I - No âmbito do abuso de confiança, a actuação do agente animu domini carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que ele já está a dispor da coisa como se fosse sua. II - A mera negação de restituição não significa necessariamente uma apropriação ilegítima: para que esta se verifique torna-se necessária a verificação de circunstâncias inequivocamente reveladoras de um arbitrário animus rem sibi habendi ou de que inexiste fundamento legal ou motivo razoável para a recusa.
Recurso Penal nº 542/08.0TAVRL.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I RELATÓRIO No termo do inquérito que, com o nº 542/08.0TAVRL, correu termos nos serviços do MºPº do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, o MºPº, considerando não terem sido recolhidos indícios da prática pelos denunciados B………. e C………. do crime de abuso de confiança que lhe era imputado, proferiu despacho de arquivamento dos autos, nos termos do nº 1 do art. 277º do C.P.P. Discordando desse despacho, o denunciante, D………., constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução e, realizada esta, foi proferido despacho que manteve o arquivamento dos autos, não pronunciado os arguidos pelo crimes de abuso de confiança que o assistente lhe havia imputado. Inconformada com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o assistente, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que pronuncie os arguidos pelo referido crime, formulando as seguintes conclusões: “1 - A motivação do recurso que ora se apresenta deve-se à discordância do ofendido no processo supra ido quanto à d. decisão de não pronúncia dos arguidos. 2 - No seu requerimento de abertura de instrução, o ofendido, em síntese, alegou que existem nos autos indícios suficientes da prática dos arguidos de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo artº 205 do Código Penal. 3 - Levadas a cabo as diligências instrutórias bem como o debate instrutório, a final, veio a Mª Juiz a quo a decidir pela não pronúncia dos arguidos, não assistindo razão ao Tribunal a quo, na perspectiva do ofendido. 4 - Na verdade, das diligências probatórias levadas a cabo (inquirição de testemunhas), resulta, a nosso ver, que in casu se impunha uma decisão de pronúncia dos arguidos, tal como se demonstrará. 5 - É que, sob a epígrafe "Abuso de confiança". diz o art° 205 do CPenal que "quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não trans/ativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa." 6 - Tal como se diz in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 11, pág. 94 e ss. "abuso de confiança é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio; é, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção". 7 - Ora, do depoimento prestado pela testemunha E………., gravado em CD - cf. fls 150 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para! legais efeitos, bem como dos testemunhos prestados pelas testemunhas F………. e F………., gravados em CD - cf. fls. 151 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, resulta com clareza que o arguido B………. foi dentro de propriedade privada, da qual o ofendido é dono e legitimo proprietário, e daí retirou o tractor em questão nestes autos, o qual transportou num reboque para a garagem de sua casa, onde o mesmo se encontra, daí a co-autoria do crime relativamente à arguida C………. . 8 - Estamos pois in casu perante uma apropriação ilícita, a qual, tal como se afirma in Comentário Conimbricense ao CP, pág. 101, neste caso (de ilicitude) faz com que a exigência de protecção do bem jurídico seja em muitos casos acrescida. Mais. A apropriação do bem móvel em causa por parte dos arguidos é dolosa. 9 - Na verdade, o arguido marido, astuciosamente, pensou e concretizou toda a factualidade que levou à apropriação do bem móvel levando-o para sua casa, sendo certo que apropriar-se é fazer sua coisa alheia. 10 - Diz-se na d. decisão recorrida o seguinte: "É inegável que os arguidos têm o aludido tractor na sua posse e que têm vindo a recusar a sua entrega." Acrescentando-se também aí que: "Também se nos afigura suficientemente indiciado que os arguidos pretendem com esta sua conduta forçar o filho do assistentef E………., a pagar-lhes uma determinada quantia de que se acham credores e que aquele nega dever-lhes." 11 - Vem pois a propósito dizer aqui que o ofendido não desconhece que o direito de retenção pode legitimar a negativa da restituição. Contudo, e isto é que nos parece muito importante, o direito de retenção não pode in casu ser objecto de aplicação e muito menos ser argumento válido para não pronunciar os arguidos. 12 - É que, não está provado que o (eventual) devedor de qualquer quantia aos arguidos seja o ofendido. Aliás, tal facto, o de que o ofendido é devedor do que quer que seja aos arguidos, nunca foi invocado e muito menos provado por ninguém nestes autos. 13 - Daí que, para todos os efeitos, o aqui ofendido é e será sempre um terceiro em relação a (eventuais) dívidas de outrem, as quais desconhece, ofendido ao qual não podem ser cerceados direitos, nestes se incluindo direitos de propriedade, por eventuais comportamentos de outrem. 14 - Acresce que, os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de Instrução são reveladores de que, in casu, se impõe decisão diversa da recorrida, pelo que se pugna, depoimentos que aqui se invocam para todos os efeitos legais encontrando-se gravados em CD, tal como consta da acta de fls. 140 a 152 que apenas e desse modo os identifica. 15 - Face à prova produzida em sede de Instrução, é pois inconsistente a d. decisão proferida pela Ma Juiz a quo, dado existirem grandes indícios que permitam concluir pela existência de uma probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena. 16 - Porque contrários à prova produzida em sede de Instrução, não procedem pois os argumentos utilizados pela Mª Juiz a quo em sede de fundamentação da sua d. decisão de não pronúncia. 17 - Assim sendo, em obediência ao principio da legalidade, à concretização do art° 20 da Constituição da República Portuguesa e aos preceitos ln casu aplicáveis – artº 205 do CP, e artºs 283 nº 2 e 286, nº 1 do C.P.P., impõe-se pronunciar os arguidos com vista à concretização da Justiça, princípios que em conjugação com os demais aplicáveis, norteiam todo o Processo Penal. 18 - Logo, ao ter proferido d. decisão de não pronúncia, a Ma Juiz a quo violou os dispositivos supra citados, bem como os princípios referidos, pelo que deve a mesma decisão ser revogada, e substituída por outra que pronuncie os arguidos, com legais consequências, seguindo os autos seus ulteriores termos, assim fazendo V. Exas,. como sempre , a mais elevada JUSTIÇA!” *Apenas foi apresentada resposta pelo MºPº, que se manifestou no sentido da improcedência do recurso. O recurso foi admitido, não tendo a Srª. Juiz proferido despacho de sustentação.*O Exmº Procurador Geral Adjunto não se pronunciou apondo o seu Visto Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse havido resposta. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência. Cumpre decidir.*II FUNDAMENTAÇÃO É do seguinte teor o despacho de arquivamento proferido pelo MºPº: “Nestes autos D………. veio queixar-se contra B………. e esposa por causa de um certo tractor agrícola que estes últimos se recusam a devolver-lhe. Pretende o queixoso que o facto configuraria um crime de abuso de confiança. Porém, efectuado que foi o pertinente inquérito o que pensamos dever concluir é que, muito sumariamente, o sucedido não configura crime nenhum. Brevitatis causa, o que pensamos é que não se mostra que tenha sido ou seja ainda intenção dos arguidos fazer seu o tractor em causa, tal como exige o tipo criminal em causa - .artº 205º do Código Penal. Pelo contrário, o que resulta claro dos autos é que os arguidos se querem servir dele para forçar o queixoso a pagar-lhes uma certa quantia de que se acham credores. À partida isto poderia remeter-nos para o crime de extorsão p. E p. Pelo artº 223º do Cod. Penal. Mas também aqui não estão preenchidos os elementos típicos, pois este tipo criminal exige que o agente tenha procedido por meio de “violência ou de ameaça de mal importante”, o que não é o caso. Que não se trata de violência resulta claro, quanto mais não seja porque esta tem que se dirigir contra bens jurídicos pessoais e não patrimoniais. E que não se trata de uma ameaça com mal importante resulta do facto de não se tratar de nenhum mal futuro, como é próprio da ameaça, mas sim de um mal presente, embora constantemente renovado. Além disso, se é verdade que, como diz o arguido B………., a retenção é operada por causa de uma dívida resultante da reparação do próprio tractor, então o que se deve dizer é que este arguido age perfeitamente dentro da lei - Art.º 54° do Código Civil. Se isto não é verdade e a retenção é feita por conta da reparação de um outro veículo, como também se diz nos autos (fls.15 e 17), então o facto será ilícito, sim, mas não um ilícito de natureza criminal. Pelo exposto, parecendo-nos que o sucedido não configura nenhum crime, decido agora determinar o arquivamento dos autos ao abrigo do artº277° nº 1 do CPP. Notifique o queixoso e os arguidos”*São os seguintes os termos do requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente, na parte que ora nos interessa: “I-DOS FACTOS a) Da Queixa-Crime 6ºEm Fevereiro de 2008, em dia que o Assistente não consegue agora precisar, mas que foi seguramente em finais do mês, o seu filho E………. recebeu um telefonema do Arguido B………. . 7°Como Assistente e Arguido já se conhecem há mais de 10 (dez) anos, durante os quais mantiveram até relações comerciais, tomou este último a liberdade e iniciativa de contactar o Assistente a propor-lhe a realização de uma demonstração. 8ºTal facto não causou, na altura, qualquer estranheza ao Assistente, dado que é do seu conhecimento pessoal explorar o Arguido uma oficina mecânica de automóveis, em nome individual, sita no ………., em ………., Vila Real, na qual lida habitualmente com todo o tipo de maquinaria. 9°Assim, pretendia o Arguido fazer uma demonstração de uma máquina agrícola que, copulando-se ao tractor propriedade do Assistente, de marca Kubata, 3 cilindros, cor azul, laranja e branca, se destinaria a cortar mato e, portanto, sempre ajudaria o Assistente, pessoa com alguma idade e limitações físicas, nas suas fainas agrícolas. 10°Pelo que ficou combinado entre ED………., através do seu filho E………., e B………., que este último se deslocaria à quinta do Assistente em data a combinar, mas próxima à do contacto te1efónico, para realizar a dita demonstração e, querendo, virem a celebrar negócio de compra e venda.11ºAproveitando a ocasião, ficou ainda acordado que o Arguido, nessa sua deslocação, ficaria autorizado a levar consigo um veículo propriedade do neto do Assistente, uma autocaravana de matrícula ..-..-CS, que aquele não tinha reparado convenientemente, apesar de já pago o seu preço. 12ºOra, qual não é o espanto do Assistente quando, sem qualquer autorização nesse sentido, o Arguido se deslocou à sua propriedade, logo propriedade privada, sita em ………., ………., em Vila Real, e levou consigo o tractor melhor identificado em 9.°, 13ºBem como alguns acessórios agrícolas compostos de um atomizador de 100 litros, braços de apoio, terceiro ponto, "cardan" de transmissão, 12 cavilhas e mangueira de 50 metros, adquiridos pelo Assistente há dois anos, em Espanha, por intermédio da H……… . 14ºNum primeiro momento julgou o Assistente que o seu tractor e restantes acessórios haviam sido furtados por desconhecidos, mas depois tomou conhecimento de que os mesmos se encontravam, à sua revelia, na posse dos Arguidos. 15°Claro que de imediato confrontou o Arguido B………., tendo este se justificado dizendo que apenas se apropriou do tractor para poder, na sua oficina, instalar a máquina alvo da dita demonstração. 16ºContudo, a verdade é que não mais o restituiu até à presente data e isto apesar das inúmeras insistências que o Assistente tem vindo a fazer, seja por si ou através do seu filho e/ou restantes familiares chegados. 17ºPor inúmeras vezes, E………., filho do Assistente, se deslocou à residência, na qual funciona simultaneamente a oficina dos Arguidos, exigindo a restituição do tractor e demais acessórios, negando-se aqueles determinantemente a fazê-lo, 18ºChegando aqueles, num desses contactos, a afirmar que só procederiam à restituição dos bens do Assistente após o pagamento de € 600,00 (seiscentos euros), supostamente em dívida pela reparação da autocaravana do seu neto. 19ºAcresce que o Arguido fez seu o aludido tractor e acessórios, utilizando-os em proveito próprio e à vista de todos quanto o queiram presenciar, comportando-se como se seu dono fosse. 20ºOu seja, têm vindo os Arguidos a negar-se, sistematicamente, a restituir o tractor propriedade do Assistente, apesar de saberem que a sua conduta é ilegítima, portanto ilegal, já que por diversas vezes foram interpelados e alertados dessa ilicitude. 21ºO que, para além do prejuízo resultante da subtracção em si mesma da coisa, cujo valor comercial actual é de € 10.000,00 (dez mil euros), para o tractor, e € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), para os acessórios agrícolas, tem causado muitos outros, pois vê-se o Assistente impedido, há longos meses, de cultivar plenamente as suas terras. 22ºPelo exposto, outra solução não restou ao Assistente senão a de apresentar queixacrime contra os aqui Arguidos, esperando, como legalmente se impunha, outra decisão do Ministério Público. Senão vejamos, b) Das diligências de inquérito i) Das declarações das testemunhas indicadas pelo Assistente 23°Em sede de inquérito foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo Assistente, a saber E………., I………. e J………., respectivamente, filho, neto e nora daquele, 24°E cujas declarações, prestadas em 24 e 26 de Setembro de 2008, constam de fls. 14 a 20 dos presentes autos. 25ºDe forma sucinta, ambas as testemunhas confirmaram na íntegra o teor da queixa- crime, acrescentando, porque tal se revelava, com revela, essencial para a descoberta da verdade, que o Arguido tinha autorização da família para rebocar uma autocaravana de matrícula ..-..-CS, propriedade da testemunha I………., na qual havia aquele realizado um reparação que não ficou conforme o combinado. 26ºContudo, dizem as mesmas testemunhas, o Arguido em vez de levar o dito veículo, o único a necessitar de intervenções mecânicas, e aproveitando o facto de os portões da quinta do Assistente estarem abertos, levou antes o tractor e restantes acessórios agrícolas propriedade do Assistente, logo, à revelia do seu proprietário. 27ºQue, confrontados os Arguidos com a ilicitude da sua conduta, alegaram ambos que apenas restituiriam as coisas móveis do Assistente se este pagasse € 600,00 (seiscentos euros), alegadamente em dívida por reparações efectuadas na indicada autocaravana. 28ºEsclareceram ainda que, no próprio mês de Fevereiro, por altura do Carnaval, o tractor do Assistente havia sido sujeito a uma revisão mecânica pelo próprio vendedor, que fez uma verificação geral do mesmo, substituiu a sua bateria, deixando-o, dessa forma, como novo e a funcionar perfeitamente, pelo que jamais se justificaria que o Arguido o levasse para a sua oficina. ii) Das declarações dos Arguidos 29°Pois bem, correndo inquérito contra pessoas determinadas, em meados de Setembro de 2008, B………. e C………., foram notificados para comparecerem nas instalações do Posto da Guarda Nacional Republicana de Vila Real, 30°O que ocorreu no dia 26 de Setembro de 2008, pelas 14h00, onde foram então constituídos como Arguidos e para, querendo, prestarem nessa qualidade declarações. 31°Tendo prescindido de constituir Advogado ou de solicitar a nomeação de um defensor, deu-se início ao interrogatório não judicial com a leitura dos factos que lhes estavam a ser imputados e, estranhamente, diga-se, das declarações das três testemunhas indicadas pelo Assistente. 32°Sucede que após ter sido dado a conhecer aos Arguidos todo ° ocorrido, até então, no processo de inquérito, estes requereram junto do Soldado encarregue da inquirição – K………., Soldado n,º … - a suspensão de tal diligência. 33°Assim, apenas em 10 de Outubro de 2008 foi retomada a inquirição do Arguido B………., não compreendendo, no entanto, o Assistente por que motivo tal interrupção não ficou devidamente registada em auto. 34ºPortanto, tendo sensivelmente 14 (catorze) dias para preparar as suas declarações, negou o Arguido os factos que lhe estavam a ser imputados, invencionando, por outro lado, que o tractor foi efectivamente transportado por si da quinta do Assistente para a sua oficina em ………., ………., 35ºQue tal terá ocorrido em meados de Maio de 2008, o que é falso, 36ºQue terá sido o próprio filho do Assistente que o ajudou a colocar o tractor no reboque, uma vez que aquele não podia andar pelos próprios meios, o que é duplamente falso, 37ºQue foram solicitadas reparações no tractor e encomendada uma alfaia bio-triturador, o que é falso, 38ºQue o filho do Assistente, a suposta pessoa a solicitar tais intervenções, apesar de ter combinado deslocar-se à oficina do Arguido, sita, como o próprio indica, na ………., ………., em Vila Real, não compareceu na data acertada, o que é falso, 39ºQue, em virtude de o Assistente não ter procedido ao pagamento das reparações efectuadas no tractor e pagar a alfaia supostamente encomendada, o Arguido, através da sua mandatária, enviou duas missivas dirigi das ao filho daquele, o que é falso. 40°Ou seja, tentou o Arguido encobrir a sua conduta delituosa com a invenção de um suposto crédito sobre o filho do Assistente e, dessa forma, tomar-se legítimo um direito de retenção sobre a coisa. 41°Contudo, a história ora criada pelo Arguido vai ganhando novos contornos e, igualmente, fragilidades à medida que este lhe vai adicionando novos capítulos, em reacção improvisada às providências judiciais posteriormente tomadas pelo Assistente. c) Da providência cautelar apresentada pelo Assistente neste mesmo Tribunal 42°Atendendo a que nos presentes autos foi realizada a apreensão do tractor sub judice e que, quase de imediato, foi o mesmo entregue novamente aos Arguidos, optou o Assistente por apresentar, paralelamente, procedimento cautelar comum com vista à sua restituição. 43°Curiosamente, a versão dos factos apresentada pelos Arguidos na sua Oposição discordam significativamente das suas declarações prestadas a fls. 21 a 23 dos presentes autos, como se demonstrará - cfr. Doe. n.º 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 44ºDesde logo, não corresponde à verdade ter o Assistente solicitado reparações no tractor melhor identificado em 9.°, nem tão pouco que o mesmo, no mês indicado pelo Arguido a fls. 22 dos autos, não trabalhasse ou andasse pelos próprios meios. 45ºComo já referido, poucos dias antes de o Arguido ter, sem qualquer autorização do único e legítimo proprietário, retirado o tractor da quinta do Assistente, o que efectivamente sucedeu em meados de Fevereiro de 2008, este bem móvel havia sido alvo de uma revisão geral, onde foi inclusivamente colocada uma nova bateria. 46ºTal revisão foi realizada pelo próprio vendedor do tractor, o Senhor L………., com a ajuda do Senhor M………., os quais poderão, cabal e imparcialmente, atestar o bom estado de conservação, utilização e funcionamento do mesmo. 47ºPor outro lado, justifica ainda o Arguido a apropriação da coisa pelo suposto não pagamento de uma alfaia. 48ºEm momento algum encomendou o Assistente um bio-triturador ou qualquer outra alfaia agrícola ao Arguido, falhando, desde logo, um dos pressupostos para que possa existir um negócio jurídico de compra e venda, bilateral por natureza, pois para haver venda terá que haver quem queria ou solicite a compra, 49ºNem tão pouco foi o Assistente interpelado para o seu pagamento. 50°E não deixa de ser curioso, bem como indiciário do comportamento delituoso dos Arguidos, o facto de o filho do aqui Assistente, e não o Assistente como único e legítimo proprietário do tractor, ter recebido, após a apresentação da queixa-crime, uma carta a interpelar para o pagamento da dita reparação. 51°A referida interpelação, registada com aviso de recepção, apesar de dirigida a E………, foi remetida para a residência do Assistente e na qual é dito o seguinte: "2º e último aviso ( ... ) Assunto: c/ N………., Lda, sita em Vila Real. Pagamento da reparação efectuada em um tractor e que proceda ao levantamento da mesma. (. .. ) Encarrega-me a minha representada acima indicada de cobrar de Vfl Ex" a quantia de 3.600,00€ referente à reparação de uma viatura (tractor) e que até á presente data de se encontra por liquidar, a que acrescem juros de mora à taxa legal até total e efectivo pagamento e que neste momento se cifram em 60,00 €. Mais informo que, conforme notificação anterior, como o pagamento não ocorreu até ao dia 12 de Julho, e Vª Eª também não procedeu ao levantamento da mesma, está-lhe a ser cobrado o valor diário de 15,00 € e pela recolha da mesma até total e integral pagamento e que neste momento ascende já à quantia de 900,00€." - Cfr. fls. 27 e 28 dos autos. (O destaque é nosso) 52ºEsta carta encontra-se datada de 15 de Setembro de 2008, foi remetida em 19 de Setembro de 2008 e recepcionada 22 de Setembro de 2008, portanto, em data posterior à apresentação de queixa-crime e após o conhecimento do seu conteúdo pelos Arguidos. 53ºOra, como o conteúdo desta carta não é verdadeiro, nem até então tinha sido solicitado qualquer pagamento ao Assistente ou ao filho deste, muito menos a quantia de € 3.600,00 (três mil e seis centos euros) a título de reparações e juros de mora sobre a totalidade dessa quantia - atente-se que, em momento algum, é referida a dita alfaia, 54ºEnviou o filho do aqui Assistente, por ter sido o destinatário de tal missiva, uma comunicação escrita em resposta àquela, através de carta registada com aviso de recepção, dizendo o seguinte: "Chaves 7 de Outubro de 2008 Só na presente data, me foi entregue a carta mencionada em epigrafe, dado estar incorrecto nome e morada, sendo a expressa em cabeçalho, mas, passo a responder: 1. Não conheço afirma N………., Lda. 2. Consequentemente, não celebrei qualquer contracto, de qualquer espécie, com a dita empresa, directa ou por entreposta pessoa. É expresso na dita carta ser esta o "r e último aviso", pelo que, supostamente, terá havido um "10 aviso". Fazendo fé na veracidade do exposto por V Ex"; já que, se assim o não considerasse, outra interpretação, logo outro tratamento, consequentemente outro encaminhamento teria de dar à sua carta, solicito-lhe: Cópia do "1° aviso". Prova de envio e recepção do mesmo. Aproveito, para lhe solicitar que corrija no seu sistema informático o meu nome, pois não é E1………., mas sim E………., e a minha morada.". - Cfr, Doc. n.º 2, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 55ºTal comunicação, apesar de remetida em 09 de Outubro de 2008 e efectivamente recepcionada pelo destinatário em 10 de Outubro de 2008, nunca mereceu resposta - efr. Doe. n.º 3, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 56°Ou melhor, obteve o remetente uma resposta, mas apenas através da Oposição ao procedimento cautelar comum apresentado pelo Assistente contra os aqui Arguidos, onde surge pela primeira vez o suposto 1.0 aviso, datado de 04 de Julho de 2008, 57ºE, pasme-se, enviado por correio normal, ou seja, cuja prova do seu envio e recepção não conseguem os Arguidos realizar, já que tal havia sido solicitado pela comunicação referida em 54.0 - efr. Doe. n." 2. 58ºMais uma vez, nessa imaginada missiva não é feita referência à dita alfaia que o Assistente terá, na versão do Arguido, encomendado e não quis depois pagar. 59ºPois bem, perante a ilicitude das suas condutas e depois de confrontados com a queixa-crime apresentada pelo aqui Assistente, juntamente com as declarações prestadas pelas testemunhas supra identificadas, tiveram os Arguidos 14 (catorze) dias para arquitectarem uma justificação para as mesmas. 60ºAssim, é na Oposição ao procedimento cautelar comum apresentado que aditam novos factos à versão apresentada nos presentes autos, muitos dos quais são até contraditórios. 61ºPela primeira vez é chamada à colação uma sociedade comercial, a "N………., Lda.", como tendo sido esta a pessoa jurídica responsável pela dita reparação. 62ºSe nas declarações prestadas a fls. 22 dos presentes autos o Arguido B………. refere que " ... em data que não pode precisar, mas que julga ter sido em meados do mês de Maio do ano de 2008, o E………. compareceu na oficina que o ora arguido possui no ………., ………., Vila Real, solicitando-lhe que mandasse vir uma alfaia denominada bio-triturador para aplicar no seu tractor e, ainda, proceder á reparação do mesmo tractor.", (O destaque é nosso) 63ºNa Oposição agora junta sob o Documento n.º 1, esse mesmo Arguido, agora na qualidade de Requerido, afirma que afinal intervém na qualidade de sócio gerente da sociedade referida em 59.°, com sede na Rua ………., n.º .., em Vila Real, onde o filho do Assistente se terá dirigido. 64°Mais urna vez tais factos não correspondem à verdade, pois a oficina indicada pelo Arguido, sita na Rua ………., n.º .., em Vila Real, há muito que se encontra encerrada, 65°O que é facilmente visível aos olhos de quem por lá passa, por se situar numa das principais artérias da cidade de Vila Real - cfr. Doe, n.º 4, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 66ºAinda, é na mesma Oposição que, pela primeira vez, se alude e juntam duas facturas com os números 593 e 594, datadas de 02 de Julho de 2008, como dizendo respeito a Vendas a Dinheiro - cfr. Doe, n.º 5, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 67°E a justificação para essas mesmas vendas a dinheiro é agora manifestamente oposta à aduzida em sede de inquérito, a fls. 21 a 23 dos presentes autos, pois nestas é dito pelo Arguido B………. que "... após a reparação e a colocação da alfaia que ele encomendara contactou o E………. para o levantar da sua oficina e proceder à liquidação do montante envolvido no negócio. Que, pese embora tenha sido contactado para este efeito, conforme foi referido, o E………. nunca ali compareceu. Que, por esta mesma razão o ora arguido, viu-se na necessidade de procurar resolver este problema com recurso a advogada.". (O destaque é nosso) 68ºDiversamente, refere na Oposição deduzida ao procedimento cautelar comum apresentado pelo Assistente, artigo 11.°, que "no dia 02 de Julho do corrente ano, já após a conclusão dos serviços contratados, o senhor professor E………., dirigiu-se ás instalações daquela sociedade, e após constatar que o tractor se encontrava reparado e finalizados todos os serviços solicitados, propondo-se realizar o pagamento integral de imediato, forneceu o seu NIF, convencendo o requerido, em nome da sua sociedade, a emitir-lhe uma venda a dinheiro.". (O destaque é nosso) 60ºPergunta-se: afinal, em que momento, se é que houve algum, estão os Arguidos a falar a verdade? 61ºPara efeitos do presente processo, defendem-se os Arguidos com a existência de uma suposta dívida pelo Assistente, resultante de reparações efectuadas no tractor indevidamente apossado por aqueles e que este, porque não compareceu na oficina para pagar, apesar de contactado, estaria a sofrer um direito de retenção legítimo sobre a coisa.71ºMas, para efeitos de defesa no procedimento cautelar e porque não tinham forma de comprovar uma dívida que na realidade não existe, outra alternativa não restou aos aqui Arguidos senão a de invencionar uma venda a dinheiro, onde então já compareceu o filho do Assistente - cfr. Doe. n.? 1, artigos 11.° e 12.°. 72°Contudo, e porque a mentira tem perna curta, esqueceram-se os Arguidos que era impossível essa deslocação do filho do Assistente, uma vez que este se encontrava acamado e de, pelos seus próprios meios, se deslocar. 73°E………., filho do aqui Assistente, padece de um problema sério no joelho, o que nos últimos meses o tem impedido de fazer uma vida normal e sem limitações, tendo sido submetido a uma operação cirúrgica no dia 09 de Julho de 2008, ou seja, somente 07 (sete) dias após a sua suposta deslocação à oficina da "N………., Lda.". 74°Desde 28 de Novembro de 2007 que o dito senhor sofre de uma incapacidade parcial, que se tomou absoluta em 05 de Maio de 2008, momento desde o qual se viu mesmo impossibilitado de exercer a sua profissão - cfr. Does. n.os 6, 7, 8 e 9, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para legais efeitos. 75ºComo se poderá constatar pela leitura do Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, no período entre 30 de Junho a 09 de Julho de 2008, o filho de Assistente esteve incapacitado de se deslocar, já que a sua "A doença implica a permanência no domicílio", tendo o médico acrescentado à mão "Acamado - a aguardar cirurgia urgente ao joelho direito" - cfr. Doc. n.º 8. 76ºLogo, é falso que no dia 02 de Julho de 2008 E………. se tenha deslocado à oficina dos Arguidos, não correspondendo, portanto, também à verdade, o vertido nas facturas n.º 593 e 594, apesar de o Assistente compreender a necessidade de tão rebuscada narrativa. 77ºAtendendo a que a sociedade comercial "N………, Lda." está abrangi da pelo regime trimestral do IV A, as facturas dos serviços prestados ao Assistente, a existirem, teriam forçosamente que fazer parte da relação do IVA do 2.° trimestre, entregue até 15 de Agosto. 78ºComo a defesa dos Arguidos passou por criarem uma dívida para, então, justificarem um direito de retenção sobre o tractor descaminhado, e como já não se mostrava possível a emissão de facturas que, pela sua natureza, têm obrigatoriamente que ser contabilizadas de forma nominativa e mencionadas em conta própria de terceiros da classe «21», na contabilidade, 79ºÀ data do presente processo e do procedimento cautelar comum outro caminho não podia ser seguido pelos Arguidos senão o de emitirem Vendas a Dinheiro que, pela sua natureza, não têm descrição individual na contabilidade, fazendo parte de um lote com uma conta genérica de caixa da classe «Ll». 80°Assim, só um documento desta natureza - Venda a Dinheiro - poderia, na data em que têm os Arguidos de responder nos presentes autos e nos de Procedimento Cautelar n. ° …./08.8TBVRL, que corre termos no ..º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, ser enxertado na sua contabilidade. 81°Pelo que seria importante, a bem da descoberta da verdade material, verificar a sequencialidade das Vendas a Dinheiro operadas pelos Arguidos e registadas na sua contabilidade. 82°Factos e circunstâncias supra expostas que, formando um todo consistente, demonstram a inexistência de qualquer dívida do Assistente para com os Arguidos e que o objectivo destes sempre foi o de se apropriar de bens que não lhes pertencem, 83°Tentando, perante o socorro dos meios de resolução judicial pelo Assistente, criar uma 'desculpa' que os isentassem de responsabilidades cíveis e, sobretudo, criminais. 84ºPor último, sempre se diga que o Arguido foge à verdade até quando omite ou nega mesmo ter tido, no passado, relações comerciais com o Assistente D………., ainda que por interposta pessoa - cfr. fls. 22 dos presentes autos. 85º Ora, não podem os Arguidos ignorar que venderam ao aqui Assistente, a título de exemplo, por € 2.220,00 (dois mil duzentos e vinte euros), uma moto-enchada, sendo que foi o próprio Arguido marido que com ele andou uma manhã a explicar-lhe o seu funcionamento, bem como muitos outros equipamentos - cfr. Doc. n.º 10, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. o que provavelmente o Arguido quereria dizer é que essas transacções, apesar de devidamente pagas pelo Assistente, cujos comprovativos ainda conserva na sua posse, nunca foram precedidas de qualquer factura e recibo, como legalmente se impõe. 87ºAlém de que tais relações comerciais sempre tiveram lugar com o Arguido, em nome individual, desconhecendo o Assistente a existência da sociedade "N………., Lda." e a dita oficina sita na Rua ………., n.º .., na cidade de Vila Real, 88°Pelo que, quando teve necessidade de se deslocar à oficina do Arguido, o Assistente fê-lo indo até à ………., em ………. - cfr. Doe. n. ° 11, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. II- DO DIREITO Pelo exposto e salvo sempre melhor entendimento em contrário, entende o aqui Assistente estarem reunidos todos os pressupostos objectivos e subjectivos do tipo de crime previsto e punido pelo artigo 205.° do Código Penal.90°Verifica-se que, apesar da rebuscada versão composta pelos Arguidos, a qual já se demonstrou não corresponder à realidade, logo, à verdade, apropriaram-se aqueles, de forma ilegítima, de um tractor de marca Kubata, 3 cilindros, cor azul, laranja e branca, sem matrícula, e de vários acessórios agrícolas, compostos de um atomizador de 100 litros, braços de apoio, terceiro ponto, "cardan" de transmissão, 12 cavilhas e mangueira de 50 metros, 91°O que vem sucedendo desde meados de Fevereiro de 2008, data a partir da qual, em vez de transporem a propriedade do Assistente para levarem a autocaravana do seu neto para reparar, levaram antes, sem autorização ou solicitação nesse sentido, o aludido tractor e restantes equipamentos, que têm vindo a deter em nome alheio. 92ºSendo que, em bom rigor, a conduta dos Arguidos preenche igualmente o tipo de ilícito previsto nos artigos 203.0 e seguintes do Código Penal. 93ºFacto é que agiram os Arguidos com dolo, pois para além de terem actuado, num primeiro momento lógico, com uma intencionalidade exclusivamente virada para a (des)apropriação, seguiu-se imediatamente outra no sentido da apropriação das coisas móveis propriedade do Assistente. 94ºIntenções que tentaram escamotear com uma suposta dívida, mas que não as conseguiram apagar. III- DOS DANOS 95ºAssim, de há dez meses a esta data, o Assistente não só se viu privado de bens móveis, cujo valor comercial actual é de € 10.000,00 (dez mil euros), para o tractor, e € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) para os restantes acessórios agrícolas, como tem sido impedido de se deslocar e realizar os trabalhos agrícolas nas suas propriedades, com todos os danos patrimoniais daí decorrentes, que se agravam de dia para dia. 96ºO Assistente é produtor de batata, cereja, frutos diversos, vinho e mel, sendo com o tractor e equipamentos melhor identificados supra que realiza os trabalhos nas vinhas, nas árvores de fruto e lavra os seus terrenos. 97ºAtendendo ao número de meses que tem sido privado do uso do tractor e restantes acessórios agrícolas, logo impedido que está de trabalhar nas suas culturas, os prejuízos sofridos pelo Assistente já ascendem aos € 20.000,00 (vinte mil euros). 98°Sem o tractor e demais acessórios agrícolas viu-se o Assistente impedido de lavrar os terrenos e, em especial, de os preparar para o cultivo de batatas, milho e vinho, bem como de diversificados legumes, como couves, alfaces, cenouras, pimentas, tomates, cebolas, beterraba, morangos, etc. 99°Sem tais legumes e já às portas do Inverno, os animais como coelhos, galinhas, patos, perus, irão padecer à fome, perdendo-se assim outra fonte de rendimento e de sustento do Assistente. 100°Neste ano e no próximo, o Assistente deixará de produzir 1000 kg de batata, 750 kg de milho, 06 pipas de vinho, 800 kg de mel, como é habitual, por não ter podido lavrar e semear as terras, tendo-se socorrido da generosidade de terceiros para poder plantar uma pequena parcela para consumo próprio. 101°Outras das principais culturas do Assistente são as vinhas, sendo que na presente data uma vinha inteira já se encontra perdida, por não ter recebido o tratamento devido, e este ano outras ficaram por vindimar, pois era com o tractor sub judice que se deslocava pelas vinhas e acertava as uvas para o lagar, 102ºPerda que se verificou igualmente na área do mel, pois o Assistente possuía cerca de 60 (sessenta) colmeias e, na ausência do seu tractor, não pôde levanta-las, transportá-las, desinfectá-las e retirar o mel. 103ºAssim como não lhe foi permitido pulverizar as inúmeras árvores de fruto que tem na sua quinta, sendo que 14 (catorze) delas já secaram. 104ºOu seja, prejuízos que se vão acumulando a cada dia que passa, comprometendo irremediavelmente o presente e o próximo ano agrícola, com consequências nefastas para os campos e para as vinhas, já irrecuperáveis, e, consequentemente, para o Assistente, já que é destes que retira a sua principal fonte de sustento. 105ºPelo exposto, cometeram os Arguidos um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 205.° do Código de Processo Penal, verificando-se existirem fortes e suficientes indícios da sua prática pelos mesmos. 106ºImpõe-se, ainda, a apreensão imediata do tractor e acessórios agrícolas ilegitimamente apropriados pelos Arguidos, e a sua restituição ao seu único e legítimo proprietário, a qual deverá ser realizada sem qualquer aviso prévio, visando impedir a deturpação de provas, se é que tal já não sucedeu. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer a v: Ex.a que: a) Seja declarada aberta a instrução; b) Sejam tomadas as declarações às testemunhas abaixo indicadas; c) Seja apreendido o tractor e acessórios agrícolas melhor identificados nos artigos 9.° e 13.° deste requerimento e consequente restituição ao seu proprietário, o aqui Assistente; d) Que, a final, B……… e C………., sejam pronunciados pela prática do crime de que estavam acusados ou, como previsto por lei, por melhor qualificação jurídica que v: Ex.a determinar.”*E é do seguinte teor a decisão instrutória objecto de recurso: “Declaro encerrada a instrução. Inexistem nulidades, excepções ou questões prévias, que cumpra conhecer. *Inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio o assistente D……… requerer a abertura de instrução, alegando, em síntese, que existem nos autos indícios suficientes da prática pelos arguidos de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo art. ° 205° do Código Penal. Efectuaram-se as diligências instrutórias consideradas pertinentes. Em tempo oportuno, realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo. Cumpre agora apreciar. *Pretende o assistente que os arguidos sejam pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo art.? 205°, do Código Penal, pelo facto de se recusarem a devolver-lhe um tractor de sua propriedade e do qual, na sua versão, se apoderaram sem o seu consentimento. O crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente, que recebeu a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir animo domini. Essa inversão do título deve ser demonstrada por actos objectivos reveladores de que o agente está a dispor da coisa como se sua fosse. Trata-se de um crime de realização intencionada, comportando já a valoração objectiva de um fim ou de uma intenção do agente - intenção de apropriação de coisa alheia. No caso em análise, quer da prova produzida em sede de inquérito, quer daquela que se produziu nesta instrução, não resulta minimamente indiciada esta intenção de apropriação de coisa alheia por parte dos arguidos, e designadamente, que os mesmos tenham passado a agir como donos do tractor em questão. É inegável que os arguidos têm o aludido tractor na sua posse e que têm vindo a recusar a sua entrega. Também se nos afigura suficientemente indiciado que os arguidos pretendem com esta sua conduta forçar o filho do assistente, E………., a pagar-Ihes uma determinada quantia de que se acham credores e que aquele nega dever-Ihes. Ora, a eventual ilegalidade da retenção levada a cabo pelos arguidos é uma questão do foro civilístico, sem qualquer relevância criminal, designadamente no que concerne ao tipo de ilícito que o assistente pretende imputar aos arguidos. Não podemos esquecer que a instrução "visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento" - art. o 2860 n.º 1 do C. P. Penal. Assim, nesta fase, o que está em causa é verificar se há indícios que permitam concluir pela existência de uma "possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança" - art. o 2830 n.o 2 do mesmo diploma legal. Tendo em conta as gravosas consequências da simples sujeição de alguém a julgamento, exige-se que a acusação e a pronúncia assentem numa alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou de, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que absolvição - cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/10/93, C.J. VIII, IV. P. 261 a 263. No caso vertente não se constata essa "possibilidade razoável" ou uma probabilidade mais forte de condenação dos arguidos do que de absolvição. *Face ao expendido supra, decido não pronunciar os arguidos B………. e C………. . Condeno o assistente no pagamento de três UCs de taxa de justiça, nos termos do art.º 5150 n.º 1, alínea a) do CPP. *Custas pela assistente, fixando a taxa de justiça em três (3) U.C.-*Notifique.” O Direito O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso. E assim no caso em apreço a questão suscitada pelo recorrente reside na existência nos autos de indícios suficientes para submeter os arguidos a julgamento pela prática do crime de abuso de confiança, ou até como se poderá extrair da respectiva motivação do recurso pelo do crime de furto, sendo que a pronúncia pela prática deste último não equivaleria a uma alteração substancial dos factos, mas a mera alteração da sua qualificação jurídica. Configura-se assim, embora o recorrente não invoque, o chamando vício de erro notório de apreciação de prova. (artº 410º nº 2 al. c) do Cod. Proc. Penal) Antes de verificarmos se se verifica a invocada suficiência de indícios, tenhamos em atenção a questão no quadro legal atinente. As finalidades da instrução estão expressas no nº 1 do art. 286º do C.P.P. (deste diploma serão os preceitos adiante citados sem menção especial): a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar ou inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento[2]. Nessa tarefa, e devido à estrutura acusatória do processo, “o juiz de instrução está vinculado (…) aos termos da própria acusação ou do requerimento instrutório do assistente”[3], quer uma, quer o outro, já deduzidos nos autos. A prolação de despacho de pronúncia depende - para além da “existência dos necessários pressupostos processuais e demais condições de validade para que o tribunal possa conhecer em julgamento do mérito da acusação”[4], - da recolha, até ao encerramento da instrução de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Para efeitos de pronúncia, o conceito de indícios suficientes é o que vem enunciado no nº 2 do art. 283º, aplicável por determinação expressa do nº 2 do art. 308º: são aqueles dos quais resulta uma possibilidade razoável[5],[6] de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança[7]. O juízo comprovativo cometido ao juiz de instrução[8] não se confunde com o julgamento da causa; a aferição dos indícios faz-se em função das probabilidades de o feito, uma vez levado a julgamento, vir a possibilitar uma decisão condenatória. Por isso, o grau de exigência quanto à consistência e verosimilhança dos indícios é menor do que aquele que é imposto ao juiz do julgamento, sem, no entanto, se prescindir de um juízo objectivo e apoiado no acervo probatório recolhido nos autos. Da análise dos autos e atento os depoimento prestados e documento juntos aos autos ressalta que: O arguido B………. tem na sua posse e com o conhecimento da sua mulher, a arguida C………., um tractor de marca Kubata, 3 cilindros, cor azul, laranja e branca, se destinaria a cortar mato. Este tractor encontrar-se-ia na quinta propriedade do Assistente/recorrente D………., sendo que o mesmo era utilizado pelo filho daquele E………. . O arguido que tem uma oficina, teria anteriormente arranjado uma autocaravana do filho do E………. . Apesar das várias insistências por parte do E………., do filho e mulher deste junto dos arguidos, estes têm vindo sempre a recusar a entrega do referido tractor enquanto não lhes for paga uma dívida de que aqueles eram devedores. Esta dívida, segundo os arguidos decorreria do arranjo que o tractor foi alvo e de uma biotrituradora que de propósito fora encomendada para aquele tractor. Segundo o E………., a sua ex-mulher G………. e o filho I………. a o arguido reclamava o pagamento de uma dívida relacionada com os arranjos da autocaravana, negando que o tractor alguma vez tivesse necessidade de ser reparado. No que se refere à trituradora o E………. refere que o que ficou combinado fora que o arguido lhe fizesse primeiro uma demonstração, e caso a mesma fosse satisfatória iria comprá-la para a oferecer ao seu pai como presente. Mais se apura que enquanto o arguido refere que foi efectivamente buscar o tractor à quinta do Assistente com a ajuda do próprio E………. que lhe abriu os portões, este refere que foi o arguido que apareceu na quinta e sem autorização e consentimento levou o tractor, e que mais tarde quando confrontado com tal facto, o arguido justificou-se que para colocar a peça no tractor teria que o levar para a sua oficina. Do depoimento do E………. resulta que o tractor ficou com o arguido com o seu conhecimento até que em Junho procurou junto do arguido reavê-lo, tendo este recusado invocando uma dívida de 600,00 pelos arranjos da autocaravana do seu filho que se encontrava por pagar. O assistente conforme se depreende do depoimento do E………. não teve conhecimento dos factos, pois só mais tarde e perante a permanente recusa do arguido em entregar o tractor, é que decidiu contar ao pai o que se passava. O arguido refere que para si o tractor sempre considerou o tractor como pertencente ao arguido, que nunca o utilizou e que entregará quando a dívida for paga e cujo valor é de € 3.600,00. Sendo este os factos nucleares, obrigatório se torna concluir no sentido da decisão recorrida, ou seja que não existem indícios suficiente para integrar os ilícitos criminais cuja prática a recorrente imputa aos arguidos[9]. Nos termos do artº 205º nº 1 CP, são requisitos do crime de abuso de confiança: - a apropriação ilegítima - de coisa móvel - entregue por título não translativo de propriedade. Quer isto dizer que no crime de abuso de confiança a coisa não é subtraída a outrem pelo agente do crime, como sucede no caso do furto, mas entra no seu poder validamente, por título não translativo da propriedade, dando-lhe contudo um destino diferente daquele para que lhe foi confiada, dispondo dela como se fosse sua, ou seja com o propósito de não a restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, passando a agir animo domini. O crime de abuso de confiança traduz-se numa apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio. Daqui resulta que o crime de abuso de confiança, tal como o crime de furto, é um crime patrimonial pertencente à subespécie dos crimes contra a propriedade; tem como objecto de acção, tal como o furto, uma coisa móvel alheia; e, ainda como o furto, revela-se por um acto que traduz o mesmo conteúdo substancial de ilicitude, uma apropriação, No caso do crime de abuso confiança para além da apropriação, torna-se ainda indispensável que o agente tenha detido a coisa (que a coisa «lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade», como claramente se exprime o art. 205º-1). Pressupõe-se neste ilícito uma entrega e recebimento lícitos de uma coisa móvel por título que não implique transferência de propriedade nem justifique a apropriação, mas antes obrigue à restituição ou a um uso ou fim determinado. Efectivamente, sem a entrega nos termos referidos, estaremos no domínio possível do furto Neste, a coisa, passa para por subtracção, isto é, sem vontade do detentor, para o poder do agente; no ilícito em apreço a coisa não é subtraída, mas entregue: é confiada ou posta à disposição do agente do crime, por vontade do detentor. Acresce ainda que se torna essencial que a coisa móvel objecto do crime de abuso de confiança tenha sido previamente entregue, por título não translativo da respectiva propriedade, ao agente do ilícito. Como referem Simas Santos e Leal Henriques, para que se verifique este elemento basta que o agente esteja investido de um poder sobre a coisa que lhe dê a possibilidade de a desencaminhar ou dissipar, não sendo necessário um prévio acto material de entrega do objecto.[10] Finalmente a aludida actuação do agente animu domini, carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que ele já estar a dispor da coisa como se fosse sua. Neste sentido, escreveu-se no Ac. da R.P., de 24 de Maio de 1995, in CJ, Ano XX, Tomo III, pág. 262, que, continuando a coisa em poder do agente, não tendo por ele sido alienada ou consumida, a simples negativa de restituição ou omissão de emprego para determinado fim não significa, necessariamente, apropriação ilegítima, pois que a inversão do título de posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse. De igual modo refere José António Barreiros, in Crimes contra o Património, pág. 110, que o evidenciar-se que o agente alienou, onerou, destruiu ou danificou deliberadamente a coisa que estava em seu poder são factos objectivos que evidenciam a apropriação relevante para caracterizar o abuso de confiança. Na mesma senda, aliás, se escreveu no Ac. do STJ, de 10 de Janeiro de 2002, in CJ/STJ, Ano X, Tomo I, pág. 162: “O crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente que receba a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir animo domini, devendo, porém, entender-se que a inversão do título da posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse”. Ora no caso em apreço, dúvidas não existem que os arguidos detêm a posse do tractor, negando-se à restituição do mesmo. Falta porém o elemento apropriação ilegítima. Para que esta exista conforme supra se referiu, necessários se torna que o agente pratique actos como seu proprietário fosse, fazendo entrá-la no seu património, dispondo dela como coisa sua. Ou seja, não tem qualquer propósito de a restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, ou sabendo que não mais o poderia fazer[11] No entanto, a mera negação de restituição não significa necessariamente que a apropriação seja ilegítima. Conforme refere Nelson Hungria para que a apropriação indevida se verifique torna-se necessário que a mesma seja procedida ou acompanhada de circunstâncias que inequivocamente revelem o arbitrário “animus rem sibi habendi”, ou que não haja, de todo, qualquer fundamento legal ou motivo razoável para a recusa[12] E precisamente o direito de retenção pode legitimar a negativa de restituição pode legitimar a negativa de restituição. O mesmo se diga quando o agente revela uma intenção de restituir, no prazo e nas condições que juridicamente considera devidas[13] Ora conforme as próprias testemunhas do Assistente referem, os arguidos sempre declararam que caso a divida lhes fosse paga, devolveriam o tractor. Ou seja, nunca existiu por parte dos arguidos qualquer intenção de apropriação do tractor, sendo que a sua posse era do conhecimento do E………. que sabendo a autorizou, como se depreende quer da sua versão quer da versão do arguido. Este último referiu que sempre teve o tractor como pertencente ao E………. e que foi este que o ajudou a transportá-lo da quinta para o seu reboque a fim de o transporta para a oficina. O E………., apesar de referir que o arguido o retirou sem o seu consentimento da quinta, e após o arguido lhe ter comunicado que se encontrava na sua oficina por só assim poder colocar uma peça, terá aceite tal e como tal autorizado que o tractor se mantivesse na posse daquele. Aliás tal atitude não é de estranhar, pois o E………. estando interessado na proposta do arguido em colocar no tractor um corta mato, seria lógico que não impedisse o transporte daquele para a oficina se tal se mostrasse indispensável para a montagem em questão. No dizer desta testemunha (conforme depoimento prestado em instrução) quando os “tempos foram passando” e não havia notícias do arguido é que procurou este, deparando-se então com a exigência de pagamento da dívida, e em virtude de não ter sido possível chegar a um acordo, levou a que desse conhecimento aos seu pai, Assistente nos autos o qual veio apresentar a queixa que originou os presentes autos. Assim e conforme se refere na decisão recorrida, “a eventual ilegalidade da retenção levada a cabo pelos arguidos é uma questão do foro civilístico, sem qualquer relevância criminal, designadamente no que concerne ao tipo de ilícito que o assistente pretende imputar aos arguidos.” Não existindo a intenção de apropriação do tractor por parte dos arguidos, estará como é óbvio afastado não só o crime de abuso de confiança como o de crime de furto, por falta do elemento subjectivo de dolo. Nada impedirá como é óbvio que em sede civil, se discuta da validade, existência e tipo de negócio jurídico efectuado entre o Assistente, ou o filho E………. e os arguidos e subsequentemente da legalidade da retenção, matérias essas no entanto que não têm cabimento no foro criminal, por inexistência de indícios bastantes da prática de um crime. Em conclusão: não existem nos autos indícios suficientes da prática pelos arguido do crime de abuso de confiança, ou mesmo do crime de furto p. e p. respectivamente pelos art.s 205º nºs 1 e 203º nº 1 do Cod. Penal *III DECISÃO Pelo exposto, os Juízes desta Relação julgam improcedente o recurso e, em consequência, mantêm a decisão instrutória recorrida. Vai o recorrente condenado em 3 UCs de taxa de justiça (tomando-se em conta o apoio judiciário concedido) (processado por computador e revisto pelo1º signatário- artº 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal) Porto, 2 de Dezembro de 2009 Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas Luís Augusto Teixeira ________________________ [1] cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada. [2] “A instrução – importa acentuar – não é um novo inquérito, mas tão-só um momento processual de comprovação; não visa um juízo sobre o mérito, mas apenas um juízo sobre acusação, em ordem a verificar da admissibilidade da submissão do arguido a julgamento com base na acusação que lhe é formulada.” Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado e comentado, 12ª ed., p. 572. [3] cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 170. [4] cfr. Idem, ibidem, pág. 166. [5] “ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis” cfr. Tolda Pinto, “A Tramitação Processual Penal”, 2ª. ed., pág. 701. [6] “a simples dedução de acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado, o que leva a defender que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal” 1º vol., 1981, pág. 133. [7] “Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Essa possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando dos elementos de prova recolhidos nos autos forma a convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.” Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 179 [8] Cfr. Ac. RP 4/1/06, proc. 513975, www.dgsi.pt: “No culminar da fase de instrução, o juízo de pronúncia deve, em regra, passar por três fases: (i) um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, a indagação de todos os elementos probatórios produzidos; (ii) um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido (iii) e um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir que predomina uma razoável possibilidade de o arguido vir a ser condenado por esses factos ou vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.” [9] Há aqui que ter em conta a limitação decorrente do disposto no nº 1 do art. 309º do C.P.P. [10] in Cod. Penal anotado, Vol 2, pag.688, 3ª Edição [11] Simas Santos e lela Henriques in Cod. Penal anotado, Vol 2, pag.686, 3ª Edição [12] in Comentário ao Código Penal Brasileiro, 135) [13] Figueiredo Dias in Comenta´rio Conimbricense, Vol II, pag. 108
Recurso Penal nº 542/08.0TAVRL.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I RELATÓRIO No termo do inquérito que, com o nº 542/08.0TAVRL, correu termos nos serviços do MºPº do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, o MºPº, considerando não terem sido recolhidos indícios da prática pelos denunciados B………. e C………. do crime de abuso de confiança que lhe era imputado, proferiu despacho de arquivamento dos autos, nos termos do nº 1 do art. 277º do C.P.P. Discordando desse despacho, o denunciante, D………., constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução e, realizada esta, foi proferido despacho que manteve o arquivamento dos autos, não pronunciado os arguidos pelo crimes de abuso de confiança que o assistente lhe havia imputado. Inconformada com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o assistente, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que pronuncie os arguidos pelo referido crime, formulando as seguintes conclusões: “1 - A motivação do recurso que ora se apresenta deve-se à discordância do ofendido no processo supra ido quanto à d. decisão de não pronúncia dos arguidos. 2 - No seu requerimento de abertura de instrução, o ofendido, em síntese, alegou que existem nos autos indícios suficientes da prática dos arguidos de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo artº 205 do Código Penal. 3 - Levadas a cabo as diligências instrutórias bem como o debate instrutório, a final, veio a Mª Juiz a quo a decidir pela não pronúncia dos arguidos, não assistindo razão ao Tribunal a quo, na perspectiva do ofendido. 4 - Na verdade, das diligências probatórias levadas a cabo (inquirição de testemunhas), resulta, a nosso ver, que in casu se impunha uma decisão de pronúncia dos arguidos, tal como se demonstrará. 5 - É que, sob a epígrafe "Abuso de confiança". diz o art° 205 do CPenal que "quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não trans/ativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa." 6 - Tal como se diz in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 11, pág. 94 e ss. "abuso de confiança é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio; é, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção". 7 - Ora, do depoimento prestado pela testemunha E………., gravado em CD - cf. fls 150 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para! legais efeitos, bem como dos testemunhos prestados pelas testemunhas F………. e F………., gravados em CD - cf. fls. 151 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, resulta com clareza que o arguido B………. foi dentro de propriedade privada, da qual o ofendido é dono e legitimo proprietário, e daí retirou o tractor em questão nestes autos, o qual transportou num reboque para a garagem de sua casa, onde o mesmo se encontra, daí a co-autoria do crime relativamente à arguida C………. . 8 - Estamos pois in casu perante uma apropriação ilícita, a qual, tal como se afirma in Comentário Conimbricense ao CP, pág. 101, neste caso (de ilicitude) faz com que a exigência de protecção do bem jurídico seja em muitos casos acrescida. Mais. A apropriação do bem móvel em causa por parte dos arguidos é dolosa. 9 - Na verdade, o arguido marido, astuciosamente, pensou e concretizou toda a factualidade que levou à apropriação do bem móvel levando-o para sua casa, sendo certo que apropriar-se é fazer sua coisa alheia. 10 - Diz-se na d. decisão recorrida o seguinte: "É inegável que os arguidos têm o aludido tractor na sua posse e que têm vindo a recusar a sua entrega." Acrescentando-se também aí que: "Também se nos afigura suficientemente indiciado que os arguidos pretendem com esta sua conduta forçar o filho do assistentef E………., a pagar-lhes uma determinada quantia de que se acham credores e que aquele nega dever-lhes." 11 - Vem pois a propósito dizer aqui que o ofendido não desconhece que o direito de retenção pode legitimar a negativa da restituição. Contudo, e isto é que nos parece muito importante, o direito de retenção não pode in casu ser objecto de aplicação e muito menos ser argumento válido para não pronunciar os arguidos. 12 - É que, não está provado que o (eventual) devedor de qualquer quantia aos arguidos seja o ofendido. Aliás, tal facto, o de que o ofendido é devedor do que quer que seja aos arguidos, nunca foi invocado e muito menos provado por ninguém nestes autos. 13 - Daí que, para todos os efeitos, o aqui ofendido é e será sempre um terceiro em relação a (eventuais) dívidas de outrem, as quais desconhece, ofendido ao qual não podem ser cerceados direitos, nestes se incluindo direitos de propriedade, por eventuais comportamentos de outrem. 14 - Acresce que, os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de Instrução são reveladores de que, in casu, se impõe decisão diversa da recorrida, pelo que se pugna, depoimentos que aqui se invocam para todos os efeitos legais encontrando-se gravados em CD, tal como consta da acta de fls. 140 a 152 que apenas e desse modo os identifica. 15 - Face à prova produzida em sede de Instrução, é pois inconsistente a d. decisão proferida pela Ma Juiz a quo, dado existirem grandes indícios que permitam concluir pela existência de uma probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena. 16 - Porque contrários à prova produzida em sede de Instrução, não procedem pois os argumentos utilizados pela Mª Juiz a quo em sede de fundamentação da sua d. decisão de não pronúncia. 17 - Assim sendo, em obediência ao principio da legalidade, à concretização do art° 20 da Constituição da República Portuguesa e aos preceitos ln casu aplicáveis – artº 205 do CP, e artºs 283 nº 2 e 286, nº 1 do C.P.P., impõe-se pronunciar os arguidos com vista à concretização da Justiça, princípios que em conjugação com os demais aplicáveis, norteiam todo o Processo Penal. 18 - Logo, ao ter proferido d. decisão de não pronúncia, a Ma Juiz a quo violou os dispositivos supra citados, bem como os princípios referidos, pelo que deve a mesma decisão ser revogada, e substituída por outra que pronuncie os arguidos, com legais consequências, seguindo os autos seus ulteriores termos, assim fazendo V. Exas,. como sempre , a mais elevada JUSTIÇA!” *Apenas foi apresentada resposta pelo MºPº, que se manifestou no sentido da improcedência do recurso. O recurso foi admitido, não tendo a Srª. Juiz proferido despacho de sustentação.*O Exmº Procurador Geral Adjunto não se pronunciou apondo o seu Visto Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse havido resposta. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência. Cumpre decidir.*II FUNDAMENTAÇÃO É do seguinte teor o despacho de arquivamento proferido pelo MºPº: “Nestes autos D………. veio queixar-se contra B………. e esposa por causa de um certo tractor agrícola que estes últimos se recusam a devolver-lhe. Pretende o queixoso que o facto configuraria um crime de abuso de confiança. Porém, efectuado que foi o pertinente inquérito o que pensamos dever concluir é que, muito sumariamente, o sucedido não configura crime nenhum. Brevitatis causa, o que pensamos é que não se mostra que tenha sido ou seja ainda intenção dos arguidos fazer seu o tractor em causa, tal como exige o tipo criminal em causa - .artº 205º do Código Penal. Pelo contrário, o que resulta claro dos autos é que os arguidos se querem servir dele para forçar o queixoso a pagar-lhes uma certa quantia de que se acham credores. À partida isto poderia remeter-nos para o crime de extorsão p. E p. Pelo artº 223º do Cod. Penal. Mas também aqui não estão preenchidos os elementos típicos, pois este tipo criminal exige que o agente tenha procedido por meio de “violência ou de ameaça de mal importante”, o que não é o caso. Que não se trata de violência resulta claro, quanto mais não seja porque esta tem que se dirigir contra bens jurídicos pessoais e não patrimoniais. E que não se trata de uma ameaça com mal importante resulta do facto de não se tratar de nenhum mal futuro, como é próprio da ameaça, mas sim de um mal presente, embora constantemente renovado. Além disso, se é verdade que, como diz o arguido B………., a retenção é operada por causa de uma dívida resultante da reparação do próprio tractor, então o que se deve dizer é que este arguido age perfeitamente dentro da lei - Art.º 54° do Código Civil. Se isto não é verdade e a retenção é feita por conta da reparação de um outro veículo, como também se diz nos autos (fls.15 e 17), então o facto será ilícito, sim, mas não um ilícito de natureza criminal. Pelo exposto, parecendo-nos que o sucedido não configura nenhum crime, decido agora determinar o arquivamento dos autos ao abrigo do artº277° nº 1 do CPP. Notifique o queixoso e os arguidos”*São os seguintes os termos do requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente, na parte que ora nos interessa: “I-DOS FACTOS a) Da Queixa-Crime 6ºEm Fevereiro de 2008, em dia que o Assistente não consegue agora precisar, mas que foi seguramente em finais do mês, o seu filho E………. recebeu um telefonema do Arguido B………. . 7°Como Assistente e Arguido já se conhecem há mais de 10 (dez) anos, durante os quais mantiveram até relações comerciais, tomou este último a liberdade e iniciativa de contactar o Assistente a propor-lhe a realização de uma demonstração. 8ºTal facto não causou, na altura, qualquer estranheza ao Assistente, dado que é do seu conhecimento pessoal explorar o Arguido uma oficina mecânica de automóveis, em nome individual, sita no ………., em ………., Vila Real, na qual lida habitualmente com todo o tipo de maquinaria. 9°Assim, pretendia o Arguido fazer uma demonstração de uma máquina agrícola que, copulando-se ao tractor propriedade do Assistente, de marca Kubata, 3 cilindros, cor azul, laranja e branca, se destinaria a cortar mato e, portanto, sempre ajudaria o Assistente, pessoa com alguma idade e limitações físicas, nas suas fainas agrícolas. 10°Pelo que ficou combinado entre ED………., através do seu filho E………., e B………., que este último se deslocaria à quinta do Assistente em data a combinar, mas próxima à do contacto te1efónico, para realizar a dita demonstração e, querendo, virem a celebrar negócio de compra e venda.11ºAproveitando a ocasião, ficou ainda acordado que o Arguido, nessa sua deslocação, ficaria autorizado a levar consigo um veículo propriedade do neto do Assistente, uma autocaravana de matrícula ..-..-CS, que aquele não tinha reparado convenientemente, apesar de já pago o seu preço. 12ºOra, qual não é o espanto do Assistente quando, sem qualquer autorização nesse sentido, o Arguido se deslocou à sua propriedade, logo propriedade privada, sita em ………., ………., em Vila Real, e levou consigo o tractor melhor identificado em 9.°, 13ºBem como alguns acessórios agrícolas compostos de um atomizador de 100 litros, braços de apoio, terceiro ponto, "cardan" de transmissão, 12 cavilhas e mangueira de 50 metros, adquiridos pelo Assistente há dois anos, em Espanha, por intermédio da H……… . 14ºNum primeiro momento julgou o Assistente que o seu tractor e restantes acessórios haviam sido furtados por desconhecidos, mas depois tomou conhecimento de que os mesmos se encontravam, à sua revelia, na posse dos Arguidos. 15°Claro que de imediato confrontou o Arguido B………., tendo este se justificado dizendo que apenas se apropriou do tractor para poder, na sua oficina, instalar a máquina alvo da dita demonstração. 16ºContudo, a verdade é que não mais o restituiu até à presente data e isto apesar das inúmeras insistências que o Assistente tem vindo a fazer, seja por si ou através do seu filho e/ou restantes familiares chegados. 17ºPor inúmeras vezes, E………., filho do Assistente, se deslocou à residência, na qual funciona simultaneamente a oficina dos Arguidos, exigindo a restituição do tractor e demais acessórios, negando-se aqueles determinantemente a fazê-lo, 18ºChegando aqueles, num desses contactos, a afirmar que só procederiam à restituição dos bens do Assistente após o pagamento de € 600,00 (seiscentos euros), supostamente em dívida pela reparação da autocaravana do seu neto. 19ºAcresce que o Arguido fez seu o aludido tractor e acessórios, utilizando-os em proveito próprio e à vista de todos quanto o queiram presenciar, comportando-se como se seu dono fosse. 20ºOu seja, têm vindo os Arguidos a negar-se, sistematicamente, a restituir o tractor propriedade do Assistente, apesar de saberem que a sua conduta é ilegítima, portanto ilegal, já que por diversas vezes foram interpelados e alertados dessa ilicitude. 21ºO que, para além do prejuízo resultante da subtracção em si mesma da coisa, cujo valor comercial actual é de € 10.000,00 (dez mil euros), para o tractor, e € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), para os acessórios agrícolas, tem causado muitos outros, pois vê-se o Assistente impedido, há longos meses, de cultivar plenamente as suas terras. 22ºPelo exposto, outra solução não restou ao Assistente senão a de apresentar queixacrime contra os aqui Arguidos, esperando, como legalmente se impunha, outra decisão do Ministério Público. Senão vejamos, b) Das diligências de inquérito i) Das declarações das testemunhas indicadas pelo Assistente 23°Em sede de inquérito foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo Assistente, a saber E………., I………. e J………., respectivamente, filho, neto e nora daquele, 24°E cujas declarações, prestadas em 24 e 26 de Setembro de 2008, constam de fls. 14 a 20 dos presentes autos. 25ºDe forma sucinta, ambas as testemunhas confirmaram na íntegra o teor da queixa- crime, acrescentando, porque tal se revelava, com revela, essencial para a descoberta da verdade, que o Arguido tinha autorização da família para rebocar uma autocaravana de matrícula ..-..-CS, propriedade da testemunha I………., na qual havia aquele realizado um reparação que não ficou conforme o combinado. 26ºContudo, dizem as mesmas testemunhas, o Arguido em vez de levar o dito veículo, o único a necessitar de intervenções mecânicas, e aproveitando o facto de os portões da quinta do Assistente estarem abertos, levou antes o tractor e restantes acessórios agrícolas propriedade do Assistente, logo, à revelia do seu proprietário. 27ºQue, confrontados os Arguidos com a ilicitude da sua conduta, alegaram ambos que apenas restituiriam as coisas móveis do Assistente se este pagasse € 600,00 (seiscentos euros), alegadamente em dívida por reparações efectuadas na indicada autocaravana. 28ºEsclareceram ainda que, no próprio mês de Fevereiro, por altura do Carnaval, o tractor do Assistente havia sido sujeito a uma revisão mecânica pelo próprio vendedor, que fez uma verificação geral do mesmo, substituiu a sua bateria, deixando-o, dessa forma, como novo e a funcionar perfeitamente, pelo que jamais se justificaria que o Arguido o levasse para a sua oficina. ii) Das declarações dos Arguidos 29°Pois bem, correndo inquérito contra pessoas determinadas, em meados de Setembro de 2008, B………. e C………., foram notificados para comparecerem nas instalações do Posto da Guarda Nacional Republicana de Vila Real, 30°O que ocorreu no dia 26 de Setembro de 2008, pelas 14h00, onde foram então constituídos como Arguidos e para, querendo, prestarem nessa qualidade declarações. 31°Tendo prescindido de constituir Advogado ou de solicitar a nomeação de um defensor, deu-se início ao interrogatório não judicial com a leitura dos factos que lhes estavam a ser imputados e, estranhamente, diga-se, das declarações das três testemunhas indicadas pelo Assistente. 32°Sucede que após ter sido dado a conhecer aos Arguidos todo ° ocorrido, até então, no processo de inquérito, estes requereram junto do Soldado encarregue da inquirição – K………., Soldado n,º … - a suspensão de tal diligência. 33°Assim, apenas em 10 de Outubro de 2008 foi retomada a inquirição do Arguido B………., não compreendendo, no entanto, o Assistente por que motivo tal interrupção não ficou devidamente registada em auto. 34ºPortanto, tendo sensivelmente 14 (catorze) dias para preparar as suas declarações, negou o Arguido os factos que lhe estavam a ser imputados, invencionando, por outro lado, que o tractor foi efectivamente transportado por si da quinta do Assistente para a sua oficina em ………., ………., 35ºQue tal terá ocorrido em meados de Maio de 2008, o que é falso, 36ºQue terá sido o próprio filho do Assistente que o ajudou a colocar o tractor no reboque, uma vez que aquele não podia andar pelos próprios meios, o que é duplamente falso, 37ºQue foram solicitadas reparações no tractor e encomendada uma alfaia bio-triturador, o que é falso, 38ºQue o filho do Assistente, a suposta pessoa a solicitar tais intervenções, apesar de ter combinado deslocar-se à oficina do Arguido, sita, como o próprio indica, na ………., ………., em Vila Real, não compareceu na data acertada, o que é falso, 39ºQue, em virtude de o Assistente não ter procedido ao pagamento das reparações efectuadas no tractor e pagar a alfaia supostamente encomendada, o Arguido, através da sua mandatária, enviou duas missivas dirigi das ao filho daquele, o que é falso. 40°Ou seja, tentou o Arguido encobrir a sua conduta delituosa com a invenção de um suposto crédito sobre o filho do Assistente e, dessa forma, tomar-se legítimo um direito de retenção sobre a coisa. 41°Contudo, a história ora criada pelo Arguido vai ganhando novos contornos e, igualmente, fragilidades à medida que este lhe vai adicionando novos capítulos, em reacção improvisada às providências judiciais posteriormente tomadas pelo Assistente. c) Da providência cautelar apresentada pelo Assistente neste mesmo Tribunal 42°Atendendo a que nos presentes autos foi realizada a apreensão do tractor sub judice e que, quase de imediato, foi o mesmo entregue novamente aos Arguidos, optou o Assistente por apresentar, paralelamente, procedimento cautelar comum com vista à sua restituição. 43°Curiosamente, a versão dos factos apresentada pelos Arguidos na sua Oposição discordam significativamente das suas declarações prestadas a fls. 21 a 23 dos presentes autos, como se demonstrará - cfr. Doe. n.º 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 44ºDesde logo, não corresponde à verdade ter o Assistente solicitado reparações no tractor melhor identificado em 9.°, nem tão pouco que o mesmo, no mês indicado pelo Arguido a fls. 22 dos autos, não trabalhasse ou andasse pelos próprios meios. 45ºComo já referido, poucos dias antes de o Arguido ter, sem qualquer autorização do único e legítimo proprietário, retirado o tractor da quinta do Assistente, o que efectivamente sucedeu em meados de Fevereiro de 2008, este bem móvel havia sido alvo de uma revisão geral, onde foi inclusivamente colocada uma nova bateria. 46ºTal revisão foi realizada pelo próprio vendedor do tractor, o Senhor L………., com a ajuda do Senhor M………., os quais poderão, cabal e imparcialmente, atestar o bom estado de conservação, utilização e funcionamento do mesmo. 47ºPor outro lado, justifica ainda o Arguido a apropriação da coisa pelo suposto não pagamento de uma alfaia. 48ºEm momento algum encomendou o Assistente um bio-triturador ou qualquer outra alfaia agrícola ao Arguido, falhando, desde logo, um dos pressupostos para que possa existir um negócio jurídico de compra e venda, bilateral por natureza, pois para haver venda terá que haver quem queria ou solicite a compra, 49ºNem tão pouco foi o Assistente interpelado para o seu pagamento. 50°E não deixa de ser curioso, bem como indiciário do comportamento delituoso dos Arguidos, o facto de o filho do aqui Assistente, e não o Assistente como único e legítimo proprietário do tractor, ter recebido, após a apresentação da queixa-crime, uma carta a interpelar para o pagamento da dita reparação. 51°A referida interpelação, registada com aviso de recepção, apesar de dirigida a E………, foi remetida para a residência do Assistente e na qual é dito o seguinte: "2º e último aviso ( ... ) Assunto: c/ N………., Lda, sita em Vila Real. Pagamento da reparação efectuada em um tractor e que proceda ao levantamento da mesma. (. .. ) Encarrega-me a minha representada acima indicada de cobrar de Vfl Ex" a quantia de 3.600,00€ referente à reparação de uma viatura (tractor) e que até á presente data de se encontra por liquidar, a que acrescem juros de mora à taxa legal até total e efectivo pagamento e que neste momento se cifram em 60,00 €. Mais informo que, conforme notificação anterior, como o pagamento não ocorreu até ao dia 12 de Julho, e Vª Eª também não procedeu ao levantamento da mesma, está-lhe a ser cobrado o valor diário de 15,00 € e pela recolha da mesma até total e integral pagamento e que neste momento ascende já à quantia de 900,00€." - Cfr. fls. 27 e 28 dos autos. (O destaque é nosso) 52ºEsta carta encontra-se datada de 15 de Setembro de 2008, foi remetida em 19 de Setembro de 2008 e recepcionada 22 de Setembro de 2008, portanto, em data posterior à apresentação de queixa-crime e após o conhecimento do seu conteúdo pelos Arguidos. 53ºOra, como o conteúdo desta carta não é verdadeiro, nem até então tinha sido solicitado qualquer pagamento ao Assistente ou ao filho deste, muito menos a quantia de € 3.600,00 (três mil e seis centos euros) a título de reparações e juros de mora sobre a totalidade dessa quantia - atente-se que, em momento algum, é referida a dita alfaia, 54ºEnviou o filho do aqui Assistente, por ter sido o destinatário de tal missiva, uma comunicação escrita em resposta àquela, através de carta registada com aviso de recepção, dizendo o seguinte: "Chaves 7 de Outubro de 2008 Só na presente data, me foi entregue a carta mencionada em epigrafe, dado estar incorrecto nome e morada, sendo a expressa em cabeçalho, mas, passo a responder: 1. Não conheço afirma N………., Lda. 2. Consequentemente, não celebrei qualquer contracto, de qualquer espécie, com a dita empresa, directa ou por entreposta pessoa. É expresso na dita carta ser esta o "r e último aviso", pelo que, supostamente, terá havido um "10 aviso". Fazendo fé na veracidade do exposto por V Ex"; já que, se assim o não considerasse, outra interpretação, logo outro tratamento, consequentemente outro encaminhamento teria de dar à sua carta, solicito-lhe: Cópia do "1° aviso". Prova de envio e recepção do mesmo. Aproveito, para lhe solicitar que corrija no seu sistema informático o meu nome, pois não é E1………., mas sim E………., e a minha morada.". - Cfr, Doc. n.º 2, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 55ºTal comunicação, apesar de remetida em 09 de Outubro de 2008 e efectivamente recepcionada pelo destinatário em 10 de Outubro de 2008, nunca mereceu resposta - efr. Doe. n.º 3, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 56°Ou melhor, obteve o remetente uma resposta, mas apenas através da Oposição ao procedimento cautelar comum apresentado pelo Assistente contra os aqui Arguidos, onde surge pela primeira vez o suposto 1.0 aviso, datado de 04 de Julho de 2008, 57ºE, pasme-se, enviado por correio normal, ou seja, cuja prova do seu envio e recepção não conseguem os Arguidos realizar, já que tal havia sido solicitado pela comunicação referida em 54.0 - efr. Doe. n." 2. 58ºMais uma vez, nessa imaginada missiva não é feita referência à dita alfaia que o Assistente terá, na versão do Arguido, encomendado e não quis depois pagar. 59ºPois bem, perante a ilicitude das suas condutas e depois de confrontados com a queixa-crime apresentada pelo aqui Assistente, juntamente com as declarações prestadas pelas testemunhas supra identificadas, tiveram os Arguidos 14 (catorze) dias para arquitectarem uma justificação para as mesmas. 60ºAssim, é na Oposição ao procedimento cautelar comum apresentado que aditam novos factos à versão apresentada nos presentes autos, muitos dos quais são até contraditórios. 61ºPela primeira vez é chamada à colação uma sociedade comercial, a "N………., Lda.", como tendo sido esta a pessoa jurídica responsável pela dita reparação. 62ºSe nas declarações prestadas a fls. 22 dos presentes autos o Arguido B………. refere que " ... em data que não pode precisar, mas que julga ter sido em meados do mês de Maio do ano de 2008, o E………. compareceu na oficina que o ora arguido possui no ………., ………., Vila Real, solicitando-lhe que mandasse vir uma alfaia denominada bio-triturador para aplicar no seu tractor e, ainda, proceder á reparação do mesmo tractor.", (O destaque é nosso) 63ºNa Oposição agora junta sob o Documento n.º 1, esse mesmo Arguido, agora na qualidade de Requerido, afirma que afinal intervém na qualidade de sócio gerente da sociedade referida em 59.°, com sede na Rua ………., n.º .., em Vila Real, onde o filho do Assistente se terá dirigido. 64°Mais urna vez tais factos não correspondem à verdade, pois a oficina indicada pelo Arguido, sita na Rua ………., n.º .., em Vila Real, há muito que se encontra encerrada, 65°O que é facilmente visível aos olhos de quem por lá passa, por se situar numa das principais artérias da cidade de Vila Real - cfr. Doe, n.º 4, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 66ºAinda, é na mesma Oposição que, pela primeira vez, se alude e juntam duas facturas com os números 593 e 594, datadas de 02 de Julho de 2008, como dizendo respeito a Vendas a Dinheiro - cfr. Doe, n.º 5, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. 67°E a justificação para essas mesmas vendas a dinheiro é agora manifestamente oposta à aduzida em sede de inquérito, a fls. 21 a 23 dos presentes autos, pois nestas é dito pelo Arguido B………. que "... após a reparação e a colocação da alfaia que ele encomendara contactou o E………. para o levantar da sua oficina e proceder à liquidação do montante envolvido no negócio. Que, pese embora tenha sido contactado para este efeito, conforme foi referido, o E………. nunca ali compareceu. Que, por esta mesma razão o ora arguido, viu-se na necessidade de procurar resolver este problema com recurso a advogada.". (O destaque é nosso) 68ºDiversamente, refere na Oposição deduzida ao procedimento cautelar comum apresentado pelo Assistente, artigo 11.°, que "no dia 02 de Julho do corrente ano, já após a conclusão dos serviços contratados, o senhor professor E………., dirigiu-se ás instalações daquela sociedade, e após constatar que o tractor se encontrava reparado e finalizados todos os serviços solicitados, propondo-se realizar o pagamento integral de imediato, forneceu o seu NIF, convencendo o requerido, em nome da sua sociedade, a emitir-lhe uma venda a dinheiro.". (O destaque é nosso) 60ºPergunta-se: afinal, em que momento, se é que houve algum, estão os Arguidos a falar a verdade? 61ºPara efeitos do presente processo, defendem-se os Arguidos com a existência de uma suposta dívida pelo Assistente, resultante de reparações efectuadas no tractor indevidamente apossado por aqueles e que este, porque não compareceu na oficina para pagar, apesar de contactado, estaria a sofrer um direito de retenção legítimo sobre a coisa.71ºMas, para efeitos de defesa no procedimento cautelar e porque não tinham forma de comprovar uma dívida que na realidade não existe, outra alternativa não restou aos aqui Arguidos senão a de invencionar uma venda a dinheiro, onde então já compareceu o filho do Assistente - cfr. Doe. n.? 1, artigos 11.° e 12.°. 72°Contudo, e porque a mentira tem perna curta, esqueceram-se os Arguidos que era impossível essa deslocação do filho do Assistente, uma vez que este se encontrava acamado e de, pelos seus próprios meios, se deslocar. 73°E………., filho do aqui Assistente, padece de um problema sério no joelho, o que nos últimos meses o tem impedido de fazer uma vida normal e sem limitações, tendo sido submetido a uma operação cirúrgica no dia 09 de Julho de 2008, ou seja, somente 07 (sete) dias após a sua suposta deslocação à oficina da "N………., Lda.". 74°Desde 28 de Novembro de 2007 que o dito senhor sofre de uma incapacidade parcial, que se tomou absoluta em 05 de Maio de 2008, momento desde o qual se viu mesmo impossibilitado de exercer a sua profissão - cfr. Does. n.os 6, 7, 8 e 9, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para legais efeitos. 75ºComo se poderá constatar pela leitura do Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, no período entre 30 de Junho a 09 de Julho de 2008, o filho de Assistente esteve incapacitado de se deslocar, já que a sua "A doença implica a permanência no domicílio", tendo o médico acrescentado à mão "Acamado - a aguardar cirurgia urgente ao joelho direito" - cfr. Doc. n.º 8. 76ºLogo, é falso que no dia 02 de Julho de 2008 E………. se tenha deslocado à oficina dos Arguidos, não correspondendo, portanto, também à verdade, o vertido nas facturas n.º 593 e 594, apesar de o Assistente compreender a necessidade de tão rebuscada narrativa. 77ºAtendendo a que a sociedade comercial "N………, Lda." está abrangi da pelo regime trimestral do IV A, as facturas dos serviços prestados ao Assistente, a existirem, teriam forçosamente que fazer parte da relação do IVA do 2.° trimestre, entregue até 15 de Agosto. 78ºComo a defesa dos Arguidos passou por criarem uma dívida para, então, justificarem um direito de retenção sobre o tractor descaminhado, e como já não se mostrava possível a emissão de facturas que, pela sua natureza, têm obrigatoriamente que ser contabilizadas de forma nominativa e mencionadas em conta própria de terceiros da classe «21», na contabilidade, 79ºÀ data do presente processo e do procedimento cautelar comum outro caminho não podia ser seguido pelos Arguidos senão o de emitirem Vendas a Dinheiro que, pela sua natureza, não têm descrição individual na contabilidade, fazendo parte de um lote com uma conta genérica de caixa da classe «Ll». 80°Assim, só um documento desta natureza - Venda a Dinheiro - poderia, na data em que têm os Arguidos de responder nos presentes autos e nos de Procedimento Cautelar n. ° …./08.8TBVRL, que corre termos no ..º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, ser enxertado na sua contabilidade. 81°Pelo que seria importante, a bem da descoberta da verdade material, verificar a sequencialidade das Vendas a Dinheiro operadas pelos Arguidos e registadas na sua contabilidade. 82°Factos e circunstâncias supra expostas que, formando um todo consistente, demonstram a inexistência de qualquer dívida do Assistente para com os Arguidos e que o objectivo destes sempre foi o de se apropriar de bens que não lhes pertencem, 83°Tentando, perante o socorro dos meios de resolução judicial pelo Assistente, criar uma 'desculpa' que os isentassem de responsabilidades cíveis e, sobretudo, criminais. 84ºPor último, sempre se diga que o Arguido foge à verdade até quando omite ou nega mesmo ter tido, no passado, relações comerciais com o Assistente D………., ainda que por interposta pessoa - cfr. fls. 22 dos presentes autos. 85º Ora, não podem os Arguidos ignorar que venderam ao aqui Assistente, a título de exemplo, por € 2.220,00 (dois mil duzentos e vinte euros), uma moto-enchada, sendo que foi o próprio Arguido marido que com ele andou uma manhã a explicar-lhe o seu funcionamento, bem como muitos outros equipamentos - cfr. Doc. n.º 10, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. o que provavelmente o Arguido quereria dizer é que essas transacções, apesar de devidamente pagas pelo Assistente, cujos comprovativos ainda conserva na sua posse, nunca foram precedidas de qualquer factura e recibo, como legalmente se impõe. 87ºAlém de que tais relações comerciais sempre tiveram lugar com o Arguido, em nome individual, desconhecendo o Assistente a existência da sociedade "N………., Lda." e a dita oficina sita na Rua ………., n.º .., na cidade de Vila Real, 88°Pelo que, quando teve necessidade de se deslocar à oficina do Arguido, o Assistente fê-lo indo até à ………., em ………. - cfr. Doe. n. ° 11, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para legais efeitos. II- DO DIREITO Pelo exposto e salvo sempre melhor entendimento em contrário, entende o aqui Assistente estarem reunidos todos os pressupostos objectivos e subjectivos do tipo de crime previsto e punido pelo artigo 205.° do Código Penal.90°Verifica-se que, apesar da rebuscada versão composta pelos Arguidos, a qual já se demonstrou não corresponder à realidade, logo, à verdade, apropriaram-se aqueles, de forma ilegítima, de um tractor de marca Kubata, 3 cilindros, cor azul, laranja e branca, sem matrícula, e de vários acessórios agrícolas, compostos de um atomizador de 100 litros, braços de apoio, terceiro ponto, "cardan" de transmissão, 12 cavilhas e mangueira de 50 metros, 91°O que vem sucedendo desde meados de Fevereiro de 2008, data a partir da qual, em vez de transporem a propriedade do Assistente para levarem a autocaravana do seu neto para reparar, levaram antes, sem autorização ou solicitação nesse sentido, o aludido tractor e restantes equipamentos, que têm vindo a deter em nome alheio. 92ºSendo que, em bom rigor, a conduta dos Arguidos preenche igualmente o tipo de ilícito previsto nos artigos 203.0 e seguintes do Código Penal. 93ºFacto é que agiram os Arguidos com dolo, pois para além de terem actuado, num primeiro momento lógico, com uma intencionalidade exclusivamente virada para a (des)apropriação, seguiu-se imediatamente outra no sentido da apropriação das coisas móveis propriedade do Assistente. 94ºIntenções que tentaram escamotear com uma suposta dívida, mas que não as conseguiram apagar. III- DOS DANOS 95ºAssim, de há dez meses a esta data, o Assistente não só se viu privado de bens móveis, cujo valor comercial actual é de € 10.000,00 (dez mil euros), para o tractor, e € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) para os restantes acessórios agrícolas, como tem sido impedido de se deslocar e realizar os trabalhos agrícolas nas suas propriedades, com todos os danos patrimoniais daí decorrentes, que se agravam de dia para dia. 96ºO Assistente é produtor de batata, cereja, frutos diversos, vinho e mel, sendo com o tractor e equipamentos melhor identificados supra que realiza os trabalhos nas vinhas, nas árvores de fruto e lavra os seus terrenos. 97ºAtendendo ao número de meses que tem sido privado do uso do tractor e restantes acessórios agrícolas, logo impedido que está de trabalhar nas suas culturas, os prejuízos sofridos pelo Assistente já ascendem aos € 20.000,00 (vinte mil euros). 98°Sem o tractor e demais acessórios agrícolas viu-se o Assistente impedido de lavrar os terrenos e, em especial, de os preparar para o cultivo de batatas, milho e vinho, bem como de diversificados legumes, como couves, alfaces, cenouras, pimentas, tomates, cebolas, beterraba, morangos, etc. 99°Sem tais legumes e já às portas do Inverno, os animais como coelhos, galinhas, patos, perus, irão padecer à fome, perdendo-se assim outra fonte de rendimento e de sustento do Assistente. 100°Neste ano e no próximo, o Assistente deixará de produzir 1000 kg de batata, 750 kg de milho, 06 pipas de vinho, 800 kg de mel, como é habitual, por não ter podido lavrar e semear as terras, tendo-se socorrido da generosidade de terceiros para poder plantar uma pequena parcela para consumo próprio. 101°Outras das principais culturas do Assistente são as vinhas, sendo que na presente data uma vinha inteira já se encontra perdida, por não ter recebido o tratamento devido, e este ano outras ficaram por vindimar, pois era com o tractor sub judice que se deslocava pelas vinhas e acertava as uvas para o lagar, 102ºPerda que se verificou igualmente na área do mel, pois o Assistente possuía cerca de 60 (sessenta) colmeias e, na ausência do seu tractor, não pôde levanta-las, transportá-las, desinfectá-las e retirar o mel. 103ºAssim como não lhe foi permitido pulverizar as inúmeras árvores de fruto que tem na sua quinta, sendo que 14 (catorze) delas já secaram. 104ºOu seja, prejuízos que se vão acumulando a cada dia que passa, comprometendo irremediavelmente o presente e o próximo ano agrícola, com consequências nefastas para os campos e para as vinhas, já irrecuperáveis, e, consequentemente, para o Assistente, já que é destes que retira a sua principal fonte de sustento. 105ºPelo exposto, cometeram os Arguidos um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 205.° do Código de Processo Penal, verificando-se existirem fortes e suficientes indícios da sua prática pelos mesmos. 106ºImpõe-se, ainda, a apreensão imediata do tractor e acessórios agrícolas ilegitimamente apropriados pelos Arguidos, e a sua restituição ao seu único e legítimo proprietário, a qual deverá ser realizada sem qualquer aviso prévio, visando impedir a deturpação de provas, se é que tal já não sucedeu. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer a v: Ex.a que: a) Seja declarada aberta a instrução; b) Sejam tomadas as declarações às testemunhas abaixo indicadas; c) Seja apreendido o tractor e acessórios agrícolas melhor identificados nos artigos 9.° e 13.° deste requerimento e consequente restituição ao seu proprietário, o aqui Assistente; d) Que, a final, B……… e C………., sejam pronunciados pela prática do crime de que estavam acusados ou, como previsto por lei, por melhor qualificação jurídica que v: Ex.a determinar.”*E é do seguinte teor a decisão instrutória objecto de recurso: “Declaro encerrada a instrução. Inexistem nulidades, excepções ou questões prévias, que cumpra conhecer. *Inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio o assistente D……… requerer a abertura de instrução, alegando, em síntese, que existem nos autos indícios suficientes da prática pelos arguidos de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo art. ° 205° do Código Penal. Efectuaram-se as diligências instrutórias consideradas pertinentes. Em tempo oportuno, realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo. Cumpre agora apreciar. *Pretende o assistente que os arguidos sejam pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo art.? 205°, do Código Penal, pelo facto de se recusarem a devolver-lhe um tractor de sua propriedade e do qual, na sua versão, se apoderaram sem o seu consentimento. O crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente, que recebeu a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir animo domini. Essa inversão do título deve ser demonstrada por actos objectivos reveladores de que o agente está a dispor da coisa como se sua fosse. Trata-se de um crime de realização intencionada, comportando já a valoração objectiva de um fim ou de uma intenção do agente - intenção de apropriação de coisa alheia. No caso em análise, quer da prova produzida em sede de inquérito, quer daquela que se produziu nesta instrução, não resulta minimamente indiciada esta intenção de apropriação de coisa alheia por parte dos arguidos, e designadamente, que os mesmos tenham passado a agir como donos do tractor em questão. É inegável que os arguidos têm o aludido tractor na sua posse e que têm vindo a recusar a sua entrega. Também se nos afigura suficientemente indiciado que os arguidos pretendem com esta sua conduta forçar o filho do assistente, E………., a pagar-Ihes uma determinada quantia de que se acham credores e que aquele nega dever-Ihes. Ora, a eventual ilegalidade da retenção levada a cabo pelos arguidos é uma questão do foro civilístico, sem qualquer relevância criminal, designadamente no que concerne ao tipo de ilícito que o assistente pretende imputar aos arguidos. Não podemos esquecer que a instrução "visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento" - art. o 2860 n.º 1 do C. P. Penal. Assim, nesta fase, o que está em causa é verificar se há indícios que permitam concluir pela existência de uma "possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança" - art. o 2830 n.o 2 do mesmo diploma legal. Tendo em conta as gravosas consequências da simples sujeição de alguém a julgamento, exige-se que a acusação e a pronúncia assentem numa alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou de, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que absolvição - cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/10/93, C.J. VIII, IV. P. 261 a 263. No caso vertente não se constata essa "possibilidade razoável" ou uma probabilidade mais forte de condenação dos arguidos do que de absolvição. *Face ao expendido supra, decido não pronunciar os arguidos B………. e C………. . Condeno o assistente no pagamento de três UCs de taxa de justiça, nos termos do art.º 5150 n.º 1, alínea a) do CPP. *Custas pela assistente, fixando a taxa de justiça em três (3) U.C.-*Notifique.” O Direito O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso. E assim no caso em apreço a questão suscitada pelo recorrente reside na existência nos autos de indícios suficientes para submeter os arguidos a julgamento pela prática do crime de abuso de confiança, ou até como se poderá extrair da respectiva motivação do recurso pelo do crime de furto, sendo que a pronúncia pela prática deste último não equivaleria a uma alteração substancial dos factos, mas a mera alteração da sua qualificação jurídica. Configura-se assim, embora o recorrente não invoque, o chamando vício de erro notório de apreciação de prova. (artº 410º nº 2 al. c) do Cod. Proc. Penal) Antes de verificarmos se se verifica a invocada suficiência de indícios, tenhamos em atenção a questão no quadro legal atinente. As finalidades da instrução estão expressas no nº 1 do art. 286º do C.P.P. (deste diploma serão os preceitos adiante citados sem menção especial): a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar ou inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento[2]. Nessa tarefa, e devido à estrutura acusatória do processo, “o juiz de instrução está vinculado (…) aos termos da própria acusação ou do requerimento instrutório do assistente”[3], quer uma, quer o outro, já deduzidos nos autos. A prolação de despacho de pronúncia depende - para além da “existência dos necessários pressupostos processuais e demais condições de validade para que o tribunal possa conhecer em julgamento do mérito da acusação”[4], - da recolha, até ao encerramento da instrução de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Para efeitos de pronúncia, o conceito de indícios suficientes é o que vem enunciado no nº 2 do art. 283º, aplicável por determinação expressa do nº 2 do art. 308º: são aqueles dos quais resulta uma possibilidade razoável[5],[6] de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança[7]. O juízo comprovativo cometido ao juiz de instrução[8] não se confunde com o julgamento da causa; a aferição dos indícios faz-se em função das probabilidades de o feito, uma vez levado a julgamento, vir a possibilitar uma decisão condenatória. Por isso, o grau de exigência quanto à consistência e verosimilhança dos indícios é menor do que aquele que é imposto ao juiz do julgamento, sem, no entanto, se prescindir de um juízo objectivo e apoiado no acervo probatório recolhido nos autos. Da análise dos autos e atento os depoimento prestados e documento juntos aos autos ressalta que: O arguido B………. tem na sua posse e com o conhecimento da sua mulher, a arguida C………., um tractor de marca Kubata, 3 cilindros, cor azul, laranja e branca, se destinaria a cortar mato. Este tractor encontrar-se-ia na quinta propriedade do Assistente/recorrente D………., sendo que o mesmo era utilizado pelo filho daquele E………. . O arguido que tem uma oficina, teria anteriormente arranjado uma autocaravana do filho do E………. . Apesar das várias insistências por parte do E………., do filho e mulher deste junto dos arguidos, estes têm vindo sempre a recusar a entrega do referido tractor enquanto não lhes for paga uma dívida de que aqueles eram devedores. Esta dívida, segundo os arguidos decorreria do arranjo que o tractor foi alvo e de uma biotrituradora que de propósito fora encomendada para aquele tractor. Segundo o E………., a sua ex-mulher G………. e o filho I………. a o arguido reclamava o pagamento de uma dívida relacionada com os arranjos da autocaravana, negando que o tractor alguma vez tivesse necessidade de ser reparado. No que se refere à trituradora o E………. refere que o que ficou combinado fora que o arguido lhe fizesse primeiro uma demonstração, e caso a mesma fosse satisfatória iria comprá-la para a oferecer ao seu pai como presente. Mais se apura que enquanto o arguido refere que foi efectivamente buscar o tractor à quinta do Assistente com a ajuda do próprio E………. que lhe abriu os portões, este refere que foi o arguido que apareceu na quinta e sem autorização e consentimento levou o tractor, e que mais tarde quando confrontado com tal facto, o arguido justificou-se que para colocar a peça no tractor teria que o levar para a sua oficina. Do depoimento do E………. resulta que o tractor ficou com o arguido com o seu conhecimento até que em Junho procurou junto do arguido reavê-lo, tendo este recusado invocando uma dívida de 600,00 pelos arranjos da autocaravana do seu filho que se encontrava por pagar. O assistente conforme se depreende do depoimento do E………. não teve conhecimento dos factos, pois só mais tarde e perante a permanente recusa do arguido em entregar o tractor, é que decidiu contar ao pai o que se passava. O arguido refere que para si o tractor sempre considerou o tractor como pertencente ao arguido, que nunca o utilizou e que entregará quando a dívida for paga e cujo valor é de € 3.600,00. Sendo este os factos nucleares, obrigatório se torna concluir no sentido da decisão recorrida, ou seja que não existem indícios suficiente para integrar os ilícitos criminais cuja prática a recorrente imputa aos arguidos[9]. Nos termos do artº 205º nº 1 CP, são requisitos do crime de abuso de confiança: - a apropriação ilegítima - de coisa móvel - entregue por título não translativo de propriedade. Quer isto dizer que no crime de abuso de confiança a coisa não é subtraída a outrem pelo agente do crime, como sucede no caso do furto, mas entra no seu poder validamente, por título não translativo da propriedade, dando-lhe contudo um destino diferente daquele para que lhe foi confiada, dispondo dela como se fosse sua, ou seja com o propósito de não a restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, passando a agir animo domini. O crime de abuso de confiança traduz-se numa apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio. Daqui resulta que o crime de abuso de confiança, tal como o crime de furto, é um crime patrimonial pertencente à subespécie dos crimes contra a propriedade; tem como objecto de acção, tal como o furto, uma coisa móvel alheia; e, ainda como o furto, revela-se por um acto que traduz o mesmo conteúdo substancial de ilicitude, uma apropriação, No caso do crime de abuso confiança para além da apropriação, torna-se ainda indispensável que o agente tenha detido a coisa (que a coisa «lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade», como claramente se exprime o art. 205º-1). Pressupõe-se neste ilícito uma entrega e recebimento lícitos de uma coisa móvel por título que não implique transferência de propriedade nem justifique a apropriação, mas antes obrigue à restituição ou a um uso ou fim determinado. Efectivamente, sem a entrega nos termos referidos, estaremos no domínio possível do furto Neste, a coisa, passa para por subtracção, isto é, sem vontade do detentor, para o poder do agente; no ilícito em apreço a coisa não é subtraída, mas entregue: é confiada ou posta à disposição do agente do crime, por vontade do detentor. Acresce ainda que se torna essencial que a coisa móvel objecto do crime de abuso de confiança tenha sido previamente entregue, por título não translativo da respectiva propriedade, ao agente do ilícito. Como referem Simas Santos e Leal Henriques, para que se verifique este elemento basta que o agente esteja investido de um poder sobre a coisa que lhe dê a possibilidade de a desencaminhar ou dissipar, não sendo necessário um prévio acto material de entrega do objecto.[10] Finalmente a aludida actuação do agente animu domini, carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que ele já estar a dispor da coisa como se fosse sua. Neste sentido, escreveu-se no Ac. da R.P., de 24 de Maio de 1995, in CJ, Ano XX, Tomo III, pág. 262, que, continuando a coisa em poder do agente, não tendo por ele sido alienada ou consumida, a simples negativa de restituição ou omissão de emprego para determinado fim não significa, necessariamente, apropriação ilegítima, pois que a inversão do título de posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse. De igual modo refere José António Barreiros, in Crimes contra o Património, pág. 110, que o evidenciar-se que o agente alienou, onerou, destruiu ou danificou deliberadamente a coisa que estava em seu poder são factos objectivos que evidenciam a apropriação relevante para caracterizar o abuso de confiança. Na mesma senda, aliás, se escreveu no Ac. do STJ, de 10 de Janeiro de 2002, in CJ/STJ, Ano X, Tomo I, pág. 162: “O crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente que receba a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir animo domini, devendo, porém, entender-se que a inversão do título da posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse”. Ora no caso em apreço, dúvidas não existem que os arguidos detêm a posse do tractor, negando-se à restituição do mesmo. Falta porém o elemento apropriação ilegítima. Para que esta exista conforme supra se referiu, necessários se torna que o agente pratique actos como seu proprietário fosse, fazendo entrá-la no seu património, dispondo dela como coisa sua. Ou seja, não tem qualquer propósito de a restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, ou sabendo que não mais o poderia fazer[11] No entanto, a mera negação de restituição não significa necessariamente que a apropriação seja ilegítima. Conforme refere Nelson Hungria para que a apropriação indevida se verifique torna-se necessário que a mesma seja procedida ou acompanhada de circunstâncias que inequivocamente revelem o arbitrário “animus rem sibi habendi”, ou que não haja, de todo, qualquer fundamento legal ou motivo razoável para a recusa[12] E precisamente o direito de retenção pode legitimar a negativa de restituição pode legitimar a negativa de restituição. O mesmo se diga quando o agente revela uma intenção de restituir, no prazo e nas condições que juridicamente considera devidas[13] Ora conforme as próprias testemunhas do Assistente referem, os arguidos sempre declararam que caso a divida lhes fosse paga, devolveriam o tractor. Ou seja, nunca existiu por parte dos arguidos qualquer intenção de apropriação do tractor, sendo que a sua posse era do conhecimento do E………. que sabendo a autorizou, como se depreende quer da sua versão quer da versão do arguido. Este último referiu que sempre teve o tractor como pertencente ao E………. e que foi este que o ajudou a transportá-lo da quinta para o seu reboque a fim de o transporta para a oficina. O E………., apesar de referir que o arguido o retirou sem o seu consentimento da quinta, e após o arguido lhe ter comunicado que se encontrava na sua oficina por só assim poder colocar uma peça, terá aceite tal e como tal autorizado que o tractor se mantivesse na posse daquele. Aliás tal atitude não é de estranhar, pois o E………. estando interessado na proposta do arguido em colocar no tractor um corta mato, seria lógico que não impedisse o transporte daquele para a oficina se tal se mostrasse indispensável para a montagem em questão. No dizer desta testemunha (conforme depoimento prestado em instrução) quando os “tempos foram passando” e não havia notícias do arguido é que procurou este, deparando-se então com a exigência de pagamento da dívida, e em virtude de não ter sido possível chegar a um acordo, levou a que desse conhecimento aos seu pai, Assistente nos autos o qual veio apresentar a queixa que originou os presentes autos. Assim e conforme se refere na decisão recorrida, “a eventual ilegalidade da retenção levada a cabo pelos arguidos é uma questão do foro civilístico, sem qualquer relevância criminal, designadamente no que concerne ao tipo de ilícito que o assistente pretende imputar aos arguidos.” Não existindo a intenção de apropriação do tractor por parte dos arguidos, estará como é óbvio afastado não só o crime de abuso de confiança como o de crime de furto, por falta do elemento subjectivo de dolo. Nada impedirá como é óbvio que em sede civil, se discuta da validade, existência e tipo de negócio jurídico efectuado entre o Assistente, ou o filho E………. e os arguidos e subsequentemente da legalidade da retenção, matérias essas no entanto que não têm cabimento no foro criminal, por inexistência de indícios bastantes da prática de um crime. Em conclusão: não existem nos autos indícios suficientes da prática pelos arguido do crime de abuso de confiança, ou mesmo do crime de furto p. e p. respectivamente pelos art.s 205º nºs 1 e 203º nº 1 do Cod. Penal *III DECISÃO Pelo exposto, os Juízes desta Relação julgam improcedente o recurso e, em consequência, mantêm a decisão instrutória recorrida. Vai o recorrente condenado em 3 UCs de taxa de justiça (tomando-se em conta o apoio judiciário concedido) (processado por computador e revisto pelo1º signatário- artº 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal) Porto, 2 de Dezembro de 2009 Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas Luís Augusto Teixeira ________________________ [1] cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada. [2] “A instrução – importa acentuar – não é um novo inquérito, mas tão-só um momento processual de comprovação; não visa um juízo sobre o mérito, mas apenas um juízo sobre acusação, em ordem a verificar da admissibilidade da submissão do arguido a julgamento com base na acusação que lhe é formulada.” Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado e comentado, 12ª ed., p. 572. [3] cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 170. [4] cfr. Idem, ibidem, pág. 166. [5] “ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis” cfr. Tolda Pinto, “A Tramitação Processual Penal”, 2ª. ed., pág. 701. [6] “a simples dedução de acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado, o que leva a defender que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal” 1º vol., 1981, pág. 133. [7] “Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Essa possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando dos elementos de prova recolhidos nos autos forma a convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.” Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 179 [8] Cfr. Ac. RP 4/1/06, proc. 513975, www.dgsi.pt: “No culminar da fase de instrução, o juízo de pronúncia deve, em regra, passar por três fases: (i) um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, a indagação de todos os elementos probatórios produzidos; (ii) um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido (iii) e um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir que predomina uma razoável possibilidade de o arguido vir a ser condenado por esses factos ou vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.” [9] Há aqui que ter em conta a limitação decorrente do disposto no nº 1 do art. 309º do C.P.P. [10] in Cod. Penal anotado, Vol 2, pag.688, 3ª Edição [11] Simas Santos e lela Henriques in Cod. Penal anotado, Vol 2, pag.686, 3ª Edição [12] in Comentário ao Código Penal Brasileiro, 135) [13] Figueiredo Dias in Comenta´rio Conimbricense, Vol II, pag. 108