Aquele que através de uma mesma acção negligente provoca a morte de duas pessoas comete dois crimes do art. 137º do Código Penal.
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:*I. No processo comum (com intervenção de tribunal colectivo) n.º …/05.8GTVRL do Tribunal Judicial de Alijó, foi proferida a seguinte decisão: - “… a) Condenar o arguido B………. pela prática, em autoria material de um crime de homicídio negligente grosseiro do art° 137°, n° 2, do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. No entanto, o Tribunal Colectivo considera que a simples ameaça da execução da pena satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, pelo que suspende a aludida execução da pena, sob a condição do arguido pagar a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos) euros à C………. de Vila Real, bem como prestar apoio em actividades de prevenção rodoviária aos Bombeiros Voluntários de ………. . b) No termos dos art°s arts. 27°, n°s 1 e 2, ai. a), 2°, 145°, n° 1, ai. b) e 146°, b), 139°, n° 2, do Cód. da Estrada, condenar o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 10 (dez) meses. c) Absolver o arguido da prática do restante crime de que se encontrava acusado. …” Inconformada, a Digna Magistrada do Ministério Público interpôs recurso do acórdão que assim decidiu, extraindo as seguintes conclusões da motivação apresentada: - “… 1 - O Tribunal Colectivo a quo condenou o arguido B………. pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo artigo 137°, n°s 1 e 2 do Código Penal. 2 - O Tribunal Colectivo a quo deu como provados, para além do mais, os seguintes factos: ● No dia 2 de Julho de 2005, cerca das 5 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PD, pelo IP., no sentido Mirandela - Vila Real. ● Havia estado numa festa de abertura do D………. em Macedo de Cavaleiros onde tinha ingerido diversas bebidas alcoólicas, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,35 gramas por litro. ● Transportava como passageiros, E………., F……….., G………. e H………. . ● (...) Em consequência directa e necessária da condução do arguido e subsequente despiste e capotamento do veículo os passageiros E………. e F………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de exame de cadáver e autópsia de fls. 210 e 220, aqui dadas inteiramente por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária das sua mortes. ● (...) O descrito acidente ficou a dever-se exclusivamente ao facto do arguido conduzir o veículo automóvel num estado eufórico, derivado da ingestão de bebidas alcoólicas, de uma forma temerária e imprudente, circulando a lona velocidade não concretamente apurada, na ordem dos 125 km/h, não tomando as devidas precauções de redução da velocidade ao aproximar-se da curva que se apresentava à sua frente e perfeitamente visível. ● Assim, imprimiu ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência do mesmo ao piso, nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada. ● Ignorou consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via, a nível da proibição de exceder a velocidade horária de 90 km/hora imposto por lei, como a prudência da moderação da mesma perante a aproximação de uma curva. ● Ignorou o perigo que era conduzir com uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente a precariedade da aderência do carro à estrada com tal velocidade. ● Nas circunstâncias descritas, o arguido deveria, pelo menos, ter diminuído a marcha do veículo para o limite máximo de velocidade imposto pela lei, bastando para isso abrandar a velocidade a que seguia. ● O veículo deixou um rasto de travagem no asfalto de 104 metros, o que evidencia a velocidade excessiva imprimida pelo arguido ao veículo, numa verdadeira atitude temerária, contrária aos procedimentos usuais de qualquer condutor minimamente prudente. ● Não procedeu, assim, com o cuidado e diligência que a condução de veículos impõe, cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, não chegando, sequer, a representar a possibilidade de realização dos factos morte e ofensa à integridade física que vieram a verificar-se. ● O arguido encontrava-se sob a influência de álcool o que lhe diminuiu a sua destreza na condução, afectando o seu sentido de orientação e retardando os seus reflexos, facto que foi também importante para a produção do acidente. ● O arguido colocou-se voluntariamente naquelas condições através da ingestão de álcool e assumiu a condução do referido veículo de forma livre, voluntária e consciente, imprimindo durante o percurso, frequentemente, ao veículo velocidades superiores a 180 km/h. ● O exercício da condução da forma supra descrita, com manifesta falta de atenção e cuidado, olvidando os mais elementares deveres de precaução e cautela, determinou que o arguido não evitasse o acentuado perigo que desencadeou e o grave resultado que adequadamente causou, apesar de esse perigo ser pessoalmente representável e o resultado pessoalmente evitável, como o seria pela generalidade das pessoas com as qualidades e capacidades do arguido (...). 3 - Não obstante ter considerado como provados os factos descritos na conclusão anterior, entendeu aquele Tribunal Colectivo, ainda assim, condenar o arguido apenas por um só crime de homicídio por negligência grosseira, pese embora, da acção do arguido tenham resultado duas mortes, a de E………. e F………. . 4 - No caso dos autos, entendemos que, no caso de uma pluralidade de eventos delituosos, o resultado é relevante para o preenchimento do ilícito nos crimes negligentes, ou seja, nos crimes involuntários praticados com negligência, sendo que o agente comete tantos crimes quanto os resultados que previu ou devesse ter previsto. 5 - Entendemos que, se de uma conduta negligente resultar a morte em mais de uma pessoa, há tantos crimes de homicídio por negligência quantas as mortes/vítimas. 6 - Assim, e salvo o devido respeito, entendemos, considerando os factos dados como provados plasmados no douto acórdão e, mais concretamente a morte de duas pessoas, E………. e F………. decorrentes da actuação negligente do arguido que o mesmo cometeu dois crimes de homicídio por negligência grosseira e não apenas um, conforme resulta da condenação aferida no douto acórdão. 7 - Ainda que os resultados morte de E………. e F………. tenham sido provocados por uma única acção do arguido, verificando-se, assim, um concurso ideal homogéneo (cfr. artigo 30°, n° 1 do Código Penal), não é despiciendo salientar que estamos perante uma pluralidade criminal, não sendo esta circunstância afastadora do concurso efectivo de dois crimes de homicídio por negligência. 8 - Pelo exposto, atentas as razões aduzidas na motivação de recurso e, tendo em conta os factos pelos quais o arguido foi condenado, não pode deixar de considerar-se que o mesmo praticou não um crime de homicídio por negligência grosseira mas dois crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo artigo 137°, n°s 1 e 2 do Código Penal, em consequência dos quais deverá o mesmo ser condenado.” O arguido apresentou resposta onde conclui pela improcedência do recurso. Também inconformado com a condenação, o arguido interpôs recurso devidamente motivado e com as seguintes conclusões: - “… 1- O Tribunal a quo preferiu acórdão no qual se deliberou condenar o arguido pela prática, em autoria material de um crime de homicídio negligente grosseiro do art.º 137° n°2 do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão suspensa na sua execução sob a condição de o Arguido pagar a quantia de €2.500,00 à C………. de Vila Real, bem como prestar apoio em actividades de prevenção rodoviária aos Bombeiros Voluntários de ……….; b) condenar o Arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dez meses e c) condenar o Arguido no pagamento das custas aí fixadas. 2- O Arguido não se conforma com o acórdão ora em crise por entender que o mesmo padece de vários vícios, pretendendo por isso a apreciação de x questões. 3- O Arguido pretende já impugnar parte da matéria de facto considerada provada por não corresponder à prova que foi produzida. 4- O Tribunal a quo deu como provado que o veículo tripulado pelo Arguido deixara "um rasto de travagem no asfalto de 104 metros" - alínea 15) da matéria de facto provada. 5- O agente da BT GNR confirmou que sem dúvidas tais rastos eram de derrapagem. 6- Esse mesmo facto acaba por ser confirmado pelo vertido na alínea 5) da matéria de facto provada, onde se refere que as marcas era afinal de derrapagem. 7- Assim, para os efeitos do disposto no artigo 412° n°3 al. a) e b) do C.P.P., tendo por base o depoimento do agente da BT - GNR I………. o Arguido considera que na alínea 15) da matéria de facto deveria constar que o rasto aí referido é de derrapagem e não de travagem. 8- O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos constantes das alíneas 10), 11), 12) 13) e 15) relativos à alegada velocidade que o Arguido imprimia ao veículo por si dirigido. 9- A prova destes factos, de acordo com o acórdão, teve por base o depoimento da testemunha H………. e o relatório pericial elaborado pela BT a fls. 157 a 166, 168 a 203. 10- O Arguido entende que, com base naqueles elementos de prova, o Tribunal não poderia dar como provados os factos acima indicados, pela menos na sua totalidade. 11- O relatório pericial de fls. 157 a 166, 168 a 203 não faz qualquer tipo de prova quanto à velocidade pois o que dele se extrai não é a velocidade a que o Arguido conduziria no momento em que entrou em despiste, mas sim uma mera estimativa da velocidade média a que o Arguido circularia desde o ponto de início da viagem até ao local do acidente. 12- Os dados que compuseram a equação de onde resultou aquela velocidade não foram presenciados pelo agente que elaborou o relatório nem se tratam sequer de dados certos, mas sim estimados. 13- Em concreto, tal cálculo não fornece nenhuma informação quanto à velocidade a que o Arguido circularia no momento em que o veículo entrou em despiste, sendo que era nesse momento preciso que importava apurar a velocidade do veículo. 14- O depoimento de H………., nenhuma informação forneceu quanto ao momento do acidente ou sequer quanto aos momentos que antecederam o sinistro, pois como a mesma referiu no seu depoimento a testemunha não se recorda do acidente, tal como os demais intervenientes sobrevivos. 15- E quanto à dinâmica do acidente, nenhuma outra prova foi considerada pelo Tribunal a quo, pois mais nenhuma prova foi produzida já que, repete-se, nenhuma das pessoas que circulava dentro do veículo tem memória da forma como o mesmo ocorreu e em que circunstâncias. 16- Atenta tal falta de prova não podia o Tribunal a quo dar como provado, quanto à velocidade, os factos constantes das alíneas 10), 11), 12), 13) e 15) da matéria de facto provado, pois todos eles assentam sobre a premissa infundada de que o Arguido circularia a uma velocidade superior à legal. 17- Poder-se-ia contrapor que mesmo assim, sempre tinha resultado provado a existência de um rasto de derrapagem de 104 metros, o que só por si evidenciaria a velocidade excessiva a que circularia o veículo. Foi isso mesmo que o Tribunal concluiu e deu como provado na alínea 15) da matéria de facto provada. 18- O Arguido concordaria se se tratassem de rastos de travagem e não de derrapagem como foi o caso, não existindo tabelas nem métodos minimamente seguros para conseguir estimar a velocidade com base em derrapagens. 19- Tendo por base o relatório de fls. 157-166 bem como o depoimento de H………., o Arguido considera que deverão ser eliminadas as alíneas 11), 12) e 13) e alteradas as alíneas 10) e 15) onde deverão ser retiradas todos os segmentos conclusivos e relativos à velocidade que é imputada ao Arguido. 20- Na alínea 14) da matéria de facto, o Tribunal considerou como provado que o "arguido deveria, pelo menos, ter diminuído a marcha do veículo para o limite máximo da velocidade imposta por lei, bastando para isso abrandar a velocidade a que seguia". 21- Em rigor, tudo isto é matéria conclusiva já que desta alínea 14) nenhum facto consta e como tal deverá, simplesmente, ser eliminada da matéria de facto por violação do artigo 374° n°2 do C.P.P. 22- Ainda assim aquela alínea até é relevante na medida em que demonstra bem como o Tribunal, sem ter produzido qualquer prova sobre essa matéria, passou a pressupor factos. 23- Na verdade, teria sido importante se se tivesse apurado se o fatídico acidente teria igualmente acontecido se o Arguido circulasse a 90 km/h. E se a essa mesma velocidade seria possível deixar um rasto de derrapagem de 104 metros. 24- O Tribunal não cuidou, no entanto, de o fazer e assim violou o artigo 374° n°2 do C.P.P. e por violação do princípio da presunção de inocência, deverá ser eliminada a alínea 14) da matéria de facto. 25- O Tribunal a quo deu ainda como provado as alíneas 2), 10 e 17), onde consta que o Arguido conduzia sob o efeito de álcool, sem que, uma vez mais, tenha sido produzida qualquer prova nesse sentido. 26- A taxa de álcool foi colhida no Hospital de ………. cerca de 5 horas depois do acidente, conforme conformou o agente da BT J………. . 27- Se esse álcool tivesse sido ingerido antes de iniciar a viagem de regresso, seguro é dizer que antes de iniciar a viagem de regresso o Arguido tinha de ter uma taxa de álcool muito, mas muito superior àquela que acusou (0,35g/1). 28- Contudo, G……….a e H………. conformaram nos seus depoimentos que antes de iniciar a viagem de regresso, o Arguido parecia normal, não aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas. 29- O álcool pode bem ter sido ingerido depois de acidente, já que o Arguido saiu do local do acidente em carro desconhecido e apareceu depois no Hospital. 30- Para mais, como é jurisprudência nesse Tribunal, pelo facto de um condutor apresentar álcool no sangue, não significa que esse condutor tenha agido no acidente sob a influência do mesmo. 31- Deverão por isso ser eliminadas das alíneas 2), 10) e 17) todas as referências à alegada ingestão de bebidas alcoolicas, tendo por base o depoimento das testemunhas J………., G………., H………. e I………. . 32- Atenta toda a impugnação dos factos, deverão ainda ser eliminados dos factos provados atrás não referidos, as referências a excesso de velocidade ou a condução sob o efeito de álcool, como é o caso das alíneas 16) e 18). 33- Por outro lado, o Tribunal a quo condenou ainda o Arguido pela prática de uma contra-ordenação muito grave pelo facto de o mesmo circular a mais de 125 km/h. 34- Para efeitos contra-ordenacionais, a única prova admissível para este efeito é a obtida através de aparelhos de medição devidamente homologados ou por tacógrafo se o veículo com ele estiver equipado e não através de uma mero e falível estimativa. 35- Mostra-se assim violado o disposto no artigo 27° n° 4 do Código da Estrada e o artigo 125° do Código Penal. 36- O Tribunal a quo, perante a factualidade dada como provada, considerou que "Em suma, nenhumas dúvidas ficaram ao Tribunal Colectivo sobre as circunstâncias que rodearam o acidente.". 37°- Não compreende o Arguido tamanho esclarecimento quanto à forma como terá ocorrido o acidente quando nem sequer nenhum dos intervenientes sobrevivos se recorda como é que o acidente se deu. 38°- Por outro lado, o juízo de censura que esteve na base da condenação do Arguido assentou nos pressupostos da velocidade excessiva e do álcool. Ora, atento o atrás exposto, fácil é de constatar que tais pressupostos carecem de suporte fáctico, já que nenhuma prova concludente e segura foi produzida nesse sentido. 39°- Analisados os factos que foram efectivamente provados e não impugnados não foi feita prova de que o Arguido circulasse a velocidade superior à legalmente admitida no momento do acidente, nem que conduzisse sob o efeito do álcool, nem sequer prova concreta e expressa de que o Arguido tenha tido alguma conduta que possa ser considerada reprovável nem enquadrada como culposa. 40°- Nesta óptica, sob a égide do princípio da presunção da inocência e sob pena de ofensa a um dos princípios basilares do nosso sistema pena- o princípio da culpa (nulla poena sine culpa) impõe-se a absolvição do Arguido, o que ora se deixa expressamente requerido. 41°- A isso não obsta entender apenas que sempre se teria demonstrado que o Arguido não terá adequado a velocidade ao tipo de via, ao seu traçado ou às condições que se faziam sentir, o que nos termos do Código da Estrada viola o princípio geral da velocidade. 42°- E não aceita porque a velocidade que imprimia o veículo podia perfeitamente estar contida dentro dos limites legais e até mesmo ser a adequada ao tipo de via e seu traçado. No entanto, há toda uma panóplia de motivos que poderiam estar na origem da perda da aderência do veículo e que era completamente alheios à vontade do Arguido. 43°- Como também não se aceita o argumento do estado de destruição do veículo como prova do excesso de velocidade, pois tendo em conta que o veículo seguia numa via com inclinação, podendo atingir até os 80 km/h, quando entra em despiste e ao fim de cerca de 50 metros, entra na valeta - desnivelada - daí resultou o capotamento do carro. 44°- Para além disso, - alínea 16) 2a parte dos factos provados - o Arguido não representou, de qualquer forma, a morte ou as ofensas à integridade físicas nem actuou com intenção de as provocar. 45°- A morte e ofensas surgem ocasionalmente, por razões desconhecidas, sem qualquer nexo de causalidade com a actuação do agente, isto é, sem que o agente tenha praticado qualquer acto que se possa qualificar como constituindo um seu perigo típico. 46°- Mostrou-se por isso violado o princípio de presunção de inocência, consagrado no artigo 32° n° da Constituição da República Portuguesa, que impõe que perante a dúvida acerca da sua culpa na produção do acidente, aquele tenha de ser necessariamente absolvido do crime que lhe é imputado. Subsidiariamente 47°- O Arguido foi condenado pela prática de um crime, em autoria material, homicídio negligente grosseiro, previsto no artigo 137° n°2 do C.Penal. 48°- Atendendo à impugnação da matéria de facto atrás aduzida, lógico é que a ser condenado o Arguido, teria de ser pelo crime de homicídio por negligência simples, previsto e punido pelo artigo 137° n°1 do Código Penal, já que o seu comportamento não íntegra o tipo legal de crime previsto no n°2 do mesmo libelo. 49°- Mostra-se assim violado o disposto no artigo 137° do Código Penal. 50°- Independentemente desta questão entende o Arguido que o Tribunal não tomou em consideração um facto essencial, que foi considerado provado, que impunha que acerca da actuação do Arguido recaísse um juízo de censura e de culpa inferiores. 51°- Foi dado como provado que "As vítimas mortais do acidente circulavam sem cinto de segurança no momento do acidente", com base no depoimento de H………. . 52- Essa mesma testemunha afirmando que apesar das velocidades elevadas praticadas pelo Arguido, nenhum dos passageiros do banco de trás cuidou de pôr o cinto de segurança o que revela inconsideração e imprudência por parte das vítimas. 53- É do conhecimento geral, e resulta da experiência comum, que a falta de cinto de segurança é causa de origem ou pelo menos potenciadora de danos físicos, tanto para os próprios como para os demais ocupantes do veículo. 54- No caso em apreço, com elevado grau de probabilidade, se os malogrados E………. e F………. levassem o cinto de segurança, certamente que do acidente não adviria a sua morte. 55- Os danos sofridos pelos demais ocupantes do carro, mesmo por aquele que também não levava cinto de segurança demonstram que a morte dos ocupantes do veículo não era uma consequência necessária do acidente que se verificou naquele dia 02 de Julho de 2005. 56- Não isentando o Arguido de responsabilidades mas determina necessariamente que para a morte daqueles dois jovens concorreu não só o acidente como também a sua própria conduta, inconsequente e ilícita à luz dos preceitos rodoviários, o que influi na medida da culpa atribuída ao Arguido. 57- Mostrou-se assim violado o disposto no artigo 40° n°2 e 71° n°l ambos do C.P. 58- As penas fixadas ao Arguido, por outro lado, são exageradas, pois extravasam a culpa do Arguido. 59- Quanto à pena de prisão o Tribunal a quo fixou uma pena demasiado próxima do limite máximo, sendo certo que não se esquece que o Arguido foi condenado por um crime do qual resultou a morte de duas pessoas. 60- Também não se pode concordar com o pagamento de uma tão elevada quantia como condição de suspensão da execução da pena pois atentas as condições sócio-económicas do Arguido, o mesmo não dispõe de tal quantia nem tem meios para fazer tal pagamento, o que, na prática, equivale a uma condenação sem suspensão da sua execução. 61- Foram por isso violados os artigos 40° e 71° n°1 do C.P.P. 62- Atento o exposto, pretende o Recorrente que se dignem Vas.Exas. conceder provimento total ao recurso ora interposto e em consequência se dignem revogar o acórdão ora em crise, substituindo-o por um outro nos termos requeridos” Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões: -“… 1 - O acórdão recorrido não enferma de erro notório na apreciação da prova - artigo 410.°, n.°2, alínea c) do Código de Processo Penal; 2 - Dispõe o artigo 127.0 do Código de Processo Penal - doravante, apenas C.P.P. - quanto ao princípio da livre apreciação da prova -, que "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente"; 3 - Tudo se resume a uma íntima convicção, fundada e fundamentada, do julgador, atentas as provas produzidas nos autos - quod non est in actis non est in mundo - conjugadas com as regras da experiência, da normalidade do acontecer e considerados os padrões do homem médio colocado perante aquela situação; 4 - No entanto, e a prosseguir o processo, sempre se dirá que, a atender-se que existiu, por parte do Tribunal a quo, errónea apreciação da prova, o que não se concede, esta tem sido unanimemente identificada pela Jurisprudência quando, «para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova, estipulada no artigo 127.° do CPP; 5 - O recorrente não elevou em linha de raciocínio, nem considerou tão pouco, que uma eventual contradição tem que resultar do texto da decisão, o que in casu não sindicou, nem podia, dado que a decisão do Tribunal é tomada em consciência e após livre apreciação crítica da prova produzida na própria vivência e imediação de um julgamento; 6 - Não decorre do texto do acórdão, muito pelo contrário - por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum - que a prova foi apreciada de forma despropositada ou com ligeireza de espírito, dando como provados factos que não podiam ter acontecido ou considerando não provados factos que com certeza teriam ocorrido; 7 - A fundamentação do acórdão a quo, para além de conter a enumeração dos factos provados e não provados, contém ainda uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal; 8 - O acórdão recorrido não violou o princípio "in dubio pro reo"; 9 - Constatamos que o Ministério Público logrou fazer prova dos factos descritos na acusação, razão pela qual o Tribunal a quo, sem qualquer dúvida, considerou como provada toda a factualidade de que vinha acusado o arguido e condenou-o nos termos em que o condenou; 10 - Se o Tribunal a quo não teve qualquer tipo de dúvida fundada, razoável e inultrapassável quanto à prática pelo arguido dos factos de que vinha acusado no caso sub judice, não há razão para o mesmo lançar mão do princípio in dubio pro reo, pelo que não houve qualquer violação daquele princípio constitucional consagrado no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa; 11 - Não se discute a culpa do recorrente na ocorrência do acidente a que deu causa, sendo que ela está, aliás, suficientemente demonstrada através da factualidade que se deu por provada; 12 - É por demais evidente que, em regra, qualquer indivíduo que tenha ingerido bebidas alcoólicas, a partir de determinada quantidade se sinta diminuído nas suas capacidades, estando o recorrente, aquando do acidente, com a atenção e reflexos diminuídos;13 - Deve ser dirigido ao arguido dois juízos de censura, ou seja, tantos quantos os bens jurídicos ofendidos, e condenar o mesmo pela prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo art. 137°, n.°s 1 e 2 do Código Penal; 14 - Face à factualidade dada como provada no acórdão a quo, segundo as regras da experiência comum, aplicadas às circunstâncias concretas da situação, a condução que o recorrente imprimia ao veículo, só por si só, e em abstracto, era adequada e idónea a causar o resultado que se verificou; 15 - Não tem aqui lugar a aplicação das regras respeitantes à concorrência de culpas, dado nada se ter provado no sentido de que foi por não utilizarem o cinto de segurança que se verificaram as consequências em causa ou que se agravaram as lesões decorrentes do acidente; 16 - O recorrente não aduz qualquer argumento válido que possa fundamentar a sua pretensão e uma fixação de uma pena concreta e de uma sanção acessória em montante menos gravosos dos fixados.” Neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos emitindo o seguinte parecer: - “ ... Começamos por dizer que não assiste qualquer razão ao arguido no recurso que ele interpõe. Assim, e tão só, quanto ao objecto do recurso interposto pelo arguido, a sentença não merece qualquer reparo, tanto no que se refere á análise da prova produzida em julgamento, como á avaliação da culpa, como à medida da pena aplicada ao arguido, em função do crime e contra¬ordenações consideradas como por ele cometidas. Nesta matéria, louvamo-nos nas doutas e bem fundamentadas alegações do M° P° da la instância, constantes de fls.1143 e seguintes, para as quais, com a devida vénia, remetemos. Já quanto ao recurso do M°P°, parece-nos que merecerá provimento. Aderimos "in totum", tanto à sua motivação, como aos argumentos expendidos pelo Exm° Juiz, que votou vencido, na sua declaração de fls.1054 a 1056. A questão principal suscitada é a de saber se, de uma conduta negligente resultar a morte de duas pessoas e ferimentos em tantas outras, estaremos em face de um concurso de crimes ou de um único crime agravado pelo resultado. Na tese do acórdão recorrido," inexiste concurso efectivo de infracções, mas apenas um crime de resultado múltiplo, em que se pune o mais grave, funcionando os outros como agravantes a ter em conta na fixação concreta da pena, na medida em que o comportamento do arguido só lhe é imputável a título de negligência". Salvo o devido respeito por opinião contrária, estamos do lado dos que defendem " que embora a acção negligente seja única, a morte de várias pessoas dela decorrentes corresponderá a um concurso ideal homogéneo e, necessariamente a uma pluralidade criminal, tal como decorre do disposto no art° 30° do CP." Aliás,"este preceito, que consagra o chamado critério teleológico para distinguir entre a unidade e pluralidade de infracções não faz distinção entre o dolo e a negligência ou entre a negligência consciente e inconsciente"; "O princípio da culpa não afasta a pluralidade de infracções pois se o agente devia prever as consequências da sua actuação, tal dever também se verifica em relação a um ou vários resultados" (Ac TRP de 16/05/2007 in www.dgsi.pt). Como se lê no mesmo aresto,"o juízo de censura, nos crimes negligentes como nos crimes dolosos, representa a relação do agente com o facto injusto, enquanto lho imputa como seu e por isso que no dolo o facto é imputado ao agente enquanto previsto e querido (art. 14°) e na negligência lhe é imputado enquanto, embora não directamente querido, era previsível e em razão dessa previsibilidade deveria o agente actuar com o cuidado a que está obrigado e é capaz para evitar a produção do facto injusto (art. "A representação, no dolo, refere-se ao facto que o agente intenta cometer; a previsibilidade, na negligência, ao facto que será cometido se o agente não actuar com o cuidado a que está obrigado e é capaz; o objecto da previsibilidade na culpa é o mesmo que o da previsão no dolo.» "O objecto da previsão e da previsibilidade é o mesmo no dolo e na culpa, também que se no dolo são possíveis vários juízos de censura quando o agente prevê e quer vários injustos, também na negligência tenham lugar plúrimos juízos de censura quando o agente podia prever, se tivesse procedido com o cuidado devido, no caso concreto, que do seu comportamento poderiam resultar vários injustos e não actua de modo a evitá-los" "A omissão voluntária do dever que previsivelmente pode causar um ou mais injustos, pode gerar um ou mais ilícitos-típicos, como no dolo a conduta querida pode conscientemente causar um ou vários injustos". "O juízo de censura dirige-se ao injusto previsto e querido, no dolo, e ao injusto previsível e voluntariamente não evitado, na negligência. "A vontade culpável, mesmo constituída por um só acto de vontade, deve ter por objecto todos os ilícitos concorrentes, sendo, por isso, possível censurar a conduta negligente tantas as vezes quantas as lesões». "No dizer do Prof. Eduardo Correia: «do mesmo modo que é lícito reprovar a actividade do agente, quando de dolo se trate, tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele quis produzir, igualmente é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar". A punibilidade da negligência tem o seu fundamento na censurabilidade dirigida ao agente pela produção do resultado, quando podendo e devendo agir de determinada forma, o não faz, violando gravemente bens jurídicos de outrem, ficando indiferente á possibilidade da prática de um crime. A conduta do arguido, tal como ficou provado, voluntária e conscientemente, violou normas estradais, que deram causa ao acidente, do qual resultaram duas mortes e ferimentos graves em outras duas pessoas. O arguido nem sequer interiorizou os riscos que causava a terceiros que o acompanhavam, no veículo que conduzia, quando podia e devia fazê-lo, pelo que terá actuado com negligência inconsciente. O juízo de censura que sobre a sua conduta impende é o relativo à omissão da actividade de cuidado esperada e exigível nas circunstâncias em que conduzia, quando devia ter adaptado a sua condução ás especificidades da via por onde circulava, com respeito pelas normas do Código da Estrada que se lhe impunham, de modo a impedir os resultados funestos que se vieram a verificar da sua actuação, demonstrando o maior dos desrespeitos pelos bens jurídicos alheios. Face ao supra exposto, e "sendo legalmente possível censurar, in casu, a conduta negligente do arguido (ainda que sob a forma de negligência inconsciente) de forma plúrima, em função do número de lesões jurídicas que ele podia e devia prever e que efectivamente se produziram", somos de parecer, s.m.o., que o recurso interposto pelo M°P° merece provimento.” Não houve resposta do arguido. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre agora apreciar e decidir. II. Das conclusões apresentadas pelo Ministério Público colhe-se que a questão colocada à apreciação desta Relação é a de saber se a conduta do arguido deve ser punida por um crime, como decidiu o tribunal a quo, ou por dois crimes. Por seu lado, das extensas, repetitivas e confusas conclusões do arguido extraem-se as seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - violação do princípio in dubio pro reo; - subsunção jurídico-penal da sua conduta; - medida da pena. Vejamos a fundamentação de facto do acórdão recorrido: - “... 1) No dia 02 de Julho de 2005, cerca das 5 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PD, pelo IP., no sentido Mirandela - Vila Real. 2) Havia estado numa festa de abertura do D………. em Macedo de Cavaleiros onde tinha ingerido diversas bebidas alcoólicas, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,35 gramas por litro. 3) Transportava como passageiros, E………., F………., G………. e H………. . 4) A estrada por onde seguia a viatura tinha uma largura de 10,20 metros, é alcatroada, com piso bom, limpo e seco. 5) Ao chegar ao quilómetro 114,6, da referida via e ao percorrer uma recta com inclinação descendente, precisamente ao descrever uma curva prolongada para direita (atento o seu sentido de marcha), na área desta comarca de Alijó, o arguido começou progressivamente a perder aderência ao piso, deixando marcas de derrapagem no pavimento. 6) Após percorrer, cerca de 84 metros, nestas circunstâncias, rodopiou sobre si, entrando totalmente na berma, embateu de seguida, com a parte fronto-lateral direita, no bordo da valeta aí existente. 7) Depois deste embate, entrou numa situação de total descontrolo, capotando por várias vezes, passando por um morro de terra, numa distância de cerca de 68 metros, de seguida por cima das guardas metálicas de protecção, numa distância de cerca de 22 metros, recuperando posteriormente a faixa de rodagem onde se imobilizou sensivelmente no eixo da via orientado no sentido Vila Real - Mirandela. 8) Em consequência directa e necessária da condução do arguido e subsequente despiste e capotamento do veículo os passageiros E………. e F………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de exame de cadáver e autópsia de fls. 210 e 220, aqui dadas inteiramente por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária das suas mortes. 9) Por sua vez os passageiros G………. e H………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de perícia de fls. 295 e 302, igualmente aqui dadas inteiramente por reproduzidas. 10) O descrito acidente ficou a dever-se exclusivamente ao facto do arguido conduzir o veículo automóvel num estado eufórico, derivado da ingestão de bebidas alcoólicas, de uma forma temerária e imprudente, circulando a uma velocidade não concretamente apurada, na ordem dos 125km/h, não tomando as devida precauções de redução da velocidade ao aproximar-se da curva que se apresentava à sua frente e perfeitamente visível. 11) Assim, imprimiu ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência do mesmo ao piso, nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada. 12) Ignorou consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via, a nível da proibição de exceder a velocidade horária de 90 km/hora imposto por lei, como a prudência da moderação da mesma perante a aproximação de uma curva. 13) Ignorou o perigo que era conduzir com uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente a precariedade da aderência do carro à estrada com tal velocidade. 14) Nas circunstâncias descritas, o arguido deveria, pelo menos, ter diminuído a marcha do veículo para o limite máximo de velocidade imposto pela lei, bastando para isso abrandar a velocidade a que seguia. 15) O veículo deixou um rasto de travagem no asfalto de 104 metros, o que evidencia a velocidade excessiva imprimida pelo arguido ao veículo, numa verdadeira atitude temerária, contrária aos procedimentos usuais de qualquer condutor minimamente prudente.16) Não procedeu, assim, com o cuidado e diligência que a condução de veículos impõe, cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, não chegando, sequer, a representar a possibilidade de realização dos factos morte e ofensa à integridade física que vieram a verificar-se. 17) O arguido encontrava-se sob influência de álcool o que lhe diminuiu a sua destreza na condução, afectando o seu sentido de orientação e retardando os seus reflexos, facto que foi também foi importante para a produção do acidente. 18) O arguido colocou-se voluntariamente naquelas condições através da ingestão de álcool e assumiu a condução do referido veículo de forma livre, voluntária e consciente, imprimindo durante o percurso, frequentemente, ao veículo velocidades superiores a 180 Km/h. 19) O exercício da condução da forma supra descrita, com manifesta falta de atenção e cuidado, olvidando os mais elementares deveres de precaução e cautela, determinou que o arguido não evitasse o acentuado perigo que desencadeou e o grave resultado que adequadamente causou, apesar de esse perigo ser pessoalmente representável e o resultado pessoalmente evitável, como o seria pela generalidade das pessoas com as qualidades e capacidades do arguido. 20) O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 21) O arguido foi condenado por contra-ordenação, factos de 07.07.03, em 30 dias de inibição de condução. 22) As vítimas mortais do acidente circulavam sem cinto de segurança no momento do acidente. 23) Após o acidente o arguido entrou em estado de choque, só se apercebendo do sucedido quando veio a si no Hospital. 24) Após o acidente passou a haver pessoas que tinham um tratamento desagradável para com o arguido. 25) O arguido é licenciado em informática de gestão, perito averiguador, aufere €450,00 mensais, solteiro vive com os pais. 2.1.2. - Factos não provados. Com pertinência e relevância ao objecto do processo não se provou: a) O arguido não fosse a conduzir o veículo ..-..-PD. b) O arguido tenha tido acompanhamento psicológico durante meses. c) Aquando dos factos referidos em 23) tivessem chamado de assassino ao arguido e o tivessem ameaçado. d) O arguido ainda agora sinta receio de andar na rua sozinho e com medo de ser insultado ou agredido. 2.2. - A convicção do tribunal. Em sede de motivação da decisão de facto, ponderaram-se, desde logo, as declarações do arguido. Assim, o arguido B………. referiu que não se recordava do acidente, apenas se recorda ter estado no D………. antes de virem para V. Real. Apenas o E………. e o G………. é que saíram com o arguido de V. Real. Ponderaram-se ainda as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento. O assistente G………. referiu não se recordar em concreto do acidente. No dia 01.07.05, antes das 24.00h encontrou-se com o arguido e o falecido E………. em V. Real e foram para Macedo de Cavaleiros. O veículo era conduzido pelo arguido e era do pai da namorada. O assistente na vinda de Macedo de Cavaleiros vinha ao lado do condutor, vindo atrás o E………., a F………. e a H………. . O tempo estava bom, o piso seco. O arguido estava normal antes de entrar no carro. Não se recorda se as pessoas atrás traziam cinto de segurança. Após o acidente o arguido ficou triste e com dificuldade em falar sobre o assunto. A testemunha H………. vinha no carro no banco de trás, o arguido é que conduzia o veículo, vindo no banco da frente o G………. . O arguido durante todo o trajecto circulava muito depressa, ao chegar a Mirandela olhou para o conta-quilómetros e viu que circulavam a cerca de 180/200km/h, ficou com muito medo e expressou o mesmo à falecida F……….., apertando-lhe a mão e dizendo-lhe que iam morrer e para dizer aos pais que gostava muito deles, tendo esta respondido para não ter medo, pois o arguido conhecia bem a estrada. Circulavam a uma velocidade tão elevada que a testemunha costumava fazer o trajecto de Macedo de Cavaleiros a Mirandela em 20 minutos e viu que tinham feito o trajecto em 7/8 minutos. O arguido durante todo o trajecto cortava as curvas, seguindo pela faixa de rodagem contrária, de vez em quando o arguido apertava a mão do assistente G………. . Não havia trânsito, o piso estava seco e em bom estado. Não lhe pareceu que o arguido estivesse bêbedo. Ninguém atrás trazia cinto de segurança. A testemunha K………., 1ª pessoa a chegar ao local do acidente, referiu que circulava no sentido Vila Real - Bragança, cerca das 6.00h, na altura o arguido estava fora do carro a desligá-lo, mais à frente estava a H………. a levantar-se, havia outra rapariga e um rapaz mais á frente no chão sem qualquer sinal de vida. Na altura estava bom tempo, o piso era bom e estava seco. A testemunha I………., GNR, referiu ter-se deslocado ao local cerca das 6.00h, na altura o carro sinistrado encontrava-se no eixo da via na direcção de Mirandela, confirma o teor da participação do acidente. Estava bom tempo e o piso estava seco. A testemunha J………., GNR, referiu ter ido ao local do acidente às 7.15h, na altura só lá estava a viatura e uma vítima. A testemunha L………. apenas foi rebocar o veículo sinistrado. A testemunha M………. apenas soube do acidente no dia seguinte. As testemunhas N………., mãe do B………., O………. e P………., amigos do arguido, referiram que este ficou muito afectado com o acidente e que há pessoas agora que são muito desagradáveis com o arguido. O arguido tem uma condução normal. Ponderaram-se os documentos juntos aos autos, designadamente: Fls. 2 a 4 (auto acidente) FIs. 15, 45 (certificado óbito) FIs. 26 a 29, 51 a 54 (croqui acidente) FIs 55 a 57 (informação INEM) FIs 58 a 60 (cópias carta condução e veículo) FIs 61 a 65 (guia entrega) FIs. 89 (cadastro rodoviário do arguido) FIs. 91 a 95 (informações sobre o veículo sinistrado) FIs. 106 (auto reconhecimento) Fls. 125 a 150 (informação hospitalar) Fls. 157 a 166, 168 a 203 (relatório da BT sobre o acidente, designada ente cálculo da velocidade média). Fls. 209 a 216, 219 a 226 (relatório de tanatologia forense) Fls 253 (assento nascimento) Fls. 256 (assento óbito) Fls. 295 a 298, 302 a 305, 311 (perícia dano corporal) Fls 314 a 327 (fotos) Fls. 382, 383, 386 (informação médica) Relativamente aos antecedentes criminais e situação sócio-económica do arguido atendeu-se ao CRC e declarações do mesmo. Breves considerações cabem ser feitas sobre a prova produzida. No que concerne à dinâmica do acidente, designadamente à velocidade, o Tribunal Colectivo, face ao depoimento da testemunha H………., a qual foi clara em referir que durante todo o trajecto circulavam a uma velocidade muito elevada durante todo o trajecto, tendo mesmo referido ter verificado circularem a 180/200km/h, cortarem curvas, invadindo a via contrária, o arguido, em tom eufórico, algumas vezes tirou a mão do volante e apertava a mão G………. . Veja-se ainda o depoimento desta testemunha a referir que era habitual fazer o trajecto de Macedo de Cavaleiros a Mirandela em 20 minutos, à velocidade normal da via, tendo na noite fatídica o trajecto sido feito em feito em 7/8 minutos. A corroborar a versão desta testemunha temos o relatório pericial elaborado pela BT a fis. 157 a 166, 168 a 203, designadamente o cálculo da velocidade média efectuada pelo veículo, atendendo às horas de saída e chegada. Em suma, nenhumas dúvidas ficaram ao Tribunal Colectivo sobre as circunstâncias que rodearam o acidente. Diga-se ainda que o estado eufórico do arguido decorreu também do facto do arguido ter ingerido bebidas alcoólicas, não sendo despiciendo que o arguido algumas horas após o acidente ainda apresentasse a taxa de 0,35g/I.” Por uma questão de ordem lógica, começará por se apreciar o recurso interposto pelo arguido, pois, impugnada a matéria de facto, se ele proceder fica prejudicada a apreciação das demais questões, quer as suscitadas pelo próprio, quer as suscitadas no recurso do Ministério Público. Mas, antes de mais, o arguido diz que não se conforma com o acórdão recorrido por o mesmo padecer de vários vícios, sem indicar quais. Se se refere aos do art. 410.º, n.º 2, do CPP, desde já se adianta que, da análise do acórdão não resulta do seu texto, por si só e conjugado com as regras da experiência comum, qualquer vício. No que respeita à primeira questão a apreciar – impugnação da matéria de facto – impõe-se salientar que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem mesmo ser importados para a gravação da prova - seja áudio, seja mesmo vídeo - por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador “elementos intraduzíveis e subtis”, tais como “a mímica e todo o aspecto exterior do depoente” e “as próprias reacções, quase reacções, quase imperceptíveis, do auditório” que vão agitando o espírito de quem julga (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que “existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”). O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. E convém referir que, tendo o colectivo formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção que da prova teve àquela que formulou o recorrente. Esta é irrelevante. Pretende o recorrente que os factos dados como provados sob as al.s 10, 11, 12, 13 e 15 foram incorrectamente julgados, pois o depoimento da testemunha H………. e o relatório pericial elaborado pela BT de fl.s 157 a 166 e 168 a 203, em que o tribunal se baseou, não os sustentam. Conjugando o referido relatório pericial e o apontado depoimento, só se pode concluir pela bondade do decidido pelo tribunal a quo. Na verdade, o relatório referido, tendo em consideração a hora do início da viagem, a hora do acidente e a distância percorrida, concluiu que a velocidade média estimada era de 125,8Km/h; H………. testemunhou que o recorrente conduziu sempre muito depressa, a certa altura a cerca de 180-200 Km/h, de tal modo que ela chegou a temer pela sua vida; isto conjugado com os 104 metros das marcas de derrapagem só permite considerar que o acidente se ficou a dever exclusivamente ao facto de o recorrente conduzir a velocidade não apurada na ordem dos 125Km/h, imprimindo ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência ao piso nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada, ignorando consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via e que impunham limites de velocidade, tal como o perigo de conduzir a uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever. É manifesto que a referência a rasto de travagem se deve a mero lapso, pois de todo o teor do acórdão, muito concretamente do facto sob a al. 5) que expressamente refere marcas de derrapagem, resulta que o que está em causa é uma derrapagem. De qualquer modo, quer se trate de rasto de travagem quer de marcas de derrapagem, os 104m registados, num piso bom, limpo e seco, são bem demonstrativos de que o recorrente conduzia o veículo a velocidade muito superior ao permitido e excessiva para o local. Tal lapso não teve nem tem, por isso, qualquer influência na decisão, não se enveredando pelo jogo de palavras que o recorrente pretende sem mais argumentos do que esse de se tratar de termos diferentes. Quanto à taxa de álcool no sangue, não deixa de ser curioso que na contestação o recorrente aceite a indicada de 0,35g/l e agora venha dizer que não foi feita prova dessa taxa. Só por sofisma o recorrente pode argumentar que o álcool pode ter sido ingerido depois do acidente, isto é, entre este e a sua observação no hospital, onde foi feita a colheita de sangue. Não se percebe a referência ao art. 347.º, n.º 2, do CPP que o recorrente aqui faz, metendo no mesmo raciocínio o princípio da presunção de inocência, sendo certo que um não tem nada a ver com o outro e o acórdão recorrido se encontra devidamente fundamentado, com observância das especificações do citado artigo. Quanto ao princípio in dubio pro reo, dir-se-á, em síntese que, o que resulta do princípio citado é que quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido. Ora, no acórdão recorrido, não decorre nem da matéria de facto dada como provada, nem da sua fundamentação, qualquer dúvida. O Tribunal não teve qualquer hesitação quanto à valoração da prova, tal como não fixou qualquer facto que pudesse colocar em questão a prática do ilícito cometido pelo recorrente, ou seja, não teve qualquer dúvida. O Tribunal retirou directamente tais conclusões da prova produzida em audiência, não se lhe suscitando quaisquer dúvidas sobre as circunstâncias que rodearam o acidente. Não deveria/poderia, em consequência fazer uso de tal princípio. Sustenta o recorrente que não poderia ser condenado pela prática de uma contra-ordenação grave pelo facto de circular a mais de 125Km/h, porque a única prova admissível para este efeito é a obtida através de aparelhos de medição devidamente homologados ou por tacógrafo, com o que se propõe questionar a pena acessória de inibição de conduzir. Indica como violados os art.s 27.º, n.º 4, do CE e o art. 125.º do CP. Dispõe o primeiro dos citados preceitos: “Para os efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se que viola os limites máximos de velocidade instantânea o condutor que percorrer uma determinada distância a uma velocidade média incompatível com a observância daqueles limites, entendendo-se que a contra-ordenação é praticada no local em que terminar o percurso controlado.” O segundo dos preceitos invocados diz respeito à suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança, não esclarecendo o recorrente a razão do apelo a tal artigo do Código Penal. Quanto ao primeiro, ele diz precisamente o contrário do que pretende o recorrente, pelo que não se perderá mais tempo com tão candente questão. Todavia, surge aqui uma outra questão que se prende com a contra-ordenação em causa e que tem a ver com o prazo de prescrição do respectivo procedimento. À contra-ordenação p. e p. pelo art. 27.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 2.º, do CE corresponde coima de 120,00€ a 600,00€. O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é, nos termos do art. 27.º, al. c), do DL n.º 433/82, de 27.10, de um ano, uma vez que o montante máximo da coima é inferior a 2493,99€, sendo o prazo máximo da prescrição, considerando os factos suspensivos e interruptivos que eventualmente ocorram (art.s 27.º-A e 28.º do mesmo DL), de 2 anos, nos termos do n.º 3 do art. 28.º referido. Tal significa que o prazo máximo da prescrição do procedimento contra-ordenacional se cumpriu há muito, pelo que o recorrente não poderia ter sido condenado na pena acessória de inibição de conduzir, aqui se impondo a revogação da decisão recorrida. Alega depois o recorrente que o seu comportamento não integra o tipo legal de crime previsto no n.º 2 do art. 137.º do CP, mas o do n.º 1. Para sustentar esta sua alegação, refere a impugnação da matéria de facto que antecedeu. Ora a alteração de facto pretendida pelo recorrente só poderia conduzir à sua absolvição, como, de resto, o recorrente requer na sua 40.ª conclusão. Por outro lado, só por falácia o recorrente pode invocar a circunstância de as vítimas não levarem colocados os cintos de segurança como factor diminuidor da sua culpa. O concorrente comportamento culposo da vítima não deve ser considerado para efeitos de determinação da intensidade ou grau de negligência do recorrente, ou seja, para a qualificação daquela como simples ou grosseira. O comportamento negligente do recorrente não pode nem deve ser mitigado em função do comportamento das vítimas, embora o tribunal possa e deva tomar em consideração a eventual concorrência de culpas na produção do evento e na determinação da medida da pena a aplicar (v. Ac. da RC de 21.01.2004, www.dgsi.pt). Neste segmento, produziu a decisão recorrida: “… Para além disso, em vista do disposto no n° 2 do mesmo preceito, haverá que conferir se o grau de violação do dito dever de cuidado justifica a qualificação da negligência como grosseira, sabido que esta resulta de «uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também do ilícito», ou seja, de um «comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada», que «revele uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal», vide J. FIGUEIREDO DIAS, «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Ed., 2001, 381. Vd. ainda, a respeito, com particular relevo, CLAUS ROXIN, «Derecho Penal - Parte General - Tomo I», Civitas, Madrid, 1997, pp. 1026 e segs. Assim, a negligência, para que se possa qualificar de grosseira, terá que corresponder a uma crueza temerária, só se verificando quando o condutor se demite dos mais elementares cuidados na condução por temeridade, leviandade ou total ausência de atenção ou de cuidados, vide Ac. do STJ, Processo n° 02P2702, N° do Documento: SJ200210300027023, de 30-10-2002. A negligência grosseira constitui, em direito penal, num grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência", seja ao nível da culpa, seja ao nível do ilícito; a este último nível por se estar "perante um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada", ao nível da culpa, porque, "não omitindo a conduta, revelou (o condutor) uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal, plasmando no facto qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez, vide Figueiredo Dias in Temas Básicas ...Coimbra Editora, pág.380/81). Acresce salientar que a relação de causalidade entre o comportamento e o evento, quer se parta da teoria da equivalência das condições (Cfr. J. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pp. 53 e segs), quer do critério da condição conforme às leis naturais Cfr. HANS-HEINRICH JESCHECK e THOMAS WEIGEND, ««Derecho Penal - Par¬te General», Granada, 2002, pág. 303 e GÜNTHER JAKOBS, «Derecho Penal - Parte General - Fundamentos e teoria de Ia imputación», Marcial Pons, Madrid, 1997, pág. 229), se basta com a afirmação de que a acção é uma das condições do resultado, não sendo necessário que ele seja a primeira (ou a última) condição da sua verificação, vide Processo n° 5106/2004-3, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-09-2004, in www.ITIJ.pt. No presente caso é por demais evidente que o arguido teve um comportamento que, manifestamente, preencheu o conceito de negligência grosseira. Com efeito, provou-se: - O arguido havia estado numa festa de abertura do D………. em Macedo de Cavaleiros onde tinha ingerido diversas bebidas alcoólicas, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,35 gramas por litro. - Transportava como passageiros, E………., F………., G………. e H………. . - A estrada por onde seguia a viatura tinha uma largura de 10,20 metros, é alcatroada, com piso bom, limpo e seco. - Ao chegar ao quilómetro 114,6, da referida via e ao percorrer uma recta com inclinação descendente, precisamente ao descrever uma curva prolongada para direita (atento o seu sentido de marcha), na área desta comarca de Alijó, o arguido começou progressivamente a perder aderência ao piso, deixando marcas de derrapagem no pavimento. - Após percorrer, cerca de 84 metros, nestas circunstâncias, rodopiou sobre si, entrando totalmente na berma, embateu de seguida, com a parte fronto-lateral direita, no bordo da valeta aí existente. - Depois deste embate, entrou numa situação de total descontrolo, capotando por várias vezes, passando por um morro de terra, numa distância de cerca de 68 metros, de seguida por cima das guardas metálicas de protecção, numa distância de cerca de 22 metros, recuperando posteriormente a faixa de rodagem onde se imobilizou sensivelmente no eixo da via orientado no sentido Vila Real - Mirandela. - Em consequência directa e necessária da condução do arguido e subsequente despiste e capotamento do veículo os passageiros E………. e F………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de exame de cadáver e autópsia de fls. 210 e 220, aqui dadas inteiramente por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária das suas mortes. - Por sua vez os passageiros G………. e H………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de perícia de fls. 295 e 302. - O arguido conduzia o veículo automóvel num estado eufórico, derivado da ingestão de bebidas alcoólicas, de uma forma temerária e imprudente, circulando a uma velocidade não concretamente apurada, na ordem dos 125km/h, não tomando as devida precauções de redução da velocidade ao aproximar-se da curva que se apresentava à sua frente e perfeitamente visível. - Assim, imprimiu ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência do mesmo ao piso, nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada. - Ignorou consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via, a nível da proibição de exceder a velocidade horária de 90 km/hora imposto por lei, como a prudência da moderação da mesma perante a aproximação de uma curva. - Ignorou o perigo que era conduzir com uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente a precariedade da aderência do carro à estrada com tal velocidade. - O veículo deixou um rasto de travagem no asfalto de 104 metros, o que evidencia a velocidade excessiva imprimida pelo arguido ao veículo. - O arguido colocou-se voluntariamente naquelas condições através da ingestão de álcool e assumiu a condução do referido veículo de forma livre, voluntária e consciente, imprimindo durante o percurso, frequentemente, ao veículo velocidades superiores a 180 Km/h. Em suma, é por demais evidente a condução grosseira que o arguido praticou, tanto mais grave quando transportava com ele mais quatro pessoas. Assim, preencheu o arguido a prática do crime de homicídio negligente grosseiro do art° 137°, n° 2, do C. Penal. …” Concordamos inteiramente com estes argumentos fundamentadores da subsunção da conduta do recorrente ao n.º 2 do art. 137.º do CP. Alega ainda o recorrente que a pena que lhe foi fixada é exagerada, pois extravasa a sua culpa, assim, sem mais, a não ser o argumento que a pena foi fixada em medida muito próxima do limite máximo, não esquecendo que foi condenado pela morte de duas pessoas. Este argumento não o é, na medida em que se trata de raciocínio evidenciado pela pena em si. Esta questão tem, porém, de ser melhor desenvolvida na apreciação da que foi colocada pelo Ministério Público. É ridícula a alegação de que a quantia fixada como condição de suspensão da execução da pena é excessiva, tendo em conta a situação económica do recorrente. Na verdade, a decisão recorrida não impôs qualquer prazo para o pagamento dessa quantia, o que significa que o recorrente dispõe de quatro anos para o fazer e isto, sim, é excessivo. Nesta conformidade, o recurso do arguido só pode improceder. Vejamos agora a questão colocada pelo Ministério Público. Entende a recorrente que o arguido deveria ter sido condenado por dois crimes de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2, do CP e não, como foi, por um só. Diz o acórdão recorrido a propósito: - “… Questão distinta é a de saber se a conduta negligente se subsume à prática de dois crimes de homicídio sob negligência grosseira, como se encontra incurso, ou apenas um crime. O Tribunal Colectivo considera que a conduta do arguido apenas preencheu a prática de um crime de homicídio negligente grosseiro do art° 137°, n° 2, do C. Penal. O Tribunal Colectivo considera que na situação de negligência não se pode exercer mais do que um juízo de censura, sob pena da circunstância da aleatoriedade do acontecer natural na produção do resultado ser ela a condicionar o preenchimento do tipo de ilícito. Nas situações em que o agente actua com negligência, apenas é relevante e imputável um só juízo de censura pelo comportamento negligente adoptado, resumindo-se a culpa a uma só resolução conducente a tal comportamento negligente, independentemente de serem violados vários tipos legais ou várias vezes o mesmo tipo; É este, aliás, o entendimento que melhor se coaduna com o princípio de que a pena terá sempre como limite a medida da culpa, referindo-se esta na negligência à conduta do agente e não aos seus resultados; No presente caso, embora haja duas violações do bem jurídico tutelado pelo art. 137°, n° 2, do Código Penal, o arguido é punido pela prática dum só crime de homicídio por negligência grosseira. Mas mesmo que se considerasse estar perante a prática de dois crimes de homicídio negligente sempre a conduta do arguido se subsumiria apenas a uma situação de concurso ideal homogéneo, uma vez que o arguido, com uma só acção violou, por duas vezes, a mesma disposição legal, vide neste sentido ac. do STJ de 21.09.05, in Col. de Jur, 2005, III, 167 e ac. do STJ in Col. de Jur., 1998, S III, 183. Assim sendo, o Tribunal Colectivo considera que apenas um crime de homicídio pode subsistir, sendo a quantidade de mortes ocorridas valorada na medida da pena.” A questão mereceu voto de vencido do seguinte teor: - “… Enquanto crime material ou de resultado, o tipo-de-ilícito do crime de homicídio negligente consiste em causar a morte a outra pessoa, sendo nesta medida necessário que ao desvalor da violação do dever objectivo de cuidado criador ou potenciador de um risco proibido - acto agressor - corresponda de forma directa e necessária o desvalor de resultado - a morte de outra pessoa. A produção do resultado típico é, por isso, elemento do tipo, sendo absolutamente relevante para o seu preenchimento. Por outro lado, e já ao nível da culpa, a punição a título de negligência impõe que seja possível dirigir ao agente um juízo de censura ético jurídico por não ter actuado com a diligência necessária e devida. Contudo, se for possível concluir que o agente estava em condições e tinha capacidade para prever e evitar uma pluralidade de resultados, terá de se censurar a sua conduta por negligência tantas vezes quantas as lesões jurídicas causadas. Argumenta Maia Gonçalves que, no caso de negligência inconsciente, só se verifica um crime de homicídio porquanto, não sendo o resultado previsto, não é possível formular vários juízos de censura (cfr. Código Penal Anotado, 14ª Edição, p. 476). Acontece que, como vimos, o juízo de censura nos crimes negligentes assenta precisamente na possibilidade de ter previsto e evitado o/s resultado/s, de tal forma que se efectivamente tivesse previsto o/s resultado/s seria punido já não a título de negligência inconsciente mas antes de negligência consciente ou de dolo eventual, consoante a sua atitude de conformação perante a realização da consequência da sua conduta. Por último, cumpre evidenciar que ainda que a acção seja única, a morte de várias pessoas corresponderá a um concurso ideal homogéneo e, necessariamente, a uma pluralidade criminal, tal como decorre do disposto no art. 30°, n.º1, do Código Penal, norma que equipara o concurso ideal ao concurso real. Não é o facto de estar em causa a violação plúrima de bens jurídicos da mesma natureza que afasta o concurso efectivo de dois crimes de homicídio negligente. Em face do que fica dito, é de concluir que nos crimes involuntários praticados com negligência, dever-se-á considerar que o agente comete tantos crimes quantos os resultados que previu ou devesse ter previsto, posição que alicerçamos nos ensinamentos de Figueiredo Dias (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 1, p. 114, em anotação ao art. 137° do Código Penal), Pedro Caeiro e Cláudia Santos, (in RPCC, n.°6, p. 127 a 142, em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Abril de 1995). No mesmo sentido, vide Reis Bravo, "Negligência, unidade de conduta e pluralidade de eventos", Revista do Ministério Público, n.°71, 3° semestre de 1997, p. 97. Tomando agora em consideração a posição adoptada e perante a factualidade provada, cumpre salientar que da mesma forma que se concluiu que o arguido violou um dever objectivo de cuidado, teria de atender-se que as normas estradais violadas lhe eram pessoalmente cognoscível e as violações dos dois bens jurídicos em causa lhe eram pessoalmente evitável, ou seja, que o arguido estava em condições de prever como resultados da sua conduta a morte de E………. e de F………., bem como de evitar não uma única mas as duas mortes a que deu causa. Impunha-se, por isso, dirigir ao arguido dois juízos de censura, ou seja, tantos quantos os bens jurídicos ofendidos, e condenar o mesmo pela prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo art. 137°, n.º1 e 2, do Código Penal. …” Afigura-se-nos mais curial este raciocínio, bem como o da Digna Magistrada do Ministério Público. Na verdade, dispõe o art. 137.º do CP: “1- Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2- Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos.” Sobre a negligência, dispõe o art. 15.º do CP: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo legal de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.” O bem jurídico protegido com a incriminação vertida no art. 137.º do CP é a vida humana, configurando o tipo legal de crime de homicídio por negligência um crime de resultado, resultado que a conduta do agente produziu em virtude de ele não ter observado o dever objectivo e subjectivo de cuidado, que representou como possível, não se eximindo de tal conduta sem se conformar com ele ou não chegando, sequer, a representá-lo, configurando-se tantos crimes quantos os resultados concretizados. Dispõe o art. 30.º do CP: “1- O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. …” Como diz Eduardo Correia (“A Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Coimbra, 1983, pág. 109-110) “…do mesmo modo que é lícito reprovar a actividade do agente, quando de dolo se trate, tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele quis produzir, igualmente é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar.” Também Figueiredo Dias (“Comentário Conimbricense ao Código Penal – Parte Especial”, tomo I, pág. 114, em anotação ao art. 137.º) diz: “Se através de uma mesma acção são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma hipótese de concurso efectivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença por que a negligência tenha sido consciente ou inconsciente”. Com isto, não de extravasa o juízo de censura limitado à culpa do agente. Como refere o Ac. da RP de 16.05.2007 (www.dgsi.pt), “…os crimes negligentes não prescindem da voluntariedade e liberdade do comportamento, ou seja de uma acção ainda em si dependente da vontade, na medida em que “a omissão voluntária de um dever quer dizer que, quando se viola esse dever de cuidado a pessoa o faz de forma livre, isto é, tinha a possibilidade de cumprir esse dever.”…” Se o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado, representar a realização de um facto que preenche a realização de um tipo legal de crime e, ainda assim, actuar sem se conformar com essa realização ou não chegar, sequer, a representar essa possibilidade, ele é de censurar tantas vezes quantas esse dever de cuidado produziu aquela realização que ele previu ou tinha obrigação de prever. Como crime de resultado que é, o crime de homicídio negligente (simples ou grosseiro), deve ser imputado ao agente tantas vezes quantas os resultados produzidos e que o agente previu ou deveria ter previsto. Entendemos, assim, que o arguido incorreu na prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2, do CP. A este crime corresponde pena de prisão até 5 anos. Na determinação da medida das penas a aplicar, atender-se-á às exigências de prevenção e à culpa do arguido, nos termos do n.º 1 do art. 71.º do CP, ponderando, de harmonia com os critérios definidos no n.º 2 do mesmo artigo, o elevado grau de ilicitude do facto, as suas consequências desastrosas, com o comportamento do arguido a provocar, para além das duas mortes, ferimentos em outras duas pessoas, o modo como ele decorreu, as suas condições pessoais, integrado familiar e profissionalmente. As exigências de prevenção são elevadas, mormente as de prevenção geral, face às expectativas da comunidade perante o flagelo que constituem as mortes na estrada, mas também as de prevenção especial, tendo em consideração que o arguido já sofreu inibição de conduzir veículos com motor precisamente por excesso de velocidade. Tudo ponderado, entende-se adequada uma pena de três anos de prisão por cada um dos dois crimes. Nos termos do art. 77.º do CP, impõe-se a aplicação de uma pena única, com ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido. Quanto aos factos, ter-se-á em conta a simultaneidade do ocorrido e, quanto à personalidade, aquilo que flui dos próprios factos, revelando inconsideração pelos outros. Assim ponderando, dentro de uma moldura penal cujo mínimo é de três anos de prisão e cujo máximo é de seis anos de prisão (pena parcelar mais elevada e soma das penas parcelares, respectivamente, nos termos do n.º 2 do art. 77.º do CP), entende-se ajustada uma pena única de quatro anos de prisão. Tendo em conta que sobre a data dos factos decorreram cerca de quatro anos sem que se lhe conheçam outros comportamentos delituosos, num juízo de prognose que lhe é favorável, afigurando-se que a censura do factos e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como as define o art. 40.º, n.º 1, do CP, a pena única deverá ser suspensa na sua execução por período igual ao da pena de prisão, tudo nos termos do art. 50.º do mesmo código. A suspensão da execução da pena ficará subordinada ao cumprimento das obrigações definidas pelo tribunal a quo. III. Pelo exposto, decide-se: 1.º Negar provimento ao recurso do arguido; 2.º Conceder provimento ao recurso do Ministério Público, nos seguintes termos: - condena-se o arguido, pela prática de cada um de dois crimes de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão; - em cúmulo jurídico, condena-se na pena única de 4 (quatro) anos de prisão; - suspende-se a execução desta pena pelo período de 4 (quatro) anos. 3.º Declarar extinto por efeito da prescrição o procedimento contra-ordenacional contra o arguido, revogando-se a sua condenação na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor. 4.º No mais, manter a decisão recorrida. 5.º Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. Elaborado e revisto pela primeira signatária. Porto, 15 de Abril de 2009 Airisa Maurício Antunes Caldinho António Luís T. Cravo Roxo (vencido, conforme voto que anexo) Arlindo Manuel Teixeira Pinto ______________________ Vencido, pelos argumentos seguintes: Teria mantido a condenação do arguido pela prática de um único crime de homicídio negligente, pelas razões aduzidas no acórdão recorrido. Com efeito, nos crimes negligentes, só é imputável um único juízo de censura, resumindo-se a culpa a uma só resolução criminosa, independentemente de ser violado várias vezes o mesmo tipo; com efeito, o dever objectivo de cuidado foi ofendido uma única vez. O conceito de culpa negligente não se deve referir à aleatoriedade que pode decorrer do resultado da conduta, mesmo considerando que estamos perante crime cometido com negligência grosseira. E o princípio da culpa faria concluir deste modo, tendo em atenção que a pena deverá ser um reflexo da medida da culpa. O resultado da acção negligente deveria assim ser tomado em conta apenas e tão-só em sede de medida da pena. Por outro lado, não me repugnaria, atendendo aos princípios punitivos, condenar o arguido em pena de prisão efectiva, nomeadamente considerando os princípios da prevenção especial e da prevenção geral, bem como a necessidade de se acautelar e punir com algum rigor a prática de crimes estradais. Porto, 15.4.2009 António Luís T. Cravo Roxo
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:*I. No processo comum (com intervenção de tribunal colectivo) n.º …/05.8GTVRL do Tribunal Judicial de Alijó, foi proferida a seguinte decisão: - “… a) Condenar o arguido B………. pela prática, em autoria material de um crime de homicídio negligente grosseiro do art° 137°, n° 2, do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. No entanto, o Tribunal Colectivo considera que a simples ameaça da execução da pena satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, pelo que suspende a aludida execução da pena, sob a condição do arguido pagar a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos) euros à C………. de Vila Real, bem como prestar apoio em actividades de prevenção rodoviária aos Bombeiros Voluntários de ………. . b) No termos dos art°s arts. 27°, n°s 1 e 2, ai. a), 2°, 145°, n° 1, ai. b) e 146°, b), 139°, n° 2, do Cód. da Estrada, condenar o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 10 (dez) meses. c) Absolver o arguido da prática do restante crime de que se encontrava acusado. …” Inconformada, a Digna Magistrada do Ministério Público interpôs recurso do acórdão que assim decidiu, extraindo as seguintes conclusões da motivação apresentada: - “… 1 - O Tribunal Colectivo a quo condenou o arguido B………. pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo artigo 137°, n°s 1 e 2 do Código Penal. 2 - O Tribunal Colectivo a quo deu como provados, para além do mais, os seguintes factos: ● No dia 2 de Julho de 2005, cerca das 5 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PD, pelo IP., no sentido Mirandela - Vila Real. ● Havia estado numa festa de abertura do D………. em Macedo de Cavaleiros onde tinha ingerido diversas bebidas alcoólicas, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,35 gramas por litro. ● Transportava como passageiros, E………., F……….., G………. e H………. . ● (...) Em consequência directa e necessária da condução do arguido e subsequente despiste e capotamento do veículo os passageiros E………. e F………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de exame de cadáver e autópsia de fls. 210 e 220, aqui dadas inteiramente por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária das sua mortes. ● (...) O descrito acidente ficou a dever-se exclusivamente ao facto do arguido conduzir o veículo automóvel num estado eufórico, derivado da ingestão de bebidas alcoólicas, de uma forma temerária e imprudente, circulando a lona velocidade não concretamente apurada, na ordem dos 125 km/h, não tomando as devidas precauções de redução da velocidade ao aproximar-se da curva que se apresentava à sua frente e perfeitamente visível. ● Assim, imprimiu ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência do mesmo ao piso, nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada. ● Ignorou consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via, a nível da proibição de exceder a velocidade horária de 90 km/hora imposto por lei, como a prudência da moderação da mesma perante a aproximação de uma curva. ● Ignorou o perigo que era conduzir com uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente a precariedade da aderência do carro à estrada com tal velocidade. ● Nas circunstâncias descritas, o arguido deveria, pelo menos, ter diminuído a marcha do veículo para o limite máximo de velocidade imposto pela lei, bastando para isso abrandar a velocidade a que seguia. ● O veículo deixou um rasto de travagem no asfalto de 104 metros, o que evidencia a velocidade excessiva imprimida pelo arguido ao veículo, numa verdadeira atitude temerária, contrária aos procedimentos usuais de qualquer condutor minimamente prudente. ● Não procedeu, assim, com o cuidado e diligência que a condução de veículos impõe, cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, não chegando, sequer, a representar a possibilidade de realização dos factos morte e ofensa à integridade física que vieram a verificar-se. ● O arguido encontrava-se sob a influência de álcool o que lhe diminuiu a sua destreza na condução, afectando o seu sentido de orientação e retardando os seus reflexos, facto que foi também importante para a produção do acidente. ● O arguido colocou-se voluntariamente naquelas condições através da ingestão de álcool e assumiu a condução do referido veículo de forma livre, voluntária e consciente, imprimindo durante o percurso, frequentemente, ao veículo velocidades superiores a 180 km/h. ● O exercício da condução da forma supra descrita, com manifesta falta de atenção e cuidado, olvidando os mais elementares deveres de precaução e cautela, determinou que o arguido não evitasse o acentuado perigo que desencadeou e o grave resultado que adequadamente causou, apesar de esse perigo ser pessoalmente representável e o resultado pessoalmente evitável, como o seria pela generalidade das pessoas com as qualidades e capacidades do arguido (...). 3 - Não obstante ter considerado como provados os factos descritos na conclusão anterior, entendeu aquele Tribunal Colectivo, ainda assim, condenar o arguido apenas por um só crime de homicídio por negligência grosseira, pese embora, da acção do arguido tenham resultado duas mortes, a de E………. e F………. . 4 - No caso dos autos, entendemos que, no caso de uma pluralidade de eventos delituosos, o resultado é relevante para o preenchimento do ilícito nos crimes negligentes, ou seja, nos crimes involuntários praticados com negligência, sendo que o agente comete tantos crimes quanto os resultados que previu ou devesse ter previsto. 5 - Entendemos que, se de uma conduta negligente resultar a morte em mais de uma pessoa, há tantos crimes de homicídio por negligência quantas as mortes/vítimas. 6 - Assim, e salvo o devido respeito, entendemos, considerando os factos dados como provados plasmados no douto acórdão e, mais concretamente a morte de duas pessoas, E………. e F………. decorrentes da actuação negligente do arguido que o mesmo cometeu dois crimes de homicídio por negligência grosseira e não apenas um, conforme resulta da condenação aferida no douto acórdão. 7 - Ainda que os resultados morte de E………. e F………. tenham sido provocados por uma única acção do arguido, verificando-se, assim, um concurso ideal homogéneo (cfr. artigo 30°, n° 1 do Código Penal), não é despiciendo salientar que estamos perante uma pluralidade criminal, não sendo esta circunstância afastadora do concurso efectivo de dois crimes de homicídio por negligência. 8 - Pelo exposto, atentas as razões aduzidas na motivação de recurso e, tendo em conta os factos pelos quais o arguido foi condenado, não pode deixar de considerar-se que o mesmo praticou não um crime de homicídio por negligência grosseira mas dois crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo artigo 137°, n°s 1 e 2 do Código Penal, em consequência dos quais deverá o mesmo ser condenado.” O arguido apresentou resposta onde conclui pela improcedência do recurso. Também inconformado com a condenação, o arguido interpôs recurso devidamente motivado e com as seguintes conclusões: - “… 1- O Tribunal a quo preferiu acórdão no qual se deliberou condenar o arguido pela prática, em autoria material de um crime de homicídio negligente grosseiro do art.º 137° n°2 do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão suspensa na sua execução sob a condição de o Arguido pagar a quantia de €2.500,00 à C………. de Vila Real, bem como prestar apoio em actividades de prevenção rodoviária aos Bombeiros Voluntários de ……….; b) condenar o Arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dez meses e c) condenar o Arguido no pagamento das custas aí fixadas. 2- O Arguido não se conforma com o acórdão ora em crise por entender que o mesmo padece de vários vícios, pretendendo por isso a apreciação de x questões. 3- O Arguido pretende já impugnar parte da matéria de facto considerada provada por não corresponder à prova que foi produzida. 4- O Tribunal a quo deu como provado que o veículo tripulado pelo Arguido deixara "um rasto de travagem no asfalto de 104 metros" - alínea 15) da matéria de facto provada. 5- O agente da BT GNR confirmou que sem dúvidas tais rastos eram de derrapagem. 6- Esse mesmo facto acaba por ser confirmado pelo vertido na alínea 5) da matéria de facto provada, onde se refere que as marcas era afinal de derrapagem. 7- Assim, para os efeitos do disposto no artigo 412° n°3 al. a) e b) do C.P.P., tendo por base o depoimento do agente da BT - GNR I………. o Arguido considera que na alínea 15) da matéria de facto deveria constar que o rasto aí referido é de derrapagem e não de travagem. 8- O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos constantes das alíneas 10), 11), 12) 13) e 15) relativos à alegada velocidade que o Arguido imprimia ao veículo por si dirigido. 9- A prova destes factos, de acordo com o acórdão, teve por base o depoimento da testemunha H………. e o relatório pericial elaborado pela BT a fls. 157 a 166, 168 a 203. 10- O Arguido entende que, com base naqueles elementos de prova, o Tribunal não poderia dar como provados os factos acima indicados, pela menos na sua totalidade. 11- O relatório pericial de fls. 157 a 166, 168 a 203 não faz qualquer tipo de prova quanto à velocidade pois o que dele se extrai não é a velocidade a que o Arguido conduziria no momento em que entrou em despiste, mas sim uma mera estimativa da velocidade média a que o Arguido circularia desde o ponto de início da viagem até ao local do acidente. 12- Os dados que compuseram a equação de onde resultou aquela velocidade não foram presenciados pelo agente que elaborou o relatório nem se tratam sequer de dados certos, mas sim estimados. 13- Em concreto, tal cálculo não fornece nenhuma informação quanto à velocidade a que o Arguido circularia no momento em que o veículo entrou em despiste, sendo que era nesse momento preciso que importava apurar a velocidade do veículo. 14- O depoimento de H………., nenhuma informação forneceu quanto ao momento do acidente ou sequer quanto aos momentos que antecederam o sinistro, pois como a mesma referiu no seu depoimento a testemunha não se recorda do acidente, tal como os demais intervenientes sobrevivos. 15- E quanto à dinâmica do acidente, nenhuma outra prova foi considerada pelo Tribunal a quo, pois mais nenhuma prova foi produzida já que, repete-se, nenhuma das pessoas que circulava dentro do veículo tem memória da forma como o mesmo ocorreu e em que circunstâncias. 16- Atenta tal falta de prova não podia o Tribunal a quo dar como provado, quanto à velocidade, os factos constantes das alíneas 10), 11), 12), 13) e 15) da matéria de facto provado, pois todos eles assentam sobre a premissa infundada de que o Arguido circularia a uma velocidade superior à legal. 17- Poder-se-ia contrapor que mesmo assim, sempre tinha resultado provado a existência de um rasto de derrapagem de 104 metros, o que só por si evidenciaria a velocidade excessiva a que circularia o veículo. Foi isso mesmo que o Tribunal concluiu e deu como provado na alínea 15) da matéria de facto provada. 18- O Arguido concordaria se se tratassem de rastos de travagem e não de derrapagem como foi o caso, não existindo tabelas nem métodos minimamente seguros para conseguir estimar a velocidade com base em derrapagens. 19- Tendo por base o relatório de fls. 157-166 bem como o depoimento de H………., o Arguido considera que deverão ser eliminadas as alíneas 11), 12) e 13) e alteradas as alíneas 10) e 15) onde deverão ser retiradas todos os segmentos conclusivos e relativos à velocidade que é imputada ao Arguido. 20- Na alínea 14) da matéria de facto, o Tribunal considerou como provado que o "arguido deveria, pelo menos, ter diminuído a marcha do veículo para o limite máximo da velocidade imposta por lei, bastando para isso abrandar a velocidade a que seguia". 21- Em rigor, tudo isto é matéria conclusiva já que desta alínea 14) nenhum facto consta e como tal deverá, simplesmente, ser eliminada da matéria de facto por violação do artigo 374° n°2 do C.P.P. 22- Ainda assim aquela alínea até é relevante na medida em que demonstra bem como o Tribunal, sem ter produzido qualquer prova sobre essa matéria, passou a pressupor factos. 23- Na verdade, teria sido importante se se tivesse apurado se o fatídico acidente teria igualmente acontecido se o Arguido circulasse a 90 km/h. E se a essa mesma velocidade seria possível deixar um rasto de derrapagem de 104 metros. 24- O Tribunal não cuidou, no entanto, de o fazer e assim violou o artigo 374° n°2 do C.P.P. e por violação do princípio da presunção de inocência, deverá ser eliminada a alínea 14) da matéria de facto. 25- O Tribunal a quo deu ainda como provado as alíneas 2), 10 e 17), onde consta que o Arguido conduzia sob o efeito de álcool, sem que, uma vez mais, tenha sido produzida qualquer prova nesse sentido. 26- A taxa de álcool foi colhida no Hospital de ………. cerca de 5 horas depois do acidente, conforme conformou o agente da BT J………. . 27- Se esse álcool tivesse sido ingerido antes de iniciar a viagem de regresso, seguro é dizer que antes de iniciar a viagem de regresso o Arguido tinha de ter uma taxa de álcool muito, mas muito superior àquela que acusou (0,35g/1). 28- Contudo, G……….a e H………. conformaram nos seus depoimentos que antes de iniciar a viagem de regresso, o Arguido parecia normal, não aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas. 29- O álcool pode bem ter sido ingerido depois de acidente, já que o Arguido saiu do local do acidente em carro desconhecido e apareceu depois no Hospital. 30- Para mais, como é jurisprudência nesse Tribunal, pelo facto de um condutor apresentar álcool no sangue, não significa que esse condutor tenha agido no acidente sob a influência do mesmo. 31- Deverão por isso ser eliminadas das alíneas 2), 10) e 17) todas as referências à alegada ingestão de bebidas alcoolicas, tendo por base o depoimento das testemunhas J………., G………., H………. e I………. . 32- Atenta toda a impugnação dos factos, deverão ainda ser eliminados dos factos provados atrás não referidos, as referências a excesso de velocidade ou a condução sob o efeito de álcool, como é o caso das alíneas 16) e 18). 33- Por outro lado, o Tribunal a quo condenou ainda o Arguido pela prática de uma contra-ordenação muito grave pelo facto de o mesmo circular a mais de 125 km/h. 34- Para efeitos contra-ordenacionais, a única prova admissível para este efeito é a obtida através de aparelhos de medição devidamente homologados ou por tacógrafo se o veículo com ele estiver equipado e não através de uma mero e falível estimativa. 35- Mostra-se assim violado o disposto no artigo 27° n° 4 do Código da Estrada e o artigo 125° do Código Penal. 36- O Tribunal a quo, perante a factualidade dada como provada, considerou que "Em suma, nenhumas dúvidas ficaram ao Tribunal Colectivo sobre as circunstâncias que rodearam o acidente.". 37°- Não compreende o Arguido tamanho esclarecimento quanto à forma como terá ocorrido o acidente quando nem sequer nenhum dos intervenientes sobrevivos se recorda como é que o acidente se deu. 38°- Por outro lado, o juízo de censura que esteve na base da condenação do Arguido assentou nos pressupostos da velocidade excessiva e do álcool. Ora, atento o atrás exposto, fácil é de constatar que tais pressupostos carecem de suporte fáctico, já que nenhuma prova concludente e segura foi produzida nesse sentido. 39°- Analisados os factos que foram efectivamente provados e não impugnados não foi feita prova de que o Arguido circulasse a velocidade superior à legalmente admitida no momento do acidente, nem que conduzisse sob o efeito do álcool, nem sequer prova concreta e expressa de que o Arguido tenha tido alguma conduta que possa ser considerada reprovável nem enquadrada como culposa. 40°- Nesta óptica, sob a égide do princípio da presunção da inocência e sob pena de ofensa a um dos princípios basilares do nosso sistema pena- o princípio da culpa (nulla poena sine culpa) impõe-se a absolvição do Arguido, o que ora se deixa expressamente requerido. 41°- A isso não obsta entender apenas que sempre se teria demonstrado que o Arguido não terá adequado a velocidade ao tipo de via, ao seu traçado ou às condições que se faziam sentir, o que nos termos do Código da Estrada viola o princípio geral da velocidade. 42°- E não aceita porque a velocidade que imprimia o veículo podia perfeitamente estar contida dentro dos limites legais e até mesmo ser a adequada ao tipo de via e seu traçado. No entanto, há toda uma panóplia de motivos que poderiam estar na origem da perda da aderência do veículo e que era completamente alheios à vontade do Arguido. 43°- Como também não se aceita o argumento do estado de destruição do veículo como prova do excesso de velocidade, pois tendo em conta que o veículo seguia numa via com inclinação, podendo atingir até os 80 km/h, quando entra em despiste e ao fim de cerca de 50 metros, entra na valeta - desnivelada - daí resultou o capotamento do carro. 44°- Para além disso, - alínea 16) 2a parte dos factos provados - o Arguido não representou, de qualquer forma, a morte ou as ofensas à integridade físicas nem actuou com intenção de as provocar. 45°- A morte e ofensas surgem ocasionalmente, por razões desconhecidas, sem qualquer nexo de causalidade com a actuação do agente, isto é, sem que o agente tenha praticado qualquer acto que se possa qualificar como constituindo um seu perigo típico. 46°- Mostrou-se por isso violado o princípio de presunção de inocência, consagrado no artigo 32° n° da Constituição da República Portuguesa, que impõe que perante a dúvida acerca da sua culpa na produção do acidente, aquele tenha de ser necessariamente absolvido do crime que lhe é imputado. Subsidiariamente 47°- O Arguido foi condenado pela prática de um crime, em autoria material, homicídio negligente grosseiro, previsto no artigo 137° n°2 do C.Penal. 48°- Atendendo à impugnação da matéria de facto atrás aduzida, lógico é que a ser condenado o Arguido, teria de ser pelo crime de homicídio por negligência simples, previsto e punido pelo artigo 137° n°1 do Código Penal, já que o seu comportamento não íntegra o tipo legal de crime previsto no n°2 do mesmo libelo. 49°- Mostra-se assim violado o disposto no artigo 137° do Código Penal. 50°- Independentemente desta questão entende o Arguido que o Tribunal não tomou em consideração um facto essencial, que foi considerado provado, que impunha que acerca da actuação do Arguido recaísse um juízo de censura e de culpa inferiores. 51°- Foi dado como provado que "As vítimas mortais do acidente circulavam sem cinto de segurança no momento do acidente", com base no depoimento de H………. . 52- Essa mesma testemunha afirmando que apesar das velocidades elevadas praticadas pelo Arguido, nenhum dos passageiros do banco de trás cuidou de pôr o cinto de segurança o que revela inconsideração e imprudência por parte das vítimas. 53- É do conhecimento geral, e resulta da experiência comum, que a falta de cinto de segurança é causa de origem ou pelo menos potenciadora de danos físicos, tanto para os próprios como para os demais ocupantes do veículo. 54- No caso em apreço, com elevado grau de probabilidade, se os malogrados E………. e F………. levassem o cinto de segurança, certamente que do acidente não adviria a sua morte. 55- Os danos sofridos pelos demais ocupantes do carro, mesmo por aquele que também não levava cinto de segurança demonstram que a morte dos ocupantes do veículo não era uma consequência necessária do acidente que se verificou naquele dia 02 de Julho de 2005. 56- Não isentando o Arguido de responsabilidades mas determina necessariamente que para a morte daqueles dois jovens concorreu não só o acidente como também a sua própria conduta, inconsequente e ilícita à luz dos preceitos rodoviários, o que influi na medida da culpa atribuída ao Arguido. 57- Mostrou-se assim violado o disposto no artigo 40° n°2 e 71° n°l ambos do C.P. 58- As penas fixadas ao Arguido, por outro lado, são exageradas, pois extravasam a culpa do Arguido. 59- Quanto à pena de prisão o Tribunal a quo fixou uma pena demasiado próxima do limite máximo, sendo certo que não se esquece que o Arguido foi condenado por um crime do qual resultou a morte de duas pessoas. 60- Também não se pode concordar com o pagamento de uma tão elevada quantia como condição de suspensão da execução da pena pois atentas as condições sócio-económicas do Arguido, o mesmo não dispõe de tal quantia nem tem meios para fazer tal pagamento, o que, na prática, equivale a uma condenação sem suspensão da sua execução. 61- Foram por isso violados os artigos 40° e 71° n°1 do C.P.P. 62- Atento o exposto, pretende o Recorrente que se dignem Vas.Exas. conceder provimento total ao recurso ora interposto e em consequência se dignem revogar o acórdão ora em crise, substituindo-o por um outro nos termos requeridos” Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões: -“… 1 - O acórdão recorrido não enferma de erro notório na apreciação da prova - artigo 410.°, n.°2, alínea c) do Código de Processo Penal; 2 - Dispõe o artigo 127.0 do Código de Processo Penal - doravante, apenas C.P.P. - quanto ao princípio da livre apreciação da prova -, que "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente"; 3 - Tudo se resume a uma íntima convicção, fundada e fundamentada, do julgador, atentas as provas produzidas nos autos - quod non est in actis non est in mundo - conjugadas com as regras da experiência, da normalidade do acontecer e considerados os padrões do homem médio colocado perante aquela situação; 4 - No entanto, e a prosseguir o processo, sempre se dirá que, a atender-se que existiu, por parte do Tribunal a quo, errónea apreciação da prova, o que não se concede, esta tem sido unanimemente identificada pela Jurisprudência quando, «para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova, estipulada no artigo 127.° do CPP; 5 - O recorrente não elevou em linha de raciocínio, nem considerou tão pouco, que uma eventual contradição tem que resultar do texto da decisão, o que in casu não sindicou, nem podia, dado que a decisão do Tribunal é tomada em consciência e após livre apreciação crítica da prova produzida na própria vivência e imediação de um julgamento; 6 - Não decorre do texto do acórdão, muito pelo contrário - por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum - que a prova foi apreciada de forma despropositada ou com ligeireza de espírito, dando como provados factos que não podiam ter acontecido ou considerando não provados factos que com certeza teriam ocorrido; 7 - A fundamentação do acórdão a quo, para além de conter a enumeração dos factos provados e não provados, contém ainda uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal; 8 - O acórdão recorrido não violou o princípio "in dubio pro reo"; 9 - Constatamos que o Ministério Público logrou fazer prova dos factos descritos na acusação, razão pela qual o Tribunal a quo, sem qualquer dúvida, considerou como provada toda a factualidade de que vinha acusado o arguido e condenou-o nos termos em que o condenou; 10 - Se o Tribunal a quo não teve qualquer tipo de dúvida fundada, razoável e inultrapassável quanto à prática pelo arguido dos factos de que vinha acusado no caso sub judice, não há razão para o mesmo lançar mão do princípio in dubio pro reo, pelo que não houve qualquer violação daquele princípio constitucional consagrado no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa; 11 - Não se discute a culpa do recorrente na ocorrência do acidente a que deu causa, sendo que ela está, aliás, suficientemente demonstrada através da factualidade que se deu por provada; 12 - É por demais evidente que, em regra, qualquer indivíduo que tenha ingerido bebidas alcoólicas, a partir de determinada quantidade se sinta diminuído nas suas capacidades, estando o recorrente, aquando do acidente, com a atenção e reflexos diminuídos;13 - Deve ser dirigido ao arguido dois juízos de censura, ou seja, tantos quantos os bens jurídicos ofendidos, e condenar o mesmo pela prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo art. 137°, n.°s 1 e 2 do Código Penal; 14 - Face à factualidade dada como provada no acórdão a quo, segundo as regras da experiência comum, aplicadas às circunstâncias concretas da situação, a condução que o recorrente imprimia ao veículo, só por si só, e em abstracto, era adequada e idónea a causar o resultado que se verificou; 15 - Não tem aqui lugar a aplicação das regras respeitantes à concorrência de culpas, dado nada se ter provado no sentido de que foi por não utilizarem o cinto de segurança que se verificaram as consequências em causa ou que se agravaram as lesões decorrentes do acidente; 16 - O recorrente não aduz qualquer argumento válido que possa fundamentar a sua pretensão e uma fixação de uma pena concreta e de uma sanção acessória em montante menos gravosos dos fixados.” Neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos emitindo o seguinte parecer: - “ ... Começamos por dizer que não assiste qualquer razão ao arguido no recurso que ele interpõe. Assim, e tão só, quanto ao objecto do recurso interposto pelo arguido, a sentença não merece qualquer reparo, tanto no que se refere á análise da prova produzida em julgamento, como á avaliação da culpa, como à medida da pena aplicada ao arguido, em função do crime e contra¬ordenações consideradas como por ele cometidas. Nesta matéria, louvamo-nos nas doutas e bem fundamentadas alegações do M° P° da la instância, constantes de fls.1143 e seguintes, para as quais, com a devida vénia, remetemos. Já quanto ao recurso do M°P°, parece-nos que merecerá provimento. Aderimos "in totum", tanto à sua motivação, como aos argumentos expendidos pelo Exm° Juiz, que votou vencido, na sua declaração de fls.1054 a 1056. A questão principal suscitada é a de saber se, de uma conduta negligente resultar a morte de duas pessoas e ferimentos em tantas outras, estaremos em face de um concurso de crimes ou de um único crime agravado pelo resultado. Na tese do acórdão recorrido," inexiste concurso efectivo de infracções, mas apenas um crime de resultado múltiplo, em que se pune o mais grave, funcionando os outros como agravantes a ter em conta na fixação concreta da pena, na medida em que o comportamento do arguido só lhe é imputável a título de negligência". Salvo o devido respeito por opinião contrária, estamos do lado dos que defendem " que embora a acção negligente seja única, a morte de várias pessoas dela decorrentes corresponderá a um concurso ideal homogéneo e, necessariamente a uma pluralidade criminal, tal como decorre do disposto no art° 30° do CP." Aliás,"este preceito, que consagra o chamado critério teleológico para distinguir entre a unidade e pluralidade de infracções não faz distinção entre o dolo e a negligência ou entre a negligência consciente e inconsciente"; "O princípio da culpa não afasta a pluralidade de infracções pois se o agente devia prever as consequências da sua actuação, tal dever também se verifica em relação a um ou vários resultados" (Ac TRP de 16/05/2007 in www.dgsi.pt). Como se lê no mesmo aresto,"o juízo de censura, nos crimes negligentes como nos crimes dolosos, representa a relação do agente com o facto injusto, enquanto lho imputa como seu e por isso que no dolo o facto é imputado ao agente enquanto previsto e querido (art. 14°) e na negligência lhe é imputado enquanto, embora não directamente querido, era previsível e em razão dessa previsibilidade deveria o agente actuar com o cuidado a que está obrigado e é capaz para evitar a produção do facto injusto (art. "A representação, no dolo, refere-se ao facto que o agente intenta cometer; a previsibilidade, na negligência, ao facto que será cometido se o agente não actuar com o cuidado a que está obrigado e é capaz; o objecto da previsibilidade na culpa é o mesmo que o da previsão no dolo.» "O objecto da previsão e da previsibilidade é o mesmo no dolo e na culpa, também que se no dolo são possíveis vários juízos de censura quando o agente prevê e quer vários injustos, também na negligência tenham lugar plúrimos juízos de censura quando o agente podia prever, se tivesse procedido com o cuidado devido, no caso concreto, que do seu comportamento poderiam resultar vários injustos e não actua de modo a evitá-los" "A omissão voluntária do dever que previsivelmente pode causar um ou mais injustos, pode gerar um ou mais ilícitos-típicos, como no dolo a conduta querida pode conscientemente causar um ou vários injustos". "O juízo de censura dirige-se ao injusto previsto e querido, no dolo, e ao injusto previsível e voluntariamente não evitado, na negligência. "A vontade culpável, mesmo constituída por um só acto de vontade, deve ter por objecto todos os ilícitos concorrentes, sendo, por isso, possível censurar a conduta negligente tantas as vezes quantas as lesões». "No dizer do Prof. Eduardo Correia: «do mesmo modo que é lícito reprovar a actividade do agente, quando de dolo se trate, tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele quis produzir, igualmente é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar". A punibilidade da negligência tem o seu fundamento na censurabilidade dirigida ao agente pela produção do resultado, quando podendo e devendo agir de determinada forma, o não faz, violando gravemente bens jurídicos de outrem, ficando indiferente á possibilidade da prática de um crime. A conduta do arguido, tal como ficou provado, voluntária e conscientemente, violou normas estradais, que deram causa ao acidente, do qual resultaram duas mortes e ferimentos graves em outras duas pessoas. O arguido nem sequer interiorizou os riscos que causava a terceiros que o acompanhavam, no veículo que conduzia, quando podia e devia fazê-lo, pelo que terá actuado com negligência inconsciente. O juízo de censura que sobre a sua conduta impende é o relativo à omissão da actividade de cuidado esperada e exigível nas circunstâncias em que conduzia, quando devia ter adaptado a sua condução ás especificidades da via por onde circulava, com respeito pelas normas do Código da Estrada que se lhe impunham, de modo a impedir os resultados funestos que se vieram a verificar da sua actuação, demonstrando o maior dos desrespeitos pelos bens jurídicos alheios. Face ao supra exposto, e "sendo legalmente possível censurar, in casu, a conduta negligente do arguido (ainda que sob a forma de negligência inconsciente) de forma plúrima, em função do número de lesões jurídicas que ele podia e devia prever e que efectivamente se produziram", somos de parecer, s.m.o., que o recurso interposto pelo M°P° merece provimento.” Não houve resposta do arguido. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre agora apreciar e decidir. II. Das conclusões apresentadas pelo Ministério Público colhe-se que a questão colocada à apreciação desta Relação é a de saber se a conduta do arguido deve ser punida por um crime, como decidiu o tribunal a quo, ou por dois crimes. Por seu lado, das extensas, repetitivas e confusas conclusões do arguido extraem-se as seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - violação do princípio in dubio pro reo; - subsunção jurídico-penal da sua conduta; - medida da pena. Vejamos a fundamentação de facto do acórdão recorrido: - “... 1) No dia 02 de Julho de 2005, cerca das 5 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PD, pelo IP., no sentido Mirandela - Vila Real. 2) Havia estado numa festa de abertura do D………. em Macedo de Cavaleiros onde tinha ingerido diversas bebidas alcoólicas, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,35 gramas por litro. 3) Transportava como passageiros, E………., F………., G………. e H………. . 4) A estrada por onde seguia a viatura tinha uma largura de 10,20 metros, é alcatroada, com piso bom, limpo e seco. 5) Ao chegar ao quilómetro 114,6, da referida via e ao percorrer uma recta com inclinação descendente, precisamente ao descrever uma curva prolongada para direita (atento o seu sentido de marcha), na área desta comarca de Alijó, o arguido começou progressivamente a perder aderência ao piso, deixando marcas de derrapagem no pavimento. 6) Após percorrer, cerca de 84 metros, nestas circunstâncias, rodopiou sobre si, entrando totalmente na berma, embateu de seguida, com a parte fronto-lateral direita, no bordo da valeta aí existente. 7) Depois deste embate, entrou numa situação de total descontrolo, capotando por várias vezes, passando por um morro de terra, numa distância de cerca de 68 metros, de seguida por cima das guardas metálicas de protecção, numa distância de cerca de 22 metros, recuperando posteriormente a faixa de rodagem onde se imobilizou sensivelmente no eixo da via orientado no sentido Vila Real - Mirandela. 8) Em consequência directa e necessária da condução do arguido e subsequente despiste e capotamento do veículo os passageiros E………. e F………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de exame de cadáver e autópsia de fls. 210 e 220, aqui dadas inteiramente por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária das suas mortes. 9) Por sua vez os passageiros G………. e H………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de perícia de fls. 295 e 302, igualmente aqui dadas inteiramente por reproduzidas. 10) O descrito acidente ficou a dever-se exclusivamente ao facto do arguido conduzir o veículo automóvel num estado eufórico, derivado da ingestão de bebidas alcoólicas, de uma forma temerária e imprudente, circulando a uma velocidade não concretamente apurada, na ordem dos 125km/h, não tomando as devida precauções de redução da velocidade ao aproximar-se da curva que se apresentava à sua frente e perfeitamente visível. 11) Assim, imprimiu ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência do mesmo ao piso, nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada. 12) Ignorou consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via, a nível da proibição de exceder a velocidade horária de 90 km/hora imposto por lei, como a prudência da moderação da mesma perante a aproximação de uma curva. 13) Ignorou o perigo que era conduzir com uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente a precariedade da aderência do carro à estrada com tal velocidade. 14) Nas circunstâncias descritas, o arguido deveria, pelo menos, ter diminuído a marcha do veículo para o limite máximo de velocidade imposto pela lei, bastando para isso abrandar a velocidade a que seguia. 15) O veículo deixou um rasto de travagem no asfalto de 104 metros, o que evidencia a velocidade excessiva imprimida pelo arguido ao veículo, numa verdadeira atitude temerária, contrária aos procedimentos usuais de qualquer condutor minimamente prudente.16) Não procedeu, assim, com o cuidado e diligência que a condução de veículos impõe, cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, não chegando, sequer, a representar a possibilidade de realização dos factos morte e ofensa à integridade física que vieram a verificar-se. 17) O arguido encontrava-se sob influência de álcool o que lhe diminuiu a sua destreza na condução, afectando o seu sentido de orientação e retardando os seus reflexos, facto que foi também foi importante para a produção do acidente. 18) O arguido colocou-se voluntariamente naquelas condições através da ingestão de álcool e assumiu a condução do referido veículo de forma livre, voluntária e consciente, imprimindo durante o percurso, frequentemente, ao veículo velocidades superiores a 180 Km/h. 19) O exercício da condução da forma supra descrita, com manifesta falta de atenção e cuidado, olvidando os mais elementares deveres de precaução e cautela, determinou que o arguido não evitasse o acentuado perigo que desencadeou e o grave resultado que adequadamente causou, apesar de esse perigo ser pessoalmente representável e o resultado pessoalmente evitável, como o seria pela generalidade das pessoas com as qualidades e capacidades do arguido. 20) O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 21) O arguido foi condenado por contra-ordenação, factos de 07.07.03, em 30 dias de inibição de condução. 22) As vítimas mortais do acidente circulavam sem cinto de segurança no momento do acidente. 23) Após o acidente o arguido entrou em estado de choque, só se apercebendo do sucedido quando veio a si no Hospital. 24) Após o acidente passou a haver pessoas que tinham um tratamento desagradável para com o arguido. 25) O arguido é licenciado em informática de gestão, perito averiguador, aufere €450,00 mensais, solteiro vive com os pais. 2.1.2. - Factos não provados. Com pertinência e relevância ao objecto do processo não se provou: a) O arguido não fosse a conduzir o veículo ..-..-PD. b) O arguido tenha tido acompanhamento psicológico durante meses. c) Aquando dos factos referidos em 23) tivessem chamado de assassino ao arguido e o tivessem ameaçado. d) O arguido ainda agora sinta receio de andar na rua sozinho e com medo de ser insultado ou agredido. 2.2. - A convicção do tribunal. Em sede de motivação da decisão de facto, ponderaram-se, desde logo, as declarações do arguido. Assim, o arguido B………. referiu que não se recordava do acidente, apenas se recorda ter estado no D………. antes de virem para V. Real. Apenas o E………. e o G………. é que saíram com o arguido de V. Real. Ponderaram-se ainda as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento. O assistente G………. referiu não se recordar em concreto do acidente. No dia 01.07.05, antes das 24.00h encontrou-se com o arguido e o falecido E………. em V. Real e foram para Macedo de Cavaleiros. O veículo era conduzido pelo arguido e era do pai da namorada. O assistente na vinda de Macedo de Cavaleiros vinha ao lado do condutor, vindo atrás o E………., a F………. e a H………. . O tempo estava bom, o piso seco. O arguido estava normal antes de entrar no carro. Não se recorda se as pessoas atrás traziam cinto de segurança. Após o acidente o arguido ficou triste e com dificuldade em falar sobre o assunto. A testemunha H………. vinha no carro no banco de trás, o arguido é que conduzia o veículo, vindo no banco da frente o G………. . O arguido durante todo o trajecto circulava muito depressa, ao chegar a Mirandela olhou para o conta-quilómetros e viu que circulavam a cerca de 180/200km/h, ficou com muito medo e expressou o mesmo à falecida F……….., apertando-lhe a mão e dizendo-lhe que iam morrer e para dizer aos pais que gostava muito deles, tendo esta respondido para não ter medo, pois o arguido conhecia bem a estrada. Circulavam a uma velocidade tão elevada que a testemunha costumava fazer o trajecto de Macedo de Cavaleiros a Mirandela em 20 minutos e viu que tinham feito o trajecto em 7/8 minutos. O arguido durante todo o trajecto cortava as curvas, seguindo pela faixa de rodagem contrária, de vez em quando o arguido apertava a mão do assistente G………. . Não havia trânsito, o piso estava seco e em bom estado. Não lhe pareceu que o arguido estivesse bêbedo. Ninguém atrás trazia cinto de segurança. A testemunha K………., 1ª pessoa a chegar ao local do acidente, referiu que circulava no sentido Vila Real - Bragança, cerca das 6.00h, na altura o arguido estava fora do carro a desligá-lo, mais à frente estava a H………. a levantar-se, havia outra rapariga e um rapaz mais á frente no chão sem qualquer sinal de vida. Na altura estava bom tempo, o piso era bom e estava seco. A testemunha I………., GNR, referiu ter-se deslocado ao local cerca das 6.00h, na altura o carro sinistrado encontrava-se no eixo da via na direcção de Mirandela, confirma o teor da participação do acidente. Estava bom tempo e o piso estava seco. A testemunha J………., GNR, referiu ter ido ao local do acidente às 7.15h, na altura só lá estava a viatura e uma vítima. A testemunha L………. apenas foi rebocar o veículo sinistrado. A testemunha M………. apenas soube do acidente no dia seguinte. As testemunhas N………., mãe do B………., O………. e P………., amigos do arguido, referiram que este ficou muito afectado com o acidente e que há pessoas agora que são muito desagradáveis com o arguido. O arguido tem uma condução normal. Ponderaram-se os documentos juntos aos autos, designadamente: Fls. 2 a 4 (auto acidente) FIs. 15, 45 (certificado óbito) FIs. 26 a 29, 51 a 54 (croqui acidente) FIs 55 a 57 (informação INEM) FIs 58 a 60 (cópias carta condução e veículo) FIs 61 a 65 (guia entrega) FIs. 89 (cadastro rodoviário do arguido) FIs. 91 a 95 (informações sobre o veículo sinistrado) FIs. 106 (auto reconhecimento) Fls. 125 a 150 (informação hospitalar) Fls. 157 a 166, 168 a 203 (relatório da BT sobre o acidente, designada ente cálculo da velocidade média). Fls. 209 a 216, 219 a 226 (relatório de tanatologia forense) Fls 253 (assento nascimento) Fls. 256 (assento óbito) Fls. 295 a 298, 302 a 305, 311 (perícia dano corporal) Fls 314 a 327 (fotos) Fls. 382, 383, 386 (informação médica) Relativamente aos antecedentes criminais e situação sócio-económica do arguido atendeu-se ao CRC e declarações do mesmo. Breves considerações cabem ser feitas sobre a prova produzida. No que concerne à dinâmica do acidente, designadamente à velocidade, o Tribunal Colectivo, face ao depoimento da testemunha H………., a qual foi clara em referir que durante todo o trajecto circulavam a uma velocidade muito elevada durante todo o trajecto, tendo mesmo referido ter verificado circularem a 180/200km/h, cortarem curvas, invadindo a via contrária, o arguido, em tom eufórico, algumas vezes tirou a mão do volante e apertava a mão G………. . Veja-se ainda o depoimento desta testemunha a referir que era habitual fazer o trajecto de Macedo de Cavaleiros a Mirandela em 20 minutos, à velocidade normal da via, tendo na noite fatídica o trajecto sido feito em feito em 7/8 minutos. A corroborar a versão desta testemunha temos o relatório pericial elaborado pela BT a fis. 157 a 166, 168 a 203, designadamente o cálculo da velocidade média efectuada pelo veículo, atendendo às horas de saída e chegada. Em suma, nenhumas dúvidas ficaram ao Tribunal Colectivo sobre as circunstâncias que rodearam o acidente. Diga-se ainda que o estado eufórico do arguido decorreu também do facto do arguido ter ingerido bebidas alcoólicas, não sendo despiciendo que o arguido algumas horas após o acidente ainda apresentasse a taxa de 0,35g/I.” Por uma questão de ordem lógica, começará por se apreciar o recurso interposto pelo arguido, pois, impugnada a matéria de facto, se ele proceder fica prejudicada a apreciação das demais questões, quer as suscitadas pelo próprio, quer as suscitadas no recurso do Ministério Público. Mas, antes de mais, o arguido diz que não se conforma com o acórdão recorrido por o mesmo padecer de vários vícios, sem indicar quais. Se se refere aos do art. 410.º, n.º 2, do CPP, desde já se adianta que, da análise do acórdão não resulta do seu texto, por si só e conjugado com as regras da experiência comum, qualquer vício. No que respeita à primeira questão a apreciar – impugnação da matéria de facto – impõe-se salientar que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem mesmo ser importados para a gravação da prova - seja áudio, seja mesmo vídeo - por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador “elementos intraduzíveis e subtis”, tais como “a mímica e todo o aspecto exterior do depoente” e “as próprias reacções, quase reacções, quase imperceptíveis, do auditório” que vão agitando o espírito de quem julga (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que “existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”). O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. E convém referir que, tendo o colectivo formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção que da prova teve àquela que formulou o recorrente. Esta é irrelevante. Pretende o recorrente que os factos dados como provados sob as al.s 10, 11, 12, 13 e 15 foram incorrectamente julgados, pois o depoimento da testemunha H………. e o relatório pericial elaborado pela BT de fl.s 157 a 166 e 168 a 203, em que o tribunal se baseou, não os sustentam. Conjugando o referido relatório pericial e o apontado depoimento, só se pode concluir pela bondade do decidido pelo tribunal a quo. Na verdade, o relatório referido, tendo em consideração a hora do início da viagem, a hora do acidente e a distância percorrida, concluiu que a velocidade média estimada era de 125,8Km/h; H………. testemunhou que o recorrente conduziu sempre muito depressa, a certa altura a cerca de 180-200 Km/h, de tal modo que ela chegou a temer pela sua vida; isto conjugado com os 104 metros das marcas de derrapagem só permite considerar que o acidente se ficou a dever exclusivamente ao facto de o recorrente conduzir a velocidade não apurada na ordem dos 125Km/h, imprimindo ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência ao piso nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada, ignorando consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via e que impunham limites de velocidade, tal como o perigo de conduzir a uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever. É manifesto que a referência a rasto de travagem se deve a mero lapso, pois de todo o teor do acórdão, muito concretamente do facto sob a al. 5) que expressamente refere marcas de derrapagem, resulta que o que está em causa é uma derrapagem. De qualquer modo, quer se trate de rasto de travagem quer de marcas de derrapagem, os 104m registados, num piso bom, limpo e seco, são bem demonstrativos de que o recorrente conduzia o veículo a velocidade muito superior ao permitido e excessiva para o local. Tal lapso não teve nem tem, por isso, qualquer influência na decisão, não se enveredando pelo jogo de palavras que o recorrente pretende sem mais argumentos do que esse de se tratar de termos diferentes. Quanto à taxa de álcool no sangue, não deixa de ser curioso que na contestação o recorrente aceite a indicada de 0,35g/l e agora venha dizer que não foi feita prova dessa taxa. Só por sofisma o recorrente pode argumentar que o álcool pode ter sido ingerido depois do acidente, isto é, entre este e a sua observação no hospital, onde foi feita a colheita de sangue. Não se percebe a referência ao art. 347.º, n.º 2, do CPP que o recorrente aqui faz, metendo no mesmo raciocínio o princípio da presunção de inocência, sendo certo que um não tem nada a ver com o outro e o acórdão recorrido se encontra devidamente fundamentado, com observância das especificações do citado artigo. Quanto ao princípio in dubio pro reo, dir-se-á, em síntese que, o que resulta do princípio citado é que quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido. Ora, no acórdão recorrido, não decorre nem da matéria de facto dada como provada, nem da sua fundamentação, qualquer dúvida. O Tribunal não teve qualquer hesitação quanto à valoração da prova, tal como não fixou qualquer facto que pudesse colocar em questão a prática do ilícito cometido pelo recorrente, ou seja, não teve qualquer dúvida. O Tribunal retirou directamente tais conclusões da prova produzida em audiência, não se lhe suscitando quaisquer dúvidas sobre as circunstâncias que rodearam o acidente. Não deveria/poderia, em consequência fazer uso de tal princípio. Sustenta o recorrente que não poderia ser condenado pela prática de uma contra-ordenação grave pelo facto de circular a mais de 125Km/h, porque a única prova admissível para este efeito é a obtida através de aparelhos de medição devidamente homologados ou por tacógrafo, com o que se propõe questionar a pena acessória de inibição de conduzir. Indica como violados os art.s 27.º, n.º 4, do CE e o art. 125.º do CP. Dispõe o primeiro dos citados preceitos: “Para os efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se que viola os limites máximos de velocidade instantânea o condutor que percorrer uma determinada distância a uma velocidade média incompatível com a observância daqueles limites, entendendo-se que a contra-ordenação é praticada no local em que terminar o percurso controlado.” O segundo dos preceitos invocados diz respeito à suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança, não esclarecendo o recorrente a razão do apelo a tal artigo do Código Penal. Quanto ao primeiro, ele diz precisamente o contrário do que pretende o recorrente, pelo que não se perderá mais tempo com tão candente questão. Todavia, surge aqui uma outra questão que se prende com a contra-ordenação em causa e que tem a ver com o prazo de prescrição do respectivo procedimento. À contra-ordenação p. e p. pelo art. 27.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 2.º, do CE corresponde coima de 120,00€ a 600,00€. O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é, nos termos do art. 27.º, al. c), do DL n.º 433/82, de 27.10, de um ano, uma vez que o montante máximo da coima é inferior a 2493,99€, sendo o prazo máximo da prescrição, considerando os factos suspensivos e interruptivos que eventualmente ocorram (art.s 27.º-A e 28.º do mesmo DL), de 2 anos, nos termos do n.º 3 do art. 28.º referido. Tal significa que o prazo máximo da prescrição do procedimento contra-ordenacional se cumpriu há muito, pelo que o recorrente não poderia ter sido condenado na pena acessória de inibição de conduzir, aqui se impondo a revogação da decisão recorrida. Alega depois o recorrente que o seu comportamento não integra o tipo legal de crime previsto no n.º 2 do art. 137.º do CP, mas o do n.º 1. Para sustentar esta sua alegação, refere a impugnação da matéria de facto que antecedeu. Ora a alteração de facto pretendida pelo recorrente só poderia conduzir à sua absolvição, como, de resto, o recorrente requer na sua 40.ª conclusão. Por outro lado, só por falácia o recorrente pode invocar a circunstância de as vítimas não levarem colocados os cintos de segurança como factor diminuidor da sua culpa. O concorrente comportamento culposo da vítima não deve ser considerado para efeitos de determinação da intensidade ou grau de negligência do recorrente, ou seja, para a qualificação daquela como simples ou grosseira. O comportamento negligente do recorrente não pode nem deve ser mitigado em função do comportamento das vítimas, embora o tribunal possa e deva tomar em consideração a eventual concorrência de culpas na produção do evento e na determinação da medida da pena a aplicar (v. Ac. da RC de 21.01.2004, www.dgsi.pt). Neste segmento, produziu a decisão recorrida: “… Para além disso, em vista do disposto no n° 2 do mesmo preceito, haverá que conferir se o grau de violação do dito dever de cuidado justifica a qualificação da negligência como grosseira, sabido que esta resulta de «uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também do ilícito», ou seja, de um «comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada», que «revele uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal», vide J. FIGUEIREDO DIAS, «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Ed., 2001, 381. Vd. ainda, a respeito, com particular relevo, CLAUS ROXIN, «Derecho Penal - Parte General - Tomo I», Civitas, Madrid, 1997, pp. 1026 e segs. Assim, a negligência, para que se possa qualificar de grosseira, terá que corresponder a uma crueza temerária, só se verificando quando o condutor se demite dos mais elementares cuidados na condução por temeridade, leviandade ou total ausência de atenção ou de cuidados, vide Ac. do STJ, Processo n° 02P2702, N° do Documento: SJ200210300027023, de 30-10-2002. A negligência grosseira constitui, em direito penal, num grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência", seja ao nível da culpa, seja ao nível do ilícito; a este último nível por se estar "perante um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada", ao nível da culpa, porque, "não omitindo a conduta, revelou (o condutor) uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal, plasmando no facto qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez, vide Figueiredo Dias in Temas Básicas ...Coimbra Editora, pág.380/81). Acresce salientar que a relação de causalidade entre o comportamento e o evento, quer se parta da teoria da equivalência das condições (Cfr. J. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pp. 53 e segs), quer do critério da condição conforme às leis naturais Cfr. HANS-HEINRICH JESCHECK e THOMAS WEIGEND, ««Derecho Penal - Par¬te General», Granada, 2002, pág. 303 e GÜNTHER JAKOBS, «Derecho Penal - Parte General - Fundamentos e teoria de Ia imputación», Marcial Pons, Madrid, 1997, pág. 229), se basta com a afirmação de que a acção é uma das condições do resultado, não sendo necessário que ele seja a primeira (ou a última) condição da sua verificação, vide Processo n° 5106/2004-3, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-09-2004, in www.ITIJ.pt. No presente caso é por demais evidente que o arguido teve um comportamento que, manifestamente, preencheu o conceito de negligência grosseira. Com efeito, provou-se: - O arguido havia estado numa festa de abertura do D………. em Macedo de Cavaleiros onde tinha ingerido diversas bebidas alcoólicas, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,35 gramas por litro. - Transportava como passageiros, E………., F………., G………. e H………. . - A estrada por onde seguia a viatura tinha uma largura de 10,20 metros, é alcatroada, com piso bom, limpo e seco. - Ao chegar ao quilómetro 114,6, da referida via e ao percorrer uma recta com inclinação descendente, precisamente ao descrever uma curva prolongada para direita (atento o seu sentido de marcha), na área desta comarca de Alijó, o arguido começou progressivamente a perder aderência ao piso, deixando marcas de derrapagem no pavimento. - Após percorrer, cerca de 84 metros, nestas circunstâncias, rodopiou sobre si, entrando totalmente na berma, embateu de seguida, com a parte fronto-lateral direita, no bordo da valeta aí existente. - Depois deste embate, entrou numa situação de total descontrolo, capotando por várias vezes, passando por um morro de terra, numa distância de cerca de 68 metros, de seguida por cima das guardas metálicas de protecção, numa distância de cerca de 22 metros, recuperando posteriormente a faixa de rodagem onde se imobilizou sensivelmente no eixo da via orientado no sentido Vila Real - Mirandela. - Em consequência directa e necessária da condução do arguido e subsequente despiste e capotamento do veículo os passageiros E………. e F………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de exame de cadáver e autópsia de fls. 210 e 220, aqui dadas inteiramente por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária das suas mortes. - Por sua vez os passageiros G………. e H………. sofreram as lesões examinadas e descritas nos autos de perícia de fls. 295 e 302. - O arguido conduzia o veículo automóvel num estado eufórico, derivado da ingestão de bebidas alcoólicas, de uma forma temerária e imprudente, circulando a uma velocidade não concretamente apurada, na ordem dos 125km/h, não tomando as devida precauções de redução da velocidade ao aproximar-se da curva que se apresentava à sua frente e perfeitamente visível. - Assim, imprimiu ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu manter a aderência do mesmo ao piso, nem controlar a trajectória do veículo que tripulava, nem mantê-lo sobre a estrada. - Ignorou consciente, voluntária e livremente os sinais de trânsito colocados na via, a nível da proibição de exceder a velocidade horária de 90 km/hora imposto por lei, como a prudência da moderação da mesma perante a aproximação de uma curva. - Ignorou o perigo que era conduzir com uma velocidade que não lhe permitia executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente a precariedade da aderência do carro à estrada com tal velocidade. - O veículo deixou um rasto de travagem no asfalto de 104 metros, o que evidencia a velocidade excessiva imprimida pelo arguido ao veículo. - O arguido colocou-se voluntariamente naquelas condições através da ingestão de álcool e assumiu a condução do referido veículo de forma livre, voluntária e consciente, imprimindo durante o percurso, frequentemente, ao veículo velocidades superiores a 180 Km/h. Em suma, é por demais evidente a condução grosseira que o arguido praticou, tanto mais grave quando transportava com ele mais quatro pessoas. Assim, preencheu o arguido a prática do crime de homicídio negligente grosseiro do art° 137°, n° 2, do C. Penal. …” Concordamos inteiramente com estes argumentos fundamentadores da subsunção da conduta do recorrente ao n.º 2 do art. 137.º do CP. Alega ainda o recorrente que a pena que lhe foi fixada é exagerada, pois extravasa a sua culpa, assim, sem mais, a não ser o argumento que a pena foi fixada em medida muito próxima do limite máximo, não esquecendo que foi condenado pela morte de duas pessoas. Este argumento não o é, na medida em que se trata de raciocínio evidenciado pela pena em si. Esta questão tem, porém, de ser melhor desenvolvida na apreciação da que foi colocada pelo Ministério Público. É ridícula a alegação de que a quantia fixada como condição de suspensão da execução da pena é excessiva, tendo em conta a situação económica do recorrente. Na verdade, a decisão recorrida não impôs qualquer prazo para o pagamento dessa quantia, o que significa que o recorrente dispõe de quatro anos para o fazer e isto, sim, é excessivo. Nesta conformidade, o recurso do arguido só pode improceder. Vejamos agora a questão colocada pelo Ministério Público. Entende a recorrente que o arguido deveria ter sido condenado por dois crimes de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2, do CP e não, como foi, por um só. Diz o acórdão recorrido a propósito: - “… Questão distinta é a de saber se a conduta negligente se subsume à prática de dois crimes de homicídio sob negligência grosseira, como se encontra incurso, ou apenas um crime. O Tribunal Colectivo considera que a conduta do arguido apenas preencheu a prática de um crime de homicídio negligente grosseiro do art° 137°, n° 2, do C. Penal. O Tribunal Colectivo considera que na situação de negligência não se pode exercer mais do que um juízo de censura, sob pena da circunstância da aleatoriedade do acontecer natural na produção do resultado ser ela a condicionar o preenchimento do tipo de ilícito. Nas situações em que o agente actua com negligência, apenas é relevante e imputável um só juízo de censura pelo comportamento negligente adoptado, resumindo-se a culpa a uma só resolução conducente a tal comportamento negligente, independentemente de serem violados vários tipos legais ou várias vezes o mesmo tipo; É este, aliás, o entendimento que melhor se coaduna com o princípio de que a pena terá sempre como limite a medida da culpa, referindo-se esta na negligência à conduta do agente e não aos seus resultados; No presente caso, embora haja duas violações do bem jurídico tutelado pelo art. 137°, n° 2, do Código Penal, o arguido é punido pela prática dum só crime de homicídio por negligência grosseira. Mas mesmo que se considerasse estar perante a prática de dois crimes de homicídio negligente sempre a conduta do arguido se subsumiria apenas a uma situação de concurso ideal homogéneo, uma vez que o arguido, com uma só acção violou, por duas vezes, a mesma disposição legal, vide neste sentido ac. do STJ de 21.09.05, in Col. de Jur, 2005, III, 167 e ac. do STJ in Col. de Jur., 1998, S III, 183. Assim sendo, o Tribunal Colectivo considera que apenas um crime de homicídio pode subsistir, sendo a quantidade de mortes ocorridas valorada na medida da pena.” A questão mereceu voto de vencido do seguinte teor: - “… Enquanto crime material ou de resultado, o tipo-de-ilícito do crime de homicídio negligente consiste em causar a morte a outra pessoa, sendo nesta medida necessário que ao desvalor da violação do dever objectivo de cuidado criador ou potenciador de um risco proibido - acto agressor - corresponda de forma directa e necessária o desvalor de resultado - a morte de outra pessoa. A produção do resultado típico é, por isso, elemento do tipo, sendo absolutamente relevante para o seu preenchimento. Por outro lado, e já ao nível da culpa, a punição a título de negligência impõe que seja possível dirigir ao agente um juízo de censura ético jurídico por não ter actuado com a diligência necessária e devida. Contudo, se for possível concluir que o agente estava em condições e tinha capacidade para prever e evitar uma pluralidade de resultados, terá de se censurar a sua conduta por negligência tantas vezes quantas as lesões jurídicas causadas. Argumenta Maia Gonçalves que, no caso de negligência inconsciente, só se verifica um crime de homicídio porquanto, não sendo o resultado previsto, não é possível formular vários juízos de censura (cfr. Código Penal Anotado, 14ª Edição, p. 476). Acontece que, como vimos, o juízo de censura nos crimes negligentes assenta precisamente na possibilidade de ter previsto e evitado o/s resultado/s, de tal forma que se efectivamente tivesse previsto o/s resultado/s seria punido já não a título de negligência inconsciente mas antes de negligência consciente ou de dolo eventual, consoante a sua atitude de conformação perante a realização da consequência da sua conduta. Por último, cumpre evidenciar que ainda que a acção seja única, a morte de várias pessoas corresponderá a um concurso ideal homogéneo e, necessariamente, a uma pluralidade criminal, tal como decorre do disposto no art. 30°, n.º1, do Código Penal, norma que equipara o concurso ideal ao concurso real. Não é o facto de estar em causa a violação plúrima de bens jurídicos da mesma natureza que afasta o concurso efectivo de dois crimes de homicídio negligente. Em face do que fica dito, é de concluir que nos crimes involuntários praticados com negligência, dever-se-á considerar que o agente comete tantos crimes quantos os resultados que previu ou devesse ter previsto, posição que alicerçamos nos ensinamentos de Figueiredo Dias (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 1, p. 114, em anotação ao art. 137° do Código Penal), Pedro Caeiro e Cláudia Santos, (in RPCC, n.°6, p. 127 a 142, em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Abril de 1995). No mesmo sentido, vide Reis Bravo, "Negligência, unidade de conduta e pluralidade de eventos", Revista do Ministério Público, n.°71, 3° semestre de 1997, p. 97. Tomando agora em consideração a posição adoptada e perante a factualidade provada, cumpre salientar que da mesma forma que se concluiu que o arguido violou um dever objectivo de cuidado, teria de atender-se que as normas estradais violadas lhe eram pessoalmente cognoscível e as violações dos dois bens jurídicos em causa lhe eram pessoalmente evitável, ou seja, que o arguido estava em condições de prever como resultados da sua conduta a morte de E………. e de F………., bem como de evitar não uma única mas as duas mortes a que deu causa. Impunha-se, por isso, dirigir ao arguido dois juízos de censura, ou seja, tantos quantos os bens jurídicos ofendidos, e condenar o mesmo pela prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo art. 137°, n.º1 e 2, do Código Penal. …” Afigura-se-nos mais curial este raciocínio, bem como o da Digna Magistrada do Ministério Público. Na verdade, dispõe o art. 137.º do CP: “1- Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2- Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos.” Sobre a negligência, dispõe o art. 15.º do CP: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo legal de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.” O bem jurídico protegido com a incriminação vertida no art. 137.º do CP é a vida humana, configurando o tipo legal de crime de homicídio por negligência um crime de resultado, resultado que a conduta do agente produziu em virtude de ele não ter observado o dever objectivo e subjectivo de cuidado, que representou como possível, não se eximindo de tal conduta sem se conformar com ele ou não chegando, sequer, a representá-lo, configurando-se tantos crimes quantos os resultados concretizados. Dispõe o art. 30.º do CP: “1- O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. …” Como diz Eduardo Correia (“A Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Coimbra, 1983, pág. 109-110) “…do mesmo modo que é lícito reprovar a actividade do agente, quando de dolo se trate, tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele quis produzir, igualmente é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar.” Também Figueiredo Dias (“Comentário Conimbricense ao Código Penal – Parte Especial”, tomo I, pág. 114, em anotação ao art. 137.º) diz: “Se através de uma mesma acção são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma hipótese de concurso efectivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença por que a negligência tenha sido consciente ou inconsciente”. Com isto, não de extravasa o juízo de censura limitado à culpa do agente. Como refere o Ac. da RP de 16.05.2007 (www.dgsi.pt), “…os crimes negligentes não prescindem da voluntariedade e liberdade do comportamento, ou seja de uma acção ainda em si dependente da vontade, na medida em que “a omissão voluntária de um dever quer dizer que, quando se viola esse dever de cuidado a pessoa o faz de forma livre, isto é, tinha a possibilidade de cumprir esse dever.”…” Se o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado, representar a realização de um facto que preenche a realização de um tipo legal de crime e, ainda assim, actuar sem se conformar com essa realização ou não chegar, sequer, a representar essa possibilidade, ele é de censurar tantas vezes quantas esse dever de cuidado produziu aquela realização que ele previu ou tinha obrigação de prever. Como crime de resultado que é, o crime de homicídio negligente (simples ou grosseiro), deve ser imputado ao agente tantas vezes quantas os resultados produzidos e que o agente previu ou deveria ter previsto. Entendemos, assim, que o arguido incorreu na prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2, do CP. A este crime corresponde pena de prisão até 5 anos. Na determinação da medida das penas a aplicar, atender-se-á às exigências de prevenção e à culpa do arguido, nos termos do n.º 1 do art. 71.º do CP, ponderando, de harmonia com os critérios definidos no n.º 2 do mesmo artigo, o elevado grau de ilicitude do facto, as suas consequências desastrosas, com o comportamento do arguido a provocar, para além das duas mortes, ferimentos em outras duas pessoas, o modo como ele decorreu, as suas condições pessoais, integrado familiar e profissionalmente. As exigências de prevenção são elevadas, mormente as de prevenção geral, face às expectativas da comunidade perante o flagelo que constituem as mortes na estrada, mas também as de prevenção especial, tendo em consideração que o arguido já sofreu inibição de conduzir veículos com motor precisamente por excesso de velocidade. Tudo ponderado, entende-se adequada uma pena de três anos de prisão por cada um dos dois crimes. Nos termos do art. 77.º do CP, impõe-se a aplicação de uma pena única, com ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido. Quanto aos factos, ter-se-á em conta a simultaneidade do ocorrido e, quanto à personalidade, aquilo que flui dos próprios factos, revelando inconsideração pelos outros. Assim ponderando, dentro de uma moldura penal cujo mínimo é de três anos de prisão e cujo máximo é de seis anos de prisão (pena parcelar mais elevada e soma das penas parcelares, respectivamente, nos termos do n.º 2 do art. 77.º do CP), entende-se ajustada uma pena única de quatro anos de prisão. Tendo em conta que sobre a data dos factos decorreram cerca de quatro anos sem que se lhe conheçam outros comportamentos delituosos, num juízo de prognose que lhe é favorável, afigurando-se que a censura do factos e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como as define o art. 40.º, n.º 1, do CP, a pena única deverá ser suspensa na sua execução por período igual ao da pena de prisão, tudo nos termos do art. 50.º do mesmo código. A suspensão da execução da pena ficará subordinada ao cumprimento das obrigações definidas pelo tribunal a quo. III. Pelo exposto, decide-se: 1.º Negar provimento ao recurso do arguido; 2.º Conceder provimento ao recurso do Ministério Público, nos seguintes termos: - condena-se o arguido, pela prática de cada um de dois crimes de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão; - em cúmulo jurídico, condena-se na pena única de 4 (quatro) anos de prisão; - suspende-se a execução desta pena pelo período de 4 (quatro) anos. 3.º Declarar extinto por efeito da prescrição o procedimento contra-ordenacional contra o arguido, revogando-se a sua condenação na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor. 4.º No mais, manter a decisão recorrida. 5.º Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. Elaborado e revisto pela primeira signatária. Porto, 15 de Abril de 2009 Airisa Maurício Antunes Caldinho António Luís T. Cravo Roxo (vencido, conforme voto que anexo) Arlindo Manuel Teixeira Pinto ______________________ Vencido, pelos argumentos seguintes: Teria mantido a condenação do arguido pela prática de um único crime de homicídio negligente, pelas razões aduzidas no acórdão recorrido. Com efeito, nos crimes negligentes, só é imputável um único juízo de censura, resumindo-se a culpa a uma só resolução criminosa, independentemente de ser violado várias vezes o mesmo tipo; com efeito, o dever objectivo de cuidado foi ofendido uma única vez. O conceito de culpa negligente não se deve referir à aleatoriedade que pode decorrer do resultado da conduta, mesmo considerando que estamos perante crime cometido com negligência grosseira. E o princípio da culpa faria concluir deste modo, tendo em atenção que a pena deverá ser um reflexo da medida da culpa. O resultado da acção negligente deveria assim ser tomado em conta apenas e tão-só em sede de medida da pena. Por outro lado, não me repugnaria, atendendo aos princípios punitivos, condenar o arguido em pena de prisão efectiva, nomeadamente considerando os princípios da prevenção especial e da prevenção geral, bem como a necessidade de se acautelar e punir com algum rigor a prática de crimes estradais. Porto, 15.4.2009 António Luís T. Cravo Roxo