Se, lida a acusação e perguntado sobre se pretendia prestar declarações, o arguido confirmou como verdadeiros os factos que daquela constavam, a subsequente consignação de que “não queria prestar declarações”, não obsta à valoração, como prova validamente produzida, daquela primeira confirmação.
20/09.0PAVCD.* Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: *No processo comum nº 20/09.0PAVCD, do 1.º Juízo Criminal de Vila do Conde, o arguido B… foi julgado em Tribunal singular e ali absolvido da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto nos Arts. 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos Arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal. Desta decisão recorre agora o Ministério Público, para esta Relação.* *São estas as conclusões ipsis verbis do recurso (que balizam e limitam o seu âmbito e objecto):*I. Respeitante à matéria de facto e de direito, o presente recurso visa a sentença, datada de 13 de Dezembro de 2010, que absolveu o arguido B… da prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos arts. 291°, n.° 1, al. a), e 69°, n.° 1, al. a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292.º, n.° 1, e 69.º, n.° 1, al. a) do Código Penal, por ele cometido e pelo qual vinha acusado pelo Ministério Público. II. Com efeito, ressalvando sempre melhor opinião, na sentença recorrida fez-se uma errada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, com notória influência na aplicação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. III. Na sentença recorrida, além dos factos dados como provados, também aqueles que constam das alíneas a), b), c), e), f) e g) da matéria de facto dada como não provada deveriam ser tidos por assentes, ou seja, em síntese, que foi o arguido o condutor do veículo com a matrícula ..-..-EF, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo mencionados na acusação. IV. Na motivação da matéria de facto, para fundamentar o decidido, considerou-se que o arguido exerceu o seu direito ao silêncio; V. Todavia, não foi isso o que sucedeu na realidade, conforme registo áudio da sessão de julgamento do dia 10.11.2010, registadas no sistema habilus media studio, que transcrevemos; VI. Após ser identificado, advertido nos termos e para os efeitos do art. 342°, n.° 2 do CPP, e de informado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 343°, n.° 1 do CPP, o arguido prestou declarações, confessou o cometimento dos factos pelos quais vinha acusado e, somente depois, na sequência de sugestão do seu ilustre defensor, se remeteu ao silêncio relativamente ao objecto do processo, ainda que prestasse declarações sobre a sua situação socioeconómica. VII. Com efeito, o arguido manteve normal diálogo com a Mm.° Juiz a quo, não só quando se identificou, mas também, quando questionado, respondeu sobre as suas condições sociais e económicas, declarações que, nessa parte foram valoradas e fundamentaram os factos provados quanto às referidas condições. VIII. Não há, nem houve durante o julgamento, quaisquer razões para considerar que o arguido não percebeu o que lhe fora dito e perguntado, ou que tenha respondido incorrectamente às questões que lhe foram colocadas. IX. Em momento algum, desde o início até ao fim do julgamento, foi suscitada a necessidade, pelo arguido, pelo defensor, pela Mm.° Juiz ou pelo Ministério Público, de se providenciar pela nomeação de intérprete ao arguido, já que o mesmo tudo compreendeu. X. O ora recorrente sempre pensou, relativamente ao declarado pelo arguido, que “o que estava dito, dito estava”. XI. O que sucedeu na audiência, tratou-se de um lapso na estratégia processual delineada pelo arguido e seu ilustre defensor, lapso esse que a Mm.° Juiz a quo, substituindo-se àqueles, tratou de colmatar fazendo constar em acta que o arguido não tinha prestado declarações e escrevendo isso na sentença. XII. Na motivação, a Mm.° Juiz a quo deveria ter tomado posição e se pronunciado sobre as declarações prestadas pelo arguido, atribuindo-lhes o valor probatório que entendesse, mas sem as obliterar, como sucedeu. XII. Na motivação da sentença foi desconsiderado o depoimento prestado pela testemunha C…, agente da PSP, que se deslocou ao local do acidente, identificou os condutores, designadamente o arguido, submetendo este a exame para pesquisa de álcool. XIV. Entendeu-se que o depoimento em causa, caso fosse considerado, violaria o disposto no art. 356°, n.° 1, al. b), e n.° 7, do CPP. XV. Salvo o devido respeito, é errado o enquadramento jurídico efectuado pela Mm.° Juiz a quo, a propósito do depoimento da testemunha em causa. XVI. O que está em causa a propósito da validade ou não do depoimento prestado pelo agente autuante, prende-se com a valoração do depoimento indirecto, no caso, daquilo que a testemunha ouviu o arguido dizer, nomeadamente, ao identificar-se como condutor do veículo. XVII. A jurisprudência dos tribunais superiores – que identificámos nas alegações – tem-se pronunciado favoravelmente sobre a validade do depoimento indirecto, referente ao que se ouviu o arguido dizer. XIX. Errou-se ao dizer na motivação dos factos dados como não provados que “não podem ser valoradas as declarações do referido órgão de polícia criminal na medida em que corre ao que o arguido lhe comunicou, como sucede in casu”. XX. No presente caso, salvo melhor opinião, é necessário que o Tribunal de recurso sindique a decisão da matéria de facto, designadamente, o facto de se ter desconsiderado as declarações prestadas pelo arguido, bem como a desconsideração do depoimento da testemunha C…. XXI. A decisão da Mm.a Juiz de Direito a quo violou as normas dos arts. 374° e 127° do Código de Processo Penal, respectivamente, ao apresentar uma deficiente fundamentação da sentença e ao apreciar a prova produzida em julgamento, contrariando as regras da experiência comum e a normalidade do acontecer. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, alterar-se a fundamentação de facto da sentença, quer ao nível dos factos provados, quer ao nível dos factos não provados, de acordo com a proposta supra referida, condenando-se o arguido pela prática do crime pelo qual vinha acusado, por forma a fazer-se a habitual e sã Justiça.*A este recurso respondeu o arguido, contrariando a versão do recurso e concluindo pela manutenção da decisão absolutória. Já neste Tribunal, o Senhor Procurador-geral Adjunto, no seu parecer, aderiu à tese defendida pelo recorrente, pugnando pela modificação da decisão recorrida e pela procedência do recurso.*Da sentença recorrida, são estes os factos (provados e não provados) e a respectiva motivação:*a) Da acusação: A Rua …, em Vila do Conde, apresenta dois sentidos de marcha e configura-se como uma recta. A Rua … situa-se do lado esquerdo da sobredita rua, atento o sentido Sul-Norte. No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 20.10 horas, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-EF e o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-DA-... Na sequência de tal embate e por não se mostrar possível obter o resultado do teste quantitativo do ar expirado do exame de estado de influenciado pelo álcool, dando o aparelho utilizado para o efeito a informação de “amostra insuficiente”, com autorização do arguido, foi o mesmo conduzido ao Hospital …, onde foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue mediante recolha de uma amostra de sangue, da qual, submetida no IML ao referido exame laboratorial, resultou apurada uma taxa de álcool no sangue de 2,19 g/litro. b) Mais se provou que: D… apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,52 g/litro. O arguido é comerciante, explorando um estabelecimento de café e snack-bar, obtendo, por essa via, o rendimento mensal médio de 450 €. Há cerca de 20 anos, o arguido vive em união com uma senhora, a qual trabalha como funcionária administrativa. Têm um filho, com 18 anos de idade, o qual é estudante e encontra-se a cargo dos mesmos. O arguido reside com a família numa casa arrendada, pagando uma renda mensal no valor de 346 €. O arguido frequentou o ensino até ao 12º ano de escolaridade. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta. 2. Factos não provados Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente que: Da acusação: No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 20.10 horas, o arguido tripulava o veículo com a matrícula ..-..-EF. O veículo com a matrícula ..-DA-.. era tripulado por D…. O arguido seguia pela metade direita da faixa de rodagem da Rua …, atento o sentido Sul-Norte, quando, ao atingir o entroncamento formado por aquela artéria e a Rua …, e pretendendo entrar nesta rua, após efectuar os sinais de luzes de mudança de direcção para o seu lado esquerdo, iniciou a manobra de mudança de direcção, fazendo dirigir o veículo com a matrícula ..-..-EF para o seu lado esquerdo, para entrar na Rua .., assim invadindo a metade da faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido oposto, quando nessa metade da faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul, circulava o veículo com a matrícula ..-DA-... D… não imobilizou o veículo com a matrícula ..-DA-... O arguido sabia que se encontrava a tripular o veículo com a matrícula ..-..-EF com uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior a 1,20 g/litro e, não obstante, quis actuar como descrito em a) e c). O arguido sabia que, ao conduzir nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, colocava, como colocou, em perigo a vida ou a integridade física daqueles que transitassem nas vias por onde circulasse. O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Quaisquer outros factos, constantes da acusação, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria irrelevante, conclusiva ou de direito. 3. Motivação de facto «O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento. O arguido exerceu o seu direito ao silêncio na audiência de julgamento quanto aos factos que lhe são imputados, o que não podia desfavorecê-lo, nem desfavoreceu (cf. artigos 61.º, nº1, al. d), e 343.º, nº1, do CPP). Contudo, os factos constantes da acusação julgados provados resultaram da conjugação do depoimento da testemunha C… com o teor do auto de participação de acidente de viação a fls. 5 a 6, do croqui a fls. 49 e dos documentos a fls. 7 e 22, estes relativos aos exames de pesquisa de álcool no sangue no arguido. Com efeito, a referida testemunha, apesar de não ter presenciado o embate, evidenciou tratar-se do agente da PSP que se deslocou ao local após os factos, tendo assim elaborado o dito auto e o croqui a fls. 49, sendo que fez constar neste último os factos que percepcionou in loco, designadamente a posição em que os veículos ficaram imobilizados depois do embate. A mesma testemunha afirmou, de modo isento, que foi quem efectuou o teste do álcool ao arguido e a D…, explicitando que o arguido apresentou sopro insuficiente no teste quantitativo (conforme talão a fls. 7), motivo pelo qual foi conduzido ao hospital para efectuar o exame com base em recolha de sangue. Neste último teste, apurou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,19 g/litro, conforme relatório do IML a fls. 22. Quanto à taxa de alcoolemia que D…, atendeu-se aos documentos de fls. 170, os quais respeitam ao respectivo teste quantitativo, como se inferiu do depoimento da testemunha C…. No que concerne às condições pessoais e à situação económica e financeira actuais do arguido, o Tribunal estribou-se nas declarações do arguido, que foram valoradas como credíveis e sinceras. Relativamente à ausência de antecedentes criminais, atendeu-se exclusivamente ao certificado do registo criminal do arguido, a fls. 10. Quanto aos demais factos dados como não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal. Isto porque, tendo o arguido se remetido ao silêncio, e na falta de outro elemento probatório processualmente valorável, somente a testemunha D… poderia ter esclarecido o Tribunal acerca da dinâmica do embate e das pessoas que nele efectivamente intervieram. Pese embora as diligências efectuadas nesse sentido, não foi possível localizar a referida testemunha, razão pela qual não se procedeu à sua inquirição na audiência de julgamento. Por outro lado, não se pode concluir que era o arguido quem conduzia o veículo com a matrícula ..-..-EF, pois, apesar de, no próprio local do embate, ter sido identificado pelo referido agente da PSP como sendo um dos condutores dos veículos envolvidos, o depoente não presenciou o acto da condução e, de acordo, com o disposto no artigo 356.º, nº1, al. b), e nº7, do CPP, não podem ser valoradas as declarações do referido órgão de polícia criminal na medida em que correspondam ao que o arguido lhe comunicou, como sucede in casu. Por todo o exposto, conclui-se que os elementos de prova acima analisados não são suficientes para julgar provados os factos imputados ao arguido, persistindo, assim, a dúvida razoável quanto aos mesmos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, nº2, da CRP, tal incerteza não o pode desfavorecer (in dubio pro reo).* *Decidindo: A questão principal que deve ser aqui equacionada e decidida prende-se com o valor a dar às declarações do arguido, no julgamento. Na sentença, consta que o arguido não prestou declarações, remetendo-se ao silêncio. Para se aquilatar da realidade passada em julgamento, urge ouvir a gravação do mesmo; e, ouvida esta, não é isso, decididamente, que se conclui:*Depois de avisado pela Senhora Juíza dos direitos e deveres que lhe cabem enquanto arguido e depois de lhe ter sido lida a acusação integralmente, a presidente do Tribunal perguntou ao arguido se este pretendia prestar declarações. A sua resposta foi bem clara: respondeu afirmativamente, confirmando ser ele quem ia a conduzir o veículo e que tinha bebido álcool antes do o fazer; ou seja, concordou que os factos que lhe foram lidos eram todos verdadeiros. Só depois de ter falado deste modo claro, livre e espontâneo foi aconselhado pelo seu defensor para não prestar declarações... A senhora Juíza Presidente considerou então que o arguido não queria prestar declarações. O que é certo e indelével é que as declarações já estavam prestadas e de forma linear, válida e clara para todos! Todo o silêncio posterior (com excepção da situação pessoal a familiar) não anulou, nem apagou o que ficara dito e sobejamente gravado no julgamento; além disso, o arguido ainda falou sobre a sua situação pessoal e nunca se retratou das declarações iniciais. E se o arguido falou sobre o objecto do processo, o que afirmou em audiência tem de ser valorado na sua totalidade, pese embora os conselhos posteriores do seu defensor: tratou-se, eventualmente, de um lapso de estratégia da defesa, pelo qual o Tribunal não é responsável, nem deve aceitar. E assim, a admissão dos factos que efectuou – apesar de não constar da acta nos termos previstos no Art. 344.º do Código de Processo Penal – não pode deixar de ser tomada em conta. Ora, como não se aplicou a referida norma, a confissão do arguido, quanto a ser o condutor do veículo e quanto a ter ingerido álcool é uma prova como qualquer outra; isto é, terá de ser avaliada segundo as regras da lógica e da experiência e no âmbito do disposto no Art. 127.º do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova). E por esse motivo, não se pode afirmar que a falta de referência ao Art. 344.º constitui uma nulidade: desde logo, porque o Tribunal sempre poderia ouvir a prova restante, sem menção de tal norma; por outro lado, porque tal “omissão” não está prevista no elenco referido, quer no Art. 119.º, quer no Art. 120.º do Código de Processo Penal; e da mesma forma, também não foi cometida a nulidade prevista no já citado Art. 344.º, n.º 1, pelas razões referidas acima: em rigor, não se tratou de uma confissão integral e sem reservas, mas tão-só de uma admissão concreta de factos essenciais da acusação. Em conclusão, o arguido prestou declarações sobre o objecto do processo, no início do seu julgamento e fê-lo de forma legítima e legalmente válida.*Resta, ainda, o depoimento da testemunha C…, agente policial que se deslocou ao local onde ocorreu o acidente, ali colheu os elementos do mesmo e elaborou o auto e o croqui respectivos: em julgamento, confirmou todos os dados por si apreendidos. Mas admitamos que tal prova seria inaceitável; aqui, funcionam as regras de experiência comum e da lógica: que razões haveria para o agente detectar o índice de álcool no sangue ao arguido, que não o facto de ser este o condutor de um dos veículos acidentados? Tanto mais, que foi transportado voluntariamente ao hospital, para recolha de sangue e análise de alcoolemia mais segura. Resta o resultado da citada alcoolemia detectada, constante do documento de folhas 4, que ninguém contestou. Em suma, dando todo o crédito ao somatório da prova produzida em audiência (as declarações do arguido válidas, o depoimento da testemunha e o teste de alcoolemia), o factualismo provado e não provado terá de ser alterado.*Foi assim cometido o vício previsto no Art. 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal (erro notório na apreciação da prova). Deste modo e considerando as regras de experiência e o princípio da livre apreciação da prova, para além dos factos provados na sentença, consideram-se ainda provados os seguintes factos:*No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 20.10 horas, o arguido tripulava o veículo com a matrícula ..-..-EF. O veículo com a matrícula ..-DA-.. era tripulado por D…. O arguido seguia pela metade direita da faixa de rodagem da Rua …, atento o sentido Sul-Norte, quando, ao atingir o entroncamento formado por aquela artéria e a Rua …, e pretendendo entrar nesta rua, após efectuar os sinais de luzes de mudança de direcção para o seu lado esquerdo, iniciou a manobra de mudança de direcção, fazendo dirigir o veículo com a matrícula ..-..-EF para o seu lado esquerdo, para entrar na Rua …, assim invadindo a metade da faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido oposto, quando nessa metade da faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul, circulava o veículo com a matrícula ..-DA-... D… não imobilizou o veículo com a matrícula ..-DA-... O arguido sabia que se encontrava a tripular o veículo com a matrícula ..-..-EF com uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior a 1,20 g/litro e, não obstante, quis actuar como descrito em a) e c). O arguido sabia que, ao conduzir nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, colocava, como colocou, em perigo a vida ou a integridade física daqueles que transitassem nas vias por onde circulasse. O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.*Deste modo, com a alteração da matéria de facto agora determinada e fixada, a decisão de direito terá de ser também alterada em conformidade. Pune-se, no Art. 291.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a condução de veículo em via pública, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool e deste modo criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. Deste modo, considerando os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em causa, conclui-se ter o arguido cometido um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto nos Arts. 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos Arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal).*Porque este Tribunal dispõe de todos os elementos necessários, importará agora estabelecer a punição: Determinado que está o crime cometido e o seu agente, nos termos do disposto no Art. 71º do Código Penal, importa agora determinar a medida concreta da pena, avaliando os comportamentos delituosos dentro do respectivo enquadramento jurídico-penal, procurando dar a resposta punitiva adequada à medida da culpa, sob uma perspectiva ético-retributiva, e fazendo ainda apelo aos princípios de prevenção geral e especial. De acordo com o Art. 40º, nº 1, do Código Penal a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; e estipula o nº 2 que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Por sua vez, o nº 1 do Art. 71º estatui que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; e o seu nº 2 manda atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime em causa, depuserem a favor ou contra o agente, indicando algumas dessas circunstâncias nas várias alíneas: Assim, considera-se o dolo, na sua forma mais grave, o nível de ilicitude agravado pelo elevadíssimo grau de alcoolemia, as consequências dos factos e as demais circunstâncias atendíveis, nomeadamente o grau de violação das regras de condução. Não se vislumbram factos favoráveis ao arguido, sendo a ausência de antecedentes criminais uma simples manifestação de normalidade. A punição prevista para esta infracção é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. Considerando as circunstâncias descritas e o disposto no Art. 70.º do Código Penal, é de concluir que deverá ser aplicada pena de multa ao arguido, a qual realizará de forma adequada e suficiente as já citadas finalidades da punição. E assim, tendo em conta os limites legais e sobretudo a medida da culpa do arguido, considera-se adequada e justa a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (determinada esta de harmonia com as regras previstas no diploma já referido). À pena de multa acresce ainda a pena prevista no Art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, fixando-se em 3 meses o período de proibição de conduzir veículos com motor (sobretudo porque aqui releva a ausência de condenações anteriores, nomeadamente da mesma natureza).*Em suma, não se vislumbrando qualquer outro vício da sentença, senão aquele acima apontado, nem estando a mesma ferida de qualquer nulidade, a decisão será o corolário de tudo o que ficou escrito: a alteração e acrescento da matéria de facto provada e a consequente condenação do arguido, pela prática do crime de que vinha acusado.* *Decisão. Pelo exposto, acordam nesta Relação em julgar procedente o recurso do Ministério Público e, em consequência: 1. Alterar a matéria de facto provada como consta acima. 2. Alterar a decisão e, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto nos Arts. 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos Arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal), condenar o arguido na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7 euros e em três meses de inibição de conduzir. 3. O arguido pagará 4 UC de taxa de Justiça.*Porto, 2.11.2011 António Luís T. Cravo Roxo António Álvaro leite de Melo
20/09.0PAVCD.* Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: *No processo comum nº 20/09.0PAVCD, do 1.º Juízo Criminal de Vila do Conde, o arguido B… foi julgado em Tribunal singular e ali absolvido da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto nos Arts. 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos Arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal. Desta decisão recorre agora o Ministério Público, para esta Relação.* *São estas as conclusões ipsis verbis do recurso (que balizam e limitam o seu âmbito e objecto):*I. Respeitante à matéria de facto e de direito, o presente recurso visa a sentença, datada de 13 de Dezembro de 2010, que absolveu o arguido B… da prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos arts. 291°, n.° 1, al. a), e 69°, n.° 1, al. a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292.º, n.° 1, e 69.º, n.° 1, al. a) do Código Penal, por ele cometido e pelo qual vinha acusado pelo Ministério Público. II. Com efeito, ressalvando sempre melhor opinião, na sentença recorrida fez-se uma errada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, com notória influência na aplicação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. III. Na sentença recorrida, além dos factos dados como provados, também aqueles que constam das alíneas a), b), c), e), f) e g) da matéria de facto dada como não provada deveriam ser tidos por assentes, ou seja, em síntese, que foi o arguido o condutor do veículo com a matrícula ..-..-EF, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo mencionados na acusação. IV. Na motivação da matéria de facto, para fundamentar o decidido, considerou-se que o arguido exerceu o seu direito ao silêncio; V. Todavia, não foi isso o que sucedeu na realidade, conforme registo áudio da sessão de julgamento do dia 10.11.2010, registadas no sistema habilus media studio, que transcrevemos; VI. Após ser identificado, advertido nos termos e para os efeitos do art. 342°, n.° 2 do CPP, e de informado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 343°, n.° 1 do CPP, o arguido prestou declarações, confessou o cometimento dos factos pelos quais vinha acusado e, somente depois, na sequência de sugestão do seu ilustre defensor, se remeteu ao silêncio relativamente ao objecto do processo, ainda que prestasse declarações sobre a sua situação socioeconómica. VII. Com efeito, o arguido manteve normal diálogo com a Mm.° Juiz a quo, não só quando se identificou, mas também, quando questionado, respondeu sobre as suas condições sociais e económicas, declarações que, nessa parte foram valoradas e fundamentaram os factos provados quanto às referidas condições. VIII. Não há, nem houve durante o julgamento, quaisquer razões para considerar que o arguido não percebeu o que lhe fora dito e perguntado, ou que tenha respondido incorrectamente às questões que lhe foram colocadas. IX. Em momento algum, desde o início até ao fim do julgamento, foi suscitada a necessidade, pelo arguido, pelo defensor, pela Mm.° Juiz ou pelo Ministério Público, de se providenciar pela nomeação de intérprete ao arguido, já que o mesmo tudo compreendeu. X. O ora recorrente sempre pensou, relativamente ao declarado pelo arguido, que “o que estava dito, dito estava”. XI. O que sucedeu na audiência, tratou-se de um lapso na estratégia processual delineada pelo arguido e seu ilustre defensor, lapso esse que a Mm.° Juiz a quo, substituindo-se àqueles, tratou de colmatar fazendo constar em acta que o arguido não tinha prestado declarações e escrevendo isso na sentença. XII. Na motivação, a Mm.° Juiz a quo deveria ter tomado posição e se pronunciado sobre as declarações prestadas pelo arguido, atribuindo-lhes o valor probatório que entendesse, mas sem as obliterar, como sucedeu. XII. Na motivação da sentença foi desconsiderado o depoimento prestado pela testemunha C…, agente da PSP, que se deslocou ao local do acidente, identificou os condutores, designadamente o arguido, submetendo este a exame para pesquisa de álcool. XIV. Entendeu-se que o depoimento em causa, caso fosse considerado, violaria o disposto no art. 356°, n.° 1, al. b), e n.° 7, do CPP. XV. Salvo o devido respeito, é errado o enquadramento jurídico efectuado pela Mm.° Juiz a quo, a propósito do depoimento da testemunha em causa. XVI. O que está em causa a propósito da validade ou não do depoimento prestado pelo agente autuante, prende-se com a valoração do depoimento indirecto, no caso, daquilo que a testemunha ouviu o arguido dizer, nomeadamente, ao identificar-se como condutor do veículo. XVII. A jurisprudência dos tribunais superiores – que identificámos nas alegações – tem-se pronunciado favoravelmente sobre a validade do depoimento indirecto, referente ao que se ouviu o arguido dizer. XIX. Errou-se ao dizer na motivação dos factos dados como não provados que “não podem ser valoradas as declarações do referido órgão de polícia criminal na medida em que corre ao que o arguido lhe comunicou, como sucede in casu”. XX. No presente caso, salvo melhor opinião, é necessário que o Tribunal de recurso sindique a decisão da matéria de facto, designadamente, o facto de se ter desconsiderado as declarações prestadas pelo arguido, bem como a desconsideração do depoimento da testemunha C…. XXI. A decisão da Mm.a Juiz de Direito a quo violou as normas dos arts. 374° e 127° do Código de Processo Penal, respectivamente, ao apresentar uma deficiente fundamentação da sentença e ao apreciar a prova produzida em julgamento, contrariando as regras da experiência comum e a normalidade do acontecer. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, alterar-se a fundamentação de facto da sentença, quer ao nível dos factos provados, quer ao nível dos factos não provados, de acordo com a proposta supra referida, condenando-se o arguido pela prática do crime pelo qual vinha acusado, por forma a fazer-se a habitual e sã Justiça.*A este recurso respondeu o arguido, contrariando a versão do recurso e concluindo pela manutenção da decisão absolutória. Já neste Tribunal, o Senhor Procurador-geral Adjunto, no seu parecer, aderiu à tese defendida pelo recorrente, pugnando pela modificação da decisão recorrida e pela procedência do recurso.*Da sentença recorrida, são estes os factos (provados e não provados) e a respectiva motivação:*a) Da acusação: A Rua …, em Vila do Conde, apresenta dois sentidos de marcha e configura-se como uma recta. A Rua … situa-se do lado esquerdo da sobredita rua, atento o sentido Sul-Norte. No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 20.10 horas, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-EF e o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-DA-... Na sequência de tal embate e por não se mostrar possível obter o resultado do teste quantitativo do ar expirado do exame de estado de influenciado pelo álcool, dando o aparelho utilizado para o efeito a informação de “amostra insuficiente”, com autorização do arguido, foi o mesmo conduzido ao Hospital …, onde foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue mediante recolha de uma amostra de sangue, da qual, submetida no IML ao referido exame laboratorial, resultou apurada uma taxa de álcool no sangue de 2,19 g/litro. b) Mais se provou que: D… apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,52 g/litro. O arguido é comerciante, explorando um estabelecimento de café e snack-bar, obtendo, por essa via, o rendimento mensal médio de 450 €. Há cerca de 20 anos, o arguido vive em união com uma senhora, a qual trabalha como funcionária administrativa. Têm um filho, com 18 anos de idade, o qual é estudante e encontra-se a cargo dos mesmos. O arguido reside com a família numa casa arrendada, pagando uma renda mensal no valor de 346 €. O arguido frequentou o ensino até ao 12º ano de escolaridade. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta. 2. Factos não provados Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente que: Da acusação: No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 20.10 horas, o arguido tripulava o veículo com a matrícula ..-..-EF. O veículo com a matrícula ..-DA-.. era tripulado por D…. O arguido seguia pela metade direita da faixa de rodagem da Rua …, atento o sentido Sul-Norte, quando, ao atingir o entroncamento formado por aquela artéria e a Rua …, e pretendendo entrar nesta rua, após efectuar os sinais de luzes de mudança de direcção para o seu lado esquerdo, iniciou a manobra de mudança de direcção, fazendo dirigir o veículo com a matrícula ..-..-EF para o seu lado esquerdo, para entrar na Rua .., assim invadindo a metade da faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido oposto, quando nessa metade da faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul, circulava o veículo com a matrícula ..-DA-... D… não imobilizou o veículo com a matrícula ..-DA-... O arguido sabia que se encontrava a tripular o veículo com a matrícula ..-..-EF com uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior a 1,20 g/litro e, não obstante, quis actuar como descrito em a) e c). O arguido sabia que, ao conduzir nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, colocava, como colocou, em perigo a vida ou a integridade física daqueles que transitassem nas vias por onde circulasse. O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Quaisquer outros factos, constantes da acusação, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria irrelevante, conclusiva ou de direito. 3. Motivação de facto «O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento. O arguido exerceu o seu direito ao silêncio na audiência de julgamento quanto aos factos que lhe são imputados, o que não podia desfavorecê-lo, nem desfavoreceu (cf. artigos 61.º, nº1, al. d), e 343.º, nº1, do CPP). Contudo, os factos constantes da acusação julgados provados resultaram da conjugação do depoimento da testemunha C… com o teor do auto de participação de acidente de viação a fls. 5 a 6, do croqui a fls. 49 e dos documentos a fls. 7 e 22, estes relativos aos exames de pesquisa de álcool no sangue no arguido. Com efeito, a referida testemunha, apesar de não ter presenciado o embate, evidenciou tratar-se do agente da PSP que se deslocou ao local após os factos, tendo assim elaborado o dito auto e o croqui a fls. 49, sendo que fez constar neste último os factos que percepcionou in loco, designadamente a posição em que os veículos ficaram imobilizados depois do embate. A mesma testemunha afirmou, de modo isento, que foi quem efectuou o teste do álcool ao arguido e a D…, explicitando que o arguido apresentou sopro insuficiente no teste quantitativo (conforme talão a fls. 7), motivo pelo qual foi conduzido ao hospital para efectuar o exame com base em recolha de sangue. Neste último teste, apurou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,19 g/litro, conforme relatório do IML a fls. 22. Quanto à taxa de alcoolemia que D…, atendeu-se aos documentos de fls. 170, os quais respeitam ao respectivo teste quantitativo, como se inferiu do depoimento da testemunha C…. No que concerne às condições pessoais e à situação económica e financeira actuais do arguido, o Tribunal estribou-se nas declarações do arguido, que foram valoradas como credíveis e sinceras. Relativamente à ausência de antecedentes criminais, atendeu-se exclusivamente ao certificado do registo criminal do arguido, a fls. 10. Quanto aos demais factos dados como não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal. Isto porque, tendo o arguido se remetido ao silêncio, e na falta de outro elemento probatório processualmente valorável, somente a testemunha D… poderia ter esclarecido o Tribunal acerca da dinâmica do embate e das pessoas que nele efectivamente intervieram. Pese embora as diligências efectuadas nesse sentido, não foi possível localizar a referida testemunha, razão pela qual não se procedeu à sua inquirição na audiência de julgamento. Por outro lado, não se pode concluir que era o arguido quem conduzia o veículo com a matrícula ..-..-EF, pois, apesar de, no próprio local do embate, ter sido identificado pelo referido agente da PSP como sendo um dos condutores dos veículos envolvidos, o depoente não presenciou o acto da condução e, de acordo, com o disposto no artigo 356.º, nº1, al. b), e nº7, do CPP, não podem ser valoradas as declarações do referido órgão de polícia criminal na medida em que correspondam ao que o arguido lhe comunicou, como sucede in casu. Por todo o exposto, conclui-se que os elementos de prova acima analisados não são suficientes para julgar provados os factos imputados ao arguido, persistindo, assim, a dúvida razoável quanto aos mesmos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, nº2, da CRP, tal incerteza não o pode desfavorecer (in dubio pro reo).* *Decidindo: A questão principal que deve ser aqui equacionada e decidida prende-se com o valor a dar às declarações do arguido, no julgamento. Na sentença, consta que o arguido não prestou declarações, remetendo-se ao silêncio. Para se aquilatar da realidade passada em julgamento, urge ouvir a gravação do mesmo; e, ouvida esta, não é isso, decididamente, que se conclui:*Depois de avisado pela Senhora Juíza dos direitos e deveres que lhe cabem enquanto arguido e depois de lhe ter sido lida a acusação integralmente, a presidente do Tribunal perguntou ao arguido se este pretendia prestar declarações. A sua resposta foi bem clara: respondeu afirmativamente, confirmando ser ele quem ia a conduzir o veículo e que tinha bebido álcool antes do o fazer; ou seja, concordou que os factos que lhe foram lidos eram todos verdadeiros. Só depois de ter falado deste modo claro, livre e espontâneo foi aconselhado pelo seu defensor para não prestar declarações... A senhora Juíza Presidente considerou então que o arguido não queria prestar declarações. O que é certo e indelével é que as declarações já estavam prestadas e de forma linear, válida e clara para todos! Todo o silêncio posterior (com excepção da situação pessoal a familiar) não anulou, nem apagou o que ficara dito e sobejamente gravado no julgamento; além disso, o arguido ainda falou sobre a sua situação pessoal e nunca se retratou das declarações iniciais. E se o arguido falou sobre o objecto do processo, o que afirmou em audiência tem de ser valorado na sua totalidade, pese embora os conselhos posteriores do seu defensor: tratou-se, eventualmente, de um lapso de estratégia da defesa, pelo qual o Tribunal não é responsável, nem deve aceitar. E assim, a admissão dos factos que efectuou – apesar de não constar da acta nos termos previstos no Art. 344.º do Código de Processo Penal – não pode deixar de ser tomada em conta. Ora, como não se aplicou a referida norma, a confissão do arguido, quanto a ser o condutor do veículo e quanto a ter ingerido álcool é uma prova como qualquer outra; isto é, terá de ser avaliada segundo as regras da lógica e da experiência e no âmbito do disposto no Art. 127.º do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova). E por esse motivo, não se pode afirmar que a falta de referência ao Art. 344.º constitui uma nulidade: desde logo, porque o Tribunal sempre poderia ouvir a prova restante, sem menção de tal norma; por outro lado, porque tal “omissão” não está prevista no elenco referido, quer no Art. 119.º, quer no Art. 120.º do Código de Processo Penal; e da mesma forma, também não foi cometida a nulidade prevista no já citado Art. 344.º, n.º 1, pelas razões referidas acima: em rigor, não se tratou de uma confissão integral e sem reservas, mas tão-só de uma admissão concreta de factos essenciais da acusação. Em conclusão, o arguido prestou declarações sobre o objecto do processo, no início do seu julgamento e fê-lo de forma legítima e legalmente válida.*Resta, ainda, o depoimento da testemunha C…, agente policial que se deslocou ao local onde ocorreu o acidente, ali colheu os elementos do mesmo e elaborou o auto e o croqui respectivos: em julgamento, confirmou todos os dados por si apreendidos. Mas admitamos que tal prova seria inaceitável; aqui, funcionam as regras de experiência comum e da lógica: que razões haveria para o agente detectar o índice de álcool no sangue ao arguido, que não o facto de ser este o condutor de um dos veículos acidentados? Tanto mais, que foi transportado voluntariamente ao hospital, para recolha de sangue e análise de alcoolemia mais segura. Resta o resultado da citada alcoolemia detectada, constante do documento de folhas 4, que ninguém contestou. Em suma, dando todo o crédito ao somatório da prova produzida em audiência (as declarações do arguido válidas, o depoimento da testemunha e o teste de alcoolemia), o factualismo provado e não provado terá de ser alterado.*Foi assim cometido o vício previsto no Art. 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal (erro notório na apreciação da prova). Deste modo e considerando as regras de experiência e o princípio da livre apreciação da prova, para além dos factos provados na sentença, consideram-se ainda provados os seguintes factos:*No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 20.10 horas, o arguido tripulava o veículo com a matrícula ..-..-EF. O veículo com a matrícula ..-DA-.. era tripulado por D…. O arguido seguia pela metade direita da faixa de rodagem da Rua …, atento o sentido Sul-Norte, quando, ao atingir o entroncamento formado por aquela artéria e a Rua …, e pretendendo entrar nesta rua, após efectuar os sinais de luzes de mudança de direcção para o seu lado esquerdo, iniciou a manobra de mudança de direcção, fazendo dirigir o veículo com a matrícula ..-..-EF para o seu lado esquerdo, para entrar na Rua …, assim invadindo a metade da faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido oposto, quando nessa metade da faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul, circulava o veículo com a matrícula ..-DA-... D… não imobilizou o veículo com a matrícula ..-DA-... O arguido sabia que se encontrava a tripular o veículo com a matrícula ..-..-EF com uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior a 1,20 g/litro e, não obstante, quis actuar como descrito em a) e c). O arguido sabia que, ao conduzir nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, colocava, como colocou, em perigo a vida ou a integridade física daqueles que transitassem nas vias por onde circulasse. O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.*Deste modo, com a alteração da matéria de facto agora determinada e fixada, a decisão de direito terá de ser também alterada em conformidade. Pune-se, no Art. 291.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a condução de veículo em via pública, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool e deste modo criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. Deste modo, considerando os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em causa, conclui-se ter o arguido cometido um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto nos Arts. 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos Arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal).*Porque este Tribunal dispõe de todos os elementos necessários, importará agora estabelecer a punição: Determinado que está o crime cometido e o seu agente, nos termos do disposto no Art. 71º do Código Penal, importa agora determinar a medida concreta da pena, avaliando os comportamentos delituosos dentro do respectivo enquadramento jurídico-penal, procurando dar a resposta punitiva adequada à medida da culpa, sob uma perspectiva ético-retributiva, e fazendo ainda apelo aos princípios de prevenção geral e especial. De acordo com o Art. 40º, nº 1, do Código Penal a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; e estipula o nº 2 que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Por sua vez, o nº 1 do Art. 71º estatui que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; e o seu nº 2 manda atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime em causa, depuserem a favor ou contra o agente, indicando algumas dessas circunstâncias nas várias alíneas: Assim, considera-se o dolo, na sua forma mais grave, o nível de ilicitude agravado pelo elevadíssimo grau de alcoolemia, as consequências dos factos e as demais circunstâncias atendíveis, nomeadamente o grau de violação das regras de condução. Não se vislumbram factos favoráveis ao arguido, sendo a ausência de antecedentes criminais uma simples manifestação de normalidade. A punição prevista para esta infracção é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. Considerando as circunstâncias descritas e o disposto no Art. 70.º do Código Penal, é de concluir que deverá ser aplicada pena de multa ao arguido, a qual realizará de forma adequada e suficiente as já citadas finalidades da punição. E assim, tendo em conta os limites legais e sobretudo a medida da culpa do arguido, considera-se adequada e justa a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (determinada esta de harmonia com as regras previstas no diploma já referido). À pena de multa acresce ainda a pena prevista no Art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, fixando-se em 3 meses o período de proibição de conduzir veículos com motor (sobretudo porque aqui releva a ausência de condenações anteriores, nomeadamente da mesma natureza).*Em suma, não se vislumbrando qualquer outro vício da sentença, senão aquele acima apontado, nem estando a mesma ferida de qualquer nulidade, a decisão será o corolário de tudo o que ficou escrito: a alteração e acrescento da matéria de facto provada e a consequente condenação do arguido, pela prática do crime de que vinha acusado.* *Decisão. Pelo exposto, acordam nesta Relação em julgar procedente o recurso do Ministério Público e, em consequência: 1. Alterar a matéria de facto provada como consta acima. 2. Alterar a decisão e, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto nos Arts. 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos Arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal), condenar o arguido na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7 euros e em três meses de inibição de conduzir. 3. O arguido pagará 4 UC de taxa de Justiça.*Porto, 2.11.2011 António Luís T. Cravo Roxo António Álvaro leite de Melo