I- A realização do contrato prometido não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas. II-. A cláusula penal moratória pode cumular-se com a realização específica da obrigação principal, visto destinar-se apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento. III-. A cláusula penal constitui determinação forfaitaire e preventiva do dano devido e simplifica a fase ressarcidora, ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e prova do dano concreto.
Rec. – 7523-07.9TBVNG.P1 Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 26/9/08. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº7523/07.9TBVNG, do 4º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Gaia. Autor – B……………... Ré – C……………….., Ldª. Pedido Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 6 900, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação. Tese do Autor Por contrato promessa de 1/4/05, a Ré celebrou com o Autor um contrato promessa de compra e venda, incidente sobre uma vivenda geminada da tipologia T2+1, pelo preço de € 160 000. A escritura deveria ser realizada até ao dia 1/12/05. Seria a Ré a agendar a escritura pública e a comunicar ao Autor, com a antecedência de duas semanas, a hora e local da mesma, mas se a entidade concedente de crédito ao Autor o entendesse, caber-lhe-ia a ela tal agendamento. A Ré obrigou-se a pagar ao Autor € 300, por cada semana de atraso na entrega da fracção, em face da necessidade absoluta da disponibilidade do imóvel, por parte do Autor, naquela data. A escritura de compra e venda apenas se realizou em 15/5/2006 por culpa exclusiva da Ré. Peticiona o valor da pena convencionada no contrato. Tese da Ré Impugna motivadamente a tese do Autor, e alega que esse Autor sempre manifestou à Ré não ter qualquer necessidade eminente da fracção. Sentença Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada procedente, por provada, e a Ré condenada nos exactos termos peticionados. Conclusões do Recurso de Apelação (resenha) 1 – A Ré obrigou-se a outorgar o contrato prometido até 1/12/05 e a proceder à marcação da data e local para a outorga da escritura pública formalizadora do contrato prometido e posterior notificação do Autor; todavia, essa obrigação era alternativa, e se a entidade concedente do crédito bancário pretendesse ser ela a marcar a escritura pública formalizadora do mesmo, a Ré deixava de estar obrigada nos termos anteriores. 2 – Tendo a entidade concedente do crédito bancário pretendido e procedido à marcação de escritura pública, a Ré passou a estar obrigada como na 2ª parte de 1) anterior. 3 – As partes estipularam de forma especial, escrita, que as notificações ou comunicações em execução do contrato deveriam ser efectuadas para as moradas constantes do cabeçalho; não foi alegado ou provado que o Autor tenha solicitado, para a morada da Ré, quaisquer documentos necessários ao contrato prometido. 4 – A Ré não deixou de efectuar, no tempo devido, qualquer prestação a que se tenha obrigado. 5 – A Ré ficou exonerada da prestação correspondente à celebração do contrato prometido até 1/12/05, pelo facto de a entidade financiadora pretender ser ela a marcar a data, hora e local para a formalização do contrato prometido. A interpelação nunca foi feita, pelo que a obrigação nunca se venceu. 6 – É irrelevante se a Ré esteve impossibilitada de efectuar qualquer prestação se não estava obrigada a fazê-lo nesse momento, fosse por não existir prazo, fosse por não ter sido interpelada nos termos legais. O Apelado produziu as respectivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Factos Apurados em 1ª Instância A Ré é uma empresa que se dedica à actividade de construção civil e à comercialização de imóveis (alínea a) da matéria assente). Em 1 de Abril de 2005, no exercício dessa sua actividade comercial, a Ré celebrou com o Autor o contrato-promessa de compra e venda constante de fls. 34 a 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea b) da matéria assente). De acordo com tal contrato, o Autor prometeu comprar e a Ré prometeu vender uma fracção a constituir com a letra “H”, correspondente a uma vivenda geminada de tipologia T2+1, constituída por cave e rés-do-chão, com um total de 168,20m2 de área coberta e de 102,00m2 de área descoberta, sito à ……., com entrada pelo número ….. (alínea c) da matéria assente). Acordaram as partes, na cláusula 5ª daquele contrato, que o preço da prometida venda era de €160.000,00 (alínea d) da matéria assente). Na cláusula 7ª acordaram que “A escritura pública de celebração do contrato será realizada até ao próximo dia 1 de Dezembro de 2005, e deverá ser agendada até então pela 1ª Outorgante, devendo comunicar tal marcação e respectivo local com uma antecedência mínima de duas semanas, sem prejuízo de a entidade concedente do crédito bancário para compra da fracção pretender ela própria marcar e escolher o local para a realização daquela escritura pública, caso em que a 1ª Outorgante se obriga a entregar todos os necessários documentos em vista da realização do negócio logo que tal seja solicitado” (alínea e) da matéria assente). Nos termos da cláusula 8ª obrigou-se a 1ª Outorgante, aqui Ré, a pagar ao 2º Outorgante, o ora Autor, a quantia de €300,00 por cada semana de atraso na entrega da fracção objecto desta promessa, a partir da data referida na cláusula anterior (alínea f) da matéria assente). Acordaram as partes na cláusula 1ª que “Todas as notificações ou comunicações que venham a ser necessárias em execução deste contrato consideram-se validamente efectuadas se o forem para as moradas constantes do cabeçalho deste contrato” (alínea g) da matéria assente). No dia 15 de Maio de 2006 foi celebrada a escritura pública de compra e venda do imóvel supra identificado - doc. de fls. 66 a 69, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - (alínea h) da matéria assente). A entidade financiadora do crédito para aquisição da fracção em causa pretendeu ser ela a marcar e escolher o local para a realização da escritura de compra e venda (alínea i) da matéria assente). Em 8 de Março de 2006, a advogada do Autor remeteu uma carta à Ré, informando de que tendo-se deslocado à Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia foi informada que o registo da constituição da propriedade horizontal do prédio ainda não estava concluído - doc. de fls. 38, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - (alínea j) da matéria assente). Em 15 de Março de 2006, a Ré respondeu à carta do Autor informando-o que a propriedade horizontal foi realizada em 24.01.2006 e os registos foram efectuados em 27.01.2006 e que os mesmos se encontravam em seu poder (doc. de fls. 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea l) da matéria assente). Na data referida na alínea anterior, não remeteu a Ré ao Autor nenhum dos documentos necessários à realização do negócio (alínea m) da matéria assente). A Ré celebrou a escritura de constituição da propriedade horizontal no dia 24 de Janeiro de 2006 (alínea n) da matéria assente). Tendo apresentado o requerimento para o respectivo registo em 27 de Janeiro de 2006 - doc. de fls. 46 a 49, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - (alínea o) da matéria assente). Em 29 de Março de 2006, a Ré remeteu ao Autor cópia da certidão do registo comercial, predial e cópia do modelo 1 das Finanças (alínea p) da matéria assente). O alvará de utilização relativo ao imóvel foi emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 10 de Abril de 2006 - doc. de fls. 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – (alínea q) da matéria assente). A Ré requereu o registo de aquisição provisória a favor do Autor, na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, em 12 de Abril de 2006 – doc. de fls. 56 e 57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea r) da matéria assente). Em 24 de Março de 2006, a sócia gerente da Ré revalidou a certidão que exibiu no Cartório Notarial de D…………… para reconhecimento da sua assinatura nas declarações complementares feitas no pedido de registo provisório de aquisição da fracção a favor do Autor - doc. de fls. 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea s) da matéria assente). No dia 13 de Abril de 2006 facultou a Ré ao Autor cópia dos documentos de identificação dos seus sócios (alínea t) da matéria assente). A escritura de compra e venda do contrato prometido foi realizada na única data e no local designados pela Caixa Geral de Depósitos (alínea u) da matéria assente). A escritura de compra e venda não se realizou a 1 de Dezembro de 2005 em virtude da construção da fracção ainda não estar concluída nem ter a Ré obtido todos os documentos necessários à marcação da mesma (facto 4º). A construção da fracção autónoma só ficou concluída após o dia 1 de Janeiro de 2006 (facto 5º). Assim que a construção da fracção ficou concluída, o Autor solicitou à Ré, na pessoa dos seus sócios, que lhe entregassem os documentos necessários à concretização do negócio (facto 6º). A Ré só entregou os documentos solicitados em Março de 2006 (facto 7º). Apesar do Autor, pessoalmente ou por interposta pessoa, os ter solicitado a partir do momento em que a construção ficou concluída (facto 8º). Em 10 de Abril de 2006 é que a Ré facultou ao Autor cópia do alvará de utilização do prédio (facto 9º). A Ré, só em Abril de 2006 é que logrou reunir todos os documentos necessários para a realização da escritura (facto 10º). O Autor e a sua família tinham a forte convicção de que iriam usufruir em toda a plenitude da fracção a partir de 1 de Dezembro de 2005 (facto 11º). O Autor organizou e planeou a sua vida, no ano de 2005, assente na premissa de que iria viver para o imóvel até ao dia 1 de Dezembro desse ano (facto 12º). O Autor sempre equacionou passar o Natal de 2005 na fracção que prometeu comprar à Ré (facto 13º). Ao sogro do Autor tinha-lhe sido diagnosticado um cancro e no Verão de 2005 agravou-se substancialmente o seu estado de saúde (facto 14º). Sendo previsível que a sua esperança de vida não ultrapassasse um ano (facto 15º). A sogra do Autor precisava de apoio, quer a nível físico, quer a nível psicológico para cuidar do seu marido (facto 16º). O Autor, juntamente com a esposa e irmã desta, viram-se na obrigação de apoiar o sogro e pai daquelas (facto 17º). O Autor tentou vender o imóvel em que habitava (facto 18º). Em Agosto de 2005 surgiu uma oportunidade de negócio com um familiar do Autor mas que implicava que aquele passasse a habitar o imóvel imediatamente (facto 19º). O Autor, em Junho de 2005, perante a necessidade de prestar apoio aos sogros, fez um acordo com a cunhada, irmã da sua esposa (facto 20º). O Autor e mulher apoiariam os seus sogros, indo viver com eles até celebrarem a escritura de compra e venda em 1 de Dezembro de 2005 (facto 21º). E a cunhado do Autor passaria a ir viver com os seus pais, para os apoiar, a partir de 1 de Dezembro de 2005 (facto 22º). Tendo o Autor que permanecer a viver com os sogros depois do dia 1 de Dezembro de 2005 (facto 23º). Ficando-os a apoiar até à morte do sogro, em 26 de Junho de 2006 (facto 24º). Tendo sido extremamente penoso o tempo que o Autor e sua família, mulher e filha, viveram em casa dos sogros (facto 25º). Convivendo diariamente com o sofrimento (facto 26º). A mulher do Autor, com os problemas supra descritos, ficou muito perturbada (facto 30º). Chegando mesmo a ter deixado de trabalhar, na medida em que as suas condições psicológicas não o permitiam (facto 31º). A C.G.D. marcou a escritura pública três semanas após a data em que a Ré facultou ao Autor toda a documentação necessária para a realização da mesma (facto 39º). Em Junho de 2005, o Autor foi viver para a residência dos seus sogros por escolha própria (facto 44º). A Ré foi fornecendo ao Autor os documentos conforme os ia obtendo (facto 46º). A data da escritura foi a escolhida por ter sido a possível após a reunião de todos os documentos pela Ré (facto 47º). Fundamentos O recurso da Ré comporta a apreciação do bem fundado da sentença recorrida, no pressuposto de que as partes hajam prescindido, por via da escolha da marcação da escritura a cargo da entidade bancária, nos termos do contrato promessa, da data prevista como termo para a realização do contrato prometido (1/12/2005), e também enquanto tal sentença não tenha considerado que a Ré/Apelante cumpriu todas as obrigações provadas nos autos e que se encontravam a seu cargo. Passaremos a apreciar tal questão. IPor mera ordenação de raciocínio, começaremos por salientar que o cumprimento da obrigação prometida não destrói, ipso facto, as demais obrigações que decorriam do contrato promessa. Na esteira de Meneses Cordeiro Obrigações, I/§179 e R. Martinez, Obrigações (Apontamentos), 2ªed., pg. 178, ou Ac.R.L. 24/4/01 Col.II/114, pode dizer-se que “o contrato promessa é já um contrato vinculante nas suas disposições, cujo definitivo se limita a reproduzir por decalque e cuja formalização de uma vontade de vinculação é susceptível de criar obrigações específicas e autónomas que dispensarão a repetição no contrato definitivo, para efeitos de vinculação, pelo que a situação é análoga à da união de contratos – o que se faz foi estabelecer no documento em que se formalizou a promessa um outro compromisso que não se prendia com esse, necessária e imediatamente”. De facto, é generalizado o entendimento no sentido de não aceitar apenas a noção de cumprimento como explicação para as relações entre os dois instrumentos, antes subordinando também o contrato prometido ao contrato-promessa, estabelecendo ambos uma união de contratos, na qual o contrato definitivo corresponde ao modo de cumprir o contrato-promessa, encontrando-se igualmente na dependência deste último – duas figuras em pé de equilíbrio, constituindo o contrato definitivo um mero cumprimento da promessa, produto de vontade vinculada. De outro lado, vem a doutrina também entendendo que “a realização do contrato prometido (compra e venda) não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas” (ut Ac.R.C. 14/3/00 Bol.495/369 ou Revista Decana, 133º/375, com comentário concordante de M. H. Mesquita). IIPara a solução da questão colocada nesta via de recurso, valem os princípios gerais sobre a interpretação e a integração da declaração negocial, a que aludem os artºs 236º a 239º C.Civ. Como é doutrina do ordenamento jurídico português (artº 236º nº1 C.Civ.), “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. A doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (P. Mota Pinto, Declaração Tácita, pg.206). Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (ut P. Mota Pinto, op. cit., pg.208); não se impõe ao declaratário uma investigação sobre o que o declarante pretendeu significar com esse comportamento, mas antes a apreensão do sentido objectivo que resulta da declaração, independentemente da cognoscibilidade da verdadeira intenção do declarante (esta não relevando para o caso, por se não encontrar no cerne do recurso). Ora, aquilo que resulta da cláusula 7ª do contrato, que o Apelante põe sobre enfoque, é que “a escritura pública de celebração do contrato será realizada até ao próximo dia 1 de Dezembro de 2005, e deverá ser agendada até então pela 1ª Outorgante, devendo comunicar tal marcação e respectivo local com uma antecedência mínima de duas semanas,” “sem prejuízo” (sublinhado nosso) “de a entidade concedente do crédito bancário para compra da fracção pretender ela própria marcar e escolher o local para a realização daquela escritura pública, caso em que a 1ª Outorgante se obriga a entregar todos os necessários documentos em vista da realização do negócio logo que tal seja solicitado” (conforme al. E) supra). Ou seja: uma coisa é o termo previsto para a realização da escritura – 1/12/2005 – outra coisa seria a forma como essa escritura deveria ser agendada. Repare-se como a entidade bancária não tem qualquer palavra a dizer, para futuro, relativamente à data da promessa, quanto ao termo previsto para a celebração do contrato definitivo, mas apenas no que se refere à marcação e escolha do local para a realização da escritura. Também a cláusula 8ª, onde se prevê uma cláusula penal moratória, a cargo da promitente vendedora e aqui Apelante, refere expressamente a “data referida na cláusula anterior”, sem excepcionar qualquer das formas alternativas previstas para a marcação da data e local relativas à celebração do contrato prometido. Resulta abundantemente dos autos que, naquela data prevista como termo ad quem para a outorga da escritura prometida, a Ré nem sequer tinha constituído a propriedade horizontal do prédio (al. N) ou até a construção da fracção prometida (q. 5º); também resulta que só em 10/4/06 a Ré facultou ao Autor cópia do alvará de utilização, apesar de instada previamente para o efeito (qq. 6º a 9º), em 13/4/06, a identificação dos sócios (q. al.T). Por fim, a data da escritura (15/5/06), foi a possível, após a reunião dos documentos fornecidos pela Ré (q. 47º). Neste sentido, resulta absolutamente anódino que a entidade bancária tenha ou não marcado a escritura para data anterior a 1/12/05, pois que sempre seria claro para todos os intervenientes que tal escritura não poderia ter lugar. Dos factos provados nos presentes autos resulta, com clareza, que a obrigação possuía um prazo certo e que, a partir do dia 1/12/05, a Ré se constituiu em mora (artº 805º nº2 al.a) C.Civ.), constituindo-se, do mesmo passo, na obrigação de reparar os danos ao credor – artºs 798º e 804º nº1 C.Civ. IIIO artº 810º nº1 C.Civ. estatui que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível – é o que se chama cláusula penal. O artº 811º nº1 rege que “o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso na prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”. E o nº2 – “o estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”. Conforme Galvão Telles, Obrigações, 6ª ed., pg. 448, cit. in Ac.R.P. 17/1/00 Col.I/186, “a cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda, cláusula penal moratória. A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento” (no mesmo sentido, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pg. 261). A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento – cf. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., II/137. Como escreve Calvão da Silva, op. cit., pg. 249, “determinação forfaitaire e preventiva do dano devido, a cláusula penal simplifica a fase ressarcidora – ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e prova do dano concreto – e é sempre exigível, desde que o inadimplemento ou cumprimento imperfeito da obrigação principal seja imputável ao devedor; por conseguinte, mesmo que o devedor prove não ter resultado nenhum dano do seu incumprimento, ou retardado cumprimento, a pena negocial é devida”. Nestes termos, torna-se manifesta a improcedência da pretensão recursória. A fundamentação poderá resumir-se por esta forma: I – A realização do contrato prometido não implica necessariamente a extinção do contrato promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas. II – A cláusula penal moratória pode cumular-se com a realização específica da obrigação principal, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento. III – A cláusula penal constitui determinação forfaitaire e preventiva do dano devido e simplifica a fase ressarcidora, ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e prova do dano concreto. Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pela Ré e, em consequência, confirmar na íntegra a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da Ré/Recorrente. Porto, 10/III/08 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa
Rec. – 7523-07.9TBVNG.P1 Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 26/9/08. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº7523/07.9TBVNG, do 4º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Gaia. Autor – B……………... Ré – C……………….., Ldª. Pedido Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 6 900, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação. Tese do Autor Por contrato promessa de 1/4/05, a Ré celebrou com o Autor um contrato promessa de compra e venda, incidente sobre uma vivenda geminada da tipologia T2+1, pelo preço de € 160 000. A escritura deveria ser realizada até ao dia 1/12/05. Seria a Ré a agendar a escritura pública e a comunicar ao Autor, com a antecedência de duas semanas, a hora e local da mesma, mas se a entidade concedente de crédito ao Autor o entendesse, caber-lhe-ia a ela tal agendamento. A Ré obrigou-se a pagar ao Autor € 300, por cada semana de atraso na entrega da fracção, em face da necessidade absoluta da disponibilidade do imóvel, por parte do Autor, naquela data. A escritura de compra e venda apenas se realizou em 15/5/2006 por culpa exclusiva da Ré. Peticiona o valor da pena convencionada no contrato. Tese da Ré Impugna motivadamente a tese do Autor, e alega que esse Autor sempre manifestou à Ré não ter qualquer necessidade eminente da fracção. Sentença Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada procedente, por provada, e a Ré condenada nos exactos termos peticionados. Conclusões do Recurso de Apelação (resenha) 1 – A Ré obrigou-se a outorgar o contrato prometido até 1/12/05 e a proceder à marcação da data e local para a outorga da escritura pública formalizadora do contrato prometido e posterior notificação do Autor; todavia, essa obrigação era alternativa, e se a entidade concedente do crédito bancário pretendesse ser ela a marcar a escritura pública formalizadora do mesmo, a Ré deixava de estar obrigada nos termos anteriores. 2 – Tendo a entidade concedente do crédito bancário pretendido e procedido à marcação de escritura pública, a Ré passou a estar obrigada como na 2ª parte de 1) anterior. 3 – As partes estipularam de forma especial, escrita, que as notificações ou comunicações em execução do contrato deveriam ser efectuadas para as moradas constantes do cabeçalho; não foi alegado ou provado que o Autor tenha solicitado, para a morada da Ré, quaisquer documentos necessários ao contrato prometido. 4 – A Ré não deixou de efectuar, no tempo devido, qualquer prestação a que se tenha obrigado. 5 – A Ré ficou exonerada da prestação correspondente à celebração do contrato prometido até 1/12/05, pelo facto de a entidade financiadora pretender ser ela a marcar a data, hora e local para a formalização do contrato prometido. A interpelação nunca foi feita, pelo que a obrigação nunca se venceu. 6 – É irrelevante se a Ré esteve impossibilitada de efectuar qualquer prestação se não estava obrigada a fazê-lo nesse momento, fosse por não existir prazo, fosse por não ter sido interpelada nos termos legais. O Apelado produziu as respectivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Factos Apurados em 1ª Instância A Ré é uma empresa que se dedica à actividade de construção civil e à comercialização de imóveis (alínea a) da matéria assente). Em 1 de Abril de 2005, no exercício dessa sua actividade comercial, a Ré celebrou com o Autor o contrato-promessa de compra e venda constante de fls. 34 a 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea b) da matéria assente). De acordo com tal contrato, o Autor prometeu comprar e a Ré prometeu vender uma fracção a constituir com a letra “H”, correspondente a uma vivenda geminada de tipologia T2+1, constituída por cave e rés-do-chão, com um total de 168,20m2 de área coberta e de 102,00m2 de área descoberta, sito à ……., com entrada pelo número ….. (alínea c) da matéria assente). Acordaram as partes, na cláusula 5ª daquele contrato, que o preço da prometida venda era de €160.000,00 (alínea d) da matéria assente). Na cláusula 7ª acordaram que “A escritura pública de celebração do contrato será realizada até ao próximo dia 1 de Dezembro de 2005, e deverá ser agendada até então pela 1ª Outorgante, devendo comunicar tal marcação e respectivo local com uma antecedência mínima de duas semanas, sem prejuízo de a entidade concedente do crédito bancário para compra da fracção pretender ela própria marcar e escolher o local para a realização daquela escritura pública, caso em que a 1ª Outorgante se obriga a entregar todos os necessários documentos em vista da realização do negócio logo que tal seja solicitado” (alínea e) da matéria assente). Nos termos da cláusula 8ª obrigou-se a 1ª Outorgante, aqui Ré, a pagar ao 2º Outorgante, o ora Autor, a quantia de €300,00 por cada semana de atraso na entrega da fracção objecto desta promessa, a partir da data referida na cláusula anterior (alínea f) da matéria assente). Acordaram as partes na cláusula 1ª que “Todas as notificações ou comunicações que venham a ser necessárias em execução deste contrato consideram-se validamente efectuadas se o forem para as moradas constantes do cabeçalho deste contrato” (alínea g) da matéria assente). No dia 15 de Maio de 2006 foi celebrada a escritura pública de compra e venda do imóvel supra identificado - doc. de fls. 66 a 69, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - (alínea h) da matéria assente). A entidade financiadora do crédito para aquisição da fracção em causa pretendeu ser ela a marcar e escolher o local para a realização da escritura de compra e venda (alínea i) da matéria assente). Em 8 de Março de 2006, a advogada do Autor remeteu uma carta à Ré, informando de que tendo-se deslocado à Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia foi informada que o registo da constituição da propriedade horizontal do prédio ainda não estava concluído - doc. de fls. 38, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - (alínea j) da matéria assente). Em 15 de Março de 2006, a Ré respondeu à carta do Autor informando-o que a propriedade horizontal foi realizada em 24.01.2006 e os registos foram efectuados em 27.01.2006 e que os mesmos se encontravam em seu poder (doc. de fls. 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea l) da matéria assente). Na data referida na alínea anterior, não remeteu a Ré ao Autor nenhum dos documentos necessários à realização do negócio (alínea m) da matéria assente). A Ré celebrou a escritura de constituição da propriedade horizontal no dia 24 de Janeiro de 2006 (alínea n) da matéria assente). Tendo apresentado o requerimento para o respectivo registo em 27 de Janeiro de 2006 - doc. de fls. 46 a 49, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - (alínea o) da matéria assente). Em 29 de Março de 2006, a Ré remeteu ao Autor cópia da certidão do registo comercial, predial e cópia do modelo 1 das Finanças (alínea p) da matéria assente). O alvará de utilização relativo ao imóvel foi emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 10 de Abril de 2006 - doc. de fls. 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – (alínea q) da matéria assente). A Ré requereu o registo de aquisição provisória a favor do Autor, na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, em 12 de Abril de 2006 – doc. de fls. 56 e 57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea r) da matéria assente). Em 24 de Março de 2006, a sócia gerente da Ré revalidou a certidão que exibiu no Cartório Notarial de D…………… para reconhecimento da sua assinatura nas declarações complementares feitas no pedido de registo provisório de aquisição da fracção a favor do Autor - doc. de fls. 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea s) da matéria assente). No dia 13 de Abril de 2006 facultou a Ré ao Autor cópia dos documentos de identificação dos seus sócios (alínea t) da matéria assente). A escritura de compra e venda do contrato prometido foi realizada na única data e no local designados pela Caixa Geral de Depósitos (alínea u) da matéria assente). A escritura de compra e venda não se realizou a 1 de Dezembro de 2005 em virtude da construção da fracção ainda não estar concluída nem ter a Ré obtido todos os documentos necessários à marcação da mesma (facto 4º). A construção da fracção autónoma só ficou concluída após o dia 1 de Janeiro de 2006 (facto 5º). Assim que a construção da fracção ficou concluída, o Autor solicitou à Ré, na pessoa dos seus sócios, que lhe entregassem os documentos necessários à concretização do negócio (facto 6º). A Ré só entregou os documentos solicitados em Março de 2006 (facto 7º). Apesar do Autor, pessoalmente ou por interposta pessoa, os ter solicitado a partir do momento em que a construção ficou concluída (facto 8º). Em 10 de Abril de 2006 é que a Ré facultou ao Autor cópia do alvará de utilização do prédio (facto 9º). A Ré, só em Abril de 2006 é que logrou reunir todos os documentos necessários para a realização da escritura (facto 10º). O Autor e a sua família tinham a forte convicção de que iriam usufruir em toda a plenitude da fracção a partir de 1 de Dezembro de 2005 (facto 11º). O Autor organizou e planeou a sua vida, no ano de 2005, assente na premissa de que iria viver para o imóvel até ao dia 1 de Dezembro desse ano (facto 12º). O Autor sempre equacionou passar o Natal de 2005 na fracção que prometeu comprar à Ré (facto 13º). Ao sogro do Autor tinha-lhe sido diagnosticado um cancro e no Verão de 2005 agravou-se substancialmente o seu estado de saúde (facto 14º). Sendo previsível que a sua esperança de vida não ultrapassasse um ano (facto 15º). A sogra do Autor precisava de apoio, quer a nível físico, quer a nível psicológico para cuidar do seu marido (facto 16º). O Autor, juntamente com a esposa e irmã desta, viram-se na obrigação de apoiar o sogro e pai daquelas (facto 17º). O Autor tentou vender o imóvel em que habitava (facto 18º). Em Agosto de 2005 surgiu uma oportunidade de negócio com um familiar do Autor mas que implicava que aquele passasse a habitar o imóvel imediatamente (facto 19º). O Autor, em Junho de 2005, perante a necessidade de prestar apoio aos sogros, fez um acordo com a cunhada, irmã da sua esposa (facto 20º). O Autor e mulher apoiariam os seus sogros, indo viver com eles até celebrarem a escritura de compra e venda em 1 de Dezembro de 2005 (facto 21º). E a cunhado do Autor passaria a ir viver com os seus pais, para os apoiar, a partir de 1 de Dezembro de 2005 (facto 22º). Tendo o Autor que permanecer a viver com os sogros depois do dia 1 de Dezembro de 2005 (facto 23º). Ficando-os a apoiar até à morte do sogro, em 26 de Junho de 2006 (facto 24º). Tendo sido extremamente penoso o tempo que o Autor e sua família, mulher e filha, viveram em casa dos sogros (facto 25º). Convivendo diariamente com o sofrimento (facto 26º). A mulher do Autor, com os problemas supra descritos, ficou muito perturbada (facto 30º). Chegando mesmo a ter deixado de trabalhar, na medida em que as suas condições psicológicas não o permitiam (facto 31º). A C.G.D. marcou a escritura pública três semanas após a data em que a Ré facultou ao Autor toda a documentação necessária para a realização da mesma (facto 39º). Em Junho de 2005, o Autor foi viver para a residência dos seus sogros por escolha própria (facto 44º). A Ré foi fornecendo ao Autor os documentos conforme os ia obtendo (facto 46º). A data da escritura foi a escolhida por ter sido a possível após a reunião de todos os documentos pela Ré (facto 47º). Fundamentos O recurso da Ré comporta a apreciação do bem fundado da sentença recorrida, no pressuposto de que as partes hajam prescindido, por via da escolha da marcação da escritura a cargo da entidade bancária, nos termos do contrato promessa, da data prevista como termo para a realização do contrato prometido (1/12/2005), e também enquanto tal sentença não tenha considerado que a Ré/Apelante cumpriu todas as obrigações provadas nos autos e que se encontravam a seu cargo. Passaremos a apreciar tal questão. IPor mera ordenação de raciocínio, começaremos por salientar que o cumprimento da obrigação prometida não destrói, ipso facto, as demais obrigações que decorriam do contrato promessa. Na esteira de Meneses Cordeiro Obrigações, I/§179 e R. Martinez, Obrigações (Apontamentos), 2ªed., pg. 178, ou Ac.R.L. 24/4/01 Col.II/114, pode dizer-se que “o contrato promessa é já um contrato vinculante nas suas disposições, cujo definitivo se limita a reproduzir por decalque e cuja formalização de uma vontade de vinculação é susceptível de criar obrigações específicas e autónomas que dispensarão a repetição no contrato definitivo, para efeitos de vinculação, pelo que a situação é análoga à da união de contratos – o que se faz foi estabelecer no documento em que se formalizou a promessa um outro compromisso que não se prendia com esse, necessária e imediatamente”. De facto, é generalizado o entendimento no sentido de não aceitar apenas a noção de cumprimento como explicação para as relações entre os dois instrumentos, antes subordinando também o contrato prometido ao contrato-promessa, estabelecendo ambos uma união de contratos, na qual o contrato definitivo corresponde ao modo de cumprir o contrato-promessa, encontrando-se igualmente na dependência deste último – duas figuras em pé de equilíbrio, constituindo o contrato definitivo um mero cumprimento da promessa, produto de vontade vinculada. De outro lado, vem a doutrina também entendendo que “a realização do contrato prometido (compra e venda) não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas” (ut Ac.R.C. 14/3/00 Bol.495/369 ou Revista Decana, 133º/375, com comentário concordante de M. H. Mesquita). IIPara a solução da questão colocada nesta via de recurso, valem os princípios gerais sobre a interpretação e a integração da declaração negocial, a que aludem os artºs 236º a 239º C.Civ. Como é doutrina do ordenamento jurídico português (artº 236º nº1 C.Civ.), “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. A doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (P. Mota Pinto, Declaração Tácita, pg.206). Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (ut P. Mota Pinto, op. cit., pg.208); não se impõe ao declaratário uma investigação sobre o que o declarante pretendeu significar com esse comportamento, mas antes a apreensão do sentido objectivo que resulta da declaração, independentemente da cognoscibilidade da verdadeira intenção do declarante (esta não relevando para o caso, por se não encontrar no cerne do recurso). Ora, aquilo que resulta da cláusula 7ª do contrato, que o Apelante põe sobre enfoque, é que “a escritura pública de celebração do contrato será realizada até ao próximo dia 1 de Dezembro de 2005, e deverá ser agendada até então pela 1ª Outorgante, devendo comunicar tal marcação e respectivo local com uma antecedência mínima de duas semanas,” “sem prejuízo” (sublinhado nosso) “de a entidade concedente do crédito bancário para compra da fracção pretender ela própria marcar e escolher o local para a realização daquela escritura pública, caso em que a 1ª Outorgante se obriga a entregar todos os necessários documentos em vista da realização do negócio logo que tal seja solicitado” (conforme al. E) supra). Ou seja: uma coisa é o termo previsto para a realização da escritura – 1/12/2005 – outra coisa seria a forma como essa escritura deveria ser agendada. Repare-se como a entidade bancária não tem qualquer palavra a dizer, para futuro, relativamente à data da promessa, quanto ao termo previsto para a celebração do contrato definitivo, mas apenas no que se refere à marcação e escolha do local para a realização da escritura. Também a cláusula 8ª, onde se prevê uma cláusula penal moratória, a cargo da promitente vendedora e aqui Apelante, refere expressamente a “data referida na cláusula anterior”, sem excepcionar qualquer das formas alternativas previstas para a marcação da data e local relativas à celebração do contrato prometido. Resulta abundantemente dos autos que, naquela data prevista como termo ad quem para a outorga da escritura prometida, a Ré nem sequer tinha constituído a propriedade horizontal do prédio (al. N) ou até a construção da fracção prometida (q. 5º); também resulta que só em 10/4/06 a Ré facultou ao Autor cópia do alvará de utilização, apesar de instada previamente para o efeito (qq. 6º a 9º), em 13/4/06, a identificação dos sócios (q. al.T). Por fim, a data da escritura (15/5/06), foi a possível, após a reunião dos documentos fornecidos pela Ré (q. 47º). Neste sentido, resulta absolutamente anódino que a entidade bancária tenha ou não marcado a escritura para data anterior a 1/12/05, pois que sempre seria claro para todos os intervenientes que tal escritura não poderia ter lugar. Dos factos provados nos presentes autos resulta, com clareza, que a obrigação possuía um prazo certo e que, a partir do dia 1/12/05, a Ré se constituiu em mora (artº 805º nº2 al.a) C.Civ.), constituindo-se, do mesmo passo, na obrigação de reparar os danos ao credor – artºs 798º e 804º nº1 C.Civ. IIIO artº 810º nº1 C.Civ. estatui que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível – é o que se chama cláusula penal. O artº 811º nº1 rege que “o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso na prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”. E o nº2 – “o estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”. Conforme Galvão Telles, Obrigações, 6ª ed., pg. 448, cit. in Ac.R.P. 17/1/00 Col.I/186, “a cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda, cláusula penal moratória. A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento” (no mesmo sentido, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pg. 261). A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento – cf. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., II/137. Como escreve Calvão da Silva, op. cit., pg. 249, “determinação forfaitaire e preventiva do dano devido, a cláusula penal simplifica a fase ressarcidora – ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e prova do dano concreto – e é sempre exigível, desde que o inadimplemento ou cumprimento imperfeito da obrigação principal seja imputável ao devedor; por conseguinte, mesmo que o devedor prove não ter resultado nenhum dano do seu incumprimento, ou retardado cumprimento, a pena negocial é devida”. Nestes termos, torna-se manifesta a improcedência da pretensão recursória. A fundamentação poderá resumir-se por esta forma: I – A realização do contrato prometido não implica necessariamente a extinção do contrato promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas. II – A cláusula penal moratória pode cumular-se com a realização específica da obrigação principal, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento. III – A cláusula penal constitui determinação forfaitaire e preventiva do dano devido e simplifica a fase ressarcidora, ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e prova do dano concreto. Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pela Ré e, em consequência, confirmar na íntegra a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da Ré/Recorrente. Porto, 10/III/08 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa