Processo:2665/07.3TBPRD
Data do Acordão: 30/03/2009Relator: CARLOS MOREIRATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Atentos os fitos das prescrições de curto prazo — certeza, segurança, estabilidade jurídico- social, sanção da inacção do credor e até protecção do devedor - bem como a idiossincrasia própria e o cariz autónomo do direito de regresso por reporte ao direito do lesado, pois que aquele, versus este, não se funda, directa e imediatamente, no facto ilícito de índole criminal, o prazo de prescrição do titular de tal direito não é o atinente a este facto — n°3 do art° 498° do CC — mas antes o prazo de três anos do n°2 do mesmo normativo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
CARLOS MOREIRA
Descritores
PRESCRIÇÃO PRESCRIÇÃO DE CURTO PRAZO DIREITO DE REGRESSO
No do documento
Data do Acordão
03/31/2009
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
ALTERADA A DECISÃO.
Sumário
Atentos os fitos das prescrições de curto prazo — certeza, segurança, estabilidade jurídico- social, sanção da inacção do credor e até protecção do devedor - bem como a idiossincrasia própria e o cariz autónomo do direito de regresso por reporte ao direito do lesado, pois que aquele, versus este, não se funda, directa e imediatamente, no facto ilícito de índole criminal, o prazo de prescrição do titular de tal direito não é o atinente a este facto — n°3 do art° 498° do CC — mas antes o prazo de três anos do n°2 do mesmo normativo.
Decisão integral
Processo nº2665/07.3TBPRD

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1.
B……………, S.A instaurou, em 4/7/2007, acção declarativa, de condenação, com processo ordinário contra C…………..
Pediu:
A condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €19.661,28, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. 
Alegou:
O direito de regresso decorrente do pagamento que fez ao lesado em acidente de viação.
Contestou o réu.
Invocando a excepção de prescrição. 
Alegou, para o efeito, e para além do mais, que apesar de a sua conduta constituir crime, o n.º 3 do art. 498.º do CC não é aplicável a este caso mas somente é aplicável em sede de indemnização aos próprios lesados.
E tendo os pagamentos da autora sido feitos em 14/7/1999 e 29/3/2004, pretendendo a mesma o exercício do direito de regresso que lhe assistiria nos termos do art. 19.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro e tendo em conta que o prazo de prescrição é de 3 anos, nos termos do art. 498.º, n.º 2, do CC, é manifesto que já decorreu este prazo e, consequentemente, já prescreveu o direito de regresso da autora. 
Respondeu a autora.
Dizendo que o n.º 3 desse citado preceito prevê um prazo superior no caso do ilícito constituir crime, o qual tem aplicação no caso em apreço já que o réu foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos do art. 291.º, n.º 1, al. b do Cód. Penal, ilícito esse que é punível até 3 anos de prisão, ao qual se aplica um prazo de prescrição de 5 anos, devendo ser este o prazo a considerar.

2.
Foi proferido despacho saneador-sentença que, no que ao recurso interessa, julgou improcedente a arguição da prescrição e, a final, julgou a acção parcialmente procedente e condenou o  réu a pagar à autora a quantia de € 9.685,32 (nove mil e seiscentos e oitenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% até à data da entrada em vigor da Portaria nº 291/03, e, a partir dessa data, de 4%.

3.
Inconformado recorreu o réu.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª
O pagamento da indemnização em apreço nos autos teve lugar em 29.03.2004.
2ª
A acção deu entrada em juízo em 04.07.2007.
3ª
O prazo de prescrição do nº3 do artº 498º do CC só é aplicável em sede de indemnização aos próprios lesados.
4ª
O que está em causa nos presentes autos é a obrigação de reembolso que decorre de o garante (a recorrida) ter satisfeito a obrigação de garantia e vir agora exigir, em regresso, do recorrente, tais quantias pagas.
5ª
O prazo de prescrição aplicável nos presentes autos é, assim, o previsto no artº 498º nº 2 do CC, ou seja, três anos.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(In)aplicação do prazo de prescrição do artº 498º nº3 do CC aos casos em que o pedido se funda em direito de regresso.

5.
Os factos considerados na decisão foram os seguintes:
a) No exercício da sua actividade, a autora celebrou com a sociedade D…………., Lda., um contrato de seguro do ramo automóvel pelo qual assumiu a responsabilidade civil automóvel pelos danos causados pelo veículo de matrícula ..-..-GB, da marca Audi, assim como foi contratada a cobertura complementar para os eventuais danos ocorridos ao próprio veículo. 
b) Cerca das 14 horas e 15 minutos do dia 31 de Dezembro de 1998, na auto-estrada A4, em Gandra, Paredes, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula ..-..-GB, conduzido pelo réu, e o veículo automóvel de matrícula ..-..-BC, da marca Honda, conduzido pelo proprietário E………….. 
c) Em consequência do acidente, o GB sofreu diversos danos, tendo a autora indemnizado a sua proprietária, em 14/7/1999, pela quantia de €9.975,96. 
d) O réu, no momento do acidente, conduzia o GB por conta e sob a direcção da respectiva proprietária. 
e) O GB e o BC circulavam no sentido de marcha Porto/Amarante. 
f) Próximo do Km 24, o condutor do BC decidiu proceder à ultrapassagem de um veículo que circulava à sua frente, tendo, para esse efeito, passado para a faixa da esquerda. 
g) Quando se encontrava em plena marcha, o réu aproximou-se da traseira daquele e começou a dar sinais de luzes. 
h) O condutor do BC manteve a marcha até completar a ultrapassagem que havia iniciado. 
i) Assim que o condutor do BC completou tal manobra e retomava a faixa da direita, o GB apresentou-se pela sua esquerda. 
j) O réu dirigiu o GB contra o BC, embatendo-o lateralmente de forma deliberada e violentamente. 
k) Posteriormente a esse pagamento foi a autora confrontada com a acção judicial n.º 805/1999, do 1.º juízo cível do tribunal de Paredes, intentada por E…………, proprietário do veículo BC. 
l) Por força do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto na acção referida em d), a autora pagou, em 29/3/2004, a E…………. a quantia global de €9.685,32 correspondente à indemnização pelos danos por si sofridos em consequência do acidente. 
m) Por acórdão proferido em 20 de Fevereiro de 2001 no processo Comum Colectivo n.º 110/99-5TAPRD do 2.º juízo criminal do tribunal da comarca de Paredes foi o, aqui, réu C……….. condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, conforme certidão junta a fls. 85 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 
n) A autora intentou a presente acção em 4 de Julho de 2007. 
o) O réu foi citado em 22 de Janeiro de 2008.

6.
Apreciando.
6.1.
As razões justificativas da prescrição, maxime das de curto prazo - inferior ao prazo geral de vinte anos: artº 309 do CC - são a da protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, ainda, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.
Ora como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue, assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama. 
E ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento e progresso económico-social, se impõe a prevalência da segurança.
Sendo certo que se por um lado a prevalência tendencialmente absoluta da segurança sobre a pretensão de se atingir o resultado justo, acarreta uma ordem que pode abrir caminho a formas de opressão ou repressão, por outro o fito da obtenção da justiça - numa conceptualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas.
Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, excepto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau, que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs.(neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs  e  Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212.
A matéria atinente a este instituto, e ainda que a prescrição não possa ser suprida oficiosamente – artº303º do CC - é, assim de interesse público -  Pessoa Jorge, Obrigações, ed. da AAFDL, 1975, p.665.
Natureza esta que dimana, designadamente, da nulidade dos negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar as condições em que ela opera os seus efeitos e da irrenunciabilidade prévia, pois que a renúncia à prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional – artºs 300º  e 302º do CC.
O decurso do prazo prescricional apresenta-se, assim, como uma reacção ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, o qual se entende que já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs.
6.2.
Em termos gerais e no que concerne ao dies a quo do prazo da prescrição, estatui o artº 306º do CC que: «o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição». 
Trata-se de exigibilidade em sentido fraco.
Na verdade sendo a interpelação a primeira forma de exercício do direito, se a obrigação, para se vencer, carece de interpelação, a prescrição conta-se a partir do momento em que o credor podia interpelar, pois que é a partir desse momento que é legítimo falar de inércia do credor.
«Deste modo, numa obrigação pura, o prazo prescricional começa a contar-se a partir do momento da própria constituição da obrigação e numa obrigação sujeita a termo certo (suspensivo do vencimento) a prescrição começa a correr a partir desse termo» - Pessoa Jorge, ob. cit. p. 674 e Pires de Lima e Antunes Varela, CC, Anotado, 2ª ed. p. 257.

Já no que à responsabilidade extracontratual tange estatui o artº 498º nº1 do CC 
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. 
2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre responsáveis. 
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. 
Quanto ao nº1 há que dizer que o conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorreram por virtude de certo facto ou actuação, não necessitando o lesado de saber o quantum da indemnização a que tem direito.
O essencial é que saiba que tem direito a indemnização pela ocorrência, verificação e concretização - na sua perspectiva e independentemente da razão que lhe possa, ou, não vir a assistir – dos pressupostos fácticos que subjazem ao prejuízo e que fundamentam a responsabilidade.
Sendo que a independência da contagem do prazo do conhecimento da extensão integral dos danos é perfeitamente admissível - por não acarretar a afectação ou compressão intolerável da posição do demandante - atento o disposto, designadamente, nos artºs 564º nº2 – atendibilidade dos danos futuros previsíveis ou dos danos não determináveis – 565º - indemnização provisória e 569º - desnecessidade de o lesado indicar quantia exacta e possibilidade de no decurso da acção poder reclamar quantia mais elevada -  todos do CC -  cfr. RT, 86º, 159; Abílio Neto, CC Anotado, 2001, p.546 e Acs. do STJ de 06.10.1983 e de 13.11.1990, BMJ, 330º, 495. e 401º, 563, respectivamente.
6.3.
In casu.
6.3.1.
Trata-se do exercício do direito da autora à efectivação da responsabilidade extracontratual do réu decorrente de acidente de viação causado por este.
E ao abrigo do seu direito de regresso decorrente de pagamento por si já efectuado ao lesado.
Em função do estatuído no art. 19.º, al. a), do DL n.º 522/85, de 31/12, a saber: «Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso:
a) Contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente.»
6.3.2.
O quid  nuclear decisório reporta-se à aplicação, ou não, nestes casos do direito de regresso, do prazo  de prescrição mais alargado atinente ao crime de que o facto ilícito seja emergência.
Tal como é referido na sentença esta questão não tem sido pacífica, encontrando-se a jurisprudência dividida.
Para uns se o facto ilícito constituir crime abstractamente sujeito a um prazo de prescrição superior a três anos, o alargamento do prazo previsto no .º 3 do art. 498.º do Cód. Civil também se aplica ao direito de regresso – cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/6/2001, p. 0021543, e do S.T.J. 1/6/1999, dgsi.pt, p. 99A305 citados na sentença; e ainda,  os Acs. do STJ de   13.4.2000,  BMJ, 496º,  246  e de  26-06-2007, dgsi.pt, p. 07A1523 e o Ac. da Relação do Porto de  27-11-2008, dgsi.pt., p 0836589.
Aduzindo estes os seguintes argumentos: 
- A regra do nº 3 surge a seguir a esses dois primeiros números do artº 498º, e não logo a seguir ao nº 1 onde naturalmente seria colocada se fosse intenção do legislador aplicar o alargamento do prazo apenas ao direito à indemnização referido no nº 1, e não também ao direito de regresso mencionado no nº 2.
- A ratio do nº 3 do arº 498º é a de que se os factos puderem ser apreciados para além dos três anos no campo do direito penal, não se compreenderia que o não pudessem ser também para efeito de apuramento da responsabilidade na acção civil.
Para outros o prazo de prescrição do direito de regresso é o de 3 anos previsto no n.º 2 do art. 498.º do CC não lhe sendo aplicável o disposto no n.º 3 desse artigo. 
Isto  pela razão essencial de que este prazo tem em vista a indemnização a favor dos lesados e, por isso, não importa ao caso o facto de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 14/12/2006, dgsi.pt. p. 8124/2006-8, também citado na decisão e, ainda, Ac. da Relação do Porto de  20-12-2005  e Acs. do STJ de  18-12-2003,  28-10-2004, e 04-11-2008, todos em dgsi.pt, ps. 0522423, 03B2757, 04B3385 e 08A3119, respectivamente.
6.3.3.
Propendemos para esta última posição.
A qual, ao contrario do referido pelo Sr. Juiz a quo, é sustentada em argumentos válidos. Aliás, e salvo o devido respeito, mais válidos dos que o da tese contrária.
6.3.3.1.
Em primeiro lugar há que dizer que o juiz não é escravo da lei.
A lei é a fonte, o modo de revelação da regra. Mas esta não se confunde ou esgota naquela. Sendo aquela um ponto de partida, um intermediário, posto que necessário, para se chegar ao melhor sentido, ao dever ser que nela está ínsito. 
Tal busca e desiderato opera-se através da interpretação da lei a efectivar pelo juiz e que constitui a parte quiçá mais complexa, mas também mais nobre do seu munus.
Na verdade com a interpretação visa-se através da fixação do seu melhor sentido e alcance, fazer emergir a regra constante da lei que melhor e mais adequadamente possa dar resposta a uma real e concreta situação vivencial - cfr.  Oliveira Ascensão, in O Direito, Gulbenkian,  2ª ed., p.341 e segs.
Assim o preceito da lei deve ser interpretado de modo a ajustar-se o mais possível às exigências e ao desenvolvimento da vida em sociedade.
Uma boa interpretação da lei não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico - exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspectiva prático - normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto – cfr. Ac. do STJ de 30-05-2006, dgsi.pt., p. 06A1219, citando  Castanheira Neves in Metodologia Jurídica.
6.3.3.2.
Vêm estes dizeres a propósito do argumento relativo à situação posicional do nº3 do artº 498º, no sentido de que, quedando-se ele a seguir aos dois primeiros números, tem de abranger ambos.
Mas não necessariamente, sendo tal um argumento meramente formal, elementar e  minudente. 
Importa é saber se perante a teleologia prosseguida, as anteparas jurídicas dos destinatários da norma, os seus direitos e interesses dialecticamente considerados e interpenetrados, bem como os valores a tutelar pela ordem jurídica no seu conjunto considerada supra mencionados, tal interpretação é, ou não, a mais defensável e adequada.
E não nos parece que seja.
6.3.3.3.
Efectivamente o direito de regresso em causa tem natureza diversa, e é um direito autónomo e independente em relação ao direito do lesado e, pelo menos directa e imediatamente, com os fundamentos deste direito. 
Naquela vertente há que convir que o alargamento do prazo prescricional decorrente de o facto ilícito constituir crime é concedido desde logo e ab initio, ao directamente lesado por tal facto, único a quem, em princípio, é atribuída legitimidade para despoletar o processo crime.
Isto porque existindo na legislação processual penal o princípio da adesão do pedido cível este, por via de regra, porque conexo com o facto criminoso, em tal processo tem de ser formulado, pelo que faz todo o sentido que o prazo de prescrição referente ao crime abarque este pedido cível.
Sob pena de desfazamento temporal para a judicialização dos dois pedidos, com a consequente impossibilidade de, concomitantemente, estes poderem ser deduzidos no processo crime, como pretende a lei.
Mas, sendo assim, fácil é de concluir que tal ratio já falece quando ao demandante em processo cível não assiste tal legitimidade para o processo crime pois que ele, quando muito, apenas formula o seu pedido indirecta e mediatamente alicerçado no facto ilícito de cariz penal. 
Nesta perspectiva é inequívoco que o direito de regresso nasce “ex novo”, com o cumprimento do direito à indemnização  devida ao ofendido,  o qual assim se extinguiu.
Destarte, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso.
No caso no caso do direito do lesado o dies a quo reporta-se ao momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete.
Já no direito de regresso apenas começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado – pagamento - e inclusive, como aqui acertadamente se diz na sentença e constitui jurisprudência pacífica ou pelo menos maioritária, a partir da data de cada um dos pagamentos efectivados em caso de pluralidade dos mesmos. 
6.3.3.4.
Acresce que se assim não fosse frustrados sairiam todos os desideratos propugnados com o instituto da prescrição supra referidos, a saber, e em síntese, a certeza, a segurança, a auto-responsabilização e exortação ao credor no sentido de requerer a composição e o acertamento do seu direito no mais curto lapso de tempo possível, e, até, a consecução de uma certa paz jurídico-social.
Basta pensar nos casos em que o prazo prescricional do nº3 do artº 498º, devido à gravidade do crime, assume um largo lapso de tempo, dez, quinze ou mais anos, o lesado propõe a respectiva acção na qual deduz o pedido cível, a qual outrossim demora prolongado tempo e só após a seguradora é condenada  a indemnizar aquele.
Fará sentido, e é razoavelmente admissível, perante os fitos do instituto da prescrição, que a seguradora, para instaurar a acção de regresso contra o arguido/lesante, disponha ainda de um imenso período adicional correspondente ao prazo de prescrição respeitante ao crime e que pode atingir 10, 15 ou 20 anos? 
Certamente que não. 
O lesante estaria assim com a espada de Dâmocles sobre a sua cabeça por decénios, podendo até ser ultrapassado - factualmente, que não de jure, porque não admissível tal excesso – o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
E numa matéria em que a lei precisamente pretendeu estabelecer um prazo de prescrição de curta duração.
6.3.3.5.
É o que acontece no caso vertente que assume contornos que o tornam mais frisante e paradigmático quanto á necessidade de se adoptar o entendimento aqui propugnado.
Pois que a autora, como companhia de seguros presumivelmente está dotada de estrutura e organização de jaez tal que é suposto estar apetrechada dos meios necessários à rápida e eficaz cobrança dos créditos a que se ache com direito.
Assim não se compreende que, tendo ela pago a um lesado, em 14/7/1999 a indemnização em que acordou e  a outro em 29.03.2004, a indemnização em que foi condenada, apenas em 04.07.2007 tenha instaurado contra o lesante a acção para sobre ele exercer o seu direito de regresso.
É nítida, à míngua de outras razões que não se descortinam, a incúria da demandante.
Pois que no primeiro pagamento, mesmo que se adoptasse o entendimento mais abrangente que admite que lhe assistiria jus ao prazo prescricional do nº3, sendo este, no caso sub Júdice, de cinco anos, sempre estaria amplamente prescrito o seu direito. 
Quanto ao segundo e sabendo ela – ou devendo saber – que a jurisprudência se divide, critérios de prudência impunham-lhe, á cautela, que instaurasse a acção no triénio seguinte.
Para já não falar das imparidades para ela decorrentes do accionamento tardio, oriundas do facto de, mesmo que obtivesse ganho de causa, não ter podido rentabilizar há mais tempo o capital a que tivesse direito, pois que a condenação em juros apenas operou a partir da citação do réu.
Consequentemente, assim sendo e em todo o caso, sibi imputet.

6.4.
Sumariando e concluindo:
Atentos os fitos das prescrições de curto prazo – certeza, segurança, estabilidade jurídico-social, sanção da inacção do credor e até protecção do devedor - bem como a idiossincrasia própria e o cariz autónomo do direito de regresso por reporte ao direito do lesado, pois que aquele, versus este, não se funda, directa e imediatamente, no facto ilícito de índole criminal, o prazo de prescrição do titular de tal direito não é o atinente a este facto – nº3 do artº 498º do CC – mas antes o prazo de três anos do nº2 do mesmo normativo.

7.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, julgar verificada a excepção peremptória da prescrição do direito da autora e, consequentemente, absolver o réu do pedido.

Custas pela autora.

Porto, 2009.03.31
Carlos António Paula Moreira
Mário António Mendes Serrano
Tem voto de conformidade da Drª Graça Mira que não assina por não estar presente.

Processo nº2665/07.3TBPRD ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. B……………, S.A instaurou, em 4/7/2007, acção declarativa, de condenação, com processo ordinário contra C………….. Pediu: A condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €19.661,28, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Alegou: O direito de regresso decorrente do pagamento que fez ao lesado em acidente de viação. Contestou o réu. Invocando a excepção de prescrição. Alegou, para o efeito, e para além do mais, que apesar de a sua conduta constituir crime, o n.º 3 do art. 498.º do CC não é aplicável a este caso mas somente é aplicável em sede de indemnização aos próprios lesados. E tendo os pagamentos da autora sido feitos em 14/7/1999 e 29/3/2004, pretendendo a mesma o exercício do direito de regresso que lhe assistiria nos termos do art. 19.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro e tendo em conta que o prazo de prescrição é de 3 anos, nos termos do art. 498.º, n.º 2, do CC, é manifesto que já decorreu este prazo e, consequentemente, já prescreveu o direito de regresso da autora. Respondeu a autora. Dizendo que o n.º 3 desse citado preceito prevê um prazo superior no caso do ilícito constituir crime, o qual tem aplicação no caso em apreço já que o réu foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos do art. 291.º, n.º 1, al. b do Cód. Penal, ilícito esse que é punível até 3 anos de prisão, ao qual se aplica um prazo de prescrição de 5 anos, devendo ser este o prazo a considerar. 2. Foi proferido despacho saneador-sentença que, no que ao recurso interessa, julgou improcedente a arguição da prescrição e, a final, julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 9.685,32 (nove mil e seiscentos e oitenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% até à data da entrada em vigor da Portaria nº 291/03, e, a partir dessa data, de 4%. 3. Inconformado recorreu o réu. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª O pagamento da indemnização em apreço nos autos teve lugar em 29.03.2004. 2ª A acção deu entrada em juízo em 04.07.2007. 3ª O prazo de prescrição do nº3 do artº 498º do CC só é aplicável em sede de indemnização aos próprios lesados. 4ª O que está em causa nos presentes autos é a obrigação de reembolso que decorre de o garante (a recorrida) ter satisfeito a obrigação de garantia e vir agora exigir, em regresso, do recorrente, tais quantias pagas. 5ª O prazo de prescrição aplicável nos presentes autos é, assim, o previsto no artº 498º nº 2 do CC, ou seja, três anos. 4. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: (In)aplicação do prazo de prescrição do artº 498º nº3 do CC aos casos em que o pedido se funda em direito de regresso. 5. Os factos considerados na decisão foram os seguintes: a) No exercício da sua actividade, a autora celebrou com a sociedade D…………., Lda., um contrato de seguro do ramo automóvel pelo qual assumiu a responsabilidade civil automóvel pelos danos causados pelo veículo de matrícula ..-..-GB, da marca Audi, assim como foi contratada a cobertura complementar para os eventuais danos ocorridos ao próprio veículo. b) Cerca das 14 horas e 15 minutos do dia 31 de Dezembro de 1998, na auto-estrada A4, em Gandra, Paredes, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula ..-..-GB, conduzido pelo réu, e o veículo automóvel de matrícula ..-..-BC, da marca Honda, conduzido pelo proprietário E………….. c) Em consequência do acidente, o GB sofreu diversos danos, tendo a autora indemnizado a sua proprietária, em 14/7/1999, pela quantia de €9.975,96. d) O réu, no momento do acidente, conduzia o GB por conta e sob a direcção da respectiva proprietária. e) O GB e o BC circulavam no sentido de marcha Porto/Amarante. f) Próximo do Km 24, o condutor do BC decidiu proceder à ultrapassagem de um veículo que circulava à sua frente, tendo, para esse efeito, passado para a faixa da esquerda. g) Quando se encontrava em plena marcha, o réu aproximou-se da traseira daquele e começou a dar sinais de luzes. h) O condutor do BC manteve a marcha até completar a ultrapassagem que havia iniciado. i) Assim que o condutor do BC completou tal manobra e retomava a faixa da direita, o GB apresentou-se pela sua esquerda. j) O réu dirigiu o GB contra o BC, embatendo-o lateralmente de forma deliberada e violentamente. k) Posteriormente a esse pagamento foi a autora confrontada com a acção judicial n.º 805/1999, do 1.º juízo cível do tribunal de Paredes, intentada por E…………, proprietário do veículo BC. l) Por força do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto na acção referida em d), a autora pagou, em 29/3/2004, a E…………. a quantia global de €9.685,32 correspondente à indemnização pelos danos por si sofridos em consequência do acidente. m) Por acórdão proferido em 20 de Fevereiro de 2001 no processo Comum Colectivo n.º 110/99-5TAPRD do 2.º juízo criminal do tribunal da comarca de Paredes foi o, aqui, réu C……….. condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, conforme certidão junta a fls. 85 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. n) A autora intentou a presente acção em 4 de Julho de 2007. o) O réu foi citado em 22 de Janeiro de 2008. 6. Apreciando. 6.1. As razões justificativas da prescrição, maxime das de curto prazo - inferior ao prazo geral de vinte anos: artº 309 do CC - são a da protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, ainda, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285. Ora como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue, assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama. E ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento e progresso económico-social, se impõe a prevalência da segurança. Sendo certo que se por um lado a prevalência tendencialmente absoluta da segurança sobre a pretensão de se atingir o resultado justo, acarreta uma ordem que pode abrir caminho a formas de opressão ou repressão, por outro o fito da obtenção da justiça - numa conceptualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas. Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, excepto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau, que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs.(neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs e Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212. A matéria atinente a este instituto, e ainda que a prescrição não possa ser suprida oficiosamente – artº303º do CC - é, assim de interesse público - Pessoa Jorge, Obrigações, ed. da AAFDL, 1975, p.665. Natureza esta que dimana, designadamente, da nulidade dos negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar as condições em que ela opera os seus efeitos e da irrenunciabilidade prévia, pois que a renúncia à prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional – artºs 300º e 302º do CC. O decurso do prazo prescricional apresenta-se, assim, como uma reacção ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, o qual se entende que já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs. 6.2. Em termos gerais e no que concerne ao dies a quo do prazo da prescrição, estatui o artº 306º do CC que: «o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição». Trata-se de exigibilidade em sentido fraco. Na verdade sendo a interpelação a primeira forma de exercício do direito, se a obrigação, para se vencer, carece de interpelação, a prescrição conta-se a partir do momento em que o credor podia interpelar, pois que é a partir desse momento que é legítimo falar de inércia do credor. «Deste modo, numa obrigação pura, o prazo prescricional começa a contar-se a partir do momento da própria constituição da obrigação e numa obrigação sujeita a termo certo (suspensivo do vencimento) a prescrição começa a correr a partir desse termo» - Pessoa Jorge, ob. cit. p. 674 e Pires de Lima e Antunes Varela, CC, Anotado, 2ª ed. p. 257. Já no que à responsabilidade extracontratual tange estatui o artº 498º nº1 do CC 1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. 2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre responsáveis. 3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Quanto ao nº1 há que dizer que o conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorreram por virtude de certo facto ou actuação, não necessitando o lesado de saber o quantum da indemnização a que tem direito. O essencial é que saiba que tem direito a indemnização pela ocorrência, verificação e concretização - na sua perspectiva e independentemente da razão que lhe possa, ou, não vir a assistir – dos pressupostos fácticos que subjazem ao prejuízo e que fundamentam a responsabilidade. Sendo que a independência da contagem do prazo do conhecimento da extensão integral dos danos é perfeitamente admissível - por não acarretar a afectação ou compressão intolerável da posição do demandante - atento o disposto, designadamente, nos artºs 564º nº2 – atendibilidade dos danos futuros previsíveis ou dos danos não determináveis – 565º - indemnização provisória e 569º - desnecessidade de o lesado indicar quantia exacta e possibilidade de no decurso da acção poder reclamar quantia mais elevada - todos do CC - cfr. RT, 86º, 159; Abílio Neto, CC Anotado, 2001, p.546 e Acs. do STJ de 06.10.1983 e de 13.11.1990, BMJ, 330º, 495. e 401º, 563, respectivamente. 6.3. In casu. 6.3.1. Trata-se do exercício do direito da autora à efectivação da responsabilidade extracontratual do réu decorrente de acidente de viação causado por este. E ao abrigo do seu direito de regresso decorrente de pagamento por si já efectuado ao lesado. Em função do estatuído no art. 19.º, al. a), do DL n.º 522/85, de 31/12, a saber: «Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: a) Contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente.» 6.3.2. O quid nuclear decisório reporta-se à aplicação, ou não, nestes casos do direito de regresso, do prazo de prescrição mais alargado atinente ao crime de que o facto ilícito seja emergência. Tal como é referido na sentença esta questão não tem sido pacífica, encontrando-se a jurisprudência dividida. Para uns se o facto ilícito constituir crime abstractamente sujeito a um prazo de prescrição superior a três anos, o alargamento do prazo previsto no .º 3 do art. 498.º do Cód. Civil também se aplica ao direito de regresso – cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/6/2001, p. 0021543, e do S.T.J. 1/6/1999, dgsi.pt, p. 99A305 citados na sentença; e ainda, os Acs. do STJ de 13.4.2000, BMJ, 496º, 246 e de 26-06-2007, dgsi.pt, p. 07A1523 e o Ac. da Relação do Porto de 27-11-2008, dgsi.pt., p 0836589. Aduzindo estes os seguintes argumentos: - A regra do nº 3 surge a seguir a esses dois primeiros números do artº 498º, e não logo a seguir ao nº 1 onde naturalmente seria colocada se fosse intenção do legislador aplicar o alargamento do prazo apenas ao direito à indemnização referido no nº 1, e não também ao direito de regresso mencionado no nº 2. - A ratio do nº 3 do arº 498º é a de que se os factos puderem ser apreciados para além dos três anos no campo do direito penal, não se compreenderia que o não pudessem ser também para efeito de apuramento da responsabilidade na acção civil. Para outros o prazo de prescrição do direito de regresso é o de 3 anos previsto no n.º 2 do art. 498.º do CC não lhe sendo aplicável o disposto no n.º 3 desse artigo. Isto pela razão essencial de que este prazo tem em vista a indemnização a favor dos lesados e, por isso, não importa ao caso o facto de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 14/12/2006, dgsi.pt. p. 8124/2006-8, também citado na decisão e, ainda, Ac. da Relação do Porto de 20-12-2005 e Acs. do STJ de 18-12-2003, 28-10-2004, e 04-11-2008, todos em dgsi.pt, ps. 0522423, 03B2757, 04B3385 e 08A3119, respectivamente. 6.3.3. Propendemos para esta última posição. A qual, ao contrario do referido pelo Sr. Juiz a quo, é sustentada em argumentos válidos. Aliás, e salvo o devido respeito, mais válidos dos que o da tese contrária. 6.3.3.1. Em primeiro lugar há que dizer que o juiz não é escravo da lei. A lei é a fonte, o modo de revelação da regra. Mas esta não se confunde ou esgota naquela. Sendo aquela um ponto de partida, um intermediário, posto que necessário, para se chegar ao melhor sentido, ao dever ser que nela está ínsito. Tal busca e desiderato opera-se através da interpretação da lei a efectivar pelo juiz e que constitui a parte quiçá mais complexa, mas também mais nobre do seu munus. Na verdade com a interpretação visa-se através da fixação do seu melhor sentido e alcance, fazer emergir a regra constante da lei que melhor e mais adequadamente possa dar resposta a uma real e concreta situação vivencial - cfr. Oliveira Ascensão, in O Direito, Gulbenkian, 2ª ed., p.341 e segs. Assim o preceito da lei deve ser interpretado de modo a ajustar-se o mais possível às exigências e ao desenvolvimento da vida em sociedade. Uma boa interpretação da lei não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico - exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspectiva prático - normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto – cfr. Ac. do STJ de 30-05-2006, dgsi.pt., p. 06A1219, citando Castanheira Neves in Metodologia Jurídica. 6.3.3.2. Vêm estes dizeres a propósito do argumento relativo à situação posicional do nº3 do artº 498º, no sentido de que, quedando-se ele a seguir aos dois primeiros números, tem de abranger ambos. Mas não necessariamente, sendo tal um argumento meramente formal, elementar e minudente. Importa é saber se perante a teleologia prosseguida, as anteparas jurídicas dos destinatários da norma, os seus direitos e interesses dialecticamente considerados e interpenetrados, bem como os valores a tutelar pela ordem jurídica no seu conjunto considerada supra mencionados, tal interpretação é, ou não, a mais defensável e adequada. E não nos parece que seja. 6.3.3.3. Efectivamente o direito de regresso em causa tem natureza diversa, e é um direito autónomo e independente em relação ao direito do lesado e, pelo menos directa e imediatamente, com os fundamentos deste direito. Naquela vertente há que convir que o alargamento do prazo prescricional decorrente de o facto ilícito constituir crime é concedido desde logo e ab initio, ao directamente lesado por tal facto, único a quem, em princípio, é atribuída legitimidade para despoletar o processo crime. Isto porque existindo na legislação processual penal o princípio da adesão do pedido cível este, por via de regra, porque conexo com o facto criminoso, em tal processo tem de ser formulado, pelo que faz todo o sentido que o prazo de prescrição referente ao crime abarque este pedido cível. Sob pena de desfazamento temporal para a judicialização dos dois pedidos, com a consequente impossibilidade de, concomitantemente, estes poderem ser deduzidos no processo crime, como pretende a lei. Mas, sendo assim, fácil é de concluir que tal ratio já falece quando ao demandante em processo cível não assiste tal legitimidade para o processo crime pois que ele, quando muito, apenas formula o seu pedido indirecta e mediatamente alicerçado no facto ilícito de cariz penal. Nesta perspectiva é inequívoco que o direito de regresso nasce “ex novo”, com o cumprimento do direito à indemnização devida ao ofendido, o qual assim se extinguiu. Destarte, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso. No caso no caso do direito do lesado o dies a quo reporta-se ao momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete. Já no direito de regresso apenas começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado – pagamento - e inclusive, como aqui acertadamente se diz na sentença e constitui jurisprudência pacífica ou pelo menos maioritária, a partir da data de cada um dos pagamentos efectivados em caso de pluralidade dos mesmos. 6.3.3.4. Acresce que se assim não fosse frustrados sairiam todos os desideratos propugnados com o instituto da prescrição supra referidos, a saber, e em síntese, a certeza, a segurança, a auto-responsabilização e exortação ao credor no sentido de requerer a composição e o acertamento do seu direito no mais curto lapso de tempo possível, e, até, a consecução de uma certa paz jurídico-social. Basta pensar nos casos em que o prazo prescricional do nº3 do artº 498º, devido à gravidade do crime, assume um largo lapso de tempo, dez, quinze ou mais anos, o lesado propõe a respectiva acção na qual deduz o pedido cível, a qual outrossim demora prolongado tempo e só após a seguradora é condenada a indemnizar aquele. Fará sentido, e é razoavelmente admissível, perante os fitos do instituto da prescrição, que a seguradora, para instaurar a acção de regresso contra o arguido/lesante, disponha ainda de um imenso período adicional correspondente ao prazo de prescrição respeitante ao crime e que pode atingir 10, 15 ou 20 anos? Certamente que não. O lesante estaria assim com a espada de Dâmocles sobre a sua cabeça por decénios, podendo até ser ultrapassado - factualmente, que não de jure, porque não admissível tal excesso – o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. E numa matéria em que a lei precisamente pretendeu estabelecer um prazo de prescrição de curta duração. 6.3.3.5. É o que acontece no caso vertente que assume contornos que o tornam mais frisante e paradigmático quanto á necessidade de se adoptar o entendimento aqui propugnado. Pois que a autora, como companhia de seguros presumivelmente está dotada de estrutura e organização de jaez tal que é suposto estar apetrechada dos meios necessários à rápida e eficaz cobrança dos créditos a que se ache com direito. Assim não se compreende que, tendo ela pago a um lesado, em 14/7/1999 a indemnização em que acordou e a outro em 29.03.2004, a indemnização em que foi condenada, apenas em 04.07.2007 tenha instaurado contra o lesante a acção para sobre ele exercer o seu direito de regresso. É nítida, à míngua de outras razões que não se descortinam, a incúria da demandante. Pois que no primeiro pagamento, mesmo que se adoptasse o entendimento mais abrangente que admite que lhe assistiria jus ao prazo prescricional do nº3, sendo este, no caso sub Júdice, de cinco anos, sempre estaria amplamente prescrito o seu direito. Quanto ao segundo e sabendo ela – ou devendo saber – que a jurisprudência se divide, critérios de prudência impunham-lhe, á cautela, que instaurasse a acção no triénio seguinte. Para já não falar das imparidades para ela decorrentes do accionamento tardio, oriundas do facto de, mesmo que obtivesse ganho de causa, não ter podido rentabilizar há mais tempo o capital a que tivesse direito, pois que a condenação em juros apenas operou a partir da citação do réu. Consequentemente, assim sendo e em todo o caso, sibi imputet. 6.4. Sumariando e concluindo: Atentos os fitos das prescrições de curto prazo – certeza, segurança, estabilidade jurídico-social, sanção da inacção do credor e até protecção do devedor - bem como a idiossincrasia própria e o cariz autónomo do direito de regresso por reporte ao direito do lesado, pois que aquele, versus este, não se funda, directa e imediatamente, no facto ilícito de índole criminal, o prazo de prescrição do titular de tal direito não é o atinente a este facto – nº3 do artº 498º do CC – mas antes o prazo de três anos do nº2 do mesmo normativo. 7. Deliberação. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, julgar verificada a excepção peremptória da prescrição do direito da autora e, consequentemente, absolver o réu do pedido. Custas pela autora. Porto, 2009.03.31 Carlos António Paula Moreira Mário António Mendes Serrano Tem voto de conformidade da Drª Graça Mira que não assina por não estar presente.