Processo:0844131
Data do Acordão: 13/07/2008Relator: ISABEL PAIS MARTINSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

O nº 1 do art. 80º do Código Penal não permite que prisão preventiva sofrida à ordem de um processo, se foi descontada no cumprimento da pena de prisão aí imposta, seja novamente descontada em outro processo onde o agente foi condenado também em pena de prisão, ainda que por facto praticado anteriormente à decisão final daquele primeiro processo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
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Processo
0844131
Relator
ISABEL PAIS MARTINS
Descritores
DESCONTO NA PENA DE PRISÃO ANTERIOR
No do documento
Data do Acordão
07/14/2008
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC. PENAL.
Decisão
NEGADO PROVIMENTO.
Sumário
O nº 1 do art. 80º do Código Penal não permite que prisão preventiva sofrida à ordem de um processo, se foi descontada no cumprimento da pena de prisão aí imposta, seja novamente descontada em outro processo onde o agente foi condenado também em pena de prisão, ainda que por facto praticado anteriormente à decisão final daquele primeiro processo.
Decisão integral
Recurso n.º 4131/08-4.ª 

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I
1. O arguido B…………….., preso, em cumprimento de pena, à ordem do processo n.º …../99.9TBPRG, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, requereu, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal[1], que, na pena que se encontra a cumprir, fosse descontado o tempo de prisão preventiva que sofreu à ordem do processo com, o n.º ……/99.4BAMM, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Armamar.
2. Sobre o requerido recaiu, em 07/03/2008, despacho de indeferimento.
Fundamenta-se ele, em síntese, na circunstância de a prisão preventiva sofrida à ordem do processo n.º ……./99.4BAMM, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Armamar dever ser descontada no cumprimento da pena em que foi condenado naquele processo e, efectivamente, na liquidação de pena efectuada naquele processo já ter sido considerada a prisão preventiva sofrida à ordem do mesmo.
3. Inconformado com esse despacho de indeferimento da sua pretensão, o arguido interpôs o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:
«1 – O artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal estabelece quais os pressupostos para que possam ser descontadas (além da detenção) as medidas cautelares detentivas de liberdade noutro processo que não a decretou.
«2 – O período temporal sofrido ao abrigo das medidas coactivas privativas de liberdade ao abrigo de um processo podem ser descontadas em quantos processos diferentes em que o agente for condenado desde que cada um destes preencha o requisito estipulado no indicado artigo 80.º, n.º 1, do C.P.
«3 – Assim as premissas estabelecidas no requerimento objecto do douto despacho recorrido estão correctas para que seja descontada a prisão preventiva no âmbito dos autos recorridos sem prejuízo de cumulativamente ter sido já igualmente descontada no âmbito do processo à ordem do qual esta foi decretada.
«4 – A situação processual penal do arguido reúne consequentemente os pressupostos vertidos no artigo 80.º, n.º 1, do C.P., pelo que tem este direito a que seja descontada a prisão preventiva que sofreu no âmbito do processo ……/99.4TBAMM do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Armamar, na pena de prisão que está a cumprir no âmbito dos autos recorridos.
«5 – Em função do exposto foi violado o artigo 80.º do C.P.»
4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, no sentido da confirmação do despacho recorrido.
5. Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este tribunal.
6. Nesta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º do Código de Processo Penal[2], o Exm.º Procurador-geral-adjunto foi de parecer de que o recurso não merece provimento.
7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente, em resposta, disse manter o que alegou e concluiu no recurso em apreciação.
8. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II
1. Os elementos com que os autos se mostram instruídos demonstram, no que, agora, interessa, o seguinte:
– o recorrente foi condenado, em pena de prisão, no processo n.º ……./99.9TBPRG, por factos praticados em 25/01/1992;
– cumpriu parcialmente essa pena, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional, em 26/12/1994;
– e também foi condenado, em pena de prisão, no processo n.º ……/99.4TBAMM, por decisão de 17/03/1999, por factos cometidos após lhe ser concedida a liberdade condicional, naquele outro processo;
– esteve preso preventivamente à ordem do processo n.º ……/99.4TBAMM e iniciou o cumprimento da pena em que foi condenado, neste processo, tendo sido, no respectivo cômputo, efectuado o desconto da prisão preventiva sofrida no âmbito do mesmo;
– veio, em 14/07/2000, a ser desligado do processo n.º ……/99.4TBAMM e colocado, em cumprimento de pena, à ordem do processo n.º ……./99.9TBPRG para cumprir o remanescente da pena em que, nele, tinha sido condenado.
2. O despacho recorrido indefere a pretensão do recorrente de ver descontado na pena em que foi condenado no processo n.º ……./99.9TBPRG o tempo de prisão preventiva que sofreu no âmbito do processo n.º …../99.4TBAMM.
Na tese do recorrente, o tempo de prisão preventiva sofrido à ordem do processo n.º ……/99.4TBAMM deve ser duplamente descontado. Descontado na pena em que foi condenado no processo no âmbito do qual lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva e descontado na pena em que foi condenado no processo n.º …../99.9TBPRG.
3. A questão que o recurso convoca centra-se, portanto, na interpretação do artigo 80.º, n.º 1, do CP.
3.1. Dispunha o artigo 80.º, n.º 1, do CP, na versão primitiva, que «a prisão preventiva sofrida pelo arguido no processo em que vier a ser condenado é descontada no cumprimento da pena que lhe for aplicada».
Na versão resultante da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, não só a prisão preventiva mas também a detenção e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado passaram a ser descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada.
Era claro, portanto, que o desconto só podia/devia ser efectuado num único processo – naquele em que o arguido tivesse sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação – sendo condição necessária do desconto a condenação do arguido, nesse processo (o efeito do desconto só se produziria se o arguido fosse condenado no processo no âmbito do qual estivera sujeito a uma dessas medidas). 
Se um arguido, julgado por dois ou mais processos, viesse a ser absolvido no processo à ordem do qual sofrera uma das medidas de restrição da liberdade previstas mas viesse a ser condenado noutro ou noutros processos, o tempo de restrição da liberdade em função da sujeição a essas medidas não lhe aproveitava porque não podia ser descontado no cumprimento da pena ou penas em que fosse condenado, noutro processo.
3.2. Foi contra este estado de coisas que o legislador quis reagir.
No Anteprojecto de Revisão do Código Penal, aprovado em Conselho de Ministros, reunido a 27 de Abril de 2006, a Exposição de Motivos esclarece, na matéria, o seguinte:
«Estatui-se que todas as medidas privativas da liberdade sofridas antes da condenação são descontadas na pena de prisão. Incluem-se neste cômputo a simples detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. A inovação consiste em prescindir, para efeito do desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente.»
E, em consonância, o artigo 80.º, n.º 1, do Anteprojecto, dispunha que «a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado».
Nesta perspectiva, a sujeição do arguido a qualquer das indicadas medidas privativas da liberdade conferia-lhe um “crédito” de desconto futuro, em qualquer processo em que viesse a ser condenado, mantendo o arguido esse “crédito em carteira”, capaz de validamente operar, sem qualquer restrição.
3.3. Não foi, todavia, essa a solução consagrada na Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
Na redacção da Lei n.º 59/2007, diz o n.º 1 do artigo 80.º do CP:
«1 – A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência de habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.»
Se não mantém a limitação do desconto da detenção, da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação ao processo em que o arguido sofreu uma dessas medidas de restrição da liberdade, rompendo com a que era a solução legal anterior, a operatividade do desconto não é irrestrita.
Reclama a lei que entre o processo em que o arguido sofreu uma das indicadas medidas e aquele em que venha a ser condenado se estabeleça uma conexão que passa por o facto por que for condenado ter sido praticado antes da decisão final do processo no âmbito do qual sofreu tais medidas. Não se verificando essa conexão temporal entre a prática dos factos por que venha a ser condenado e a decisão final do processo no âmbito do qual esteve sujeito a uma dessas medidas, o tempo em que o arguido as sofreu não lhe aproveita. Não é descontado no cumprimento da pena.
Concede-se, assim, ao arguido, que sofreu uma limitação da sua liberdade, em consequência da sujeição a uma das indicadas medidas, o benefício de ver descontado no cumprimento da pena aplicada em processo diferente daquele em que esteve sujeito a uma dessas medidas, o tempo em que sofreu a restrição da sua liberdade, sempre que, obviamente, o facto por que venha a ser condenado tenha sido praticado antes da decisão final do processo no âmbito do qual esteve sujeito a tais medidas.
3.4. No cômputo da pena que o arguido tenha de cumprir entra em consideração o tempo em que o arguido esteve sujeito a uma das medidas de limitação da liberdade. Ao ser descontado por inteiro no cumprimento da pena, esse tempo vale como tempo de efectivo cumprimento da pena.
Todavia, o tempo em que o arguido esteve sujeito a uma dessas medidas só é descontado uma vez. O arguido “tem a haver” esse tempo no cumprimento da pena (pena singular ou pena única, no caso de concurso) em que venha a ser condenado.
Todos os factores hermenêuticos de interpretação do artigo 80.º do CP levam a rejeitar a solução proposta pelo recorrente.
Desde logo, o texto é absolutamente claro na sua expressão verbal, apenas comportando um significado ou sentido possível.
Nele se afirmando o desconto por inteiro no cumprimento da pena das medidas limitadoras da liberdade que o arguido tenha sofrido ainda que em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, o sentido e alcance do texto é só um. Apenas se procede uma vez ao desconto. Se o tempo de sujeição a uma das medidas restritivas da liberdade fosse descontado tantas vezes quantas as condenações, então, teria de ser afirmado o desconto por inteiro no cumprimento das penas nos processos em que viesse a ser condenado.
Os elementos histórico e racional ou teleológico confirmam a solução imposta pelo elemento gramatical.
A razão de ser da actual redacção do artigo 80.º é não restringir o desconto ao processo em que o arguido esteve sujeito às medidas restritivas da liberdade, com a consequência – que o legislador entendeu ser político-criminalmente indesejável –, de o tempo em que esteve sujeito a elas não lhe aproveitar, caso viesse a ser absolvido nesse processo. Mas, antes, possibilitar que o tempo de privação da liberdade em resultado da sujeição a uma dessas medidas aproveite ao arguido mesmo que seja condenado num processo diferente daquele em que esteve submetido a elas, desde que o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual foram aplicadas.
A expressão “quando o facto por que for condenado” revela, ainda, que o legislador tinha, justamente, em mente, uma única condenação (em pena singular ou única, repete-se). 
O texto da lei não comporta a interpretação sustentada pelo recorrente porque não tem qualquer apoio, ou, pelo menos, uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
Por outro lado, a história evolutiva do preceito e a razão de ser da alteração da redacção do artigo 80.º do CP demonstram que o texto da lei não atraiçoou o pensamento do legislador.
Recorde-se, de novo, a “exposição de motivos” do Anteprojecto. A inovação não radica em descontar as medidas privativas da liberdade tantas vezes quantas as condenações em processos diferentes. A inovação, em relação ao regime anterior, consiste em prescindir, para efeito do desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente.
As medidas são descontadas na pena em que o arguido venha a ser condenado, seja ele condenado no processo em que as medidas lhe foram aplicadas, seja ele condenado em processo diferente desse (verificada a conexão que a versão da Lei n.º 59/2007 definiu). 
A operação de desconto é única. Deixou foi de ser exclusiva de um único processo.
III
Termos em que, pelos fundamentos expostos, na confirmação do despacho recorrido, negamos provimento ao recurso.
Por ter decaído, condenamos o recorrente em 5 UC de taxa de justiça.

Porto, 14 de Julho de 2008 
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
___________
[1] Doravante designado pelas iniciais CP.
[1] Doravante designado pelas iniciais CPP.

Recurso n.º 4131/08-4.ª Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto I 1. O arguido B…………….., preso, em cumprimento de pena, à ordem do processo n.º …../99.9TBPRG, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, requereu, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal[1], que, na pena que se encontra a cumprir, fosse descontado o tempo de prisão preventiva que sofreu à ordem do processo com, o n.º ……/99.4BAMM, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Armamar. 2. Sobre o requerido recaiu, em 07/03/2008, despacho de indeferimento. Fundamenta-se ele, em síntese, na circunstância de a prisão preventiva sofrida à ordem do processo n.º ……./99.4BAMM, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Armamar dever ser descontada no cumprimento da pena em que foi condenado naquele processo e, efectivamente, na liquidação de pena efectuada naquele processo já ter sido considerada a prisão preventiva sofrida à ordem do mesmo. 3. Inconformado com esse despacho de indeferimento da sua pretensão, o arguido interpôs o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões: «1 – O artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal estabelece quais os pressupostos para que possam ser descontadas (além da detenção) as medidas cautelares detentivas de liberdade noutro processo que não a decretou. «2 – O período temporal sofrido ao abrigo das medidas coactivas privativas de liberdade ao abrigo de um processo podem ser descontadas em quantos processos diferentes em que o agente for condenado desde que cada um destes preencha o requisito estipulado no indicado artigo 80.º, n.º 1, do C.P. «3 – Assim as premissas estabelecidas no requerimento objecto do douto despacho recorrido estão correctas para que seja descontada a prisão preventiva no âmbito dos autos recorridos sem prejuízo de cumulativamente ter sido já igualmente descontada no âmbito do processo à ordem do qual esta foi decretada. «4 – A situação processual penal do arguido reúne consequentemente os pressupostos vertidos no artigo 80.º, n.º 1, do C.P., pelo que tem este direito a que seja descontada a prisão preventiva que sofreu no âmbito do processo ……/99.4TBAMM do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Armamar, na pena de prisão que está a cumprir no âmbito dos autos recorridos. «5 – Em função do exposto foi violado o artigo 80.º do C.P.» 4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, no sentido da confirmação do despacho recorrido. 5. Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este tribunal. 6. Nesta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º do Código de Processo Penal[2], o Exm.º Procurador-geral-adjunto foi de parecer de que o recurso não merece provimento. 7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente, em resposta, disse manter o que alegou e concluiu no recurso em apreciação. 8. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. II 1. Os elementos com que os autos se mostram instruídos demonstram, no que, agora, interessa, o seguinte: – o recorrente foi condenado, em pena de prisão, no processo n.º ……./99.9TBPRG, por factos praticados em 25/01/1992; – cumpriu parcialmente essa pena, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional, em 26/12/1994; – e também foi condenado, em pena de prisão, no processo n.º ……/99.4TBAMM, por decisão de 17/03/1999, por factos cometidos após lhe ser concedida a liberdade condicional, naquele outro processo; – esteve preso preventivamente à ordem do processo n.º ……/99.4TBAMM e iniciou o cumprimento da pena em que foi condenado, neste processo, tendo sido, no respectivo cômputo, efectuado o desconto da prisão preventiva sofrida no âmbito do mesmo; – veio, em 14/07/2000, a ser desligado do processo n.º ……/99.4TBAMM e colocado, em cumprimento de pena, à ordem do processo n.º ……./99.9TBPRG para cumprir o remanescente da pena em que, nele, tinha sido condenado. 2. O despacho recorrido indefere a pretensão do recorrente de ver descontado na pena em que foi condenado no processo n.º ……./99.9TBPRG o tempo de prisão preventiva que sofreu no âmbito do processo n.º …../99.4TBAMM. Na tese do recorrente, o tempo de prisão preventiva sofrido à ordem do processo n.º ……/99.4TBAMM deve ser duplamente descontado. Descontado na pena em que foi condenado no processo no âmbito do qual lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva e descontado na pena em que foi condenado no processo n.º …../99.9TBPRG. 3. A questão que o recurso convoca centra-se, portanto, na interpretação do artigo 80.º, n.º 1, do CP. 3.1. Dispunha o artigo 80.º, n.º 1, do CP, na versão primitiva, que «a prisão preventiva sofrida pelo arguido no processo em que vier a ser condenado é descontada no cumprimento da pena que lhe for aplicada». Na versão resultante da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, não só a prisão preventiva mas também a detenção e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado passaram a ser descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada. Era claro, portanto, que o desconto só podia/devia ser efectuado num único processo – naquele em que o arguido tivesse sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação – sendo condição necessária do desconto a condenação do arguido, nesse processo (o efeito do desconto só se produziria se o arguido fosse condenado no processo no âmbito do qual estivera sujeito a uma dessas medidas). Se um arguido, julgado por dois ou mais processos, viesse a ser absolvido no processo à ordem do qual sofrera uma das medidas de restrição da liberdade previstas mas viesse a ser condenado noutro ou noutros processos, o tempo de restrição da liberdade em função da sujeição a essas medidas não lhe aproveitava porque não podia ser descontado no cumprimento da pena ou penas em que fosse condenado, noutro processo. 3.2. Foi contra este estado de coisas que o legislador quis reagir. No Anteprojecto de Revisão do Código Penal, aprovado em Conselho de Ministros, reunido a 27 de Abril de 2006, a Exposição de Motivos esclarece, na matéria, o seguinte: «Estatui-se que todas as medidas privativas da liberdade sofridas antes da condenação são descontadas na pena de prisão. Incluem-se neste cômputo a simples detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. A inovação consiste em prescindir, para efeito do desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente.» E, em consonância, o artigo 80.º, n.º 1, do Anteprojecto, dispunha que «a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado». Nesta perspectiva, a sujeição do arguido a qualquer das indicadas medidas privativas da liberdade conferia-lhe um “crédito” de desconto futuro, em qualquer processo em que viesse a ser condenado, mantendo o arguido esse “crédito em carteira”, capaz de validamente operar, sem qualquer restrição. 3.3. Não foi, todavia, essa a solução consagrada na Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. Na redacção da Lei n.º 59/2007, diz o n.º 1 do artigo 80.º do CP: «1 – A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência de habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.» Se não mantém a limitação do desconto da detenção, da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação ao processo em que o arguido sofreu uma dessas medidas de restrição da liberdade, rompendo com a que era a solução legal anterior, a operatividade do desconto não é irrestrita. Reclama a lei que entre o processo em que o arguido sofreu uma das indicadas medidas e aquele em que venha a ser condenado se estabeleça uma conexão que passa por o facto por que for condenado ter sido praticado antes da decisão final do processo no âmbito do qual sofreu tais medidas. Não se verificando essa conexão temporal entre a prática dos factos por que venha a ser condenado e a decisão final do processo no âmbito do qual esteve sujeito a uma dessas medidas, o tempo em que o arguido as sofreu não lhe aproveita. Não é descontado no cumprimento da pena. Concede-se, assim, ao arguido, que sofreu uma limitação da sua liberdade, em consequência da sujeição a uma das indicadas medidas, o benefício de ver descontado no cumprimento da pena aplicada em processo diferente daquele em que esteve sujeito a uma dessas medidas, o tempo em que sofreu a restrição da sua liberdade, sempre que, obviamente, o facto por que venha a ser condenado tenha sido praticado antes da decisão final do processo no âmbito do qual esteve sujeito a tais medidas. 3.4. No cômputo da pena que o arguido tenha de cumprir entra em consideração o tempo em que o arguido esteve sujeito a uma das medidas de limitação da liberdade. Ao ser descontado por inteiro no cumprimento da pena, esse tempo vale como tempo de efectivo cumprimento da pena. Todavia, o tempo em que o arguido esteve sujeito a uma dessas medidas só é descontado uma vez. O arguido “tem a haver” esse tempo no cumprimento da pena (pena singular ou pena única, no caso de concurso) em que venha a ser condenado. Todos os factores hermenêuticos de interpretação do artigo 80.º do CP levam a rejeitar a solução proposta pelo recorrente. Desde logo, o texto é absolutamente claro na sua expressão verbal, apenas comportando um significado ou sentido possível. Nele se afirmando o desconto por inteiro no cumprimento da pena das medidas limitadoras da liberdade que o arguido tenha sofrido ainda que em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, o sentido e alcance do texto é só um. Apenas se procede uma vez ao desconto. Se o tempo de sujeição a uma das medidas restritivas da liberdade fosse descontado tantas vezes quantas as condenações, então, teria de ser afirmado o desconto por inteiro no cumprimento das penas nos processos em que viesse a ser condenado. Os elementos histórico e racional ou teleológico confirmam a solução imposta pelo elemento gramatical. A razão de ser da actual redacção do artigo 80.º é não restringir o desconto ao processo em que o arguido esteve sujeito às medidas restritivas da liberdade, com a consequência – que o legislador entendeu ser político-criminalmente indesejável –, de o tempo em que esteve sujeito a elas não lhe aproveitar, caso viesse a ser absolvido nesse processo. Mas, antes, possibilitar que o tempo de privação da liberdade em resultado da sujeição a uma dessas medidas aproveite ao arguido mesmo que seja condenado num processo diferente daquele em que esteve submetido a elas, desde que o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual foram aplicadas. A expressão “quando o facto por que for condenado” revela, ainda, que o legislador tinha, justamente, em mente, uma única condenação (em pena singular ou única, repete-se). O texto da lei não comporta a interpretação sustentada pelo recorrente porque não tem qualquer apoio, ou, pelo menos, uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. Por outro lado, a história evolutiva do preceito e a razão de ser da alteração da redacção do artigo 80.º do CP demonstram que o texto da lei não atraiçoou o pensamento do legislador. Recorde-se, de novo, a “exposição de motivos” do Anteprojecto. A inovação não radica em descontar as medidas privativas da liberdade tantas vezes quantas as condenações em processos diferentes. A inovação, em relação ao regime anterior, consiste em prescindir, para efeito do desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente. As medidas são descontadas na pena em que o arguido venha a ser condenado, seja ele condenado no processo em que as medidas lhe foram aplicadas, seja ele condenado em processo diferente desse (verificada a conexão que a versão da Lei n.º 59/2007 definiu). A operação de desconto é única. Deixou foi de ser exclusiva de um único processo. III Termos em que, pelos fundamentos expostos, na confirmação do despacho recorrido, negamos provimento ao recurso. Por ter decaído, condenamos o recorrente em 5 UC de taxa de justiça. Porto, 14 de Julho de 2008 Isabel Celeste Alves Pais Martins David Pinto Monteiro ___________ [1] Doravante designado pelas iniciais CP. [1] Doravante designado pelas iniciais CPP.