Processo:2205/09.0TJVNF-A.P1
Data do Acordão: 11/10/2010Relator: RAMOS LOPESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - O titular do direito de regresso exerce um direito próprio à restituição do que pagou ao credor além da parte que lhe competia- artº 524º do Código Civil II - Para determinar se o invocado direito da apelada se encontra ou não prescrito perante o apelante, não interessa apurar se este é ou não um dos co-obrigados da obrigação de indemnização de que era titular o lesado (obrigação que se extinguiu pelo cumprimento levado a efeito pela apelante) — essa apreciação respeita ao mérito da pretensão da apelada. III - O que é decisivo, para apreciar se se verifica ou não a invocada prescrição, é apurar o direito que a autora pretende exercer com a presente acção — e esse direito é, indubitavelmente, o direito de regresso conferido pelo art. 524° do C.C., sujeito ao prazo prescricional de três anos, cujo termo inicial coincide com pagamento (com o momento do surgimento desse direito na esfera jurídica da autora). IV - Assim, considerando que a autora exerce na presente acção o direito de regresso que lhe é reconhecido pelo art. 524° do C.C. e que efectuou os pagamentos (que fizeram surgir na sua esfera jurídica o invocado direito de regresso) no ano de 2008, fácil é concluir que não decorreu ainda o prazo prescricional estabelecido no art. 498°, n° 2 do C.C..

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
RAMOS LOPES
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO DIREITO DE REGRESSO PRAZO DE PRESCRIÇÃO TERMO INICIAL PAGAMENTO INDEMNIZAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
10/12/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA A DECISÃO.
Sumário
I - O titular do direito de regresso exerce um direito próprio à restituição do que pagou ao credor além da parte que lhe competia- artº 524º do Código Civil II - Para determinar se o invocado direito da apelada se encontra ou não prescrito perante o apelante, não interessa apurar se este é ou não um dos co-obrigados da obrigação de indemnização de que era titular o lesado (obrigação que se extinguiu pelo cumprimento levado a efeito pela apelante) — essa apreciação respeita ao mérito da pretensão da apelada. III - O que é decisivo, para apreciar se se verifica ou não a invocada prescrição, é apurar o direito que a autora pretende exercer com a presente acção — e esse direito é, indubitavelmente, o direito de regresso conferido pelo art. 524° do C.C., sujeito ao prazo prescricional de três anos, cujo termo inicial coincide com pagamento (com o momento do surgimento desse direito na esfera jurídica da autora). IV - Assim, considerando que a autora exerce na presente acção o direito de regresso que lhe é reconhecido pelo art. 524° do C.C. e que efectuou os pagamentos (que fizeram surgir na sua esfera jurídica o invocado direito de regresso) no ano de 2008, fácil é concluir que não decorreu ainda o prazo prescricional estabelecido no art. 498°, n° 2 do C.C..
Decisão integral
Apelação nº 2205/09.0TJVNF-A.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira e
               Desembargador Marques de Castilho.

*Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
RELATÓRIO
*
Recorrente: Fundo de Garantia Automóvel.
Recorrida: B………., S.A..
Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão – .º Juízo.
*B………., S.A., intentou a presente acção com processo ordinário demandando o recorrente Fundo de Garantia Automóvel e C………., D………. e E………., pedindo a condenação solidária de todos no pagamento dos montantes de 51.184,39€ (correspondente a 50% da indemnização por si paga aos herdeiros de F……….) e de 8.380,97€ (correspondente a 50% da quantia por si reembolsada ao Instituto de Segurança Social, IP, em consequência da morte de F………).
Alega para tanto, em resumo, ter sido demandada como ré na acção 2458/04.0TJVNF, destinada à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, no qual teve intervenção veículo automóvel relativamente ao qual havia sido para si transferida a responsabilidade emergente da respectiva circulação, e um ciclomotor, pertencente e conduzido por G………., em que circulava como passageiro F……….. Após descrever a dinâmica do embate, alega que em consequência deste faleceram o condutor e o passageiro do ciclomotor, sendo que na sentença proferida na referida acção (confirmada por acórdãos da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça), ponderando o grau de violação dos deveres impostos a cada um dos condutores e as circunstâncias em que o embate ocorreu, se julgou justa a repartição das culpas em 50% para cada um, sendo atribuídas aos herdeiros do falecido F………. (esposa e dois filhos) as quantias de 50.000,00€ pela perda da vida do F………., 15.000,00€ pelos danos próprios de cada um (no total de 45.000,00€) e o valor de 1.181,88€ por danos patrimoniais (despesas de funeral), quantias acrescidas de juros desde a citação, tendo ainda sido atribuída ao Instituto de Segurança Social, IP, o valor de 14.788,06€, acrescida de juros, sendo a ali ré (aqui autora) condenada no pagamento da totalidade desses montantes, considerando a regra da solidariedade estabelecida no art. 497º, nº 1 do C.C., tendo efectuado aos herdeiros do F………. o pagamento da quantia global de 102.368,79€ em 22/07/2008 e o pagamento de 16.761,95€ em 14/07/2008 ao Instituto da Segurança Social. Alega por fim que as rés C………., D………. e E………. são as únicas herdeiras do G………., co-responsável pela ocorrência do embate, não beneficiando ele, à data do evento, de seguro válido e eficaz relativamente ao ciclomotor que tripulava, pelo que, considerando o direito de regresso (art. 497º, nº 2 do C.C.), tem o direito de exigir dos réus, metade dos montantes pagos aos herdeiros do F………. e ao Instituto da Segurança Social.

Contestaram todos os réus, tendo o Fundo de Garantia Automóvel invocado (no que à economia da presente apelação importa) a prescrição do invocado direito da autora, porquanto o alegado acidente terá ocorrido em 30/08/1999, iniciando-se então o prazo de prescrição, sendo que a presente acção foi interposta em Junho de 2009 e ele, réu, citado em 1 de Julho de 2009, quando já haviam decorrido mais de 3 e 5 anos sobre o início do prazo prescricional, concluindo pela prescrição dos invocados direitos da autora, nos termos do art. 498º, nº 1 do C.C..

Replicou a autora, pugnando pela improcedência da invocada excepção, alegando que o direito de regresso que pela presente acção pretende exercer prescreve no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, nos termos do art. 498º, nº 2 do C.C., prazo que não se mostra decorrido pois que os pagamentos foram efectuados no ano de 2008.

Findos os articulados, e frustrada a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e que, conhecendo da invocada excepção peremptória da prescrição invocada pelo réu F.G.A. a julgou improcedente, organizando de seguida despacho sobre a base instrutória.

Inconformado com esta decisão, na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição, apelou o F.G.A., terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- O FGA não se conforma com o teor do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição por si invocada em sede de contestação.
2- Alegou a apelada ter sido demandada numa acção em virtude de um acidente ocorrido em 1999, acção essa onde ao abrigo da regra da solidariedade prevista no artigo 497º do C.C. foi condenada a pagar um determinada quantia que excedia a sua quota-parte de responsabilidade, pelo que vem agora com esta acção pretender exercer o direito de regresso sobre os responsáveis.
3- Naqueloutra acção o FGA não foi demandado.
4- Em sede de contestação, o apelante invocou a prescrição do direito da autora, pois entre a data do acidente e a data da citação haviam decorrido muito mais de 3 e 5 anos.
5- A apelada, na réplica, respondeu à excepção alegando que o direito de regresso entre os responsáveis prescreve no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, nos termos do art. 498º, nº 2 do C.C.; considerando que o pagamento das indemnizações ocorrera no ano de 2008, isso significaria que o prazo de prescrição ocorreria em 2011 e o Tribunal a quo, com base nos mesmo argumentos, julgou a excepção da prescrição improcedente.
6- O apelante assume e reconhece que o direito de regresso da apelada prescreve efectivamente no prazo de 3 anos a contar da data do cumprimento, tal como previsto no artigo 498º, nº 2 do C. Civil; mas já não reconhece ser considerado responsável para esse efeito, pois em relação a si não pode ser invocado o art. 498º, nº 2 do C. Civil.
7- Ao Fundo de Garantia Automóvel incumbe o ressarcimento dos danos resultantes de acidentes, estabelecendo a lei que ‘garante (…) a satisfação das indemnizações’ por morte ou lesões corporais ou materiais quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz – art. 21º-2 do DL nº 522/85.
8- Vale isto por dizer que o FGA não é um devedor, mas, tão só, um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil pela reparação dos danos causados ao lesado. Responderá, consequentemente, em sede subsidiária e não como devedor principal ou directo – que é o violador da obrigação de segurar –, inexistindo entre este e o FGA uma relação de solidariedade passiva (própria).
9- No mesmo sentido vão as normas específicas de natureza processual (art. 29º, nº 6 do DL 522/85) ao imporem o litisconsórcio necessário passivo entre o Fundo e o responsável civil, contrariando as regras próprias do regime de solidariedade – arts. 512º-1 e 517º C. Civil e 27º-2 CPC –, o que só encontra fundamento na natureza subsidiária da obrigação do Fundo e na salvaguarda dos efeitos jurídicos da sub-rogação legal.
10- Entende por isso o apelante que não pode ser considerado responsável para efeitos de aplicação do art. 498º, nº 2 do C. Civil, pois não é responsável civil, nem pela via contratual nem pela via extracontratual.
11- Por isso, deveria desde logo o FGA ter sido demandado na anterior acção ou então deveria ter sido promovida ao longo do tempo a notificação judicial avulsa do FGA por forma a interromper o prazo de prescrição.
12- Nada disto teria ocorrido, e não sendo o FGA um responsável para efeitos de direito de regresso, facilmente se conclui que deveria ter sido julgada procedente a excepção da prescrição invocada, ou pelo menos relegado o seu conhecimento para a sentença pelo facto de o estado do processo o não permitir.
13- Ao assim não entender, violou o tribunal a quo o vertido nos artigos 498º, nº 2 do Código Civil e o artigo 21º do DL 522/85, de 31/12.
14- Atentos os fundamentos expostos, requer-se a Vas. Exas. que se dignem conceder provimento total ao recurso ora interposto e em consequência se dignem revogar o despacho saneador ora em crise, substituindo-o por um outro no sentido supra requerido, só assim se fazendo a mais sã e costumeira justiça.

Contra-alegou a autora apelada, sustentando a improcedência do recurso.*Colhidos os vistos, cumpre decidir.*Delimitação do objecto do recurso.

O objecto dos recursos é definido pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08 – e delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Assim, o thema decidendum consiste em apreciar, exclusivamente, se o direito que a autora pretende exercer na presente demanda se mostra ou não prescrito.
Fora do âmbito do presente recurso está já apreciar da existência do invocado direito da autora, designadamente apurar e decidir se a apelante é ou não um dos sujeitos passivos desse invocado direito – tal apreciação de mérito não foi ainda objecto de qualquer pronúncia no tribunal recorrido. 
Não pode por isso esta questão – que a apelante suscita nas suas alegações (vejam-se as conclusões 6ª – parte final – a 10ª) – ser apreciada no âmbito da presente apelação.
Na verdade, os recursos ordinários visam permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas. O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinada(s) questão(ões), visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela.
Os recursos destinam-se a sindicar as decisões impugnadas, de onde decorre que a pronúncia do tribunal ‘ad quem’ se deve circunscrever às questões que dela foram objecto, estando-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso[1].
No caso dos autos, a decisão recorrida pronunciou-se sobre a invocada excepção peremptória da prescrição e não já sobre o mérito da pretensão, apurando se a autora tem ou não o invocado direito de regresso e, designadamente, sobre se o apelante F.G.A. é ou não titular passivo de tal invocado direito.
Tal justifica a asserção de que está arredado do âmbito do presente recurso apreciar se o apelante é ou não responsável, perante a apelada, no âmbito do invocado direito de regresso. 
Por tal razão, a única questão a apreciar no âmbito da presente apelação consiste em apurar se o direito que a autora pretende exercer na presente demanda se mostra ou não prescrito.*
FUNDAMENTAÇÃO
*Fundamentação de facto

A matéria a considerar é a seguinte:
- A autora intentou a presente acção em 24 de Junho de 2009, demandando o apelante Fundo de Garantia Automóvel e C………., D……… e E………., pedindo a condenação solidária de todos no pagamento dos montantes de 51.184,39€ (correspondente a 50% da indemnização por si paga aos herdeiros de F……….) e de 8.380,97€ (correspondente a 50% da quantia por si reembolsada ao Instituto de Segurança Social, IP, em consequência da morte de F……….);
- Alega, além do mais, ter sido demandada como ré em acção que correu os seus termos sob o nº 2458/04.0TJVNF, destinada à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, no qual teve intervenção veículo automóvel relativamente ao qual havia sido para si transferida a responsabilidade emergente da respectiva circulação, e um ciclomotor, pertencente e conduzido por G………., em que circulava como passageiro F……….; descreve a concreta dinâmica do embate, ocorrido em 30/08/1999, cuja eclosão imputa a condutas culposas dos condutores dos veículos, referindo que como consequência do evento faleceram o condutor e o passageiro do ciclomotor, sendo que na sentença proferida na referida acção (confirmada por acórdãos da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça), ponderando o grau de violação dos deveres impostos a cada um dos condutores e as circunstâncias em que o embate ocorreu, se julgou justa a repartição das culpas em 50% para cada um, sendo atribuídas aos herdeiros do falecido F………. (esposa e dois filhos, autores na referida acção) as quantias de 50.000,00€ pela perda da vida do F………., 15.000,00€ pelos danos próprios de cada um (no total de 45.000,00€) e o valor de 1.181,88€ por danos patrimoniais (despesas de funeral), quantias acrescidas de juros desde a citação, tendo ainda sido atribuída ao Instituto de Segurança Social, IP, o valor de 14.788,06€, acrescida de juros, sendo a ali ré (aqui autora) condenada no pagamento da totalidade desses montantes, considerando a regra da solidariedade estabelecida no art. 497º, nº 1 do C.C.; mais alega que efectuou aos herdeiros do F………. o pagamento da quantia global de 102.368,79€ em 22/07/2008 e que efectuou o pagamento de 16.761,95€ em 14/07/2008 ao Instituto da Segurança Social; alega ainda que as rés C………., D……. e E………. são as únicas herdeiras do G………., co-responsável pela ocorrência do embate, que não beneficiava, à data do evento, de seguro válido e eficaz relativamente ao ciclomotor que tripulava, pelo que, considerando o direito de regresso (art. 497º, nº 2 do C.C.), tem o direito de exigir dos réus, metade dos montantes pagos aos herdeiros do F………. e ao Instituto da Segurança Social.
- O apelante foi citado em Julho de 2009.*Fundamentação de direito

A autora apelada pretende exercer, através da presente acção, o direito de regresso estabelecido nos art. 497º, nº 2 e 524º, nº 2 do C.C..
No âmbito da responsabilidade civil extracontratual é solidária a responsabilidade das várias pessoas responsáveis pelos danos (art. 497º, nº 1 do C.C.), o que significa que o credor pode exigir a qualquer um dos responsáveis (devedores) a totalidade da indemnização, assistindo depois ao devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir o direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes competir (art. 524º do C.C.), direito de regresso que existe entre os responsáveis (devedores) na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas dos responsáveis (art. 497º, nº 2 do C.C.).

Invocou o apelante a prescrição do invocado direito da autora apelada, com base no decurso do prazo prescricional previsto no art. 498º, nº 1 do C.C.
A decisão recorrida, considerando que o prazo prescricional de três anos a que está sujeito o exercício do direito de regresso entre os responsáveis pelo facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar se conta do cumprimento, nos termos do art. 498º, nº 2 do C.C., julgou improcedente a arguida excepção, pois que o cumprimento ocorreu em 2008 e, por isso, não decorreu ainda o prazo prescricional.

Entendemos que julgou acertadamente, de acordo com o direito.

A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante o período de tempo para tanto fixado na lei. Completado o prazo de prescrição sem que o titular do direito tenha praticado os actos necessários e com virtualidade de obstar àquela, interrompendo-a, pode o devedor, nos termos do art. 304º, nº 1 do C.C., recusar a prestação ou opôr-se ao exercício do direito.
A prescrição assenta num facto jurídico não negocial: o decurso do tempo. Tem na sua base a ideia de uma situação de facto que consiste no não exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para realizar um direito, se abstém de o fazer[2]. Trata-se de um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo de o fundamentar também uma ponderação de justiça – a prescrição arranca da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho brocardo latino ‘dormientibus non succurrit jus’ e assim, embora visando satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e desse modo, proteger o interesse do sujeito passivo, atende ao desinteresse ou inércia negligente do titular do direito; a inércia do titular do direito conjuga-se com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto[3].
Interessa ao caso a prescrição do direito de regresso.
O direito de regresso só surge com a satisfação da indemnização, surgindo ‘ex novo’ na titularidade daquele que, com o pagamento, fez extinguir a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta[4] – o direito de regresso é um direito autónomo em relação ao direito do lesado, nascido ‘ex novo’ com o pagamento do direito à indemnização, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso[5].
O titular do direito de regresso exerce um direito próprio, um direito à restituição do que pagou ao credor além da parte que lhe competia (art. 524º do C.C.).
Porque o direito de regresso só surge com o pagamento, fácil é entender a razão de ser da solução legal plasmada no nº 2 do art. 498º do C.C. – o início do prazo prescricional aí estabelecido ocorre com o cumprimento, pois antes do cumprimento não existe direito de regresso, que por isso, antes do cumprimento não podia ser exercido, não se concebendo que um prazo de prescrição de um direito possa começar a correr antes de este se subjectivar e de, em consequência, o seu titular o poder exercer[6].
É clara e cristalina a solução legal, compreendendo-se assim que o apelante, nas suas alegações, assuma e reconheça que o invocado direito de regresso da autora prescreve no prazo de três anos a contar da data do cumprimento, tal como previsto no art. 498º, nº 2 do C.C. (veja-se a parte inicial da conclusão 6ª).
Porém, para sustentar a sua discordância quanto ao julgamento da invocada excepção peremptória, defende agora o apelante que o disposto no art. 498º, nº 2 do C.C. não pode ser invocado relativamente a si, por não ser responsável civil, mas antes um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil.
A improcedência deste argumento é manifesta.
Importa reafirmar que apreciar se o apelante é ou não titular passivo da invocada relação de regresso é questão que está fora do âmbito da presente apelação – como já acima foi exposto.
Na verdade, apurar se o apelante é ou não titular passivo da relação de regresso invocada pela autora apelada é questão que respeita ao mérito da causa e não já à apreciação da invocada excepção da prescrição. 
À apreciação da invocada excepção da prescrição interessa tão só apurar do prazo de prescrição a que se encontra sujeito o invocado direito da autora (bem assim como do seu termo inicial), independentemente de este direito existir e de o apelado ser titular passivo da relação obrigacional invocada. 
Para determinar se o invocado direito da apelada se encontra ou não prescrito perante o apelante, não interessa apurar se este é ou não um dos co-obrigados da obrigação de indemnização de que era titular o lesado (obrigação que se extinguiu pelo cumprimento levado a efeito pela apelante) – essa apreciação respeita ao mérito da pretensão da apelada.
O que é decisivo, para apreciar se se verifica ou não a invocada prescrição, é apurar o direito que a autora pretende exercer com a presente acção – e esse direito é, indubitavelmente, o direito de regresso conferido pelo art. 524º do C.C., sujeito ao prazo prescricional de três anos, cujo termo inicial coincide com pagamento (com o momento do surgimento desse direito na esfera jurídica da autora).

Assim, considerando que a autora exerce na presente acção o direito de regresso que lhe é reconhecido pelo art. 524º do C.C. e que efectuou os pagamentos (que fizeram surgir na sua esfera jurídica o invocado direito de regresso) no ano de 2008, fácil é concluir que não decorreu ainda o prazo prescricional estabelecido no art. 498º, nº 2 do C.C..

Improcede, pois, a apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

Sumariando o acórdão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.:
I- Para determinar se um invocado direito de regresso se encontra ou não prescrito perante a parte que invoca a excepção, não interessa apurar se esta é ou não um dos co-obrigados da obrigação de indemnização de que era titular o lesado (obrigação que se extinguiu pelo cumprimento levado a efeito pelo exercente do direito de regresso) – essa apreciação respeita ao mérito da pretensão da apelada.
II- Decisivo, para apreciar se se verifica ou não a excepção da prescrição, é apurar o direito que se pretende exercer com a acção – sendo esse direito o direito de regresso conferido pelo art. 524º do C.C., terá de concluir-se estar ele sujeito ao prazo prescricional de três anos, cujo termo inicial coincide com pagamento (com o momento do surgimento desse direito na esfera jurídica do exercente do direito).*
DECISÃO
*Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.*
Porto, 12/10/2010
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira
Augusto José Baptista Marques de Castilho

_______________________
[1] Ac. S.T.J. de 20 de Maio de 2009 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Sousa Grandão), no sítio www.dgsi.pt.
[2] Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, p. 4.
[3] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2ª edição actualizada, 1983, pp. 373 e 374.
[4] Ac. S.T.J. de 27/03/2003 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Araújo de Barros), no sítio www.dgsi.jstj.pt, citando A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª edição, p. 344, bem como outras decisões do S.T.J..
[5] Ac. S.T.J. de 4/11/2008 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro João Camilo), no sítio www.dgsi.jstj.pt.
[6] Ac. S.T.J. 3/11/2009 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Silva Salazar), no sítio www.dgsi.jstj.pt.

Apelação nº 2205/09.0TJVNF-A.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira e Desembargador Marques de Castilho. *Acordam no Tribunal da Relação do Porto. RELATÓRIO * Recorrente: Fundo de Garantia Automóvel. Recorrida: B………., S.A.. Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão – .º Juízo. *B………., S.A., intentou a presente acção com processo ordinário demandando o recorrente Fundo de Garantia Automóvel e C………., D………. e E………., pedindo a condenação solidária de todos no pagamento dos montantes de 51.184,39€ (correspondente a 50% da indemnização por si paga aos herdeiros de F……….) e de 8.380,97€ (correspondente a 50% da quantia por si reembolsada ao Instituto de Segurança Social, IP, em consequência da morte de F………). Alega para tanto, em resumo, ter sido demandada como ré na acção 2458/04.0TJVNF, destinada à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, no qual teve intervenção veículo automóvel relativamente ao qual havia sido para si transferida a responsabilidade emergente da respectiva circulação, e um ciclomotor, pertencente e conduzido por G………., em que circulava como passageiro F……….. Após descrever a dinâmica do embate, alega que em consequência deste faleceram o condutor e o passageiro do ciclomotor, sendo que na sentença proferida na referida acção (confirmada por acórdãos da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça), ponderando o grau de violação dos deveres impostos a cada um dos condutores e as circunstâncias em que o embate ocorreu, se julgou justa a repartição das culpas em 50% para cada um, sendo atribuídas aos herdeiros do falecido F………. (esposa e dois filhos) as quantias de 50.000,00€ pela perda da vida do F………., 15.000,00€ pelos danos próprios de cada um (no total de 45.000,00€) e o valor de 1.181,88€ por danos patrimoniais (despesas de funeral), quantias acrescidas de juros desde a citação, tendo ainda sido atribuída ao Instituto de Segurança Social, IP, o valor de 14.788,06€, acrescida de juros, sendo a ali ré (aqui autora) condenada no pagamento da totalidade desses montantes, considerando a regra da solidariedade estabelecida no art. 497º, nº 1 do C.C., tendo efectuado aos herdeiros do F………. o pagamento da quantia global de 102.368,79€ em 22/07/2008 e o pagamento de 16.761,95€ em 14/07/2008 ao Instituto da Segurança Social. Alega por fim que as rés C………., D………. e E………. são as únicas herdeiras do G………., co-responsável pela ocorrência do embate, não beneficiando ele, à data do evento, de seguro válido e eficaz relativamente ao ciclomotor que tripulava, pelo que, considerando o direito de regresso (art. 497º, nº 2 do C.C.), tem o direito de exigir dos réus, metade dos montantes pagos aos herdeiros do F………. e ao Instituto da Segurança Social. Contestaram todos os réus, tendo o Fundo de Garantia Automóvel invocado (no que à economia da presente apelação importa) a prescrição do invocado direito da autora, porquanto o alegado acidente terá ocorrido em 30/08/1999, iniciando-se então o prazo de prescrição, sendo que a presente acção foi interposta em Junho de 2009 e ele, réu, citado em 1 de Julho de 2009, quando já haviam decorrido mais de 3 e 5 anos sobre o início do prazo prescricional, concluindo pela prescrição dos invocados direitos da autora, nos termos do art. 498º, nº 1 do C.C.. Replicou a autora, pugnando pela improcedência da invocada excepção, alegando que o direito de regresso que pela presente acção pretende exercer prescreve no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, nos termos do art. 498º, nº 2 do C.C., prazo que não se mostra decorrido pois que os pagamentos foram efectuados no ano de 2008. Findos os articulados, e frustrada a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e que, conhecendo da invocada excepção peremptória da prescrição invocada pelo réu F.G.A. a julgou improcedente, organizando de seguida despacho sobre a base instrutória. Inconformado com esta decisão, na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição, apelou o F.G.A., terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1- O FGA não se conforma com o teor do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição por si invocada em sede de contestação. 2- Alegou a apelada ter sido demandada numa acção em virtude de um acidente ocorrido em 1999, acção essa onde ao abrigo da regra da solidariedade prevista no artigo 497º do C.C. foi condenada a pagar um determinada quantia que excedia a sua quota-parte de responsabilidade, pelo que vem agora com esta acção pretender exercer o direito de regresso sobre os responsáveis. 3- Naqueloutra acção o FGA não foi demandado. 4- Em sede de contestação, o apelante invocou a prescrição do direito da autora, pois entre a data do acidente e a data da citação haviam decorrido muito mais de 3 e 5 anos. 5- A apelada, na réplica, respondeu à excepção alegando que o direito de regresso entre os responsáveis prescreve no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, nos termos do art. 498º, nº 2 do C.C.; considerando que o pagamento das indemnizações ocorrera no ano de 2008, isso significaria que o prazo de prescrição ocorreria em 2011 e o Tribunal a quo, com base nos mesmo argumentos, julgou a excepção da prescrição improcedente. 6- O apelante assume e reconhece que o direito de regresso da apelada prescreve efectivamente no prazo de 3 anos a contar da data do cumprimento, tal como previsto no artigo 498º, nº 2 do C. Civil; mas já não reconhece ser considerado responsável para esse efeito, pois em relação a si não pode ser invocado o art. 498º, nº 2 do C. Civil. 7- Ao Fundo de Garantia Automóvel incumbe o ressarcimento dos danos resultantes de acidentes, estabelecendo a lei que ‘garante (…) a satisfação das indemnizações’ por morte ou lesões corporais ou materiais quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz – art. 21º-2 do DL nº 522/85. 8- Vale isto por dizer que o FGA não é um devedor, mas, tão só, um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil pela reparação dos danos causados ao lesado. Responderá, consequentemente, em sede subsidiária e não como devedor principal ou directo – que é o violador da obrigação de segurar –, inexistindo entre este e o FGA uma relação de solidariedade passiva (própria). 9- No mesmo sentido vão as normas específicas de natureza processual (art. 29º, nº 6 do DL 522/85) ao imporem o litisconsórcio necessário passivo entre o Fundo e o responsável civil, contrariando as regras próprias do regime de solidariedade – arts. 512º-1 e 517º C. Civil e 27º-2 CPC –, o que só encontra fundamento na natureza subsidiária da obrigação do Fundo e na salvaguarda dos efeitos jurídicos da sub-rogação legal. 10- Entende por isso o apelante que não pode ser considerado responsável para efeitos de aplicação do art. 498º, nº 2 do C. Civil, pois não é responsável civil, nem pela via contratual nem pela via extracontratual. 11- Por isso, deveria desde logo o FGA ter sido demandado na anterior acção ou então deveria ter sido promovida ao longo do tempo a notificação judicial avulsa do FGA por forma a interromper o prazo de prescrição. 12- Nada disto teria ocorrido, e não sendo o FGA um responsável para efeitos de direito de regresso, facilmente se conclui que deveria ter sido julgada procedente a excepção da prescrição invocada, ou pelo menos relegado o seu conhecimento para a sentença pelo facto de o estado do processo o não permitir. 13- Ao assim não entender, violou o tribunal a quo o vertido nos artigos 498º, nº 2 do Código Civil e o artigo 21º do DL 522/85, de 31/12. 14- Atentos os fundamentos expostos, requer-se a Vas. Exas. que se dignem conceder provimento total ao recurso ora interposto e em consequência se dignem revogar o despacho saneador ora em crise, substituindo-o por um outro no sentido supra requerido, só assim se fazendo a mais sã e costumeira justiça. Contra-alegou a autora apelada, sustentando a improcedência do recurso.*Colhidos os vistos, cumpre decidir.*Delimitação do objecto do recurso. O objecto dos recursos é definido pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08 – e delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso. Assim, o thema decidendum consiste em apreciar, exclusivamente, se o direito que a autora pretende exercer na presente demanda se mostra ou não prescrito. Fora do âmbito do presente recurso está já apreciar da existência do invocado direito da autora, designadamente apurar e decidir se a apelante é ou não um dos sujeitos passivos desse invocado direito – tal apreciação de mérito não foi ainda objecto de qualquer pronúncia no tribunal recorrido. Não pode por isso esta questão – que a apelante suscita nas suas alegações (vejam-se as conclusões 6ª – parte final – a 10ª) – ser apreciada no âmbito da presente apelação. Na verdade, os recursos ordinários visam permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas. O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinada(s) questão(ões), visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela. Os recursos destinam-se a sindicar as decisões impugnadas, de onde decorre que a pronúncia do tribunal ‘ad quem’ se deve circunscrever às questões que dela foram objecto, estando-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso[1]. No caso dos autos, a decisão recorrida pronunciou-se sobre a invocada excepção peremptória da prescrição e não já sobre o mérito da pretensão, apurando se a autora tem ou não o invocado direito de regresso e, designadamente, sobre se o apelante F.G.A. é ou não titular passivo de tal invocado direito. Tal justifica a asserção de que está arredado do âmbito do presente recurso apreciar se o apelante é ou não responsável, perante a apelada, no âmbito do invocado direito de regresso. Por tal razão, a única questão a apreciar no âmbito da presente apelação consiste em apurar se o direito que a autora pretende exercer na presente demanda se mostra ou não prescrito.* FUNDAMENTAÇÃO *Fundamentação de facto A matéria a considerar é a seguinte: - A autora intentou a presente acção em 24 de Junho de 2009, demandando o apelante Fundo de Garantia Automóvel e C………., D……… e E………., pedindo a condenação solidária de todos no pagamento dos montantes de 51.184,39€ (correspondente a 50% da indemnização por si paga aos herdeiros de F……….) e de 8.380,97€ (correspondente a 50% da quantia por si reembolsada ao Instituto de Segurança Social, IP, em consequência da morte de F……….); - Alega, além do mais, ter sido demandada como ré em acção que correu os seus termos sob o nº 2458/04.0TJVNF, destinada à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, no qual teve intervenção veículo automóvel relativamente ao qual havia sido para si transferida a responsabilidade emergente da respectiva circulação, e um ciclomotor, pertencente e conduzido por G………., em que circulava como passageiro F……….; descreve a concreta dinâmica do embate, ocorrido em 30/08/1999, cuja eclosão imputa a condutas culposas dos condutores dos veículos, referindo que como consequência do evento faleceram o condutor e o passageiro do ciclomotor, sendo que na sentença proferida na referida acção (confirmada por acórdãos da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça), ponderando o grau de violação dos deveres impostos a cada um dos condutores e as circunstâncias em que o embate ocorreu, se julgou justa a repartição das culpas em 50% para cada um, sendo atribuídas aos herdeiros do falecido F………. (esposa e dois filhos, autores na referida acção) as quantias de 50.000,00€ pela perda da vida do F………., 15.000,00€ pelos danos próprios de cada um (no total de 45.000,00€) e o valor de 1.181,88€ por danos patrimoniais (despesas de funeral), quantias acrescidas de juros desde a citação, tendo ainda sido atribuída ao Instituto de Segurança Social, IP, o valor de 14.788,06€, acrescida de juros, sendo a ali ré (aqui autora) condenada no pagamento da totalidade desses montantes, considerando a regra da solidariedade estabelecida no art. 497º, nº 1 do C.C.; mais alega que efectuou aos herdeiros do F………. o pagamento da quantia global de 102.368,79€ em 22/07/2008 e que efectuou o pagamento de 16.761,95€ em 14/07/2008 ao Instituto da Segurança Social; alega ainda que as rés C………., D……. e E………. são as únicas herdeiras do G………., co-responsável pela ocorrência do embate, que não beneficiava, à data do evento, de seguro válido e eficaz relativamente ao ciclomotor que tripulava, pelo que, considerando o direito de regresso (art. 497º, nº 2 do C.C.), tem o direito de exigir dos réus, metade dos montantes pagos aos herdeiros do F………. e ao Instituto da Segurança Social. - O apelante foi citado em Julho de 2009.*Fundamentação de direito A autora apelada pretende exercer, através da presente acção, o direito de regresso estabelecido nos art. 497º, nº 2 e 524º, nº 2 do C.C.. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual é solidária a responsabilidade das várias pessoas responsáveis pelos danos (art. 497º, nº 1 do C.C.), o que significa que o credor pode exigir a qualquer um dos responsáveis (devedores) a totalidade da indemnização, assistindo depois ao devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir o direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes competir (art. 524º do C.C.), direito de regresso que existe entre os responsáveis (devedores) na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas dos responsáveis (art. 497º, nº 2 do C.C.). Invocou o apelante a prescrição do invocado direito da autora apelada, com base no decurso do prazo prescricional previsto no art. 498º, nº 1 do C.C. A decisão recorrida, considerando que o prazo prescricional de três anos a que está sujeito o exercício do direito de regresso entre os responsáveis pelo facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar se conta do cumprimento, nos termos do art. 498º, nº 2 do C.C., julgou improcedente a arguida excepção, pois que o cumprimento ocorreu em 2008 e, por isso, não decorreu ainda o prazo prescricional. Entendemos que julgou acertadamente, de acordo com o direito. A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante o período de tempo para tanto fixado na lei. Completado o prazo de prescrição sem que o titular do direito tenha praticado os actos necessários e com virtualidade de obstar àquela, interrompendo-a, pode o devedor, nos termos do art. 304º, nº 1 do C.C., recusar a prestação ou opôr-se ao exercício do direito. A prescrição assenta num facto jurídico não negocial: o decurso do tempo. Tem na sua base a ideia de uma situação de facto que consiste no não exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para realizar um direito, se abstém de o fazer[2]. Trata-se de um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo de o fundamentar também uma ponderação de justiça – a prescrição arranca da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho brocardo latino ‘dormientibus non succurrit jus’ e assim, embora visando satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e desse modo, proteger o interesse do sujeito passivo, atende ao desinteresse ou inércia negligente do titular do direito; a inércia do titular do direito conjuga-se com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto[3]. Interessa ao caso a prescrição do direito de regresso. O direito de regresso só surge com a satisfação da indemnização, surgindo ‘ex novo’ na titularidade daquele que, com o pagamento, fez extinguir a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta[4] – o direito de regresso é um direito autónomo em relação ao direito do lesado, nascido ‘ex novo’ com o pagamento do direito à indemnização, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso[5]. O titular do direito de regresso exerce um direito próprio, um direito à restituição do que pagou ao credor além da parte que lhe competia (art. 524º do C.C.). Porque o direito de regresso só surge com o pagamento, fácil é entender a razão de ser da solução legal plasmada no nº 2 do art. 498º do C.C. – o início do prazo prescricional aí estabelecido ocorre com o cumprimento, pois antes do cumprimento não existe direito de regresso, que por isso, antes do cumprimento não podia ser exercido, não se concebendo que um prazo de prescrição de um direito possa começar a correr antes de este se subjectivar e de, em consequência, o seu titular o poder exercer[6]. É clara e cristalina a solução legal, compreendendo-se assim que o apelante, nas suas alegações, assuma e reconheça que o invocado direito de regresso da autora prescreve no prazo de três anos a contar da data do cumprimento, tal como previsto no art. 498º, nº 2 do C.C. (veja-se a parte inicial da conclusão 6ª). Porém, para sustentar a sua discordância quanto ao julgamento da invocada excepção peremptória, defende agora o apelante que o disposto no art. 498º, nº 2 do C.C. não pode ser invocado relativamente a si, por não ser responsável civil, mas antes um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil. A improcedência deste argumento é manifesta. Importa reafirmar que apreciar se o apelante é ou não titular passivo da invocada relação de regresso é questão que está fora do âmbito da presente apelação – como já acima foi exposto. Na verdade, apurar se o apelante é ou não titular passivo da relação de regresso invocada pela autora apelada é questão que respeita ao mérito da causa e não já à apreciação da invocada excepção da prescrição. À apreciação da invocada excepção da prescrição interessa tão só apurar do prazo de prescrição a que se encontra sujeito o invocado direito da autora (bem assim como do seu termo inicial), independentemente de este direito existir e de o apelado ser titular passivo da relação obrigacional invocada. Para determinar se o invocado direito da apelada se encontra ou não prescrito perante o apelante, não interessa apurar se este é ou não um dos co-obrigados da obrigação de indemnização de que era titular o lesado (obrigação que se extinguiu pelo cumprimento levado a efeito pela apelante) – essa apreciação respeita ao mérito da pretensão da apelada. O que é decisivo, para apreciar se se verifica ou não a invocada prescrição, é apurar o direito que a autora pretende exercer com a presente acção – e esse direito é, indubitavelmente, o direito de regresso conferido pelo art. 524º do C.C., sujeito ao prazo prescricional de três anos, cujo termo inicial coincide com pagamento (com o momento do surgimento desse direito na esfera jurídica da autora). Assim, considerando que a autora exerce na presente acção o direito de regresso que lhe é reconhecido pelo art. 524º do C.C. e que efectuou os pagamentos (que fizeram surgir na sua esfera jurídica o invocado direito de regresso) no ano de 2008, fácil é concluir que não decorreu ainda o prazo prescricional estabelecido no art. 498º, nº 2 do C.C.. Improcede, pois, a apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida. Sumariando o acórdão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.: I- Para determinar se um invocado direito de regresso se encontra ou não prescrito perante a parte que invoca a excepção, não interessa apurar se esta é ou não um dos co-obrigados da obrigação de indemnização de que era titular o lesado (obrigação que se extinguiu pelo cumprimento levado a efeito pelo exercente do direito de regresso) – essa apreciação respeita ao mérito da pretensão da apelada. II- Decisivo, para apreciar se se verifica ou não a excepção da prescrição, é apurar o direito que se pretende exercer com a acção – sendo esse direito o direito de regresso conferido pelo art. 524º do C.C., terá de concluir-se estar ele sujeito ao prazo prescricional de três anos, cujo termo inicial coincide com pagamento (com o momento do surgimento desse direito na esfera jurídica do exercente do direito).* DECISÃO *Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida. Custas pelo apelante.* Porto, 12/10/2010 João Manuel Araújo Ramos Lopes Maria de Jesus Pereira Augusto José Baptista Marques de Castilho _______________________ [1] Ac. S.T.J. de 20 de Maio de 2009 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Sousa Grandão), no sítio www.dgsi.pt. [2] Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, p. 4. [3] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2ª edição actualizada, 1983, pp. 373 e 374. [4] Ac. S.T.J. de 27/03/2003 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Araújo de Barros), no sítio www.dgsi.jstj.pt, citando A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª edição, p. 344, bem como outras decisões do S.T.J.. [5] Ac. S.T.J. de 4/11/2008 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro João Camilo), no sítio www.dgsi.jstj.pt. [6] Ac. S.T.J. 3/11/2009 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Silva Salazar), no sítio www.dgsi.jstj.pt.