Processo:302/10.8TYVNG.P1
Data do Acordão: 31/01/2011Relator: GUERRA BANHATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - Em face dos preceitos contidos no nº 1 do artº 1484º do Código de Processo Civil e 253, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais a nomeação judicial para o cargo de gerente da sociedade comercial por quotas tem carácter excepcional e exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) que se trate de caso compreendido no âmbito do nº 3 do artº 253º do Código das Sociedades Comerciais, b) que o requerente justifique em concreto o pedido de nomeação, c)que indique pessoa idónea para o exercício do cargo. II - Só há lugar a nomeação judicial de gerente se o contrato de sociedade exigir um número mínimo de gerentes para obrigar a sociedade, o número de gerentes em exercício for inferior a esse número e a vaga não for preenchida no prazo de 30 dias. III - Trata-se de nomeação precária e provisória que só subsiste até à designação de gerentes através dos mecanismos estatutários ou legais.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

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Relator
GUERRA BANHA
Descritores
NOMEAÇÃO JUDICIAL GERENTE SOCIEDADE COMERCIAL REQUISITOS
No do documento
Data do Acordão
02/01/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA A DECISÃO.
Sumário
I - Em face dos preceitos contidos no nº 1 do artº 1484º do Código de Processo Civil e 253, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais a nomeação judicial para o cargo de gerente da sociedade comercial por quotas tem carácter excepcional e exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) que se trate de caso compreendido no âmbito do nº 3 do artº 253º do Código das Sociedades Comerciais, b) que o requerente justifique em concreto o pedido de nomeação, c)que indique pessoa idónea para o exercício do cargo. II - Só há lugar a nomeação judicial de gerente se o contrato de sociedade exigir um número mínimo de gerentes para obrigar a sociedade, o número de gerentes em exercício for inferior a esse número e a vaga não for preenchida no prazo de 30 dias. III - Trata-se de nomeação precária e provisória que só subsiste até à designação de gerentes através dos mecanismos estatutários ou legais.
Decisão integral
Proc. n.º 302/10.8TYVNG.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 05-01-2011
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. B…, residente no Porto, instaurou, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, acção especial para nomeação de titular de órgão social, regulada no art. 1484.º do Código de Processo Civil, em que requereu que fossem nomeadas gerentes à sociedade "C…, LIMITADA", com sede na Rua …, n.º …, …, na cidade do Porto, com o NIPC ……… e matriculada na 2.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto, de que disse ser sócia, D… e E…, também sócias daquela sociedade.
Alegou, em síntese, que a gerência da sociedade foi sempre exercida pelas requeridas D… e E…, enquanto sócias fundadoras da sociedade, até que estas renunciaram à gerência em Maio de 2009; desde então, a sociedade está sem qualquer gerente e aproxima-se o prazo para a apreciação anual da situação da sociedade, em que é necessário elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas; a requerente só entrou para a sociedade em Abril de 2007, nunca exerceu a gerência nem qualquer outra função ou actividade na referida sociedade, não tem conhecimento dos clientes e fornecedores, nem das obrigações ou compromissos a cumprir, e, por isso, não está em condições de exercer aquele cargo, ao contrário do que se passa com as requeridas, que conhecem bem a situação empresarial, fiscal e financeira da sociedade e são as pessoas indicadas para exercerem a gerência.
As requeridas deduziram oposição, alegando, em síntese, que a sua nomeação para exercerem a gerência da sociedade é incompatível com o exercício do direito de renúncia à mesma gerência; que o desconhecimento que a requerente alega ter da vida e dos assuntos da sociedade deve-se a total desinteresse da própria, que, não obstante contactada, nunca compareceu às reuniões e às assembleias gerais, e nunca quis colaborar na actividade societária; que as requeridas não têm acesso à sede da sociedade desde 30-04-2009, a qual é propriedade do marido da requerente; que pelas razões expostas, não aceitam exercer a gerência da referida sociedade e pretendem dissolvê-la.
Por sentença proferida a fls. 61-64, foi decidido deferir o pedido da requerente nomear gerentes da sociedade "C…, LDA", as requeridas D... e E….

2. As requeridas apelaram dessa decisão, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes:
a) Requerente e requeridas são sócias da sociedade C…, LDA.
b) Em Maio de 2009 as recorrentes renunciaram à gerência da sociedade.
c) Fizeram-no por estarem desiludidas com o rumo que a mesma estava a ter. A recorrida deixou de se interessar por um projecto que havia sido iniciado pelas três sócias, não comparecendo na sede da sociedade e nas assembleias-gerais, nem se interessando pelos projectos que a mesma tinha.
d) Tudo se agravou e levou a tal desfecho no dia 30 de Abril de 2009, dia em que deixaram de ter acesso à sede da sociedade, pertença do marido da recorrida. Depois de uma acção intentada pela sócia recorrida contra a própria sociedade.
e) Todos estes factores não foram tidos em consideração pelo tribunal a quo. Que apenas teve em conta o facto da recorrida não conhecer os meandros da sociedade.
f) Não ponderou o Tribunal a quo que, fruto de tais atitudes, foi criado um clima de instabilidade tal que não permite às recorrentes assumirem a gerência da sociedade.
g) Devendo, por isso revogar-se a sentença proferida pelo tribunal a quo e nomear-se gerente a sócia recorrida, que até ao momento nada mais fez do que prejudicar a sociedade.
A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.

II – FUNDAMENTOS
3. Na sentença recorrida foram tomados em conta os factos seguintes:
1) A Requerente é, desde Abril de 2007, sócia da referida sociedade "C…, Lda", nela detendo uma quota de 2.500,00€. 
2) Nunca foi gerente da mesma, nem nesta nunca exerceu qualquer tipo de função ou actividade, não conhecendo a vida da sociedade, os seus clientes ou fornecedores, nem sabendo quais as suas obrigações e compromissos. 
3) Actualmente e desde Maio de 2009, à sociedade faltam definitivamente todos os gerentes, uma vez que ambas as (anteriores) gerentes renunciaram à gerência da sociedade naquela data.

4. As questões que as recorrentes opõem à decisão recorrida podem sintetizar-se do seguinte modo:  
1) está justificado o pedido de nomeação judicial de gerentes? 
2) as recorrentes podem ser obrigadas a exercer a gerência da sociedade contra a sua vontade e depois de terem renunciado valida e eficazmente à gerência?
3) o desconhecimento da vida da sociedade alegado pela recorrida constitui fundamento para se eximir ao exercício do cargo?
A formulação destas questões já indicia a falta de razoabilidade que se evidencia na decisão recorrida. Por três motivos: 
(i) primeiro, porque não nos parece justificada a necessidade da nomeação judicial; 
(ii) porque, a concluir-se pela necessidade de nomeação judicial de gerente, falta no processo um elemento essencial à apreciação do pedido: o contrato de sociedade, que é o instrumento que, em primeira linha, define como deve funcionar a gerência e como devem ser designados os gerentes. E na falta desse elemento, fica por justificar a necessidade de nomear dois gerentes; 
(iii) terceiro, porque também não está justificado que essa nomeação tenha de recair sobre as requeridas, contra a sua vontade e depois de terem renunciado à gerência. 
Vejamos então o que diz a lei a respeito de cada um destes pontos.

4.1. A acção especial de nomeação judicial de titular de órgão social está regulada no art. 1484.º do Código de Processo Civil, cujo n.º 1 dispõe do seguinte: "Nos casos em que a lei prevê a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns dos contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo".
Em face deste preceito, a nomeação judicial para o exercício do cargo de gerente de sociedade comercial por quotas, como é aqui o caso, exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
1) que se trate de um caso em que a lei prevê a nomeação judicial de gerente;
2) que o requerente justifique em concreto o pedido de nomeação; 
3) que indique pessoa idónea para o exercício do cargo.
Quanto ao primeiro pressuposto, o art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais dispõe, com relevância para o caso em apreciação, o seguinte:
"1  se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes".
2  O disposto no número anterior é também aplicável no caso de falta temporária de todos os gerentes, tratando-se de acto que não possa esperar pela cessação da falta.
3  Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei".
Estão aqui contempladas três situações diferentes, para as quais a lei prevê soluções diferentes:
1) Uma primeira situação, prevista no n.º 1, de falta definitiva de todos os gerentes, que a lei resolve determinando que todos os sócios assumem os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes segundo o que está previsto no contrato de sociedade ou através de deliberação dos sócios (art. 252.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais).
2) Uma segunda situação, prevista no n.º 2, de falta temporária de todos os gerentes e estar em causa a prática de acto que não possa esperar pela cessação da falta. Também neste caso a lei manda aplicar a mesma solução prevista no n.º 1, ou seja, de que todos os sócios assumem temporariamente a função de gerência.
3) Uma terceira situação, prevista no n.º 3 e reportada a casos de gerência plural, de falta definitiva de um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade. Prevê a lei duas soluções: (i) tratando-se de caso em que a exigência da intervenção do gerente em falta tenha sido nominal, considera-se caduca a cláusula do contrato; (ii) no caso contrário e se a vaga não tiver sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei".
Como se percebe, só para esta última situação é que a lei prevê a possibilidade de nomeação judicial do gerente em falta. Para as demais hipóteses estão previstas soluções diferentes.
É também neste sentido que aponta ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA (em Sociedades Comerciais, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2006, p. 363), dizendo: 
"… a lei ainda prevê, nas sociedades por quotas, outras formas de designação dos gerentes, para além da nomeação estatutária ou por eleição. Assim, o pacto pode atribuir a um sócio ou grupo de sócios a faculdade de designarem gerentes. 
Excepcionalmente poderá ocorrer uma nomeação judicial de gerentes. Tal acontecerá se os estatutos exigirem um número mínimo de gerentes para a sociedade ficar validamente obrigada (art. 261.º, n.º 1) e os gerentes forem inferiores a esse número. Então, se a vaga não for preenchida no prazo de 30 dias, qualquer sócio ou gerente pode requerer ao Tribunal a nomeação de um gerente até a situação ficar regularizada (art. 253.º, n.º 3). 
Por outro lado, se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes (art. 253.º, n.º 1)."
Também nos parece ser esse o entendimento sufragado no acórdão da Relação de Lisboa de 18-12-2008 (em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 11128/2008-1), onde se diz que só quando "verificado o circunstancialismo previsto no art.º 253.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais — a falta de um gerente cuja intervenção seja necessária, sem que a sua vaga seja preenchida no prazo de 30 dias —, qualquer sócio tem o direito de requerer, com êxito, a nomeação judicial de um gerente, nos termos do art. 1484.º do CPC".  
Ora, o caso configurado pela requerente não se enquadra no âmbito do n.º 3 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais. Enquadra-se, sim, no âmbito da situação prevista no n.º 1 do mesmo artigo: falta definitiva de todos os gerentes, por virtude de renúncia. E a solução que a lei contém para essa situação é a de que todos os sócios assumem por igual a gerência, até que sejam designados os novos gerentes, segundo o que está estabelecido no pacto social ou, nada estando estabelecido, através deliberação de todos os sócios (art. 252.º, n.º 2, do CSC). Foi também esta a solução dada pelo acórdão desta Relação de 26-05-2003, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. nº 0351946.
Faz-se notar que a nomeação judicial pelo tribunal tem sempre carácter excepcional, precário e provisório. Excepcional porque apenas pode ter lugar nos casos de necessidade expressamente previstos na lei; precária porque se destina a permitir resolver casos meramente pontuais da gerência da sociedade; provisória porque apenas subsiste até à designação do gerente em falta, através dos mecanismos estatutários ou legais.
Donde se impõe concluir que a situação alegada pela requerente não justifica a nomeação judicial de gerentes.

4.2. Mas ainda que se entenda que haverá lugar à nomeação de gerente, então na sua nomeação haveria que ter em conta, em primeiro lugar, o que está estabelecido no contrato de sociedade. Designadamente, se está prevista uma gerência plural ou unitária e se estão previstas regras ou critérios para a nomeação e para a substituição dos gerentes. 
Com efeito, quanto à composição da gerência e à sua designação, o art. 252.º do Código das Sociedades Comerciais prescreve:
1  A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena. 
2  Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.
Assim, a necessidade de nomeação de dois gerentes tem de ser justificada com o que consta do contrato de sociedade. E nem a requerente alegou o que a este respeito consta do contrato de sociedade, nem o juntou aos autos. E o tribunal também não o solicitou.  
Donde se conclui que não está justificado o pedido de nomeação de dois gerentes.

4.3. E finalmente, também não está legalmente justificada a nomeação compulsiva das requeridas, já que foi feita contra a sua oposição expressa e depois de provada a sua renúncia válida e eficaz à gerência.
Ora, nem o art. 1484.º do Código de Processo Civil, nem o art. 252.º do Código das Sociedades Comerciais, impõem que, havendo necessidade de nomear gerente, este tenha a qualidade de sócio. O primeiro preceito apenas exige que seja nomeada "pessoa idónea para o exercício do cargo". O segundo admite expressamente a possibilidade de ser nomeado "de entre estranhos à sociedade".
Imprescindível é, a nosso ver, que o nomeado aceite voluntariamente exercer o cargo. O que se contém no âmbito das liberdades individuais de cada pessoa.
Acresce que a justificação apresentada pela requerente, sobre a necessidade de apresentar contas e sobre a sua ignorância acerca dos assuntos da sociedade, é claramente inaceitável. 
Primeiro porque a solução constante do n.º 1 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais permite dar satisfação adequada à exigência legal de apresentação de contas entre os sócios. Como esclarece o acórdão desta Relação de 13-05-1999 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 9930660), "o relatório e contas deve ser elaborado pelo colectivo de gerentes quando haja gerência plural. (…) Qualquer gerente (ainda que não exerça «de facto» as funções, mas que mantenha tal qualidade legal) tem o poder-dever de, dentro do colectivo da gerência, organizar e contribuir para a realização, para a elaboração, do relatório e contas".
Segundo porque a ignorância alegada pela requerente não lhe confere mais direitos nem menos deveres societários relativamente às demais sócias. 
Finalmente, importa notar que a requerente não alega a existência de trabalhadores ao serviço da sociedade. E do que é dito nos articulados de ambas as partes infere-se que a sociedade está inactiva desde que as requeridas renunciaram à gerência. Nessas circunstâncias, ocorre perguntar que actos concretos da vida da sociedade não podem ser resolvidos por deliberação das três sócias, nos termos previstos no n.º 1 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais, e impõem a necessidade de nomeação judicial de dois gerentes?
De tudo o que fica exposto conclui-se, sem necessidade de outras diligências, que o pedido da requerente é injustificado. E, por isso, deve ser julgado improcedente. Com a consequente revogação da decisão recorrida. 

5. Sumário:
1) Em face dos preceitos contidos no n.º 1 do art. 1484.º do CPC e 253.º, n.º 3, do CSC, a nomeação judicial para o exercício do cargo de gerente de sociedade comercial por quotas tem carácter excepcional e exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) que se trate de caso compreendido no âmbito do n.º 3 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais; ii) que o requerente justifique em concreto o pedido de nomeação; iii) que indique pessoa idónea para o exercício do cargo.
2) De acordo com o disposto no n.º 3 do art. 253.º do CSC, só há lugar a nomeação judicial de gerente se o contrato de sociedade exigir um número mínimo de gerentes para a sociedade ficar validamente obrigada, os gerentes em exercício forem inferiores a esse número e a vaga não for preenchida no prazo de 30 dias.
3) Trata-se, porém, de uma nomeação precária e provisória, porque se destina a resolver casos meramente pontuais da gerência da sociedade e apenas subsiste até à designação dos gerentes em falta, através dos mecanismos estatutários ou legais.
4) Faltando em definitivo todos os gerentes, a solução que a lei prevê é a de que todos os sócios assumem os poderes de gerência até que sejam designados novos gerentes em conformidade com o previsto no contrato de sociedade ou por deliberação dos sócios (art. 253.º, n.º 1, CSC).   

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência:
1) Revoga-se a decisão recorrida.
2) Julga-se improcedente o pedido de nomeação de gerentes formulado pela requerente e absolvem-se as requeridas desse pedido. 
3) Custas das acção e do recurso pela requerente/apelada (art. 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).*Relação do Porto, 01-02-2011
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires

Proc. n.º 302/10.8TYVNG.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 05-01-2011 Relator: Guerra Banha Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B…, residente no Porto, instaurou, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, acção especial para nomeação de titular de órgão social, regulada no art. 1484.º do Código de Processo Civil, em que requereu que fossem nomeadas gerentes à sociedade "C…, LIMITADA", com sede na Rua …, n.º …, …, na cidade do Porto, com o NIPC ……… e matriculada na 2.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto, de que disse ser sócia, D… e E…, também sócias daquela sociedade. Alegou, em síntese, que a gerência da sociedade foi sempre exercida pelas requeridas D… e E…, enquanto sócias fundadoras da sociedade, até que estas renunciaram à gerência em Maio de 2009; desde então, a sociedade está sem qualquer gerente e aproxima-se o prazo para a apreciação anual da situação da sociedade, em que é necessário elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas; a requerente só entrou para a sociedade em Abril de 2007, nunca exerceu a gerência nem qualquer outra função ou actividade na referida sociedade, não tem conhecimento dos clientes e fornecedores, nem das obrigações ou compromissos a cumprir, e, por isso, não está em condições de exercer aquele cargo, ao contrário do que se passa com as requeridas, que conhecem bem a situação empresarial, fiscal e financeira da sociedade e são as pessoas indicadas para exercerem a gerência. As requeridas deduziram oposição, alegando, em síntese, que a sua nomeação para exercerem a gerência da sociedade é incompatível com o exercício do direito de renúncia à mesma gerência; que o desconhecimento que a requerente alega ter da vida e dos assuntos da sociedade deve-se a total desinteresse da própria, que, não obstante contactada, nunca compareceu às reuniões e às assembleias gerais, e nunca quis colaborar na actividade societária; que as requeridas não têm acesso à sede da sociedade desde 30-04-2009, a qual é propriedade do marido da requerente; que pelas razões expostas, não aceitam exercer a gerência da referida sociedade e pretendem dissolvê-la. Por sentença proferida a fls. 61-64, foi decidido deferir o pedido da requerente nomear gerentes da sociedade "C…, LDA", as requeridas D... e E…. 2. As requeridas apelaram dessa decisão, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: a) Requerente e requeridas são sócias da sociedade C…, LDA. b) Em Maio de 2009 as recorrentes renunciaram à gerência da sociedade. c) Fizeram-no por estarem desiludidas com o rumo que a mesma estava a ter. A recorrida deixou de se interessar por um projecto que havia sido iniciado pelas três sócias, não comparecendo na sede da sociedade e nas assembleias-gerais, nem se interessando pelos projectos que a mesma tinha. d) Tudo se agravou e levou a tal desfecho no dia 30 de Abril de 2009, dia em que deixaram de ter acesso à sede da sociedade, pertença do marido da recorrida. Depois de uma acção intentada pela sócia recorrida contra a própria sociedade. e) Todos estes factores não foram tidos em consideração pelo tribunal a quo. Que apenas teve em conta o facto da recorrida não conhecer os meandros da sociedade. f) Não ponderou o Tribunal a quo que, fruto de tais atitudes, foi criado um clima de instabilidade tal que não permite às recorrentes assumirem a gerência da sociedade. g) Devendo, por isso revogar-se a sentença proferida pelo tribunal a quo e nomear-se gerente a sócia recorrida, que até ao momento nada mais fez do que prejudicar a sociedade. A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida. II – FUNDAMENTOS 3. Na sentença recorrida foram tomados em conta os factos seguintes: 1) A Requerente é, desde Abril de 2007, sócia da referida sociedade "C…, Lda", nela detendo uma quota de 2.500,00€. 2) Nunca foi gerente da mesma, nem nesta nunca exerceu qualquer tipo de função ou actividade, não conhecendo a vida da sociedade, os seus clientes ou fornecedores, nem sabendo quais as suas obrigações e compromissos. 3) Actualmente e desde Maio de 2009, à sociedade faltam definitivamente todos os gerentes, uma vez que ambas as (anteriores) gerentes renunciaram à gerência da sociedade naquela data. 4. As questões que as recorrentes opõem à decisão recorrida podem sintetizar-se do seguinte modo: 1) está justificado o pedido de nomeação judicial de gerentes? 2) as recorrentes podem ser obrigadas a exercer a gerência da sociedade contra a sua vontade e depois de terem renunciado valida e eficazmente à gerência? 3) o desconhecimento da vida da sociedade alegado pela recorrida constitui fundamento para se eximir ao exercício do cargo? A formulação destas questões já indicia a falta de razoabilidade que se evidencia na decisão recorrida. Por três motivos: (i) primeiro, porque não nos parece justificada a necessidade da nomeação judicial; (ii) porque, a concluir-se pela necessidade de nomeação judicial de gerente, falta no processo um elemento essencial à apreciação do pedido: o contrato de sociedade, que é o instrumento que, em primeira linha, define como deve funcionar a gerência e como devem ser designados os gerentes. E na falta desse elemento, fica por justificar a necessidade de nomear dois gerentes; (iii) terceiro, porque também não está justificado que essa nomeação tenha de recair sobre as requeridas, contra a sua vontade e depois de terem renunciado à gerência. Vejamos então o que diz a lei a respeito de cada um destes pontos. 4.1. A acção especial de nomeação judicial de titular de órgão social está regulada no art. 1484.º do Código de Processo Civil, cujo n.º 1 dispõe do seguinte: "Nos casos em que a lei prevê a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns dos contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo". Em face deste preceito, a nomeação judicial para o exercício do cargo de gerente de sociedade comercial por quotas, como é aqui o caso, exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: 1) que se trate de um caso em que a lei prevê a nomeação judicial de gerente; 2) que o requerente justifique em concreto o pedido de nomeação; 3) que indique pessoa idónea para o exercício do cargo. Quanto ao primeiro pressuposto, o art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais dispõe, com relevância para o caso em apreciação, o seguinte: "1 se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes". 2 O disposto no número anterior é também aplicável no caso de falta temporária de todos os gerentes, tratando-se de acto que não possa esperar pela cessação da falta. 3 Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei". Estão aqui contempladas três situações diferentes, para as quais a lei prevê soluções diferentes: 1) Uma primeira situação, prevista no n.º 1, de falta definitiva de todos os gerentes, que a lei resolve determinando que todos os sócios assumem os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes segundo o que está previsto no contrato de sociedade ou através de deliberação dos sócios (art. 252.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais). 2) Uma segunda situação, prevista no n.º 2, de falta temporária de todos os gerentes e estar em causa a prática de acto que não possa esperar pela cessação da falta. Também neste caso a lei manda aplicar a mesma solução prevista no n.º 1, ou seja, de que todos os sócios assumem temporariamente a função de gerência. 3) Uma terceira situação, prevista no n.º 3 e reportada a casos de gerência plural, de falta definitiva de um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade. Prevê a lei duas soluções: (i) tratando-se de caso em que a exigência da intervenção do gerente em falta tenha sido nominal, considera-se caduca a cláusula do contrato; (ii) no caso contrário e se a vaga não tiver sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei". Como se percebe, só para esta última situação é que a lei prevê a possibilidade de nomeação judicial do gerente em falta. Para as demais hipóteses estão previstas soluções diferentes. É também neste sentido que aponta ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA (em Sociedades Comerciais, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2006, p. 363), dizendo: "… a lei ainda prevê, nas sociedades por quotas, outras formas de designação dos gerentes, para além da nomeação estatutária ou por eleição. Assim, o pacto pode atribuir a um sócio ou grupo de sócios a faculdade de designarem gerentes. Excepcionalmente poderá ocorrer uma nomeação judicial de gerentes. Tal acontecerá se os estatutos exigirem um número mínimo de gerentes para a sociedade ficar validamente obrigada (art. 261.º, n.º 1) e os gerentes forem inferiores a esse número. Então, se a vaga não for preenchida no prazo de 30 dias, qualquer sócio ou gerente pode requerer ao Tribunal a nomeação de um gerente até a situação ficar regularizada (art. 253.º, n.º 3). Por outro lado, se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes (art. 253.º, n.º 1)." Também nos parece ser esse o entendimento sufragado no acórdão da Relação de Lisboa de 18-12-2008 (em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 11128/2008-1), onde se diz que só quando "verificado o circunstancialismo previsto no art.º 253.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais — a falta de um gerente cuja intervenção seja necessária, sem que a sua vaga seja preenchida no prazo de 30 dias —, qualquer sócio tem o direito de requerer, com êxito, a nomeação judicial de um gerente, nos termos do art. 1484.º do CPC". Ora, o caso configurado pela requerente não se enquadra no âmbito do n.º 3 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais. Enquadra-se, sim, no âmbito da situação prevista no n.º 1 do mesmo artigo: falta definitiva de todos os gerentes, por virtude de renúncia. E a solução que a lei contém para essa situação é a de que todos os sócios assumem por igual a gerência, até que sejam designados os novos gerentes, segundo o que está estabelecido no pacto social ou, nada estando estabelecido, através deliberação de todos os sócios (art. 252.º, n.º 2, do CSC). Foi também esta a solução dada pelo acórdão desta Relação de 26-05-2003, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. nº 0351946. Faz-se notar que a nomeação judicial pelo tribunal tem sempre carácter excepcional, precário e provisório. Excepcional porque apenas pode ter lugar nos casos de necessidade expressamente previstos na lei; precária porque se destina a permitir resolver casos meramente pontuais da gerência da sociedade; provisória porque apenas subsiste até à designação do gerente em falta, através dos mecanismos estatutários ou legais. Donde se impõe concluir que a situação alegada pela requerente não justifica a nomeação judicial de gerentes. 4.2. Mas ainda que se entenda que haverá lugar à nomeação de gerente, então na sua nomeação haveria que ter em conta, em primeiro lugar, o que está estabelecido no contrato de sociedade. Designadamente, se está prevista uma gerência plural ou unitária e se estão previstas regras ou critérios para a nomeação e para a substituição dos gerentes. Com efeito, quanto à composição da gerência e à sua designação, o art. 252.º do Código das Sociedades Comerciais prescreve: 1 A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena. 2 Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação. Assim, a necessidade de nomeação de dois gerentes tem de ser justificada com o que consta do contrato de sociedade. E nem a requerente alegou o que a este respeito consta do contrato de sociedade, nem o juntou aos autos. E o tribunal também não o solicitou. Donde se conclui que não está justificado o pedido de nomeação de dois gerentes. 4.3. E finalmente, também não está legalmente justificada a nomeação compulsiva das requeridas, já que foi feita contra a sua oposição expressa e depois de provada a sua renúncia válida e eficaz à gerência. Ora, nem o art. 1484.º do Código de Processo Civil, nem o art. 252.º do Código das Sociedades Comerciais, impõem que, havendo necessidade de nomear gerente, este tenha a qualidade de sócio. O primeiro preceito apenas exige que seja nomeada "pessoa idónea para o exercício do cargo". O segundo admite expressamente a possibilidade de ser nomeado "de entre estranhos à sociedade". Imprescindível é, a nosso ver, que o nomeado aceite voluntariamente exercer o cargo. O que se contém no âmbito das liberdades individuais de cada pessoa. Acresce que a justificação apresentada pela requerente, sobre a necessidade de apresentar contas e sobre a sua ignorância acerca dos assuntos da sociedade, é claramente inaceitável. Primeiro porque a solução constante do n.º 1 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais permite dar satisfação adequada à exigência legal de apresentação de contas entre os sócios. Como esclarece o acórdão desta Relação de 13-05-1999 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 9930660), "o relatório e contas deve ser elaborado pelo colectivo de gerentes quando haja gerência plural. (…) Qualquer gerente (ainda que não exerça «de facto» as funções, mas que mantenha tal qualidade legal) tem o poder-dever de, dentro do colectivo da gerência, organizar e contribuir para a realização, para a elaboração, do relatório e contas". Segundo porque a ignorância alegada pela requerente não lhe confere mais direitos nem menos deveres societários relativamente às demais sócias. Finalmente, importa notar que a requerente não alega a existência de trabalhadores ao serviço da sociedade. E do que é dito nos articulados de ambas as partes infere-se que a sociedade está inactiva desde que as requeridas renunciaram à gerência. Nessas circunstâncias, ocorre perguntar que actos concretos da vida da sociedade não podem ser resolvidos por deliberação das três sócias, nos termos previstos no n.º 1 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais, e impõem a necessidade de nomeação judicial de dois gerentes? De tudo o que fica exposto conclui-se, sem necessidade de outras diligências, que o pedido da requerente é injustificado. E, por isso, deve ser julgado improcedente. Com a consequente revogação da decisão recorrida. 5. Sumário: 1) Em face dos preceitos contidos no n.º 1 do art. 1484.º do CPC e 253.º, n.º 3, do CSC, a nomeação judicial para o exercício do cargo de gerente de sociedade comercial por quotas tem carácter excepcional e exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) que se trate de caso compreendido no âmbito do n.º 3 do art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais; ii) que o requerente justifique em concreto o pedido de nomeação; iii) que indique pessoa idónea para o exercício do cargo. 2) De acordo com o disposto no n.º 3 do art. 253.º do CSC, só há lugar a nomeação judicial de gerente se o contrato de sociedade exigir um número mínimo de gerentes para a sociedade ficar validamente obrigada, os gerentes em exercício forem inferiores a esse número e a vaga não for preenchida no prazo de 30 dias. 3) Trata-se, porém, de uma nomeação precária e provisória, porque se destina a resolver casos meramente pontuais da gerência da sociedade e apenas subsiste até à designação dos gerentes em falta, através dos mecanismos estatutários ou legais. 4) Faltando em definitivo todos os gerentes, a solução que a lei prevê é a de que todos os sócios assumem os poderes de gerência até que sejam designados novos gerentes em conformidade com o previsto no contrato de sociedade ou por deliberação dos sócios (art. 253.º, n.º 1, CSC). III – DECISÃO Por tudo o exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência: 1) Revoga-se a decisão recorrida. 2) Julga-se improcedente o pedido de nomeação de gerentes formulado pela requerente e absolvem-se as requeridas desse pedido. 3) Custas das acção e do recurso pela requerente/apelada (art. 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).*Relação do Porto, 01-02-2011 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Sílvia Maria Pereira Pires