I- A incapacidade permanente parcial (IPP) avalia a vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, enquanto a IPG avalia a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional sobre o chamado rebate profissional. II- Não existe proporcionalidade entre o valor pontual da IPG e o valor percentual da IPP. III- Deve ser anulada o julgamento quando estava em apuramento o grau percentual de IPP e o tribunal apenas apurou o valor pontual de IPG.
Processo n.º 7383/08.2TBMTS.P1 (Apelação) Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Matosinhos (2.º Juízo Cível) Apelante: Companhia de Seguros B…, S.A. Apelado: C… Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO C… intentou acção declarativa condenatória, sob a forma de processo comum ordinário, contra Companhia de Seguros B…, S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €98.081,30, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, que discrimina e quantifica na petição inicial[1], acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que no dia 30/12/2005, em Matosinhos, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-TT, seguro na ré, conduzido por D…, não parou junto do entroncamento formado pelo arruamento que dá acesso ao … de onde provinha a velocidade superior a 80km/hora, e o arruamento que dá acesso ao parque de estacionamento …, onde circulava o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-UI conduzido pelo ora autor, pelo que, com culpa exclusiva do condutor do ligeiro de mercadorias, este embateu no veículo do autor, causando os prejuízos alegados. Contestou a ré por impugnação, questionando a percentagem de IPP alegada e os montantes indemnizatórios peticionados. Após ter sido elaborado despacho saneador e fixada a matéria de facto, foi realizada perícia médico-legal (cfr. fls. 138-141v). Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (cfr. fls. 210-229), que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de €36.760,44, assim discriminada: a)- €1.760,44, a título de danos patrimoniais; b)- €30.000,00, a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente de 7,5%; c)- sobre estas quantias acrescem juros de mora calculados à taxa legal e devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento; d)- €5.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais. Inconformada, apelou a ré. Não foi apresentada resposta às alegações. Conclusões da apelação: 1. A resposta dada ao quesito 47º da Base Instrutória deve ser alterada, nos termos e pelas razões apontadas no ponto 2 destas alegações; 2. A decisão proferida sobre a matéria de facto no que respeita ao quesito 47º da Base Instrutória ignorou o único e concreto meio probatório produzido a propósito, e constituído pelo Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil a que o Autor foi submetido por solicitação do Tribunal "a quo" a requerimento de ambas as partes que o aceitaram, não tendo o mesmo sido objecto de qualquer reclamação; 3. O Meritíssimo Juiz "a quo" ignorou a prova pericial produzida e, consequentemente, a verdade material que dela resulta, optando por decidir com base numa questão de natureza formal; 4. É entendimento doutrinal e Jurisprudencial que a matéria de facto assente não forma caso de julgado formal, isto é, nunca torna indiscutível que os factos assentes não sejam afinal controvertidos; 5. O Meritíssimo Juiz ao decidir que o Autor ficou com uma I.P.P. de 7,5% ignorou o único elemento de prova constante dos autos, o relatório do exame médico-legal que fixou em 2%, ou 2 pontos de acordo com a actual nomenclatura, a I.P.G. que resultou para o Autor como consequência directa e necessária do acidente dos autos; 6. Ora, ao fixar, incorrectamente, uma I.P.P. de 7,5% arbitrou uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros manifestamente desajustada do dano real sofrido pelo Autor e avaliado pela perícia médico-legal em 2%, com o que proporciona ao Autor um enriquecimento ilegítimo; 7. Considerando que o Autor ficou com uma I.P.G. de 2% em consequência do acidente que, em termos de rebate profissional é compatível com o exercício da sua actividade mas que implica esforços suplementares, afigura-se como justa e equitativa uma indemnização de €6.500,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro. 8. A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, 562º, ambos do Cod. Civil e 515º do Cod. Proc. Civil. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, parcialmente revogada a douta decisão recorrida, condenando-se a ora Recorrente a pagar ao Recorrido o montante de € 6.500,00 a título de dano patrimonial futuro, confirmando-se em tudo o mais a douta decisão recorrida, com as legais consequências. II- FUNDAMENTAÇÃO A-Objecto do Recurso: Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), redacção actual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, importa decidir se deve ser alterada a resposta dada ao ponto 47.º da base instrutória e consequências jurídicas advenientes da decisão que se vier a tomar sobre essa questão. B- De Facto: A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto: A) No dia 30 de Dezembro de 2005, cera das 09:00 horas no arruamento de acesso ao parque de estacionamento …, sito na Rua …, ocorreu um acidente de viação em que intervieram as seguintes viaturas: a) veículo ligeiro de mercadorias matrícula ..-..-TT, à data propriedade de E…, SA, conduzido por D…; b) veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-UI propriedade de F…, conduzido pelo Autor. B) O Autor circulava no arruamento que dá acesso ao parque de estacionamento do …, sentido poente-nascente, ocupando a hemi-faixa da direita atento seu sentido de marcha e a uma velocidade inferior a 50 km/hora. C) Por sua vez o veículo matrícula ..-..-TT circulava no arruamento que dá acesso ao parque …, no sentido norte-sul e a uma velocidade superior a 80 km/hora. D) O condutor do TT - que pretendia aceder à Rua … – não parou junto do entroncamento formado pelos dois arruamentos, nem verificou se circulava algum veículo no arruamento de acesso ao parque de estacionamento …, entrando neste a uma velocidade superior a 80 km/hora, invadindo a totalidade da hemi-faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha, e acabando por embater na frente (lado direito) do veículo conduzido pelo Autor. E) O veículo do Autor apresentava-se pela direita do veículo TT. F) O piso estava molhado. G) À data do acidente, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …./……, estava transferida para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do Veículo de matrícula ..-..-TT, conforme documento junto aos autos a fls. 62, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. H) A Ré aceita ser a responsável pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente em apreço, tendo já ressarcido o proprietário do veículo conduzido pelo Autor. I) Dada a violência do embate o Autor teve de ser transportado para o Hospital … onde foi assistido nas urgências, tendo realizado vários exames radiológicos. J) Pela assistência médica no Hospital … o Autor pagou o montante de €9,50. K) Em consequência do embate o A. sofreu um traumatismo cervical. L) O A., como consequência directa e necessária do acidente dos autos ficou afectado com uma incapacidade parcial permanente (IPP) não inferior a 7,5% para o exercício de qualquer actividade; 1º- O Autor, em consequência do acidente, apresentou sinais de desorientação e alterações neurológicas que se prolongaram pelos oito dias seguintes; 2º- O embate provocou-lhe, para além da cervicalgia traumática referida em k), o agravamento de um processo degenerativo preexistente da região discal; 3º- Como consequência destas lesões o Autor sofreu fortes dores na coluna e nos membros superiores e limitação dos movimentos designadamente ao nível da flexão e nas rotações cervicais; 4º - Na presente data o Autor continua a sentir dores no pescoço e na coluna principalmente quando tem que estar muito tempo na mesma posição: 5º- O que acontece com frequência uma vez que o Autor é oficial de justiça e passa uma boa parte do dia sentado na secretária a trabalhar no computador; 6º- O Autor tem dificuldade em movimentar os membros superiores acima do nível dos ombros; 7º- Nem realizar muitas das tarefas quotidianas, como por exemplo, lavar o carro, aspirar, mudar uma lâmpada, pegar no filho ao colo, jogar futebol ou realizar qualquer tipo de exercício físico; 8º- No dia do acidente o médico que assistiu o Autor nas urgências prescreveu-lhe um analgésico para atenuar as dores que sentia; 9º- O medicamento custou ao Autor o montante de €2,11; 10º- Não obstante ter tomado o medicamento conforme a prescrição médica continuou a sentir fortes dores, tendo-se deslocado à G…, Lda. para ser novamente examinado; 11º- Pela consulta médica o Autor pagou o montante de €35; 12º- Face às queixas o médico prescreveu-lhe uma nova medicação pela qual o Autor pagou o montante de €30,25; 13º- Como as dores e o mau estar geral persistiam o Autor voltou a procurar assistência médica, recorrendo aos serviços sociais do Ministério da Justiça, tendo pago a quantia de €3,99; 14º- O médico prescreveu ao Autor nova medicação, pela qual pagou o montante de €14,33; 15º- Por aconselhamento médico o Autor efectuou ainda um TAC cerebral, um TAC à coluna cervical e uma ressonância magnética à coluna cervical; 16º- Tais exames médicos foram realizados em 26/01/2006 e 03/02/2006, respectivamente, tendo o Autor pago pelos mesmos o montante global de €55,37; 17º- Como os problemas de saúde perduravam, o Autor recorreu a uma consulta médica no H…, Lda., tendo pago o montante de €80; 18º- Receando o agravamento do seu estado clínico e visto que os tratamentos até então realizados não surtiram qualquer efeito, o Autor marcou uma consulta na I…, tendo sido examinado pelo Prof. Dr. J…, especialista em Ortopedia e Traumatologia; 19º- A referida consulta realizou-se no dia 14/02/2006, tendo o Autor pago pela mesma o montante de €70; 20º- Após análise dos exames médicos anteriormente efectuados (TAC e ressonância), referido especialista concluiu que o Autor padecia de uma cervicalgia traumática e de uma alteração discal cervical; 21º- Como o Autor sentia fortes dores e tinha dificuldades na flexão e nas rotações cervicais, foi-lhe prescrito um tratamento com P.S.T (Pulse Signal Therapy) e a administração em simultâneo de medicação; 22º- O Autor efectuou as nove sessões do tratamento e tomou a medicação; 23º- Pelo tratamento com P.S.T o Autor pagou o montante de €1.000; 24º- Com a medicação o Autor despendeu o montante de €7,39; 25º- Em 27/04/2006 o Autor foi novamente examinado pelo Prof. Dr. J…, tendo pago pela consulta a quantia de €70; 26º- O especialista recomendou que continuasse a tomar a medicação que entretanto havia terminado; 27º- No dia seguinte à consulta o Autor comprou o medicamento e pagou pelo mesmo a quantia de €5,25; 28º- O Autor não conseguia conduzir; 29º- Pelo que, para as consultas e para os tratamentos, deslocou-se de transportes públicos (metro) tendo pago o montante global de €24,20; 30º- Terminado o tratamento o Autor foi examinado uma última vez pelo supra referido médico especialista, tendo sido elaborado o relatório junto com a p.i. como doc. 16; 31º- Pelo exame e relatório médicos o Autor despendeu o montante de €150; 32º- Como consequência directa e necessária do acidente em causa nos autos o Autor esteve incapacitado para o trabalho durante cinco dias (01/01/2006 e 06/01/2006); 33º- E por esse facto deixou de auferir €166,86 de vencimento, €16,44 de suplemento de recuperação processual e €19,75 de subsídio de refeição; 34º- O acidente em apreço causou ao Autor perturbação mental; 35º- O susto foi tal que nos dias que se lhe seguiram o Autor teve dificuldades em adormecer não só por causa das fortes dores que sentia mas porque sonhava repetidamente com acidentes acordando sobressaltado e aflito; 36º- Nos meses seguintes ao embate o Autor não só não conduzia como evitava andar de automóvel com familiares e amigos; 37º- Ainda hoje o Autor reage de forma nervosa e assustada ao mais pequeno contratempo estradal; 38º- As dores provocadas pelas lesões físicas resultantes do acidente não o deixavam permanecer por mais de uma hora na mesma posição; 40º- Por força da cervicalgia traumática e do agravamento de um processo degenerativo pré-existente da região discal o Autor tinha dificuldade em dobrar /flectir o pescoço e o tronco, e em fazê-los rodar; 41º- Só depois de ter sido submetido ao tratamento com P.S.T (Pulse Signal Therapy) é que as dores e as limitações funcionais atenuaram; 42º- Todavia, o Autor continua e continuará para o resto da vida a padecer de dores residuais, a ter dificuldade na realização de movimentos com os braços acima do nível dos ombros e na realização de esforços e actividades que o obriguem a estar durante muito tempo na mesma posição; 43º- A actividade profissional do Autor, referida em 5º), causa-lhe diariamente dores e desconforto; 44º- Por força das lesões sofridas o Autor deixou de poder jogar futebol, conforme referido em 7º), com os amigos e colegas, actividade que constituía o seu “hobby” predilecto e uma forma de espairecer, aliviar o stress e fazer exercício físico; 45º- As limitações referidas nas respostas aos quesitos 7 e 44 deixam o Autor frustrado, sentindo-se diminuído; 46º- Desde o acidente que o Autor passou a conviver menos com os amigos e deixou de participar nos jantares que combinavam com frequência após os jogos de futebol; 47º- Provado apenas o que já consta da al l) da matéria de facto assente; 48º- À data do acidente o A. Auferia um vencimento líquido de €1.162,61; O Autor nasceu no dia 1 de Julho de 1970 -cfr. assento de nascimento entretanto junto aos autos. C- De Direito: Defende a apelante que deve ser alterada a resposta dada ao ponto 47.º da base instrutória[2], levando-se em conta o resultado da perícia médico-legal que fixou ao autor uma IPG de 2 pontos. Por consequência, entende o apelante que o grau de incapacidade deve ser fixado em conformidade com o exame pericial, que invoca ter sido ignorado pelo tribunal. Emerge da resposta dada ao dito ponto 47.º que, em face da conclusão a que chegou a perícia médico-legal, o tribunal apenas considerou provado o que já constava da alínea L) dos factos assentes, ou seja, que “O A., como consequência directa e necessária do acidente dos autos ficou afectado cm uma incapacidade parcial permanente (IPP) não inferior a 7,5% para o exercício de qualquer actividade.” Sucede, pois, que a matéria vertida nesta alínea dos factos assentes e a constante do ponto 47.º da base instrutória se encontram interligadas, pelo que a reponderação da resposta dada à segunda implica aceitar como assente a matéria constante da referida alínea L). Ora, analisada a petição inicial e a contestação, o que se nos afigura, salvo o devido respeito por opinião contrária, é que a factualidade constante da referida alínea L) não se pode considerar assente. De facto, nos artigos 11.º a 14.º da contestação, a ré impugnou o alegado nos artigos 73.º e 74.º da petição inicial, nos quais o autor alegou que como consequência directa e necessária do acidente dos autos ficou com uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 15% para o exercício de qualquer actividade. A ré, por sua vez, contrapôs que tal não corresponde à verdade por, em 29.06.2006, portanto mais de dois anos antes da data da alegação do autor[3], o mesmo ter sido examinado por um médico ortopedista que lhe atribuiu uma IPP de 7,5%, juntando para comprovação do alegado cópia da informação clínica existente no processo aberto nos serviços médicos da seguradora (cfr. doc. 2 da contestação). Assim sendo, o que decorre desta alegação é que o grau de IPP que afecta o autor se encontra controvertido. Nem sequer se pode considerar que a ré confessou/aceitou que do acidente resultou directa e necessariamente uma IPP de 7,5%, conforme veio a ser escrito na alínea L) dos factos assentes, porque tal asserção não foi produzida pela ré no sentido do autor estar afectado com aquele grau de incapacidade, mas tão só e apenas que em determinada data, uma avaliação médica se pronunciou nesse sentido, o que lhe permitiu duvidar e questionar o grau de incapacidade, mais elevado, que o autor veio invocar mais tarde, em sede judicial. Ora, a eficácia da confissão judicial em sede articulados ou em qualquer acto do processo, depende do carácter inequívoco da declaração confessória, conforme prescrevem conjugadamente os artigos 355.º, n.º 1, 356.º, n.º 1 e 357.º. n.º 1 do Código Civil.[4] A alegação impugnatória da ré não tem tal característica, já que da sua interpretação resulta, de forma plausível, que a mesma se limitou a impugnar o alegado pelo autor, contra-argumentando com base num documento, que é apenas um meio de prova, sem que alguma vez tenha expressado de forma inequívoca que o autor estava afectado apenas com uma IPP de 7,5%. Assim sendo, em face da não confissão da ré, deve ser eliminada a alínea L) dos factos assentes, o que se determina, ficando em discussão a factualidade controvertida e inserida no ponto 47.º da base instrutória.[5] Vejamos, agora, se a resposta dada a este ponto deve ser alterada, já que a apelante defende que o tribunal não atendeu ao exame pericial realizado e, por sua, o tribunal defendeu que do mesmo não podia concluir mais do que já constava assente, ou seja, que o grau de IPP se situava nos 7,5%. Eliminada a alínea L) dos factos assentes, o que releva na apreciação da factualidade em causa são os todos os meios probatórios carreados para os autos sobre esta factualidade, ou seja, o documento 16 junto com a petição inicial (fls. 37), o documento 2 junto com a contestação (fls. 63), a perícia médico-legal realizada no âmbito do processo (fls. 138-141v) e a prova testemunhal produzida sobre esta questão (depoimento do Dr. K…), sem prejuízo da sua concatenação com a demais prova produzida nos autos. Sucede que a perícia médico-legal não se pronunciou sobre o grau de IPP, mas apenas sobre a IPG que fixou em dois pontos, embora o objecto da perícia visasse apurar o grau da IPP, conforme resulta dos requerimentos da ré e do autor (cfr., respectivamente, fls. 84 e 90) e do despacho que os apreciou (fls. 99). Refere a apelante nas alegações que o exame médico-legal fixou em 2%, ou 2 pontos de acordo com a actual nomenclatura, a IPG que resultou para o autor como consequência directa e necessária do acidente, não atribuindo qualquer relevância à discrepância resultante de se procurar saber qual o grau de IPP que afecta o autor e se ter obtido como resposta que o mesmo esta afectado com uma IPG de 2 pontos. Mas não podemos concordar com tal entendimento. O dano real/efectivo que afecta a pessoa na sua integridade física e psíquica abrange vários vectores, desde profissionais a pessoais, conforme se vier a apurar, traduzindo-se em duas vertentes: uma de conteúdo patrimonial e noutra de conteúdo não patrimonial. A incapacidade permanente parcial (IPP) avalia a vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, enquanto a IPG avalia a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional sobre o chamado rebate profissional, ou seja, se as lesões são ou não compatíveis com o exercício da actividade profissional, se implicam ou não esforços complementares, podendo os danos em causa serem ressarcidos no âmbito dos danos patrimoniais ou não patrimoniais, conforme os casos concretos.[6] Porém, não fixa propriamente o grau de incapacidade permanente após a data da consolidação das lesões, o que sucede, e regra e apenas, na avaliação médico-legal em sede laboral.[7] Esta metodologia, como é sabido, já vinha sendo adoptada pelo IML, mesmo antes da publicação das Tabelas Nacionais de Acidentes de Trabalho e de Avaliação de Incapacidade Permanentes em Direito Civil, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, e assim tem continuado, tanto mais que resulta, agora, da lei vigente a existência de duas Tabelas, uma aplicável à avaliação do dano corporal em sede laboral e outra aplicável em sede de avaliação do dano corporal em direito civil. No caso presente, não obstante o acidente ter ocorrido em 30/12/2005, a perícia médico-legal foi realizada em 17/11/2009, portanto já no decurso da vigência das novas tabelas, que vigoram desde 21/01/2008, aplicando-se as mesmas, conforme decorre do artigo 6.º, n.º1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10. Da análise das mesmas, concluiu-se que a avaliação em direito civil deve indicar o valor pontual das lesões que enformam a IPG, enquanto a avaliação em sede laboral deve indicar o valor percentual que enforma os vários tipos de incapacidade, entre eles, a incapacidade permanente parcial (IPP). Mas não existe qualquer regra que determine uma proporcionalidade entre a incapacidade pessoal e a incapacidade profissional, nem sequer que diga que um determinado valor pontual (civil) corresponde a igual valor percentual (laboral).[8] Na verdade, a incapacidade permanente geral (IPG) pode ser igual ou diferente (inferior ou superior) à incapacidade permanente parcial (IPP), tudo dependendo do caso concreto, sobretudo da profissão exercida pelo lesado e do tipo de lesão infligida.[9] Por conseguinte, a avaliação médico-legal levada a cabo não se pronunciou sobre o grau de IPP em causa e sobre essa questão não podia deixar de se pronunciar porque a mesma constituía o objecto da mesma. Dir-se-á que se pronunciou sobre a IPG e sobre o rebate profissional e que mais não é exigível em sede de avaliação do dano corporal em direito civil. Assim será em regra, mas não no caso presente. Na verdade, o autor alegou reportando-se à IPP, a ré respondeu nesse âmbito, a perícia médico-legal também assim foi requerida e deferida, pelo que, bem ou mal, já que nem as partes, nem o tribunal entenderam corrigir esse aspecto do litígio, a prova pericial terá e pronunciar-se sobre o grau de IPP, sem prejuízo da avaliação realizada relativamente à perda funcional traduzida na IPG de 2 pontos sobre a qual já foi emitida avaliação e que igualmente deve ser ponderada na determinação da indemnização a fixar a final, considerando a amplitude indemnizatória prevista na lei civil, conforme emerge do disposto nos artigos 562.º a 564.º do Código Civil. Em suma, os autos não contêm todos os elementos que permitam uma decisão conscienciosa relativamente à factualidade vertida no ponto 47.º da base instrutória, pelo que nos termos do artigo 712.º, n.º 4 do CPC, anula-se a decisão proferida na 1.ª instância, ordenando-se a repetição do julgamento sobre esta matéria, após ser complementada a perícia médico-legal nos termos acima referidos, e sem prejuízo da parte final do n.º 4 do citado artigo 712.º. Em síntese (n.º 7 do artigo 713.º do CPC): I- A incapacidade permanente parcial (IPP) avalia a vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, enquanto a IPG avalia a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional sobre o chamado rebate profissional. II- Não existe proporcionalidade entre o valor pontual da IPG e o valor percentual da IPP. III- Deve ser anulada o julgamento quando estava em apuramento o grau percentual de IPP e o tribunal apenas apurou o valor pontual de IPG. III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, em anular o julgamento, nos termos e com a finalidade sobredita. Custas pelo vencido a final. Porto, 26 de Setembro de 2011 Maria Adelaide de Jesus Domingos Ana Paula Pereira Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira ____________ [1] Danos patrimoniais que quantifica em €1.760,44; IPP de 15% para o exercício de qualquer actividade pela qual peticiona uma indemnização de €76.320,86 e danos não patrimoniais que quantifica em €20.00,00. [2] O ponto 47.º da base instrutória tem a seguinte redacção: “Como consequência directa e necessária dos do acidente dos autos o Autor ficou afectado com uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 15% para o exercício de qualquer actividade?” [3] A petição inicial deu entrada em juízo em 29.10.2008. [4] Valendo a confissão tácita apenas nos casos previstos na lei, situação que não se aplica ao caso, a exigência de inequivocidade da declaração confessória explica-se atenta a força probatória de que goza este meio probatório. Neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 3.ª ed,. Vol. I, Coimbra Editora, 1982, p. 315. [5] Factualidade que, em parte, se sobrepunha ao dado como assente na alínea L), pois não se restringia a apurar a diferença de grau de IPP entre 7,5% e 15%. [6] Esta tem sido o entendimento que ultimamente o STJ tem expressado de forma clara e inequívoca. Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 27.10.2009, proc. 560/09.0YFLSB; de 17.12.2009, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/123773" target="_blank">340/03.7TBPNH.C1</a>.S1; de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1 e de 20.05.2010, proc. 103/2002.L1.S1, todos in www.dgsi.pt. [7] Conforme se menciona no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, que aprovou as Tabelas Nacionais de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, “No direito laboral (…) está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinado.” [8] Neste mesmo sentido, refere ÁLVARO DIAS, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, 2001, ano X, pp. 54, que “Não há proporcionalidade entre o handicap pessoal e o handicap profissional.” Veja-se, ainda, JOSÉ BORGES PINTO, Notas sobre o Dano Coprporal e a Perícia Médico-Legal, p. 20, in www.verbojuridico.com/doutrina/civil/civel_danocorporal.pdf [Consult. 18.08.2011]. No mesmo sentido, referindo que “A pontuação não equivale à percentagem de incapacidade (..) são unidades de apreciação, logo o juiz é livre de apreciá-los, tão livre como o perito médico, podendo aquele saltar para fora dos limites estabelecidos nas tabelas…”, veja-se SOUSA DINIS, “Avaliação e Reparação do Dano Patrimonial e Não Patrimonial”, Conferência proferida, em 02.03.2010, no Curso de Especialização, Temas de Direito Civil, Formação Contínua, CEJ 2009/2010. [9] Assim foi considerado no Ac. RC, de 12.04.2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/122483" target="_blank">756/08.2TBVIS.C1</a> e Ac. RG, de 06.04.2005, proc. 2282/04.02, disponíveis em www.dgsi.pt.
Processo n.º 7383/08.2TBMTS.P1 (Apelação) Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Matosinhos (2.º Juízo Cível) Apelante: Companhia de Seguros B…, S.A. Apelado: C… Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO C… intentou acção declarativa condenatória, sob a forma de processo comum ordinário, contra Companhia de Seguros B…, S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €98.081,30, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, que discrimina e quantifica na petição inicial[1], acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que no dia 30/12/2005, em Matosinhos, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-TT, seguro na ré, conduzido por D…, não parou junto do entroncamento formado pelo arruamento que dá acesso ao … de onde provinha a velocidade superior a 80km/hora, e o arruamento que dá acesso ao parque de estacionamento …, onde circulava o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-UI conduzido pelo ora autor, pelo que, com culpa exclusiva do condutor do ligeiro de mercadorias, este embateu no veículo do autor, causando os prejuízos alegados. Contestou a ré por impugnação, questionando a percentagem de IPP alegada e os montantes indemnizatórios peticionados. Após ter sido elaborado despacho saneador e fixada a matéria de facto, foi realizada perícia médico-legal (cfr. fls. 138-141v). Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (cfr. fls. 210-229), que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de €36.760,44, assim discriminada: a)- €1.760,44, a título de danos patrimoniais; b)- €30.000,00, a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente de 7,5%; c)- sobre estas quantias acrescem juros de mora calculados à taxa legal e devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento; d)- €5.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais. Inconformada, apelou a ré. Não foi apresentada resposta às alegações. Conclusões da apelação: 1. A resposta dada ao quesito 47º da Base Instrutória deve ser alterada, nos termos e pelas razões apontadas no ponto 2 destas alegações; 2. A decisão proferida sobre a matéria de facto no que respeita ao quesito 47º da Base Instrutória ignorou o único e concreto meio probatório produzido a propósito, e constituído pelo Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil a que o Autor foi submetido por solicitação do Tribunal "a quo" a requerimento de ambas as partes que o aceitaram, não tendo o mesmo sido objecto de qualquer reclamação; 3. O Meritíssimo Juiz "a quo" ignorou a prova pericial produzida e, consequentemente, a verdade material que dela resulta, optando por decidir com base numa questão de natureza formal; 4. É entendimento doutrinal e Jurisprudencial que a matéria de facto assente não forma caso de julgado formal, isto é, nunca torna indiscutível que os factos assentes não sejam afinal controvertidos; 5. O Meritíssimo Juiz ao decidir que o Autor ficou com uma I.P.P. de 7,5% ignorou o único elemento de prova constante dos autos, o relatório do exame médico-legal que fixou em 2%, ou 2 pontos de acordo com a actual nomenclatura, a I.P.G. que resultou para o Autor como consequência directa e necessária do acidente dos autos; 6. Ora, ao fixar, incorrectamente, uma I.P.P. de 7,5% arbitrou uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros manifestamente desajustada do dano real sofrido pelo Autor e avaliado pela perícia médico-legal em 2%, com o que proporciona ao Autor um enriquecimento ilegítimo; 7. Considerando que o Autor ficou com uma I.P.G. de 2% em consequência do acidente que, em termos de rebate profissional é compatível com o exercício da sua actividade mas que implica esforços suplementares, afigura-se como justa e equitativa uma indemnização de €6.500,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro. 8. A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, 562º, ambos do Cod. Civil e 515º do Cod. Proc. Civil. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, parcialmente revogada a douta decisão recorrida, condenando-se a ora Recorrente a pagar ao Recorrido o montante de € 6.500,00 a título de dano patrimonial futuro, confirmando-se em tudo o mais a douta decisão recorrida, com as legais consequências. II- FUNDAMENTAÇÃO A-Objecto do Recurso: Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), redacção actual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, importa decidir se deve ser alterada a resposta dada ao ponto 47.º da base instrutória e consequências jurídicas advenientes da decisão que se vier a tomar sobre essa questão. B- De Facto: A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto: A) No dia 30 de Dezembro de 2005, cera das 09:00 horas no arruamento de acesso ao parque de estacionamento …, sito na Rua …, ocorreu um acidente de viação em que intervieram as seguintes viaturas: a) veículo ligeiro de mercadorias matrícula ..-..-TT, à data propriedade de E…, SA, conduzido por D…; b) veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-UI propriedade de F…, conduzido pelo Autor. B) O Autor circulava no arruamento que dá acesso ao parque de estacionamento do …, sentido poente-nascente, ocupando a hemi-faixa da direita atento seu sentido de marcha e a uma velocidade inferior a 50 km/hora. C) Por sua vez o veículo matrícula ..-..-TT circulava no arruamento que dá acesso ao parque …, no sentido norte-sul e a uma velocidade superior a 80 km/hora. D) O condutor do TT - que pretendia aceder à Rua … – não parou junto do entroncamento formado pelos dois arruamentos, nem verificou se circulava algum veículo no arruamento de acesso ao parque de estacionamento …, entrando neste a uma velocidade superior a 80 km/hora, invadindo a totalidade da hemi-faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha, e acabando por embater na frente (lado direito) do veículo conduzido pelo Autor. E) O veículo do Autor apresentava-se pela direita do veículo TT. F) O piso estava molhado. G) À data do acidente, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …./……, estava transferida para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do Veículo de matrícula ..-..-TT, conforme documento junto aos autos a fls. 62, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. H) A Ré aceita ser a responsável pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente em apreço, tendo já ressarcido o proprietário do veículo conduzido pelo Autor. I) Dada a violência do embate o Autor teve de ser transportado para o Hospital … onde foi assistido nas urgências, tendo realizado vários exames radiológicos. J) Pela assistência médica no Hospital … o Autor pagou o montante de €9,50. K) Em consequência do embate o A. sofreu um traumatismo cervical. L) O A., como consequência directa e necessária do acidente dos autos ficou afectado com uma incapacidade parcial permanente (IPP) não inferior a 7,5% para o exercício de qualquer actividade; 1º- O Autor, em consequência do acidente, apresentou sinais de desorientação e alterações neurológicas que se prolongaram pelos oito dias seguintes; 2º- O embate provocou-lhe, para além da cervicalgia traumática referida em k), o agravamento de um processo degenerativo preexistente da região discal; 3º- Como consequência destas lesões o Autor sofreu fortes dores na coluna e nos membros superiores e limitação dos movimentos designadamente ao nível da flexão e nas rotações cervicais; 4º - Na presente data o Autor continua a sentir dores no pescoço e na coluna principalmente quando tem que estar muito tempo na mesma posição: 5º- O que acontece com frequência uma vez que o Autor é oficial de justiça e passa uma boa parte do dia sentado na secretária a trabalhar no computador; 6º- O Autor tem dificuldade em movimentar os membros superiores acima do nível dos ombros; 7º- Nem realizar muitas das tarefas quotidianas, como por exemplo, lavar o carro, aspirar, mudar uma lâmpada, pegar no filho ao colo, jogar futebol ou realizar qualquer tipo de exercício físico; 8º- No dia do acidente o médico que assistiu o Autor nas urgências prescreveu-lhe um analgésico para atenuar as dores que sentia; 9º- O medicamento custou ao Autor o montante de €2,11; 10º- Não obstante ter tomado o medicamento conforme a prescrição médica continuou a sentir fortes dores, tendo-se deslocado à G…, Lda. para ser novamente examinado; 11º- Pela consulta médica o Autor pagou o montante de €35; 12º- Face às queixas o médico prescreveu-lhe uma nova medicação pela qual o Autor pagou o montante de €30,25; 13º- Como as dores e o mau estar geral persistiam o Autor voltou a procurar assistência médica, recorrendo aos serviços sociais do Ministério da Justiça, tendo pago a quantia de €3,99; 14º- O médico prescreveu ao Autor nova medicação, pela qual pagou o montante de €14,33; 15º- Por aconselhamento médico o Autor efectuou ainda um TAC cerebral, um TAC à coluna cervical e uma ressonância magnética à coluna cervical; 16º- Tais exames médicos foram realizados em 26/01/2006 e 03/02/2006, respectivamente, tendo o Autor pago pelos mesmos o montante global de €55,37; 17º- Como os problemas de saúde perduravam, o Autor recorreu a uma consulta médica no H…, Lda., tendo pago o montante de €80; 18º- Receando o agravamento do seu estado clínico e visto que os tratamentos até então realizados não surtiram qualquer efeito, o Autor marcou uma consulta na I…, tendo sido examinado pelo Prof. Dr. J…, especialista em Ortopedia e Traumatologia; 19º- A referida consulta realizou-se no dia 14/02/2006, tendo o Autor pago pela mesma o montante de €70; 20º- Após análise dos exames médicos anteriormente efectuados (TAC e ressonância), referido especialista concluiu que o Autor padecia de uma cervicalgia traumática e de uma alteração discal cervical; 21º- Como o Autor sentia fortes dores e tinha dificuldades na flexão e nas rotações cervicais, foi-lhe prescrito um tratamento com P.S.T (Pulse Signal Therapy) e a administração em simultâneo de medicação; 22º- O Autor efectuou as nove sessões do tratamento e tomou a medicação; 23º- Pelo tratamento com P.S.T o Autor pagou o montante de €1.000; 24º- Com a medicação o Autor despendeu o montante de €7,39; 25º- Em 27/04/2006 o Autor foi novamente examinado pelo Prof. Dr. J…, tendo pago pela consulta a quantia de €70; 26º- O especialista recomendou que continuasse a tomar a medicação que entretanto havia terminado; 27º- No dia seguinte à consulta o Autor comprou o medicamento e pagou pelo mesmo a quantia de €5,25; 28º- O Autor não conseguia conduzir; 29º- Pelo que, para as consultas e para os tratamentos, deslocou-se de transportes públicos (metro) tendo pago o montante global de €24,20; 30º- Terminado o tratamento o Autor foi examinado uma última vez pelo supra referido médico especialista, tendo sido elaborado o relatório junto com a p.i. como doc. 16; 31º- Pelo exame e relatório médicos o Autor despendeu o montante de €150; 32º- Como consequência directa e necessária do acidente em causa nos autos o Autor esteve incapacitado para o trabalho durante cinco dias (01/01/2006 e 06/01/2006); 33º- E por esse facto deixou de auferir €166,86 de vencimento, €16,44 de suplemento de recuperação processual e €19,75 de subsídio de refeição; 34º- O acidente em apreço causou ao Autor perturbação mental; 35º- O susto foi tal que nos dias que se lhe seguiram o Autor teve dificuldades em adormecer não só por causa das fortes dores que sentia mas porque sonhava repetidamente com acidentes acordando sobressaltado e aflito; 36º- Nos meses seguintes ao embate o Autor não só não conduzia como evitava andar de automóvel com familiares e amigos; 37º- Ainda hoje o Autor reage de forma nervosa e assustada ao mais pequeno contratempo estradal; 38º- As dores provocadas pelas lesões físicas resultantes do acidente não o deixavam permanecer por mais de uma hora na mesma posição; 40º- Por força da cervicalgia traumática e do agravamento de um processo degenerativo pré-existente da região discal o Autor tinha dificuldade em dobrar /flectir o pescoço e o tronco, e em fazê-los rodar; 41º- Só depois de ter sido submetido ao tratamento com P.S.T (Pulse Signal Therapy) é que as dores e as limitações funcionais atenuaram; 42º- Todavia, o Autor continua e continuará para o resto da vida a padecer de dores residuais, a ter dificuldade na realização de movimentos com os braços acima do nível dos ombros e na realização de esforços e actividades que o obriguem a estar durante muito tempo na mesma posição; 43º- A actividade profissional do Autor, referida em 5º), causa-lhe diariamente dores e desconforto; 44º- Por força das lesões sofridas o Autor deixou de poder jogar futebol, conforme referido em 7º), com os amigos e colegas, actividade que constituía o seu “hobby” predilecto e uma forma de espairecer, aliviar o stress e fazer exercício físico; 45º- As limitações referidas nas respostas aos quesitos 7 e 44 deixam o Autor frustrado, sentindo-se diminuído; 46º- Desde o acidente que o Autor passou a conviver menos com os amigos e deixou de participar nos jantares que combinavam com frequência após os jogos de futebol; 47º- Provado apenas o que já consta da al l) da matéria de facto assente; 48º- À data do acidente o A. Auferia um vencimento líquido de €1.162,61; O Autor nasceu no dia 1 de Julho de 1970 -cfr. assento de nascimento entretanto junto aos autos. C- De Direito: Defende a apelante que deve ser alterada a resposta dada ao ponto 47.º da base instrutória[2], levando-se em conta o resultado da perícia médico-legal que fixou ao autor uma IPG de 2 pontos. Por consequência, entende o apelante que o grau de incapacidade deve ser fixado em conformidade com o exame pericial, que invoca ter sido ignorado pelo tribunal. Emerge da resposta dada ao dito ponto 47.º que, em face da conclusão a que chegou a perícia médico-legal, o tribunal apenas considerou provado o que já constava da alínea L) dos factos assentes, ou seja, que “O A., como consequência directa e necessária do acidente dos autos ficou afectado cm uma incapacidade parcial permanente (IPP) não inferior a 7,5% para o exercício de qualquer actividade.” Sucede, pois, que a matéria vertida nesta alínea dos factos assentes e a constante do ponto 47.º da base instrutória se encontram interligadas, pelo que a reponderação da resposta dada à segunda implica aceitar como assente a matéria constante da referida alínea L). Ora, analisada a petição inicial e a contestação, o que se nos afigura, salvo o devido respeito por opinião contrária, é que a factualidade constante da referida alínea L) não se pode considerar assente. De facto, nos artigos 11.º a 14.º da contestação, a ré impugnou o alegado nos artigos 73.º e 74.º da petição inicial, nos quais o autor alegou que como consequência directa e necessária do acidente dos autos ficou com uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 15% para o exercício de qualquer actividade. A ré, por sua vez, contrapôs que tal não corresponde à verdade por, em 29.06.2006, portanto mais de dois anos antes da data da alegação do autor[3], o mesmo ter sido examinado por um médico ortopedista que lhe atribuiu uma IPP de 7,5%, juntando para comprovação do alegado cópia da informação clínica existente no processo aberto nos serviços médicos da seguradora (cfr. doc. 2 da contestação). Assim sendo, o que decorre desta alegação é que o grau de IPP que afecta o autor se encontra controvertido. Nem sequer se pode considerar que a ré confessou/aceitou que do acidente resultou directa e necessariamente uma IPP de 7,5%, conforme veio a ser escrito na alínea L) dos factos assentes, porque tal asserção não foi produzida pela ré no sentido do autor estar afectado com aquele grau de incapacidade, mas tão só e apenas que em determinada data, uma avaliação médica se pronunciou nesse sentido, o que lhe permitiu duvidar e questionar o grau de incapacidade, mais elevado, que o autor veio invocar mais tarde, em sede judicial. Ora, a eficácia da confissão judicial em sede articulados ou em qualquer acto do processo, depende do carácter inequívoco da declaração confessória, conforme prescrevem conjugadamente os artigos 355.º, n.º 1, 356.º, n.º 1 e 357.º. n.º 1 do Código Civil.[4] A alegação impugnatória da ré não tem tal característica, já que da sua interpretação resulta, de forma plausível, que a mesma se limitou a impugnar o alegado pelo autor, contra-argumentando com base num documento, que é apenas um meio de prova, sem que alguma vez tenha expressado de forma inequívoca que o autor estava afectado apenas com uma IPP de 7,5%. Assim sendo, em face da não confissão da ré, deve ser eliminada a alínea L) dos factos assentes, o que se determina, ficando em discussão a factualidade controvertida e inserida no ponto 47.º da base instrutória.[5] Vejamos, agora, se a resposta dada a este ponto deve ser alterada, já que a apelante defende que o tribunal não atendeu ao exame pericial realizado e, por sua, o tribunal defendeu que do mesmo não podia concluir mais do que já constava assente, ou seja, que o grau de IPP se situava nos 7,5%. Eliminada a alínea L) dos factos assentes, o que releva na apreciação da factualidade em causa são os todos os meios probatórios carreados para os autos sobre esta factualidade, ou seja, o documento 16 junto com a petição inicial (fls. 37), o documento 2 junto com a contestação (fls. 63), a perícia médico-legal realizada no âmbito do processo (fls. 138-141v) e a prova testemunhal produzida sobre esta questão (depoimento do Dr. K…), sem prejuízo da sua concatenação com a demais prova produzida nos autos. Sucede que a perícia médico-legal não se pronunciou sobre o grau de IPP, mas apenas sobre a IPG que fixou em dois pontos, embora o objecto da perícia visasse apurar o grau da IPP, conforme resulta dos requerimentos da ré e do autor (cfr., respectivamente, fls. 84 e 90) e do despacho que os apreciou (fls. 99). Refere a apelante nas alegações que o exame médico-legal fixou em 2%, ou 2 pontos de acordo com a actual nomenclatura, a IPG que resultou para o autor como consequência directa e necessária do acidente, não atribuindo qualquer relevância à discrepância resultante de se procurar saber qual o grau de IPP que afecta o autor e se ter obtido como resposta que o mesmo esta afectado com uma IPG de 2 pontos. Mas não podemos concordar com tal entendimento. O dano real/efectivo que afecta a pessoa na sua integridade física e psíquica abrange vários vectores, desde profissionais a pessoais, conforme se vier a apurar, traduzindo-se em duas vertentes: uma de conteúdo patrimonial e noutra de conteúdo não patrimonial. A incapacidade permanente parcial (IPP) avalia a vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, enquanto a IPG avalia a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional sobre o chamado rebate profissional, ou seja, se as lesões são ou não compatíveis com o exercício da actividade profissional, se implicam ou não esforços complementares, podendo os danos em causa serem ressarcidos no âmbito dos danos patrimoniais ou não patrimoniais, conforme os casos concretos.[6] Porém, não fixa propriamente o grau de incapacidade permanente após a data da consolidação das lesões, o que sucede, e regra e apenas, na avaliação médico-legal em sede laboral.[7] Esta metodologia, como é sabido, já vinha sendo adoptada pelo IML, mesmo antes da publicação das Tabelas Nacionais de Acidentes de Trabalho e de Avaliação de Incapacidade Permanentes em Direito Civil, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, e assim tem continuado, tanto mais que resulta, agora, da lei vigente a existência de duas Tabelas, uma aplicável à avaliação do dano corporal em sede laboral e outra aplicável em sede de avaliação do dano corporal em direito civil. No caso presente, não obstante o acidente ter ocorrido em 30/12/2005, a perícia médico-legal foi realizada em 17/11/2009, portanto já no decurso da vigência das novas tabelas, que vigoram desde 21/01/2008, aplicando-se as mesmas, conforme decorre do artigo 6.º, n.º1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10. Da análise das mesmas, concluiu-se que a avaliação em direito civil deve indicar o valor pontual das lesões que enformam a IPG, enquanto a avaliação em sede laboral deve indicar o valor percentual que enforma os vários tipos de incapacidade, entre eles, a incapacidade permanente parcial (IPP). Mas não existe qualquer regra que determine uma proporcionalidade entre a incapacidade pessoal e a incapacidade profissional, nem sequer que diga que um determinado valor pontual (civil) corresponde a igual valor percentual (laboral).[8] Na verdade, a incapacidade permanente geral (IPG) pode ser igual ou diferente (inferior ou superior) à incapacidade permanente parcial (IPP), tudo dependendo do caso concreto, sobretudo da profissão exercida pelo lesado e do tipo de lesão infligida.[9] Por conseguinte, a avaliação médico-legal levada a cabo não se pronunciou sobre o grau de IPP em causa e sobre essa questão não podia deixar de se pronunciar porque a mesma constituía o objecto da mesma. Dir-se-á que se pronunciou sobre a IPG e sobre o rebate profissional e que mais não é exigível em sede de avaliação do dano corporal em direito civil. Assim será em regra, mas não no caso presente. Na verdade, o autor alegou reportando-se à IPP, a ré respondeu nesse âmbito, a perícia médico-legal também assim foi requerida e deferida, pelo que, bem ou mal, já que nem as partes, nem o tribunal entenderam corrigir esse aspecto do litígio, a prova pericial terá e pronunciar-se sobre o grau de IPP, sem prejuízo da avaliação realizada relativamente à perda funcional traduzida na IPG de 2 pontos sobre a qual já foi emitida avaliação e que igualmente deve ser ponderada na determinação da indemnização a fixar a final, considerando a amplitude indemnizatória prevista na lei civil, conforme emerge do disposto nos artigos 562.º a 564.º do Código Civil. Em suma, os autos não contêm todos os elementos que permitam uma decisão conscienciosa relativamente à factualidade vertida no ponto 47.º da base instrutória, pelo que nos termos do artigo 712.º, n.º 4 do CPC, anula-se a decisão proferida na 1.ª instância, ordenando-se a repetição do julgamento sobre esta matéria, após ser complementada a perícia médico-legal nos termos acima referidos, e sem prejuízo da parte final do n.º 4 do citado artigo 712.º. Em síntese (n.º 7 do artigo 713.º do CPC): I- A incapacidade permanente parcial (IPP) avalia a vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, enquanto a IPG avalia a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional sobre o chamado rebate profissional. II- Não existe proporcionalidade entre o valor pontual da IPG e o valor percentual da IPP. III- Deve ser anulada o julgamento quando estava em apuramento o grau percentual de IPP e o tribunal apenas apurou o valor pontual de IPG. III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, em anular o julgamento, nos termos e com a finalidade sobredita. Custas pelo vencido a final. Porto, 26 de Setembro de 2011 Maria Adelaide de Jesus Domingos Ana Paula Pereira Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira ____________ [1] Danos patrimoniais que quantifica em €1.760,44; IPP de 15% para o exercício de qualquer actividade pela qual peticiona uma indemnização de €76.320,86 e danos não patrimoniais que quantifica em €20.00,00. [2] O ponto 47.º da base instrutória tem a seguinte redacção: “Como consequência directa e necessária dos do acidente dos autos o Autor ficou afectado com uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 15% para o exercício de qualquer actividade?” [3] A petição inicial deu entrada em juízo em 29.10.2008. [4] Valendo a confissão tácita apenas nos casos previstos na lei, situação que não se aplica ao caso, a exigência de inequivocidade da declaração confessória explica-se atenta a força probatória de que goza este meio probatório. Neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 3.ª ed,. Vol. I, Coimbra Editora, 1982, p. 315. [5] Factualidade que, em parte, se sobrepunha ao dado como assente na alínea L), pois não se restringia a apurar a diferença de grau de IPP entre 7,5% e 15%. [6] Esta tem sido o entendimento que ultimamente o STJ tem expressado de forma clara e inequívoca. Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 27.10.2009, proc. 560/09.0YFLSB; de 17.12.2009, proc. 340/03.7TBPNH.C1.S1; de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1 e de 20.05.2010, proc. 103/2002.L1.S1, todos in www.dgsi.pt. [7] Conforme se menciona no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, que aprovou as Tabelas Nacionais de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, “No direito laboral (…) está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinado.” [8] Neste mesmo sentido, refere ÁLVARO DIAS, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, 2001, ano X, pp. 54, que “Não há proporcionalidade entre o handicap pessoal e o handicap profissional.” Veja-se, ainda, JOSÉ BORGES PINTO, Notas sobre o Dano Coprporal e a Perícia Médico-Legal, p. 20, in www.verbojuridico.com/doutrina/civil/civel_danocorporal.pdf [Consult. 18.08.2011]. No mesmo sentido, referindo que “A pontuação não equivale à percentagem de incapacidade (..) são unidades de apreciação, logo o juiz é livre de apreciá-los, tão livre como o perito médico, podendo aquele saltar para fora dos limites estabelecidos nas tabelas…”, veja-se SOUSA DINIS, “Avaliação e Reparação do Dano Patrimonial e Não Patrimonial”, Conferência proferida, em 02.03.2010, no Curso de Especialização, Temas de Direito Civil, Formação Contínua, CEJ 2009/2010. [9] Assim foi considerado no Ac. RC, de 12.04.2011, proc. 756/08.2TBVIS.C1 e Ac. RG, de 06.04.2005, proc. 2282/04.02, disponíveis em www.dgsi.pt.