I – A ideia de bons costumes encerra um conceito indeterminado, que se torna necessário precisar, não sendo qualquer ilícito que cabe na previsão da norma, mas apenas o comportamento ilícito que atenta contra os fundamentos mais profundos de toda a moral que possa afectar o comportamento humano, a moral pública, que é comum à sociedade em que se insere. II – A sanção da nulidade está reservada à deliberação de conteúdo ofensivo dos bons costumes, ao passo que a anulabilidade cabe à de fim contrário a eles, por enfermar, tão somente, abuso de direito. III – É deslocada a invocação pela apelante, apenas na fase processual de recurso, da omissão do registo da acção.
Apelação n.º 279/09-3.ª Teles de Menezes e Melo – n.º 1053 Des. Mário Fernandes – n.º Des. José Ferraz Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B…………… intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra a C………….., CRL, pedindo se declare nula a deliberação da assembleia geral desta ocorrida em 09-03-2007 ou se declare a mesma anulada, e se declarem nulos ou anulados os actos praticados pelos órgãos sociais da R., na sequência da referida deliberação social. Alegou que é cooperador da R. tendo sido eleito em 10 de Maio de 2005, por um período de 3 anos, como Presidente do Conselho Fiscal e que em 9 de Março de 2007 se elegeram novos corpos sociais, sem que os órgãos sociais em funções se tivessem demitido ou destituídos pela Assembleia Geral. Mais alegou que se opôs à realização de eleições e que houve cooperadores que não conseguiram participar nas eleições. A R. contestou, alegando que a convocatória da Assembleia em questão foi publicitada mais de 30 dias antes da sua realização, não tendo o A. impugnado a referida convocatória, tendo inclusivamente apresentado uma lista candidata às eleições que veio a retirar no dia anterior às mesmas. Mais alegou, que o A. nunca tomou posse do seu cargo, encontrando-se a R. numa situação ilegal. O A. replicou, impugnando as excepções levantadas pela Ré na contestação. II. Teve lugar uma audiência preliminar, na qual foi proferido saneador-sentença que julgou a acção procedente e: • Declarou nula a deliberação da R. C…………… de 9 de Março de 2007 em que designou órgãos sociais; • Declarou nulos todos os actos praticados por estes, com salvaguarda do previsto no artigo 291.º do CC. III. Recorreu a Ré, concluindo como segue: a) - A sentença recorrida, depois de considerar relevante as competências da ASSEMBLEIA GERAL da Cooperativa relativamente ao acto de eleição de novos órgãos, em 09 de Março de 2007, venha considerar, infundadamente, que os órgãos eleitos em 9 de Março de 2007, foi violadora dos bons costumes, remetendo para o art°56°, n° 1 , al. d) do CSComerciais. b) - A decisão é infundamentada quando se tenta fazer a definição de BONS COSTUMES como expressões "...da moral social, nas áreas referidas da actuação sexual e familiar e da deontologia profissional, proibindo os actos que a contrariem ". c) - Não nos parece que a deliberação da Assembleia Geral da Ré se enquadre, por qualquer forma interpretativa, como vício de conteúdo indicado na alínea d) do art. 56° do Código das Sociedade Comerciais. d) - Não se trata duma deliberação ofensiva de qualquer disposição imperativa da lei para ficar ferida de nulidade ou anulabilidade, pois tal disposição não é de ordem pública ou que não possa ser afastada por vontade unânime dos sócios ou, in casu, cooperantes. e) - A deliberação, como consta dos autos, foi tomada unanimemente pelo órgão máximo da Cooperativa e fundamentada no interesse da Cooperativa e no facto de estarem presentes centenas de cooperantes. f) - A acção não deverá ser considerada decidida por falta da obrigatoriedade de registo da acção, na Conservatória do registo Predial, conforme determina o art° 3°, nºs 1, al. b) e n° 2 do respectivo C.R.P., pelo que deveria ter sido considerada interrompida a instância. Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências. Não houve contra-alegação. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. IV. Factos considerados provados na sentença: 1. A R. é uma Cooperativa com a firma C…………. CRL, com sede em Carrazeda de Ansiães, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Carrazeda de Ansiães sob o n.º 500955999 (provado por documento); 2. Em 10-05-2005, esta Cooperativa elegeu o R. para o cargo Presidente do Concelho Fiscal pelo triénio de 2005/2007 (provado por documento); 3. Em 9 de Março de 2007, esta Cooperativa elegeu novos órgãos sociais para o triénio de 2007/2009 (provado por documento); 4. Os titulares dos órgãos designados em Maio de 2005, não se demitiram dos seus cargos (provado por acordo); 5. Os titulares dos órgãos designados em Maio de 2005, não foram destituídos dos seus cargos (provado por acordo); 6. Os titulares dos órgãos designados em Maio de 2005, não foram excluídos (provado por acordo); 7. Em 5 de Maio de 2007, o A. e outros opuseram-se à realização de eleições, nos termos que constam do documento de fls. 31 a 36 que aqui se dá por integralmente reproduzido (provado por acordo); 8. Esta acção deu entrada em juízo no dia 9 de Abril de 2007. V. Questões suscitadas no recurso: - não houve violação dos bons costumes, para efeitos do disposto no art. 56.º/1-d) do CSC; - falta de registo da acção. 1. Dispõe o art. 56.º/1-d) do CSC que são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios. O conceito “ofensivo dos bons costumes” integra uma noção variável, com os tempos e lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fama, num dado ambiente e num certo momento – ac. STJ de 7.1.1993, Bol. 423.º-540, citando Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., pág. 435. Escreve Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª ed., p. 449 e ss., que formalmente, a alínea d) do art. 56.º/1 se refere expressamente ao conteúdo das deliberações, não se prevendo qualquer hipótese de sanação para a sua previsão, pelo que estará ferida de nulidade insanável, que deve ter-se como nulidade típica, sujeita à sanção do art. 286.º do CC, que a fere de invalidade ab initio e independentemente de impugnação. Envolvendo a mencionada alínea duas hipóteses de nulidade, interessa-nos a primeira, integrada pelas deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes, já que foi com base neste conceito que a acção foi julgada procedente. Como é visível, a ideia de bons costumes encerra um conceito indeterminado, que se torna necessário precisar. Diz o autor citado, p. 453, que não é qualquer ilícito que cabe na previsão da norma, mas apenas o comportamento ilícito que atenta contra os fundamentos mais profundos de toda a moral que possa afectar o comportamento humano, a moral pública, que é comum à sociedade em que se insere. Moral pública que há-de procurar-se através do critério sociológico, reportado aos bons costumes pelo Supremo Tribunal alemão como o sentido do decoro ou da dignidade de todas as pessoas que pensam com equidade e justiça – ibid. Aquilo que se passou no caso em análise foi que quando ainda vigorava o mandato para que fora eleito o A., a Ré convocou eleições e elegeu novos elementos para os corpos sociais, sem ter havido renúncia, demissão ou destituição dos anteriores. Quer dizer que se conseguiu o afastamento dos titulares desses órgãos, eleitos para o triénio anterior, mediante uma atitude não prevista no Pacto Social e contra o disposto expressamente no art. 19.º, que reza que a duração dos mandatos dos titulares da mesa da assembleia geral, da direcção e do conselho fiscal é de três anos, sendo permitida a reeleição. Não parece, todavia, que este comportamento manifestamente contrário a uma norma do Pacto Social, assuma a gravidade suficiente para integrar uma nulidade reportável ao art. 286.º do CC. O autor mencionado, no mesmo local, elenca as seguintes deliberações como contrárias aos bons costumes: - tráfico de bens cuja comercialidade é reprovada pela moral pública; - exploração económica eticamente censurável pelo aproveitamento das circunstâncias para se extorquir uma prestação patrimonial indevida ou para se comercializarem bens incomercializáveis; - sujeição do semelhante a formas de servidão. Evidentemente, o caso em análise não assume esta gravidade, podendo dizer-se que não é o seu conteúdo que é ofensivo dos bons costumes, como sucede com os exemplos dados, mas o seu fim que é contrário aos mesmos, por se ter concretizado uma substituição dos membros dos órgãos ainda legalmente e estatutariamente em exercício, em conformidade com norma do contrato de sociedade. Vasco Lobo Xavier, Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no projecto de Código das Sociedades (Separata da RLJ, 118.º, 1985, n.º 15, p.18-19), citado pelo autor a que vimos aludindo, p. 454, afirma que o abuso do direito pode consistir numa ofensa aos bons costumes, distinguindo os dois conceitos desta forma: o abuso que atenta contra os bons costumes só é contrário a estes pelo fim, não pelo conteúdo; pelo que a sanção da nulidade ficaria reservada à deliberação de conteúdo ofensivo dos bons costumes, ao passo que a anulabilidade caberia à de fim contrário a eles, por enfermar, tão-somente, abuso de direito. Ora, parece manifesto que encerra de abuso de direito a realização de eleições antecipadas sem que para elas haja motivo, dado estarem ainda em exercício os membros dos anteriores corpos eleitos. Por conseguinte, a deliberação, em vez de nula, será anulável. E sempre o seria ao abrigo do art. 58.º/1-a) do CSC, por violação do contrato de sociedade, conforme já se disse. Este tribunal não está impedido de conhecer da anulabilidade, porquanto esta foi pedida a título subsidiário pelo A., sendo certo que nesta hipótese não é necessário ao apelado pedir a ampliação do âmbito do recurso – cfr. Lebre de Freitas, CPC Anot., III, p. 36. 2. Sustenta, ainda, a apelante que a acção não devia ter sido decidida, uma vez que não foi registada, pelo que se deveria ter interrompido a instância, remetendo para o art. 3.º/1-b) e 2 do CRP. Está-se a ver que a referência ao Código do Registo Predial é desajustada, devendo ter-se querido dizer Código do Registo Comercial (DL 403/86, de 3.12, republicado no DL 76-A/2006, de 29.3). Vejamos, pois, o que estabelece este diploma relativamente à questão do registo das acções. Estabelece o art. 4.º, sob a epígrafe Cooperativas: Estão sujeitos a registo os seguintes factos relativos a cooperativas: a) A constituição da cooperativa; b) A nomeação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, de directores, representantes e liquidatários; c) (Revogada) d) A prorrogação, transformação, fusão, cisão e qualquer outra alteração dos estatutos; e) A dissolução e encerramento da liquidação. Manifestamente, não é isto que está em causa. O art. 9.º, que trata das acções e decisões sujeitas a registo, impõe na alínea b) o registo das que tenham por fim, principal ou acessório, declarar, fazer reconhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos nos art.s 3.º a 8.º; na alínea d) das de declaração de nulidade ou anulação dos actos de constituição de cooperativas; e na alínea e) das de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais (…). E o art. 15.º (Factos sujeitos a registo obrigatório), estabelece no n.º 5 que as acções de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade, de agrupamento complementar de empresas e de agrupamento europeu de interesse económico, dos actos constitutivos de cooperativas e de estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, bem como de deliberações sociais, não terão seguimento após os articulados enquanto não for feita a prova de ter sido pedido o seu registo, (…). Admite-se, por isso, ser obrigatório o registo da acção. Todavia, como se decidiu no recente acórdão desta Secção de 24.4.2008, n.º de documento RP200804240831244, in www.dgsi.pt, subscrito pelo Ex.mo Adjunto Des. José Ferraz, em caso análogo de obrigatoriedade de registo em acção de direitos reais, a acção prosseguiu até final, sem que antes tivesse sido suscitada, inclusive pela apelante, a omissão dessa formalidade, que não influi no exame ou decisão da causa. Daí que a dita omissão não produza quaisquer consequências nesta fase processual. No acórdão desta Relação de 12.12.2006, n.º de doc. RP200612120626730, considerou-se que nem a lei declara que a falta de registo da acção produz nulidade, nem é susceptível de interferir no exame ou na decisão da causa, dado que a exigência do registo só se justifica pela protecção de terceiros e a segurança do comércio jurídico. Por seu turno, no acórdão ainda desta Relação de 20.11.2006, n.º de doc. RP200611200655996, refere-se que o registo da acção – art. 291º do Código Civil – tem natureza cautelar, traduzindo-se numa antecipação do registo da sentença em caso de procedência. Por isso, no dispositivo da sentença impugnada se consignou que a nulidade dos actos praticados pelos órgãos sociais eleitos em 9 de Março de 2007, era decretada com salvaguarda do previsto no artigo 291.º do CC. Concluindo, nesta fase processual é deslocada a invocação pela apelante da omissão do registo da acção. 3. Face ao exposto: Julga-se a apelação improcedente, mas altera-se a sentença nestes termos: • Declara-se anulada a deliberação da Ré C………….. de 9 de Março de 2007 em que designou órgãos sociais; • Declaram-se anulados todos os actos praticados pelos mesmos órgãos sociais, com salvaguarda do previsto no artigo 291.º do CC; Custas pela apelante, já que a acção procede pelos pedidos subsidiários. Porto, 05 de Março de 2009 Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes José Manuel Carvalho Ferraz
Apelação n.º 279/09-3.ª Teles de Menezes e Melo – n.º 1053 Des. Mário Fernandes – n.º Des. José Ferraz Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B…………… intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra a C………….., CRL, pedindo se declare nula a deliberação da assembleia geral desta ocorrida em 09-03-2007 ou se declare a mesma anulada, e se declarem nulos ou anulados os actos praticados pelos órgãos sociais da R., na sequência da referida deliberação social. Alegou que é cooperador da R. tendo sido eleito em 10 de Maio de 2005, por um período de 3 anos, como Presidente do Conselho Fiscal e que em 9 de Março de 2007 se elegeram novos corpos sociais, sem que os órgãos sociais em funções se tivessem demitido ou destituídos pela Assembleia Geral. Mais alegou que se opôs à realização de eleições e que houve cooperadores que não conseguiram participar nas eleições. A R. contestou, alegando que a convocatória da Assembleia em questão foi publicitada mais de 30 dias antes da sua realização, não tendo o A. impugnado a referida convocatória, tendo inclusivamente apresentado uma lista candidata às eleições que veio a retirar no dia anterior às mesmas. Mais alegou, que o A. nunca tomou posse do seu cargo, encontrando-se a R. numa situação ilegal. O A. replicou, impugnando as excepções levantadas pela Ré na contestação. II. Teve lugar uma audiência preliminar, na qual foi proferido saneador-sentença que julgou a acção procedente e: • Declarou nula a deliberação da R. C…………… de 9 de Março de 2007 em que designou órgãos sociais; • Declarou nulos todos os actos praticados por estes, com salvaguarda do previsto no artigo 291.º do CC. III. Recorreu a Ré, concluindo como segue: a) - A sentença recorrida, depois de considerar relevante as competências da ASSEMBLEIA GERAL da Cooperativa relativamente ao acto de eleição de novos órgãos, em 09 de Março de 2007, venha considerar, infundadamente, que os órgãos eleitos em 9 de Março de 2007, foi violadora dos bons costumes, remetendo para o art°56°, n° 1 , al. d) do CSComerciais. b) - A decisão é infundamentada quando se tenta fazer a definição de BONS COSTUMES como expressões "...da moral social, nas áreas referidas da actuação sexual e familiar e da deontologia profissional, proibindo os actos que a contrariem ". c) - Não nos parece que a deliberação da Assembleia Geral da Ré se enquadre, por qualquer forma interpretativa, como vício de conteúdo indicado na alínea d) do art. 56° do Código das Sociedade Comerciais. d) - Não se trata duma deliberação ofensiva de qualquer disposição imperativa da lei para ficar ferida de nulidade ou anulabilidade, pois tal disposição não é de ordem pública ou que não possa ser afastada por vontade unânime dos sócios ou, in casu, cooperantes. e) - A deliberação, como consta dos autos, foi tomada unanimemente pelo órgão máximo da Cooperativa e fundamentada no interesse da Cooperativa e no facto de estarem presentes centenas de cooperantes. f) - A acção não deverá ser considerada decidida por falta da obrigatoriedade de registo da acção, na Conservatória do registo Predial, conforme determina o art° 3°, nºs 1, al. b) e n° 2 do respectivo C.R.P., pelo que deveria ter sido considerada interrompida a instância. Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências. Não houve contra-alegação. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. IV. Factos considerados provados na sentença: 1. A R. é uma Cooperativa com a firma C…………. CRL, com sede em Carrazeda de Ansiães, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Carrazeda de Ansiães sob o n.º 500955999 (provado por documento); 2. Em 10-05-2005, esta Cooperativa elegeu o R. para o cargo Presidente do Concelho Fiscal pelo triénio de 2005/2007 (provado por documento); 3. Em 9 de Março de 2007, esta Cooperativa elegeu novos órgãos sociais para o triénio de 2007/2009 (provado por documento); 4. Os titulares dos órgãos designados em Maio de 2005, não se demitiram dos seus cargos (provado por acordo); 5. Os titulares dos órgãos designados em Maio de 2005, não foram destituídos dos seus cargos (provado por acordo); 6. Os titulares dos órgãos designados em Maio de 2005, não foram excluídos (provado por acordo); 7. Em 5 de Maio de 2007, o A. e outros opuseram-se à realização de eleições, nos termos que constam do documento de fls. 31 a 36 que aqui se dá por integralmente reproduzido (provado por acordo); 8. Esta acção deu entrada em juízo no dia 9 de Abril de 2007. V. Questões suscitadas no recurso: - não houve violação dos bons costumes, para efeitos do disposto no art. 56.º/1-d) do CSC; - falta de registo da acção. 1. Dispõe o art. 56.º/1-d) do CSC que são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios. O conceito “ofensivo dos bons costumes” integra uma noção variável, com os tempos e lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fama, num dado ambiente e num certo momento – ac. STJ de 7.1.1993, Bol. 423.º-540, citando Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., pág. 435. Escreve Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª ed., p. 449 e ss., que formalmente, a alínea d) do art. 56.º/1 se refere expressamente ao conteúdo das deliberações, não se prevendo qualquer hipótese de sanação para a sua previsão, pelo que estará ferida de nulidade insanável, que deve ter-se como nulidade típica, sujeita à sanção do art. 286.º do CC, que a fere de invalidade ab initio e independentemente de impugnação. Envolvendo a mencionada alínea duas hipóteses de nulidade, interessa-nos a primeira, integrada pelas deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes, já que foi com base neste conceito que a acção foi julgada procedente. Como é visível, a ideia de bons costumes encerra um conceito indeterminado, que se torna necessário precisar. Diz o autor citado, p. 453, que não é qualquer ilícito que cabe na previsão da norma, mas apenas o comportamento ilícito que atenta contra os fundamentos mais profundos de toda a moral que possa afectar o comportamento humano, a moral pública, que é comum à sociedade em que se insere. Moral pública que há-de procurar-se através do critério sociológico, reportado aos bons costumes pelo Supremo Tribunal alemão como o sentido do decoro ou da dignidade de todas as pessoas que pensam com equidade e justiça – ibid. Aquilo que se passou no caso em análise foi que quando ainda vigorava o mandato para que fora eleito o A., a Ré convocou eleições e elegeu novos elementos para os corpos sociais, sem ter havido renúncia, demissão ou destituição dos anteriores. Quer dizer que se conseguiu o afastamento dos titulares desses órgãos, eleitos para o triénio anterior, mediante uma atitude não prevista no Pacto Social e contra o disposto expressamente no art. 19.º, que reza que a duração dos mandatos dos titulares da mesa da assembleia geral, da direcção e do conselho fiscal é de três anos, sendo permitida a reeleição. Não parece, todavia, que este comportamento manifestamente contrário a uma norma do Pacto Social, assuma a gravidade suficiente para integrar uma nulidade reportável ao art. 286.º do CC. O autor mencionado, no mesmo local, elenca as seguintes deliberações como contrárias aos bons costumes: - tráfico de bens cuja comercialidade é reprovada pela moral pública; - exploração económica eticamente censurável pelo aproveitamento das circunstâncias para se extorquir uma prestação patrimonial indevida ou para se comercializarem bens incomercializáveis; - sujeição do semelhante a formas de servidão. Evidentemente, o caso em análise não assume esta gravidade, podendo dizer-se que não é o seu conteúdo que é ofensivo dos bons costumes, como sucede com os exemplos dados, mas o seu fim que é contrário aos mesmos, por se ter concretizado uma substituição dos membros dos órgãos ainda legalmente e estatutariamente em exercício, em conformidade com norma do contrato de sociedade. Vasco Lobo Xavier, Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no projecto de Código das Sociedades (Separata da RLJ, 118.º, 1985, n.º 15, p.18-19), citado pelo autor a que vimos aludindo, p. 454, afirma que o abuso do direito pode consistir numa ofensa aos bons costumes, distinguindo os dois conceitos desta forma: o abuso que atenta contra os bons costumes só é contrário a estes pelo fim, não pelo conteúdo; pelo que a sanção da nulidade ficaria reservada à deliberação de conteúdo ofensivo dos bons costumes, ao passo que a anulabilidade caberia à de fim contrário a eles, por enfermar, tão-somente, abuso de direito. Ora, parece manifesto que encerra de abuso de direito a realização de eleições antecipadas sem que para elas haja motivo, dado estarem ainda em exercício os membros dos anteriores corpos eleitos. Por conseguinte, a deliberação, em vez de nula, será anulável. E sempre o seria ao abrigo do art. 58.º/1-a) do CSC, por violação do contrato de sociedade, conforme já se disse. Este tribunal não está impedido de conhecer da anulabilidade, porquanto esta foi pedida a título subsidiário pelo A., sendo certo que nesta hipótese não é necessário ao apelado pedir a ampliação do âmbito do recurso – cfr. Lebre de Freitas, CPC Anot., III, p. 36. 2. Sustenta, ainda, a apelante que a acção não devia ter sido decidida, uma vez que não foi registada, pelo que se deveria ter interrompido a instância, remetendo para o art. 3.º/1-b) e 2 do CRP. Está-se a ver que a referência ao Código do Registo Predial é desajustada, devendo ter-se querido dizer Código do Registo Comercial (DL 403/86, de 3.12, republicado no DL 76-A/2006, de 29.3). Vejamos, pois, o que estabelece este diploma relativamente à questão do registo das acções. Estabelece o art. 4.º, sob a epígrafe Cooperativas: Estão sujeitos a registo os seguintes factos relativos a cooperativas: a) A constituição da cooperativa; b) A nomeação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, de directores, representantes e liquidatários; c) (Revogada) d) A prorrogação, transformação, fusão, cisão e qualquer outra alteração dos estatutos; e) A dissolução e encerramento da liquidação. Manifestamente, não é isto que está em causa. O art. 9.º, que trata das acções e decisões sujeitas a registo, impõe na alínea b) o registo das que tenham por fim, principal ou acessório, declarar, fazer reconhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos nos art.s 3.º a 8.º; na alínea d) das de declaração de nulidade ou anulação dos actos de constituição de cooperativas; e na alínea e) das de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais (…). E o art. 15.º (Factos sujeitos a registo obrigatório), estabelece no n.º 5 que as acções de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade, de agrupamento complementar de empresas e de agrupamento europeu de interesse económico, dos actos constitutivos de cooperativas e de estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, bem como de deliberações sociais, não terão seguimento após os articulados enquanto não for feita a prova de ter sido pedido o seu registo, (…). Admite-se, por isso, ser obrigatório o registo da acção. Todavia, como se decidiu no recente acórdão desta Secção de 24.4.2008, n.º de documento RP200804240831244, in www.dgsi.pt, subscrito pelo Ex.mo Adjunto Des. José Ferraz, em caso análogo de obrigatoriedade de registo em acção de direitos reais, a acção prosseguiu até final, sem que antes tivesse sido suscitada, inclusive pela apelante, a omissão dessa formalidade, que não influi no exame ou decisão da causa. Daí que a dita omissão não produza quaisquer consequências nesta fase processual. No acórdão desta Relação de 12.12.2006, n.º de doc. RP200612120626730, considerou-se que nem a lei declara que a falta de registo da acção produz nulidade, nem é susceptível de interferir no exame ou na decisão da causa, dado que a exigência do registo só se justifica pela protecção de terceiros e a segurança do comércio jurídico. Por seu turno, no acórdão ainda desta Relação de 20.11.2006, n.º de doc. RP200611200655996, refere-se que o registo da acção – art. 291º do Código Civil – tem natureza cautelar, traduzindo-se numa antecipação do registo da sentença em caso de procedência. Por isso, no dispositivo da sentença impugnada se consignou que a nulidade dos actos praticados pelos órgãos sociais eleitos em 9 de Março de 2007, era decretada com salvaguarda do previsto no artigo 291.º do CC. Concluindo, nesta fase processual é deslocada a invocação pela apelante da omissão do registo da acção. 3. Face ao exposto: Julga-se a apelação improcedente, mas altera-se a sentença nestes termos: • Declara-se anulada a deliberação da Ré C………….. de 9 de Março de 2007 em que designou órgãos sociais; • Declaram-se anulados todos os actos praticados pelos mesmos órgãos sociais, com salvaguarda do previsto no artigo 291.º do CC; Custas pela apelante, já que a acção procede pelos pedidos subsidiários. Porto, 05 de Março de 2009 Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes José Manuel Carvalho Ferraz