arguido.
Socorramo-nos da lei processual criminal, subsidiária (art. 41º) para tentarmos responder à questão.
Nos termos do nº 1 do art. 57º do C.P.P. «assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal».
Dispunha o art. 58º do C.P.P., na redacção dada pela Lei 59/98, de 25/8:
«1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que:
a) Correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal;
b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial;
c) Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254º a 261º; ou
d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado.
2 – A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou escrita, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º que por essa razão passam a caber-lhe.
3 – A constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio acto, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º.
4 – A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela».
Finalmente, o art. 59º refere os outros casos em que há constituição de arguido, que não iremos considerar por serem irrelevantes para o caso.
Entendendo-se que o auto de notícia equivale à acusação então temos que o levantamento de um auto de notícia determinaria, ipso factu, a constituição de arguido?
Se assim parece ser perante o art. 57º, para respondermos cabalmente não podemos esquecer o preceituado no art. 58º, nº 2. À constituição de arguido era fundamental a respectiva comunicação ao visado.
Daí que Germano Marques da Silva refira que a constituição de arguido «opera-se mediante comunicação feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal» (Curso de Processo Penal, I volume, 2000, pág. 286).
Ora, isto não sucedeu: nada dos factos indicia que a recorrente tenha sido constituído arguida. Portanto, ter-se-á que considerar que não foi.
E daqui resulta, em nosso entender, que não pode o seu comportamento ser punido através do art. 359º, nº 2, do Código Penal.

Portanto, como já se viu também entendemos que a actuação da arguida, no que à falsidade de identificação perante a autoridade policial respeita, não constitui crime. 
Como se diz no acórdão desta Relação, já citado, a questão em análise prende-se «com a declaração relativamente à identidade … a arguida forneceu ao agente da autoridade uma identidade, independentemente deste lavrar ou não documento donde fizesse constar a identidade prestada». Quanto à punição pelo art. 359º «este preceito pressupõe a falsa declaração de arguido … encontrando-se já o agente constituído arguido» o que, como vimos, não sucedeu.
*
*
DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:
I - Concede-se provimento ao recurso e absolve-se a arguida B………. do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, pelo qual foi condenada.

II – Sem custas.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária.

Porto, 03 de Outubro de 2007
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob
Artur Manuel da Silva Oliveira
Arlindo Manuel Teixeira Pinto

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1. No tribunal judicial de Amarante, B………. e C………. foram condenados: 1º - a arguida B………. - na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 4,00 euros, pela prática do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 256º, nº1, al b) e nº 2, 22º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal; - na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 4,00 euros, pela prática, em autoria material, do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro; - em cúmulo jurídico foi ela condenada na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 euros, o que perfaz o montante de 640,00 euros. 2º - o arguido C………., como autor moral, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 4,50 euros, o que perfaz o montante de 450,00 €. 2. Inconformada a arguida recorreu da decisão e apresentou as seguintes conclusões: «1 - A douta sentença recorrida condenou a recorrente como autora material de um crime de falsificação na forma tentada, p. e p. pelo art. 256º, nº 1 al. b) e nº 2, por referência aos artigos 255º, al. a) e 22º nº 1 e 2, al. a) do C. Penal. 2 - Considera a recorrente que a douta sentença recorrida fez uma errada aplicação das normas em que se fundamentou para a condenar. 3 - Na verdade, a única questão aqui a decidir é a de saber se a conduta da arguida referida nos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 dos factos provados integra ou não os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento p. e p. nos art. 255º al. a) e 256º nº 1 al. b) do C. Penal. 4 - Entende a recorrente, na esteira do que foi decidido por este Tribunal, em 2 1.01.2006 no Pº 0515290 nº convencional JTRP00038758, e acessível em que “Não comete o crime de falsificação de documento, previsto nos arts. 255º, nº 1 al. a), e 256º, nº 1, al. b) do Código Penal, quem se identificar com um nome falso perante o agente da autoridade, com o intuito de se furtar à fiscalização e condenação por conduzir um veículo automóvel sem a competente habilitação legal “. 5 - A conduta da recorrente, ao indicar a identidade falsa ao agente da autoridade, estava prevista no art. 22º, do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944, que estipulava o seguinte: “Aquele que declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, será punido com prisão até seis meses 6 - Esta norma incriminadora foi revogada pela Lei 33/99, de 18 de Maio e não há outra que preveja a punição para quem atestar falsamente a sua identidade perante autoridade pública. 7 - Não havendo norma incriminadora deve a recorrente ser absolvida. 8 - A douta sentença recorrida, ao condenar a recorrente pelo crime de falsificação, violou o disposto nos artigos 255º, n.1, al. a) e 256º, nº 1, al. b) do Código Penal, pelo que deve ser revogada». 3. O recurso foi admitido. 4. O Sr. Procurador da República junto do tribunal recorrido respondeu defendendo a manutenção do decidido. Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso pois que mesmo que a conduta não seja enquadrável no tipo legal do crime de falsificação de documento, sempre ocorrerá um crime de falsas declarações, do nº 2 do art. 359º do Código Penal. No cumprimento do estatuído no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., nada mais foi acrescentado. 5. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Teve lugar a audiência, cumprindo decidir. * FACTOS PROVADOS 6. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «1. No dia 16.01.2006, durante a parte da tarde, no IP., ao Km .., na travessia freguesia de ………., área deste concelho e Comarca de Amarante, a arguida conduzia o automóvel ligeiro passageiros, com a matrícula ..-..-UF, de que é dono o segundo arguido, que seguia a seu lado, como passageiro. 2. A arguida não possui carta de condução, nem qualquer outro documento que lhe permitisse conduzir o referido veículo. 3. Ao ser fiscalizada, naquela ocasião e lugar, a arguida forneceu a identidade de sua mãe, D………., e declarou querer apresentar a carta de condução e bilhete de identidade no Posto da Guarda Nacional Republicana dos ………., em Vila Nova de Gaia, como sucedeu no dia 19.01.2006. 4. O agente fiscalizador do trânsito - a testemunha soldado E……… -, quando, em 13.02.2006, recebeu, no Destacamento de ………. da BT da Guarda Nacional Republicana, o expediente relativo à apresentação daqueles documentos, vindo do Posto dos ………., constatou através das fotografias da carta de condução e do bilhete de identidade que a pessoa ali identificada não era a mesma que tinha fiscalizado no exercício da condução. 5. Por tal razão o agente da autoridade não elaborou o auto de contra-ordenação da infracção com o fundamento em a arguida conduzir sem se fazer acompanhar dos documentos pessoais - artigo 85°, n.ºs 1 e 4, do CE-, e remeteu ao Ministério Público a competente participação. 6. Ao ser identificada, a arguida sabia que os elementos sobre a sua identidade, nomeadamente o nome, data de nascimento, estado civil e residência, que fornecera ao agente da autoridade eram falsos, por não serem os seus mas os de sua mãe que é detentora de carta de condução. 7. Pretendeu a arguida eximir-se à responsabilidade criminal, por via de erro que criou e em que quis que o soldado da Brigada de Trânsito se mantivesse, nomeadamente para fazê-lo elaborar um auto de notícia de contra-ordenação para aplicação da coima de 30 a 150 €, nos termos do artigo 85°, n.º 4, 23 parte, do CE. 8. Não fora a testemunha E………. lembrar-se ainda da fisionomia da arguida e teria elaborado aquele auto de contra-ordenação. 9. A arguida sabia que os elementos de identificação que fornecera se destinavam a elaborar um auto de notícia de contra-ordenação, que é um documento que prova a constatação de uma Infracção pela autoridade que o elabora, em parte com as declarações que colhe, nomeadamente as que respeitam à identidade do autor da mesma. 10. O referido auto de notícia de contra-ordenação só não veio a ser preenchido por facto alheio à vontade querida e representada pela arguida, que era a de eximir-se à responsabilidade criminal decorrente de conduzir sem habilitação legal, o que constituiria, como anteviu, uma vantagem que sabia não ser legítima pela qual prejudicava o interesse punitivo do Estado relativamente aos autores de factos criminais. 11. Nesta conduta, a arguida actuou livre e deliberadamente, com consciência da proibição e punibilidade da mesma. 12. Acresce que ambos os arguidos sabiam que para conduzir veículos automóveis na via pública é necessário possuir carta de condução ou documento equivalente passado pelas entidades oficiais competentes. 13. E o arguido sabia que a arguida não possuía carta de condução que a habilitasse a conduzir o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, não obstante, quis e consentiu que a arguida conduzisse o seu automóvel pelo Itinerário Principal nº .. 14. Ambos agiram livre e lucidamente, cientes de que praticavam um facto reprovável e punido criminalmente. 15. Os arguidos confessaram os factos. 16. A arguida conduziu o veículo para levarem a mãe do arguido a casa, e em virtude de o arguido se ter sentido indisposto. 17. Ambos os arguidos não têm antecedentes criminais. 18. A arguida B………. encontra-se desempregada; vive com os pais. 19. O arguido C………. é porteiro, auferindo o salário mínimo; vive com um irmão em casa arrendada, pela qual paga a renda de 250,00 €». 7. Quanto a factos não provados não se provou, apenas, que os factos narrados tivessem ocorrido às 16.20 horas. 8. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada assentou na análise de toda a prova examinada em audiência, em concreto, o Tribunal teve em consideração: - a confissão livre dos arguidos, os quais confirmaram os factos constantes da acusação que se deram por provados, bem como, esclareceram a factualidade relativa às suas situações pessoais e económicas que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova. - depoimento da testemunha E………., militar da GNR/BT de ………., confirmou os factos da acusação que se deram por provados; não se recordava a que horas fiscalizou a arguida. - Ajudaram ainda a formar convicção do tribunal os documentos de fls. 5 a 7. Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos aos autos». * * DECISÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente – art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2 do mesmo Código. Por via dessa delimitação a questão a decidir neste recurso – a única – reside em saber se prestar identificação falsa perante agente da autoridade integra, ou não, um crime de falsificação de documento. * * No caso estão em confronto três posições: a) a defendida na decisão recorrida – a prestação de identificação falsa perante agente de autoridade integra um crime de falsificação de documento; b) a defendida pelo Sr. P.G.A. – a identificação falsa perante agente de autoridade integra um crime de falsas declarações, p. e p. nos termos do nº 2 do art. 359º do Código Penal; c) a defendida pela arguida – este comportamento, actualmente, não é punido. A decisão recorrida defende que o comportamento da arguida integra um crime de falsificação de documento. Diz, nomeadamente, que «a conduta da arguida esteve, expressamente, prevista no art. 22.º, do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944 … Porém, esta norma incriminadora foi revogada pela Lei 33/99, de 18 de Maio. Analisadas disposições que existem nosso Código Penal actualmente, na parte relativa aos crimes relacionados com a realização da justiça, facilmente, se conclui que não é possível subsumir a conduta da arguida, supra dada como provada, a qualquer dos ilícitos penais aí consagrados. … Dispõe o artigo 256º, nº 1, alínea b), do Código Penal que: “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício ilegítimo fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. … A falsificação pode assumir formas diversas: falsificação material e ideológica. Na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica o documento é inverídico. No caso importa dirigir a nossa atenção à falsificação ideológica na modalidade de falsidade em documento. Aqui se integram os casos em que se presta uma declaração de facto falso, juridicamente relevante. São elementos objectivos deste tipo de crime, na parte da previsão legal analisada (a al.b) citada), a actuação com vista à menção de factos falsos em documento, in casu que da identificação do infractor no auto de noticia de contra-ordenação por circular sem documentos constasse a identificação de outra pessoa que não a da verdadeira pessoa que foi fiscalizada. São elementos subjectivos …. o dolo genérico … traduzido, por um lado, num elemento intelectual – a consciência ou representação da conduta como integradora do elemento objectivo previsto no tipo legal e consciência do seu sentido ou significado … -, por outro lado, num elemento volitivo – a direcção da vontade na concretização da conduta …; o dolo específico – a prossecução pelo agente de uma concreta finalidade expressamente tipificada na lei (que no caso do ilícito que nos ocupa consiste na especial intenção do agente de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício a que não teria direito), finalidade essa que condiciona ou acompanha a sua actuação …. A relevância jurídica desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício … Existe “falsidade intelectual ou ideológica sempre que um documento não reproduz com verdade o evento que refere, isto é, quando apresenta uma desconformidade entre o que se declarou e o que se escreveu. … Ao ser fiscalizada … a arguida forneceu a identidade de sua mãe, D………., e declarou querer apresentar a carta de condução e bilhete de identidade no Posto da Guarda Nacional Republicana dos ………., em Vila Nova de Gaia, como sucedeu no dia 19.01.2006. O agente fiscalizador do trânsito … quando … recebeu … o expediente relativo à apresentação daqueles documentos, vindo do Posto dos ………., constatou através das fotografias da carta de condução e do bilhete de identidade que a pessoa ali identificada não era a mesma que tinha fiscalizado no exercício da condução. Por tal razão … não elaborou o auto de contra-ordenação da infracção com o fundamento em a arguida conduzir sem se fazer acompanhar dos documentos pessoais- artigo 85°, n.ºs 1 e 4, do CE-, e remeteu ao Ministério Público a competente participação. Ao ser identificada, a arguida sabia que os elementos sobre a sua identidade … eram falsos … Pretendeu a arguida eximir-se à responsabilidade criminal, por via de erro que criou e em que quis que o soldado da Brigada de Trânsito se mantivesse … A arguida sabia que os elementos de identificação que fornecera se destinavam a elaborar um auto de notícia de contra-ordenação … O referido auto de notícia de contra-ordenação só não veio a ser preenchido por facto alheio à vontade querida e representada pela arguida, que era a de eximir-se à responsabilidade criminal decorrente de conduzir sem habilitação legal …». O art. 22.º do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944, determinava que «aquele que declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, será punido com prisão até seis meses». Entretanto, em 18 de Maio é publicada a Lei 33/99, regulamentando a identificação civil e a emissão do bilhete de identidade do cidadão nacional que, no seu art. 53º, revogou expressamente aquele art. 22.º. Actualmente não existe nenhuma norma que contenha uma previsão semelhante à da norma revogada e, por isso, a punição de situações como a dos autos tem sido feita através de várias normas. Uma delas é a do art. 256º do Código Penal, entendendo-se que com a prestação de identificação falsa o agente comete um crime de falsificação de documento. Na esteira do decidido no acórdão deste tribunal, de 25-1-2006, processo 0515290, amplamente referido neste processo, tendo em conta o comportamento que está em causa e a forma de abordagem, sempre a questão teria que ser decidida com recurso às normas que versam sobre a realização da justiça. Não é razoável, parece-nos, entender que a conduta continua a ser sancionada criminalmente porque com ela a arguida pretendeu eximir-se à sua responsabilidade criminal e pôr em causa o interesse punitivo do Estado e, depois, sancioná-la com recurso ao tipo legal da falsificação de documento. Para além disso, se a conduta fosse enquadrável no art. 256º do Código Penal, então é porque desde sempre o fora, isto é, desde sempre aquele comportamento seria punível através de ambas as normas, desta e da que foi revogada. Ora, do que indagámos nunca esta possibilidade surgiu durante a vigência do art. 22º do DL 33.725, de 21 de Junho de 1944. Não concordamos, pois, com a decisão recorrida quando enquadra a falsidade de identificação perante agente da autoridade em serviço de fiscalização do trânsito como um crime de falsificação de documento. E será o caso enquadrável no art. 359º do Código Penal? A epígrafe desta norma é “falsidade de depoimento ou declaração” e enquadra-se no capítulo dos crimes contra a realização da justiça. As situações aqui previstas são múltiplas, abrangendo desde o chamado depoimento falso até ao suborno feito com vista à prestação de depoimento falso, à denúncia caluniosa, simulação de crime, etc. No que ao caso interessa prescreve o nº 1 do art. 359º que «quem presta depoimento de parte, fazendo falsas declarações … depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências … é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa». E acrescenta o nº 2 que «na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade …». O Sr. P.G.A. defende que o comportamento da arguida é punido através desta norma porque pelo simples facto de não ser portadora de carta de condução e de B.I. ela imediatamente passou a ter esta qualidade de arguida «pois incorreu na prática da contra-ordenação, p. e p. nos termos do art. 85º, nº 1 als, a) e b) e 4 do Código da Estrada. Note-se que a simples falta do BI acarreta a prática desta infracção». Isto mesmo, diz, o demonstram as normas dos art. 47º, nº 1, 50º e 53º, nº 1, todas do D.L. 433/82. Dispõem estes artigos: - art. 47º, nº 1: «a notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista»; - art. 50º: «não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre»; - art. 53º, nº 1: «o arguido da prática de uma contra-ordenação tem o direito de se fazer acompanhar de advogado, escolhido em qualquer fase do processo». Mesmo sendo certo que no anterior C.P.P. a constituição de arguido era uma situação muito mais facilitada que no actual, bastaria para que um indivíduo fosse considerado arguido, para a lei, o facto de ter sido detectado numa situação punível por lei? O D.L. 433/82, de 27/10, não nos fornece o conceito de arguido. Socorramo-nos da lei processual criminal, subsidiária (art. 41º) para tentarmos responder à questão. Nos termos do nº 1 do art. 57º do C.P.P. «assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal». Dispunha o art. 58º do C.P.P., na redacção dada pela Lei 59/98, de 25/8: «1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que: a) Correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal; b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial; c) Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254º a 261º; ou d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado. 2 – A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou escrita, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º que por essa razão passam a caber-lhe. 3 – A constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio acto, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º. 4 – A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela». Finalmente, o art. 59º refere os outros casos em que há constituição de arguido, que não iremos considerar por serem irrelevantes para o caso. Entendendo-se que o auto de notícia equivale à acusação então temos que o levantamento de um auto de notícia determinaria, ipso factu, a constituição de arguido? Se assim parece ser perante o art. 57º, para respondermos cabalmente não podemos esquecer o preceituado no art. 58º, nº 2. À constituição de arguido era fundamental a respectiva comunicação ao visado. Daí que Germano Marques da Silva refira que a constituição de arguido «opera-se mediante comunicação feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal» (Curso de Processo Penal, I volume, 2000, pág. 286). Ora, isto não sucedeu: nada dos factos indicia que a recorrente tenha sido constituído arguida. Portanto, ter-se-á que considerar que não foi. E daqui resulta, em nosso entender, que não pode o seu comportamento ser punido através do art. 359º, nº 2, do Código Penal. Portanto, como já se viu também entendemos que a actuação da arguida, no que à falsidade de identificação perante a autoridade policial respeita, não constitui crime. Como se diz no acórdão desta Relação, já citado, a questão em análise prende-se «com a declaração relativamente à identidade … a arguida forneceu ao agente da autoridade uma identidade, independentemente deste lavrar ou não documento donde fizesse constar a identidade prestada». Quanto à punição pelo art. 359º «este preceito pressupõe a falsa declaração de arguido … encontrando-se já o agente constituído arguido» o que, como vimos, não sucedeu. * * DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos: I - Concede-se provimento ao recurso e absolve-se a arguida B………. do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, pelo qual foi condenada. II – Sem custas. Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária. Porto, 03 de Outubro de 2007 Olga Maria dos Santos Maurício Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob Artur Manuel da Silva Oliveira Arlindo Manuel Teixeira Pinto