Processo:169/04.5IDPRT.P1
Data do Acordão: 09/03/2010Relator: VASCO FREITASTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - A leitura pública da sentença é sempre obrigatória, mesmo naqueles casos em que, fundadamente, se decidiu pela exclusão ou pela restrição da publicidade da audiência. II - A omissão dessa leitura constitui uma nulidade insanável

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
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Relator
VASCO FREITAS
Descritores
SENTENÇA PENAL PUBLICIDADE NULIDADE INSANÁVEL
No do documento
Data do Acordão
03/10/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
ANULADO O PROCESSADO.
Sumário
I - A leitura pública da sentença é sempre obrigatória, mesmo naqueles casos em que, fundadamente, se decidiu pela exclusão ou pela restrição da publicidade da audiência. II - A omissão dessa leitura constitui uma nulidade insanável
Decisão integral
Recurso nº 169/04.5IDPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO 
No ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, foi proferida sentença, que condenou o arguido B………. identificado nos autos pela prática, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, mediante a obrigação de este proceder, no prazo de 2 (dois) anos, ao pagamento solidário, à Fazenda Pública, das quantias de que, enquanto representante da «C……….», se apropriou.
● Inconformado, recorre o arguido para este Tribunal, concluindo assim na respectiva motivação (transcreve-se): 
“1) A condenação do Recorrente corno autor de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p, e p, pelo artigo 105º, nº1 do Regime Geral das infracções Tributárias, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, subordinada a suspensão à condição de, no prazo de 2 anos efectuar o pagamento "das quantias que, enquanto representante da Arguida "C……….", se apropriou, é ilegal por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, quanto à responsabilidade criminal, e do princípio da culpa, quanto à escolha da pena, determinação da medida e condição da suspensão,
II) Deve ser declarada a inconstitucionalidade do art. 39º, nº1 e 2 do Decreto-Lei 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas ai mencionadas, o que manifesta nos termos do art. 412º, nº 5 do CPP.
III) Na declaração de inconstitucionalidade da norma, inexiste obrigação de pagamento das dívidas tributárias da co-arguida associação "C……….", por não integrar o recorrente o conceito de "devedor tributário",
IV) O crime de abuso de confiança fiscal, pp, no artigo 105º, nº 1 do RGIT, não é um crime específico próprio, mas um crime comum que pode ser praticado por quem quer, preenchidos que se mostrem os elementos do tipo e reunidas que sejam as condições objectivas de punibilidade,
V) O artigo 105º, nº 4 do RGIT constitui uma condição de punibilidade que delimita negativamente ai imputabilidade penal das condutas comuns de abuso de confiança fiscal aos devedores tributários notificados para os efeitos previstos na norma, não podendo tal notificação ser dirigida, nem podendo a condição objectiva ser preenchida, na pessoa dos que não sejam devedores tributários.
VI)	Os princípios da tipicidade e da fragmentaridade do direito penal excluem a interpretação e aplicação da norma do artigo 6º do RGIT, com a dimensão normativa de extensão de tipos legais para colmatar eventuais lacunas de punibilidade [ainda que se tratasse de crime especial próprio, como erradamente qualificado na sentença].
VII) O campo de aplicação da norma geral do artigo 6º do RGIT deve considerar-se negativamente delimitado, por efeito da aplicação da norma consagrada no artigo 105, nº 4 do mesmo diploma, às pessoas que actuando em nome de outrem sejam simultaneamente os devedores tributários susceptíveis de serem notificados para preenchimento da condição objectiva de punibilidade prevista nesta norma.
VIII) Pelo que é inconstitucional a norma aplicada do artigo 6º do RGIT, com a dimensão de estender a punibilidade das condutas de quem actua em nome de outrem a agentes que não sejam, simultaneamente os devedores tributários na pessoa dos quais deva ser efectuada a notificação a que alude o nº 4 do arte 105º do RGIT, por violação dos princípios consagrados nos artigos 29, nº 1 e 32 nº 1 da Constituição da República.
IX) Demais que apenas as leis substantivas tributárias têm a virtualidade de definir quem são ou não responsáveis pelo pagamento das dívidas fiscais, não podendo a obrigação de pagamento de imposto ser criada por fonte judicial;
X) Pelo que se impõe a absolvição do recorrente que não é o devedor a quem deva ser efectuada a notificação, prevista no artigo 105º, nº 4 do RGIT, igualmente violado.
Sem prescindir,
XI) Atenta a natureza do tipo legal, e a factualidade apurada relativa ao agente – incluindo motivações, à reparação parcial, tempo decorrido desde a prática dos factos, inserção pessoal, empresarial e social, com prova positiva de interiorização e cumprimento das obrigações tributárias pelo recorrente e pelas várias sociedades a que se encontra ligado – a opção do tribunal recorrido pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa, viola o princípio da culpa como limite da punição, consagrado no artigo 40º do Código Penal e o regime de escolha da pena consagrado nos artigos 43º, 70º e 71 do mesmo diploma,
XII) Dos factos provados decorre, em concreto, poder formular-se um juízo de prognose favorável no tocante às exigências de prevenção especial, justificando-se a escolha da pena de multa, em número de dias e por montante que se não afastem dos mínimos legais.
XIII) Ao aplicar pena de prisão ao Recorrente o tribunal violou o regime dos artigos 40º, 43º, 70º e 71º do Código Penal.
XIV) Ao sustentar a aplicação de pena detentiva em razões de ordem abstracta, ao invés de razões de facto, concretamente legitimadoras daquela aplicação, não logrou a instância recorrida suprir a nulidade de que padecia – e volta a padecer– a sentença proferida.
Sempre sem prescindir,
XV) A imposição da condição de obrigação de pagamento dos impostos devidos por co-arguida terceira – na ausência de norma que responsabilize o Recorrente, directa ou subsidiariamente pelo pagamento dos impostos devidos pela "C………." – não cumpre qualquer das finalidades previstas para as penas criminais e traduz a criação de obrigação tributária a descoberto da lei e com preclusão das garantias do contribuinte que seriam as próprias dos processos executivos tributários.
XVI) Pelo que tal imposição é ilegal, por violação do regime dos artigos 14º do RGIT e 50º e segs. do Código Penal.
Ainda sem prescindir,
XVII) A norma do artigo 14º, nº 1 do RGIT que impõe a obrigatória subordinação da suspensão da pena de prisão à condição do pagamento, em prazo, da dívida tributária, incorpora a aceitação da admissibilidade da prisão por dívidas, uma vez que condiciona a manutenção da liberdade à capacidade económica ou financeira do arguido, com o que introduz uma descriminação em função da condição económica.
XVIII) A descriminação de cidadãos iguais na dignidade dos direitos em função da condição económica viola o princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição da República.
XIX) E, a prisão por dívidas é constitucionalmente proibida por força dos princípios constitucionais que consagram a recepção das leis e regras de direito internacional — ínter alia dos artigos 11º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e artigo lº , do Protocolo n.º 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; cf. artigos 8º, nº 1 e 16º, nº l da Constituição da República Portuguesa,
XX) Deve ser declarada a inconstitucionalidade material da norma do art'º 14º, nº 1 do RGIT por violação dos princípios e normas indicadas.
Termos em que deve ser revogada a, aliás douta sentença recorrida, e substituída por decisão que:
- absolva o arguido da acusação de autoria de crime de abuso de confiança fiscal, por não ser devedor tributário, nem a pessoa a quem possa ser oposta a condição de punibilidade do artº 105º, nº 4 do RGIT;
Ou, sem prescindir, mantendo-se a condenação
- determine a aplicação de pena de multa por dias, e quantitativo, que se não afastem dos mínimos legais,
Como é de DIREITO e de JUSTIÇA!”*O MºPº apresentou resposta sustentando a decisão recorrida, alegando essencialmente que:
1ª) A douta sentença ora em crise mostra-se correctamente fundamentada e não padece de qualquer dos viciosa que alude o art° 410°, n° 2 do Código de Processo Penal.
2ª) Afigura-se-nos que a notificação a que alude o art° 105°, n° 4 RGIT foi correctamente realizada no recorrente e traduz-se, até, a nosso ver, num direito inalienável do arguido.
3ª) No verdade, sendo o mesmo um dos agentes da infracção fiscal a que a lei conferiu tutela penal, por ter agido em representação do sujeito passivo da relação tributária, é um direito inalienável do arguido, face à actual redacção do RGIT, ser notificado para o cumprimento do condição objectiva do punibilidade, cuja satisfação tempestiva implica, sem mais, o arquivamento do processo.
4ª) E esta interpretação nada tem de inconstitucional, bem pelo contrário, é bem mais conforme à constituição que a leitura da lei que conclui que um arguido num processo criminal de natureza fiscal - facto cuja justeza o arguido não ataca minimamente - não possa mediante a reposição da verdade fiscal num determinado período ver findo o processo, sendo certo que poderia obter tal consequência se fosse outrem, o sujeito passivo fiscal, a fazê-lo.
5ª) Ou seja e em traços gerais, o julgamento e eventual condenação de um arguido poderia ser evitada pela reposição da verdade fiscal por outrem, designadamente a associação que representou e que já não representa, mas ele próprio não poderia evitar a sua sujeição a julgamento. Esta sim, nos parece uma interpretação das normas fiscais aplicáveis desconforme à Constituição do República Portuguesa.
6ª) Discordamos frontalmente do ideia segundo a qual, no caso dos autos, a pena de multa satisfaz as exigências de prevenção. Efectivamente, além das gravíssimas exigências de prevenção geral associadas aos ilícitos contra o património do Estado - os quais são inacreditavelmente frequentes no nosso país e cuja gravidade ao próprio arguido aceita, por isso tendo havido reparação parcial - a sociedade reclama para eles uma punição exemplar, não só porque colocam os cidadãos e as empresas do mesmo país numa situação de absoluta desigualdade como promove uma concorrência absolutamente ilegítima entre os cumpridores das suas obrigações perante o Estado e os que actuam no ilegalidade.
7ª) O grau de ilicitude da conduta é já elevado, agiu com dolo directo e manifesta levado grau de culpa. Com efeito, a acção ilícita prolongou-se no tempo por alguns anos, é considerável o montante subtraído ao Estado, exigindo os cidadãos cumpridores que a acção dos Tribunais faça sentir aos demais que a sua actuação não é compensadora.
8ª) De resto, não são despiciendas as exigências de prevenção especial já que, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais e se encontrar profissionalmente activo, não parece estar consciente dos valores sociais dominantes por forma a não repetir condutas delituosas tão lesivas do bem comum como as ora em causa, sendo certo que a atitude auto-desresponsabilizadora que parece ter adoptado em audiência de julgamento para fundamentar a sua actuação é um evidente indício que são relevantes também as exigências de prevenção especial.
9ª) Efectivamente, a obrigação a que o arguido fica sujeito como um dos obstáculos que impede a execução da pena de prisão é fundada no lei, como linearmente decorre do artº 53° e ss. do Código Penal.
10ª) O Juiz tem o poder/dever de não ordenar a execução da pena de prisão sujeitando o arguido ao cumprimento de deveres/obrigações. E foi só isso que o Mmº. Juiz a quo fez e não criou qualquer obrigação tributária, como se nos afigura claro.
11ª) Por acção exclusiva do recorrente, a associação arguida lesou o Estado numa significativa quantia monetária. Existem relevantes exigências de prevenção especial, pelo que, tendo em vista a ressocialização, do arguido, é fundamental impor-lhe como condição do suspensão da execução da pena de prisão, decisão esta hoje inteiramente justificada, uma condição que, definitivamente, sensibilize o arguido para os malefícios da sua conduta e para as consequências desta, objectivo cuja melhor forma de alcançar reside exactamente no fixação da condição definida na douta sentença.
12ª) O que se exige ao arguido recorrente, bem como ao demais, é que devolvam aos Cofres do Estado as quantias que neles não depositaram e de que ilegitimamente se apropriaram. Se tais quantias vieram à posse dos arguidos ilegitimamente nada mais razoável que impor a quem por tal é responsável, como condição do suspensão da execução da prisão, a reposição dos montantes devidos nos cofres do entidade lesada.
13ª) A pena de multa não satisfaz plenamente as exigências de prevenção nos presentes autos, já que são muito acentuadas as exigências de prevenção geral associadas a este tipo de ilícito - os quais são inacreditavelmente frequentes no nosso país - e a sociedade reclama para eles uma punição exemplar, não só porque colocam os cidadãos do mesmo país numa situação de absoluta desigualdade como promove uma concorrência absolutamente ilegítima entre os cumpridores das suas obrigações perante o Estado e os que actual na ilegalidade, penalizando os mais necessitados da vertente social do Estado.
14ª) Mo foi por qualquer forma violado, na douta decisão em apreço, qualquer norma legal, designadamente o estatuído nos art°s 40°, 70º e 71° do Código Penal nem os artºs 6° e 104° do RGIT e, muito menos, qualquer comando da Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa).
Por todo o exposto, parece-nos dever improceder o recurso apresentado, mas Vºs. Exºs., como sempre, farão inteira justiça.
JUSTIÇA.”*O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.*Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.*II – FUNDAMENTAÇÃO 
Cumpre, pois, apreciar e decidir. 
E fazendo-o, cumpre desde já apreciar uma questão prévia que obsta ao conhecimento do recurso e referente à falta de audiência pública de leitura da sentença. 
De relevante para o conhecimento e da análise do autos verifica-se que o Mm.º Juiz, em 16 de Julho de 2009, após tecer em despacho vários considerandos relativamente ao Acórdão proferido anteriormente por esta Relação e em cumprimento do mesmo elaborou de seguida sentença, ordenando a final que se procedesse ao respectivo depósito e à sua notificação aos respectivos sujeitos processuais. (fls. 603 a 634)
Posteriormente, em 17 de Julho de 2009 foi lavrada a declaração de depósito (fls. 639). 
Ora a nosso ver a falta de leitura da sentença, na medida em que é com ela que se concretiza a sua publicitação obrigatória, constitui nulidade.
Por sufragarmos a posição do Ac. da Rel. Lisboa de 27/05/09
«A leitura da sentença é feita em audiência não só porque é um meio simples e rápido de dar conhecimento do seu conteúdo às partes, vinculando o juiz que a não pode alterar depois, mas sobretudo porque desempenha um fim moralizador e reparador; pois no caso de condenação mostra que as infracções são punidas, e no caso de absolvição começa a reparação do mal causado ao réu com o processo penal. É por isto que a sentença é sempre lida publicamente, mesmo quando a audiência fôr secreta [...].». 
E seguidamente acrescenta: «A leitura da sentença constitui um dos actos finais da audiência de julgamento. 
A audiência a que este artigo se refere não é uma audiência especialmente marcada para a leitura da sentença, mas a própria audiência de julgamento. 
(...) E como a audiência de julgamento é em regra pública, também publicamente é lida a sentença. 
Mas mesmo no caso de a audiência ser declarada secreta a leitura da sentença deve ser feita publicamente.»[1]. 
Este princípio geral da publicidade das audiências dos tribunais encontra-se consagrado no artigo 206.º da CRP, e no artigo 321.º, n.º 1, do Cod. Proc. Penal e a fulminar com nulidade insanável qualquer desvio, não fundamentado, daquele princípio. 
A audiência engloba a leitura da sentença, terminando com a leitura pública da decisão judicial que conhece a final do objecto do processo.
Assim a leitura pública da sentença é obrigatória, sendo que mesmo nos casos de exclusão da publicidade da audiência, não abrange, em caso algum, a leitura da sentença art. 87.º, n.º 5 do Cod. Proc. Penal, incorrendo o tribunal em nulidade insanável quando omita tal leitura, (referido art. 321.º, n.º 1). 
Em suma: a leitura pública da sentença é sempre obrigatória, mesmo naqueles casos em que o tribunal, fundadamente, se decidiu pela exclusão ou pela restrição da publicidade da audiência. 
A omissão dessa leitura constitui uma nulidade insanável[2]. 
Tal nulidade deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento artigo 119.ºdo Cod. Proc. Penal e, consequentemente, também em sede de recurso. 
Assim sendo haverá que declarar nulo o processado posterior à sentença, ficando prejudicada, consequentemente, a apreciação das questões suscitadas pelo recurso. *III – DECISÃO 
– Decidem os Juizes deste Tribunal declara-se nulo o processado posterior à sentença devendo a 1.ª instância proceder em conformidade com as normas legais, nomeadamente designando data para a leitura da sentença (art. 372., n.º 3 do Cod. Proc. Penal). 
Sem custas
(processado por computador e revisto pelo 1º signatário- artº 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal)

Porto 10 de Março de 2010
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição

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[1] Comentário ao Código de Processo Penal Português, 5.º Volume, pp. 216, Coimbra Editora, Lim., Coimbra – 1934.
[2] vide Ac. Rel. de Lisboa, Decisão sumária de 4-11-2008, proc.º n.º 7365/08-5ª, relator Luís Gominho, e ACRL de 09-09-2008, proc. n.º 4872/08-5ª, relator Nuno Gomes da Silva, in www.dgsi.pt.

Recurso nº 169/04.5IDPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, foi proferida sentença, que condenou o arguido B………. identificado nos autos pela prática, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, mediante a obrigação de este proceder, no prazo de 2 (dois) anos, ao pagamento solidário, à Fazenda Pública, das quantias de que, enquanto representante da «C……….», se apropriou. ● Inconformado, recorre o arguido para este Tribunal, concluindo assim na respectiva motivação (transcreve-se): “1) A condenação do Recorrente corno autor de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p, e p, pelo artigo 105º, nº1 do Regime Geral das infracções Tributárias, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, subordinada a suspensão à condição de, no prazo de 2 anos efectuar o pagamento "das quantias que, enquanto representante da Arguida "C……….", se apropriou, é ilegal por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, quanto à responsabilidade criminal, e do princípio da culpa, quanto à escolha da pena, determinação da medida e condição da suspensão, II) Deve ser declarada a inconstitucionalidade do art. 39º, nº1 e 2 do Decreto-Lei 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas ai mencionadas, o que manifesta nos termos do art. 412º, nº 5 do CPP. III) Na declaração de inconstitucionalidade da norma, inexiste obrigação de pagamento das dívidas tributárias da co-arguida associação "C……….", por não integrar o recorrente o conceito de "devedor tributário", IV) O crime de abuso de confiança fiscal, pp, no artigo 105º, nº 1 do RGIT, não é um crime específico próprio, mas um crime comum que pode ser praticado por quem quer, preenchidos que se mostrem os elementos do tipo e reunidas que sejam as condições objectivas de punibilidade, V) O artigo 105º, nº 4 do RGIT constitui uma condição de punibilidade que delimita negativamente ai imputabilidade penal das condutas comuns de abuso de confiança fiscal aos devedores tributários notificados para os efeitos previstos na norma, não podendo tal notificação ser dirigida, nem podendo a condição objectiva ser preenchida, na pessoa dos que não sejam devedores tributários. VI) Os princípios da tipicidade e da fragmentaridade do direito penal excluem a interpretação e aplicação da norma do artigo 6º do RGIT, com a dimensão normativa de extensão de tipos legais para colmatar eventuais lacunas de punibilidade [ainda que se tratasse de crime especial próprio, como erradamente qualificado na sentença]. VII) O campo de aplicação da norma geral do artigo 6º do RGIT deve considerar-se negativamente delimitado, por efeito da aplicação da norma consagrada no artigo 105, nº 4 do mesmo diploma, às pessoas que actuando em nome de outrem sejam simultaneamente os devedores tributários susceptíveis de serem notificados para preenchimento da condição objectiva de punibilidade prevista nesta norma. VIII) Pelo que é inconstitucional a norma aplicada do artigo 6º do RGIT, com a dimensão de estender a punibilidade das condutas de quem actua em nome de outrem a agentes que não sejam, simultaneamente os devedores tributários na pessoa dos quais deva ser efectuada a notificação a que alude o nº 4 do arte 105º do RGIT, por violação dos princípios consagrados nos artigos 29, nº 1 e 32 nº 1 da Constituição da República. IX) Demais que apenas as leis substantivas tributárias têm a virtualidade de definir quem são ou não responsáveis pelo pagamento das dívidas fiscais, não podendo a obrigação de pagamento de imposto ser criada por fonte judicial; X) Pelo que se impõe a absolvição do recorrente que não é o devedor a quem deva ser efectuada a notificação, prevista no artigo 105º, nº 4 do RGIT, igualmente violado. Sem prescindir, XI) Atenta a natureza do tipo legal, e a factualidade apurada relativa ao agente – incluindo motivações, à reparação parcial, tempo decorrido desde a prática dos factos, inserção pessoal, empresarial e social, com prova positiva de interiorização e cumprimento das obrigações tributárias pelo recorrente e pelas várias sociedades a que se encontra ligado – a opção do tribunal recorrido pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa, viola o princípio da culpa como limite da punição, consagrado no artigo 40º do Código Penal e o regime de escolha da pena consagrado nos artigos 43º, 70º e 71 do mesmo diploma, XII) Dos factos provados decorre, em concreto, poder formular-se um juízo de prognose favorável no tocante às exigências de prevenção especial, justificando-se a escolha da pena de multa, em número de dias e por montante que se não afastem dos mínimos legais. XIII) Ao aplicar pena de prisão ao Recorrente o tribunal violou o regime dos artigos 40º, 43º, 70º e 71º do Código Penal. XIV) Ao sustentar a aplicação de pena detentiva em razões de ordem abstracta, ao invés de razões de facto, concretamente legitimadoras daquela aplicação, não logrou a instância recorrida suprir a nulidade de que padecia – e volta a padecer– a sentença proferida. Sempre sem prescindir, XV) A imposição da condição de obrigação de pagamento dos impostos devidos por co-arguida terceira – na ausência de norma que responsabilize o Recorrente, directa ou subsidiariamente pelo pagamento dos impostos devidos pela "C………." – não cumpre qualquer das finalidades previstas para as penas criminais e traduz a criação de obrigação tributária a descoberto da lei e com preclusão das garantias do contribuinte que seriam as próprias dos processos executivos tributários. XVI) Pelo que tal imposição é ilegal, por violação do regime dos artigos 14º do RGIT e 50º e segs. do Código Penal. Ainda sem prescindir, XVII) A norma do artigo 14º, nº 1 do RGIT que impõe a obrigatória subordinação da suspensão da pena de prisão à condição do pagamento, em prazo, da dívida tributária, incorpora a aceitação da admissibilidade da prisão por dívidas, uma vez que condiciona a manutenção da liberdade à capacidade económica ou financeira do arguido, com o que introduz uma descriminação em função da condição económica. XVIII) A descriminação de cidadãos iguais na dignidade dos direitos em função da condição económica viola o princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição da República. XIX) E, a prisão por dívidas é constitucionalmente proibida por força dos princípios constitucionais que consagram a recepção das leis e regras de direito internacional — ínter alia dos artigos 11º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e artigo lº , do Protocolo n.º 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; cf. artigos 8º, nº 1 e 16º, nº l da Constituição da República Portuguesa, XX) Deve ser declarada a inconstitucionalidade material da norma do art'º 14º, nº 1 do RGIT por violação dos princípios e normas indicadas. Termos em que deve ser revogada a, aliás douta sentença recorrida, e substituída por decisão que: - absolva o arguido da acusação de autoria de crime de abuso de confiança fiscal, por não ser devedor tributário, nem a pessoa a quem possa ser oposta a condição de punibilidade do artº 105º, nº 4 do RGIT; Ou, sem prescindir, mantendo-se a condenação - determine a aplicação de pena de multa por dias, e quantitativo, que se não afastem dos mínimos legais, Como é de DIREITO e de JUSTIÇA!”*O MºPº apresentou resposta sustentando a decisão recorrida, alegando essencialmente que: 1ª) A douta sentença ora em crise mostra-se correctamente fundamentada e não padece de qualquer dos viciosa que alude o art° 410°, n° 2 do Código de Processo Penal. 2ª) Afigura-se-nos que a notificação a que alude o art° 105°, n° 4 RGIT foi correctamente realizada no recorrente e traduz-se, até, a nosso ver, num direito inalienável do arguido. 3ª) No verdade, sendo o mesmo um dos agentes da infracção fiscal a que a lei conferiu tutela penal, por ter agido em representação do sujeito passivo da relação tributária, é um direito inalienável do arguido, face à actual redacção do RGIT, ser notificado para o cumprimento do condição objectiva do punibilidade, cuja satisfação tempestiva implica, sem mais, o arquivamento do processo. 4ª) E esta interpretação nada tem de inconstitucional, bem pelo contrário, é bem mais conforme à constituição que a leitura da lei que conclui que um arguido num processo criminal de natureza fiscal - facto cuja justeza o arguido não ataca minimamente - não possa mediante a reposição da verdade fiscal num determinado período ver findo o processo, sendo certo que poderia obter tal consequência se fosse outrem, o sujeito passivo fiscal, a fazê-lo. 5ª) Ou seja e em traços gerais, o julgamento e eventual condenação de um arguido poderia ser evitada pela reposição da verdade fiscal por outrem, designadamente a associação que representou e que já não representa, mas ele próprio não poderia evitar a sua sujeição a julgamento. Esta sim, nos parece uma interpretação das normas fiscais aplicáveis desconforme à Constituição do República Portuguesa. 6ª) Discordamos frontalmente do ideia segundo a qual, no caso dos autos, a pena de multa satisfaz as exigências de prevenção. Efectivamente, além das gravíssimas exigências de prevenção geral associadas aos ilícitos contra o património do Estado - os quais são inacreditavelmente frequentes no nosso país e cuja gravidade ao próprio arguido aceita, por isso tendo havido reparação parcial - a sociedade reclama para eles uma punição exemplar, não só porque colocam os cidadãos e as empresas do mesmo país numa situação de absoluta desigualdade como promove uma concorrência absolutamente ilegítima entre os cumpridores das suas obrigações perante o Estado e os que actuam no ilegalidade. 7ª) O grau de ilicitude da conduta é já elevado, agiu com dolo directo e manifesta levado grau de culpa. Com efeito, a acção ilícita prolongou-se no tempo por alguns anos, é considerável o montante subtraído ao Estado, exigindo os cidadãos cumpridores que a acção dos Tribunais faça sentir aos demais que a sua actuação não é compensadora. 8ª) De resto, não são despiciendas as exigências de prevenção especial já que, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais e se encontrar profissionalmente activo, não parece estar consciente dos valores sociais dominantes por forma a não repetir condutas delituosas tão lesivas do bem comum como as ora em causa, sendo certo que a atitude auto-desresponsabilizadora que parece ter adoptado em audiência de julgamento para fundamentar a sua actuação é um evidente indício que são relevantes também as exigências de prevenção especial. 9ª) Efectivamente, a obrigação a que o arguido fica sujeito como um dos obstáculos que impede a execução da pena de prisão é fundada no lei, como linearmente decorre do artº 53° e ss. do Código Penal. 10ª) O Juiz tem o poder/dever de não ordenar a execução da pena de prisão sujeitando o arguido ao cumprimento de deveres/obrigações. E foi só isso que o Mmº. Juiz a quo fez e não criou qualquer obrigação tributária, como se nos afigura claro. 11ª) Por acção exclusiva do recorrente, a associação arguida lesou o Estado numa significativa quantia monetária. Existem relevantes exigências de prevenção especial, pelo que, tendo em vista a ressocialização, do arguido, é fundamental impor-lhe como condição do suspensão da execução da pena de prisão, decisão esta hoje inteiramente justificada, uma condição que, definitivamente, sensibilize o arguido para os malefícios da sua conduta e para as consequências desta, objectivo cuja melhor forma de alcançar reside exactamente no fixação da condição definida na douta sentença. 12ª) O que se exige ao arguido recorrente, bem como ao demais, é que devolvam aos Cofres do Estado as quantias que neles não depositaram e de que ilegitimamente se apropriaram. Se tais quantias vieram à posse dos arguidos ilegitimamente nada mais razoável que impor a quem por tal é responsável, como condição do suspensão da execução da prisão, a reposição dos montantes devidos nos cofres do entidade lesada. 13ª) A pena de multa não satisfaz plenamente as exigências de prevenção nos presentes autos, já que são muito acentuadas as exigências de prevenção geral associadas a este tipo de ilícito - os quais são inacreditavelmente frequentes no nosso país - e a sociedade reclama para eles uma punição exemplar, não só porque colocam os cidadãos do mesmo país numa situação de absoluta desigualdade como promove uma concorrência absolutamente ilegítima entre os cumpridores das suas obrigações perante o Estado e os que actual na ilegalidade, penalizando os mais necessitados da vertente social do Estado. 14ª) Mo foi por qualquer forma violado, na douta decisão em apreço, qualquer norma legal, designadamente o estatuído nos art°s 40°, 70º e 71° do Código Penal nem os artºs 6° e 104° do RGIT e, muito menos, qualquer comando da Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa). Por todo o exposto, parece-nos dever improceder o recurso apresentado, mas Vºs. Exºs., como sempre, farão inteira justiça. JUSTIÇA.”*O recurso foi admitido. Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.*Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta. Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência. Cumpre decidir.*II – FUNDAMENTAÇÃO Cumpre, pois, apreciar e decidir. E fazendo-o, cumpre desde já apreciar uma questão prévia que obsta ao conhecimento do recurso e referente à falta de audiência pública de leitura da sentença. De relevante para o conhecimento e da análise do autos verifica-se que o Mm.º Juiz, em 16 de Julho de 2009, após tecer em despacho vários considerandos relativamente ao Acórdão proferido anteriormente por esta Relação e em cumprimento do mesmo elaborou de seguida sentença, ordenando a final que se procedesse ao respectivo depósito e à sua notificação aos respectivos sujeitos processuais. (fls. 603 a 634) Posteriormente, em 17 de Julho de 2009 foi lavrada a declaração de depósito (fls. 639). Ora a nosso ver a falta de leitura da sentença, na medida em que é com ela que se concretiza a sua publicitação obrigatória, constitui nulidade. Por sufragarmos a posição do Ac. da Rel. Lisboa de 27/05/09 «A leitura da sentença é feita em audiência não só porque é um meio simples e rápido de dar conhecimento do seu conteúdo às partes, vinculando o juiz que a não pode alterar depois, mas sobretudo porque desempenha um fim moralizador e reparador; pois no caso de condenação mostra que as infracções são punidas, e no caso de absolvição começa a reparação do mal causado ao réu com o processo penal. É por isto que a sentença é sempre lida publicamente, mesmo quando a audiência fôr secreta [...].». E seguidamente acrescenta: «A leitura da sentença constitui um dos actos finais da audiência de julgamento. A audiência a que este artigo se refere não é uma audiência especialmente marcada para a leitura da sentença, mas a própria audiência de julgamento. (...) E como a audiência de julgamento é em regra pública, também publicamente é lida a sentença. Mas mesmo no caso de a audiência ser declarada secreta a leitura da sentença deve ser feita publicamente.»[1]. Este princípio geral da publicidade das audiências dos tribunais encontra-se consagrado no artigo 206.º da CRP, e no artigo 321.º, n.º 1, do Cod. Proc. Penal e a fulminar com nulidade insanável qualquer desvio, não fundamentado, daquele princípio. A audiência engloba a leitura da sentença, terminando com a leitura pública da decisão judicial que conhece a final do objecto do processo. Assim a leitura pública da sentença é obrigatória, sendo que mesmo nos casos de exclusão da publicidade da audiência, não abrange, em caso algum, a leitura da sentença art. 87.º, n.º 5 do Cod. Proc. Penal, incorrendo o tribunal em nulidade insanável quando omita tal leitura, (referido art. 321.º, n.º 1). Em suma: a leitura pública da sentença é sempre obrigatória, mesmo naqueles casos em que o tribunal, fundadamente, se decidiu pela exclusão ou pela restrição da publicidade da audiência. A omissão dessa leitura constitui uma nulidade insanável[2]. Tal nulidade deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento artigo 119.ºdo Cod. Proc. Penal e, consequentemente, também em sede de recurso. Assim sendo haverá que declarar nulo o processado posterior à sentença, ficando prejudicada, consequentemente, a apreciação das questões suscitadas pelo recurso. *III – DECISÃO – Decidem os Juizes deste Tribunal declara-se nulo o processado posterior à sentença devendo a 1.ª instância proceder em conformidade com as normas legais, nomeadamente designando data para a leitura da sentença (art. 372., n.º 3 do Cod. Proc. Penal). Sem custas (processado por computador e revisto pelo 1º signatário- artº 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal) Porto 10 de Março de 2010 Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição ___________________________ [1] Comentário ao Código de Processo Penal Português, 5.º Volume, pp. 216, Coimbra Editora, Lim., Coimbra – 1934. [2] vide Ac. Rel. de Lisboa, Decisão sumária de 4-11-2008, proc.º n.º 7365/08-5ª, relator Luís Gominho, e ACRL de 09-09-2008, proc. n.º 4872/08-5ª, relator Nuno Gomes da Silva, in www.dgsi.pt.