I - O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ainda que com cobertura a danos próprios, não se transmite em caso de alienação do veículo, podendo o tomador do seguro inicial, tão-só, utilizá-lo para segurar nova viatura. II - A transmissão da propriedade automóvel, registada e documentada em “contrato de compra e venda”, entre pai e filha, configura um acto de alienação, independentemente de terem ocorrido contrapartidas pecuniárias nessa transmissão.
APELAÇÃO Nº 182/08.3 TBVLP.P1 _______________________________________________________ 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:IB…, residente no …, na freguesia de …, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário contra COMPANHIA DE SEGUROS C…, S.A., com sede na …, 242, Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados em consequência de acidente de viação, a quantia global de 7000,00€, bem como os juros, à taxa legal, calculados sobre o montante que, efectivamente, venha a ser arbitrado em sentença condenatória, desde a citação da Ré até efectivo pagamento. Invoca, para tanto, e em síntese, o facto de o veículo ligeiro de passageiros, marca Rover, com a matrícula ..-..-JZ, de que é proprietário, tripulado pela sua filha D…, ter sido interveniente num acidente de viação, sendo que à data, havia transferido para a Ré a responsabilidade por danos próprios do mesmo (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”), em consequência da circulação estradal. Mais alega que o JZ sofreu danos em toda a sua extensão, designadamente, na frente e no tejadilho, cuja reparação ascende a € 4.000 (quatro mil euros) e que, durante o período de tempo que decorreu entre a data do acidente e a data em que o agregado familiar adquiriu, porque a tal se viu obrigado, um outro veículo em substituição do danificado, as deslocações tiveram de ser efectuadas, por meio de transporte publico/ ou táxi, ou ainda, recorrendo à ajuda de familiares e amigos, causando aborrecimento. A Ré contestou. Defendeu-se por via de excepção alegando que a proprietária do veículo JZ é D…, e não seu pai, apesar de não constar como tal na apólice de seguro em causa nos autos, não sendo assim tomadora do contrato de seguro, pois que, a alienação do veículo em data posterior à celebração do contrato de seguro faz cessar todos os efeitos deste contrato. Peticionou, ainda, a condenação do Autor como litigante de má fé. O Autor respondeu à excepção, mantendo que não ocorreu qualquer transmissão do direito de propriedade do A. para a sua filha D…, não sendo a sua conduta processual susceptível de qualquer censura. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida sentença que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência: - Condenou a Ré Companhia de Seguros C…, S.A., a pagar a B… a quantia de 7.000,00€ (sete mil euros) acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento - Mais se decidiu julgar improcedente a condenação do Autor em litigância de má fé. Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1. A Recorrente não concorda com a decisão de facto e de Direito proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual interpõe da mesma o respectivo recurso. 2. O Tribunal a quo erradamente deu como provados os factos vertidos nas alíneas U) e BB) da sentença, a saber: por um lado, a propriedade do veículo ..-..-JZ a favor do Recorrido, bem como a vigência do contrato de seguro celebrado entre este e a Recorrente à data do sinistro; por outro lado, que a filha do Recorrido não pagou qualquer preço pela compra do carro. 3. Na verdade, quer a prova documental junta, quer os depoimentos testemunhais prestados, não permitiam ao Tribunal a quo concluir que tais factos fossem dados como provados. 4. A apólice de seguro, utilizada para a prova da alínea U), salvo o devido respeito, apenas demonstra que existiu um contrato de seguro celebrado entre Recorrido e Recorrente cujo objecto era o veículo sinistrado, não provando que à data do sinistro era o Recorrido o proprietário do mesmo ou que a apólice se encontrava em vigor àquela data. 5. Por outro lado, dos depoimentos ouvidos em sessão de Julgamento, nenhuma testemunha afirmou expressa ou tacitamente que a filha do Recorrido não tinha pago qualquer preço para aquisição do veículo sinistrado. 6. Deve, por isso, a resposta à matéria de facto ser alterada e a resposta dada aos artigos 15.º e 20.º da Base Instrutória (a que correspondem as supra referidas alíneas U) e BB) da sentença, respectivamente) ser alterada para “não provado”. 7. Ao ser procedente o recurso da matéria de facto, sempre terá como consequência a Recorrente ser absolvida do pedido, por falta de existência do requisito da propriedade do bem danificado (o veículo sinistrado) a favor do Recorrido. 8. Certo é que o contrato seguro cessa às 24 horas do dia de alienação do veículo recaindo sobre o novo adquirente (ou terceiro, nos termos acima referidos) a obrigação de celebrar novo contrato. 9. Como foi já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça: “O facto do primitivo proprietário continuar a utilizar o veículo, por mero favor, tolerância ou cortesia, e suportar as despesas resultantes dessa utilização, não faz renascer o contrato de seguro que cessou com a alienação, já que, após esta, seria obrigatória a outorga de novo seguro, nos termos, e pelas pessoas, referidas.” – acórdão já identificado supra. 10. Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo nunca poderiam ter a aplicação de Direito que lhes foi dada. Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, caso assim não se entenda, 11. Foi junta ao processo certidão do registo automóvel do veículo em crise, bem como informação da Conservatória de Registo Automóvel que atestava a transferência da propriedade do Recorrido para a sua filha. 12. Nos termos do disposto no artigo 8.º n.º1 do Código de Registo Predial o facto inscrito no registo apenas pode ser impugnado em juízo se, cumulativamente, também for peticionado o cancelamento do registo, o que não sucedeu in casu. 13. Assim, não poderia o Tribunal a quo ignorar tal facto e, ao invés, deveria valorar a inscrição do registo do veículo sinistrado a favor da filha do Recorrido com a consequente presunção da propriedade a ele inerente. 14. Ainda que tal entendimento não seja acolhido, a prova junta aos autos não é suficiente para, por si só, afastar a presunção de propriedade que incide sobre o registo, nos termos do disposto no artigo 7.º do Código de Registo Predial. 15. Aliás, certo é que o veículo foi alienado, desconhece-se se foi alienado através do instituto da doação pelo primitivo tomador do seguro, aqui Recorrido, que tinha celebrado o contrato de seguro na sua qualidade de proprietário. 16. A justificação apresentada pelo A. de “simulação” do registo é muito pouco credível, bem como a restante prova produzida não atesta a força suficiente e necessária para o afastamento da presunção legal do artigo 7.º do Código de Registo Predial. 17. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, inexistiu qualquer abuso de direito, na medida em que a cessação do contrato de seguro após a sua alienação, nos termos do disposto no artigo 21.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, não depende da vontade das partes, diferentemente do que sucede com o regime da anulabilidade do contrato de seguro. 18. O efeito da cessação decorre automaticamente da lei e não coloca tal efeito na disponibilidade da vontade das partes, pelo que inexistiu qualquer diferença entre a vontade expressa e a vontade praticada, que configuram traves essenciais do abuso de direito. 19. A recepção de prémios indevidos apenas terá, como efeito, a sua repetição, em virtude da cessação do contrato de seguro. 20. Por fim, estamos perante um contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil por danos próprios. 21. Ora, a indemnização pela privação do uso não é devida, uma vez que tal garantia não foi contratualizada pelas partes e, mesmo que o fosse, ficou provado que a habitual condutora do veículo era a filha do A., pelo que o dano repercutiu-se, se não na sua totalidade, pelo menos em grande parte, na esfera jurídica da filha e não no A. 22. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 7.º e 8.º n.º1 do Código de Registo Predial, “ex vi” do artigo 29.º do DL 54/75 de 12 de Fevereiro, na redacção em vigor, no artigo 21.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, 427.º do Código Comercial e, por fim, artigos 334.º, 562.º e 563.º do C.C. 23. Deverá, por isso, a Sentença de primeira instância ser substituída por uma outra que absolva a Recorrente C… do pedido, se não da sua totalidade, pelo menos de parte do mesmo. A final requer que se julgue procedente o recurso em conformidade com as precedentes conclusões. Foram apresentadas contra-alegações, onde invoca o Autor/apelado que: Como questão prévia: Que a recorrente não realiza a impugnação da matéria de facto, em obediência ao preceituado no artº. 685º.-B CPC. A actual redacção do artigo 685º.-B CPC - na esteira, aliás, do revogado artigo 690º-A do CPC - veio impor ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação; assim: (…) 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 522º.-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”. O artigo 685º-B impõe, nos termos, supra, referidos, um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto; que envolve, como explicita o seu n.º 2 - sob pena de imediata rejeição - a indicação dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios em que se baseia a impugnação, e que se destina a assegurar que a parte fundamente, minimamente, a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto. Deste modo, pretende-se evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, expediente que ademais poderia ser utilizado pelas partes apenas com intuitos dilatórios (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, Coimbra, pág. 465). Assim, e uma vez que a alegação não satisfaz, minimamente, o estipulado naquela disposição legal, deve o recurso ser rejeitado – pelo menos, nessa parte (cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 16 de Outubro de 2002 - Processo n.º 2244/02 e 29 de Novembro de 2005 - Processo n.º 2552/05). Isto dito, AS CONCLUSÕES DA RECORRENTE SEGURADORA a) de 1 A 10 A Recorrente sustenta as suas conclusões - de 1 a 10 – na, eventual, alteração dos factos provados e vertidos em U) e BB) da douta sentença, ora, colocada em crise. No entanto, como vimos, supra, a recorrente não dá cumprimento ao preceituado no artº. 685º.-B CPC, pelo que a matéria, por si, alegada, é inconsequente e nunca poderá ser atendida por V. Exa.s. Em todo o caso, diga-se, contrariamente, ao que vem referido pela Recorrente, a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (bastará escutar o depoimento prestado pela testemunha D…), aponta, clara e decisivamente, no sentido de que o veículo, matrícula, ..-..-JZ pertence ao, aqui, Recorrido e que a filha não pagou (nem tinha condições para o fazer, uma vez que estudava e não tinha qualquer rendimento), qualquer preço… Mais, o Recorrido demonstrou/provou a razão, pela qual, colocou o veículo “em nome” da sua filha… Por último, diga-se, a Recorrente seguradora, sempre, recebeu os prémios do seguro do Recorrente e nunca questionou, até ao momento em que ocorreu o sinistro a que se reportam os presentes autos, o direito de propriedade do Recorrido sobre o JZ !!! Não estaremos perante meras desculpas de mau pagador? b) de 11 a 19 A Recorrente efectua, ainda, uma interpretação deficiente e abusiva do preceituado no artº. 8º., nº. 1 Código do Registo Predial, o qual reza o seguinte: A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo. Como a Recorrente bem sabe, o objecto da presente acção não é a impugnação judicial de qualquer facto registado. Mas, ainda, que o fosse; o artigo, em questão, é muito esclarecedor quando refere, expressamente, que a mera impugnação judicial de facto registado faz presumir o pedido de cancelamento do registo. Ou seja, a mera impugnação faz presumir o pedido de cancelamento. Daí que as conclusões da Recorrente, também, sob este prisma, se mostrem destituídas de sentido e de oportunidade. c) de 19 a 21 Estamos perante, mais, uma tese peregrina e sem qualquer fundamento. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter considerado qualquer indemnização pela privação do uso, atentas as seguintes razões: a) o seguro é facultativo de responsabilidade civil por danos próprios, b) a habitual condutora era a filha do Recorrido… Bastaria, a este propósito, dar, aqui, por reproduzidos os factos provados e constantes das alíneas X) e ss., por referência à douta sentença recorrida, e a correcta aplicação dos factos ao direito… No entanto, no caso concreto, importa, ainda, referir que o …, na freguesia de …, no concelho de Valpaços, é um local de difícil acesso, sem transportes públicos, isolado e “no meio do nada”. Trata-se de uma povoação com meia centena de habitantes, que, para alcançarem a estrada nacional precisam de percorrer alguns quilómetros, quase, a pique (uma vez que a … fica situada numa espécie de “buraco” e a cota muito inferior, em relação a …). Por outro lado, o Recorrido, nas circunstâncias descritas, “sofreu”, ainda, mais do que o que seria normal/previsível, porquanto ficou privado do JZ em pleno Inverno - o que, no coração de Trás-os-Montes, como se sabe, é um tempo de muita chuva, gelo e neve. Bastaria à Recorrente atentar à forma como o acidente ocorreu para “imaginar”, razoavelmente, o drama de ficar sem carro durante mais de três meses, nestas, particulares, circunstâncias… O facto de não estar “contratualizado” o dano da privação do uso, não afasta a responsabilidade da Recorrente por este prejuízo/dano. Não fosse o comportamento da Recorrente, de deixar “arrastar” a resolução deste sinistro, e o Recorrido não teria necessidade de recorrer a Tribunal e de peticionar os danos que a seguradora causou/provocou na sua (e do seu agregado familiar) esfera patrimonial. Perante o transcrito factualismo, a douta sentença, em recurso, efectua uma correcta interpretação da prova produzida e da sua aplicação ao direito. O Tribunal a quo faz uma correcta (e exemplar, dizemos em abono da douta sentença recorrida e do seu autor) interpretação da Lei e não ocorre qualquer violação legal. Parece, assim, não merecer a mínima censura, pois limitou-se a aplicar, correcta e exemplarmente, a lei vigente, ao factualismo, que resultou provado. Por todo o exposto deve a douta sentença recorrida - atento o seu rigor, sentido de Justiça e as qualidades técnico/jurídicas evidenciadas - ser mantida, assim, se fazendo sã e equilibrada Justiça.IISão os seguintes os factos julgados provados pelo Tribunal a quo: A) No dia 25 de Janeiro de 2008, pelas 8.50 h, na E.N. …, no …, do concelho de Valpaços, ocorreu um acidente de viação. B) Foi interveniente, nesse acidente, o veículo ligeiro de passageiros, marca Rover, com a matrícula ..-..-JZ, e tripulado pela sua filha D…. C) O veículo, conduzido pela mencionada D…, circulava, no dia e hora supra referidos, pela referida via, no sentido …-…. D) A mencionada D…, filha do A., com quem vive, era, de facto, ao tempo, quem, habitualmente, conduzia o veículo acidentado. E) É o A., quem tem efectuado, junto da Ré, o pagamento anual do prémio de seguro, de que é titular, sem que, alguma vez o facto ora alegado pela Ré tenha constituído impedimento para o recebimento do valor. F) A partir do dia 23 de Fevereiro de 2005 a R. celebrou com o A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ………., através do qual aquele na qualidade de dono e proprietário do veículo de matrícula ..-..-JZ, transferiu para a Companhia de Seguros C…, SA a responsabilidade civil emergente de danos próprios pela circulação daquele veículo. G) O veículo JZ foi adquirido pelo Autor. H) O acidente em causa objectivou-se num despiste, seguido do embate do referido veículo, primeiro contra uma árvore. I) Depois contra a estrutura metálica de uma estufa implantada num terreno, existentes no local. J) A via, com uma largura de, aproximadamente, 6 metros. K) Forma uma curva à esquerda. L) Com boa visibilidade. M) Seguida de uma outra, à direita, com visibilidade reduzida. N) Sendo, o eixo da mesma, delimitado por traço contínuo. O) Inexistem, no local do acidente, bermas a ladear a via. P) O piso encontrava-se molhado, em consequência do nevoeiro e das geadas nocturnas. Q) Chegada ao local, começou por “fazer” a curva à esquerda e iniciara, já, a curva à direita, atento o seu sentido de marcha, quando perdeu o controlo sobre o veículo. R) Ainda tentou guinar em sentido contrário, seja, para a esquerda; porém, o veículo não lhe obedeceu, acabando por perder completamente o controlo sobre o mesmo. S) Indo embater frontalmente, primeiro contra uma figueira, depois contra uma estrutura metálica que serve de suporte a uma estufa existente num prédio localizado à direita da referida curva. T) Acabando por ficar suspenso entre a árvore e a estrutura metálica, uma vez que o referido prédio se situa em cota bastante inferior relativamente à E.N. …, por onde circulava. U) À data da ocorrência do acidente danoso, o A., proprietário do veículo ..-..-JZ, havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através de contrato, a que se reporta a apólice nº ……….. V) O Autor adquiriu o veículo (e pagou), no ano de 2005, ainda aquela era estudante. X) Desde então, tem sido o Autor quem, habitualmente, tripulava o veículo. Z) É o A. quem, ao longo destes anos, tem efectuado e continua a efectuar, o pagamento de todas as despesas relacionadas com o veículo, designadamente, as provenientes de reparações e inspecções periódicas a que o mesmo está sujeito. AA) É, inclusivamente, o A. quem habitualmente custeia as despesas de combustível. BB) A identificada D… nunca pagou qualquer preço pela compra do carro. CC) Nunca assumiu perante a seguradora e/ou quaisquer terceiros que o JZ lhe pertencia. (resposta ao art.º 21.º da Base Instrutória) DD) O veículo, em questão, foi “posto” em nome da D…, na perspectiva de um emprego que esta iria conseguir e onde se exigia que a candidata tivesse viatura própria. EE) Foi com o objectivo de “preencher” este requisito que o A. acedeu a “fazer” os documentos à filha. FF) No dia seguinte ao da ocorrência do supra relatado acidente, o veículo foi transportado para a oficina de reparações “E…, Lda.,”. GG) O JZ sofreu danos em toda a sua extensão, designadamente, na frente e no tejadilho. HH) Cuja reparação ascende a 4.000 € (quatro mil euros). II) O ..-..-JZ passou a ser também habitualmente utilizado pela mencionada D…, sua filha, que com aquele habita. JJ) Esta última fazia o percurso diário entre o …, onde o agregado familiar reside, a Valpaços, onde actualmente trabalha. KK) O veículo em causa era, igualmente, utilizado pelos restantes membros do agregado familiar; sempre que o mesmo se encontrava “livre”, designadamente ao fim-de-semana, para se deslocarem em passeio. LL) Durante o período de tempo que decorreu entre a data do acidente danoso e a data em que o agregado familiar adquiriu um outro veículo em substituição do danificado (finais de Abril), as deslocações supra referidas tiveram de ser efectuadas, por meio, ou de transporte publico, ou táxi, ou ainda, recorrendo à ajuda de familiares e amigos, que os transportavam, ou cediam temporariamente o seu próprio veículo. MM) O Agregado familiar viu a sua rotina diária alterada, obrigando-os, não raras vezes, a incomodar amigos e familiares, para os transportar.IIINa consideração de que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir: - Da impugnação da matéria de facto - Da inexistência de seguro automóvel, válido e eficaz à data do sinistro, por força da alienação anterior do veículo por parte do titular da apólice. Da impugnação da matéria de facto Sobre a impugnação da matéria de facto suscitou a recorrida a seguinte questão prévia: Pretende esta que não estão observados os preceitos legais que regulam a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, previstos no artº 685º -B do CPC, nomeadamente, os que obrigam à indicação dos concretos pontos de facto que se considerem incorrectamente julgados, bem como, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. E, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Procedimento que, segundo a recorrida não foi igualmente respeitado. Tal objecção não procede, pois que a impugnação assenta em primeira análise na desconformidade do “facto” dado como provado - “propriedade” da viatura - fundamentada em prova documental, e, em segundo lugar, na ausência de prova testemunhal capaz de fundamentar um outro facto: a não entrega de dinheiro por parte da condutora actualmente titular do registo de propriedade automóvel. Assim, nenhum óbice existe ao conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por não se impor maior rigor na aplicação das sobreditas regras processuais. Passemos, assim, à reapreciação da matéria de facto. São os seguintes os pontos da base instrutória impugnados: - 15º (alínea U da factualidade dada como assente): “À data da ocorrência do acidente danoso, o A., proprietário do veículo ..-..-JZ, havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através do contrato, a que se reporta a apólice nº ……….”? Resposta dada: Provado. Resposta pretendida: Não provado. - 20º (alínea BB) da factualidade dada como assente): “A identificada D… nunca pagou qualquer preço pela compra do carro”?’ Resposta dada: Provado. Resposta pretendida: Não provado. Impõe-se desde já um reparo. A expressão “proprietário do veículo” utilizada no ponto 15º da base instrutória só pode ser interpretada como tendo uma conotação fáctica, ou seja, de interpretação corrente, equivalente a “dono”, sem se elevar a uma interpretação vinculativa, como é a sua qualificação jurídica de direito real de gozo, máximo ou pleno, como se extrai do artigo 1305º do Código Civil. De outro modo teríamos de dar sem efeito a expressão por não se poder fazer prova sobre matéria de direito. Vejamos o que a propósito desenvolveu o Ac. do STJ de 10-01-2007, P.06P4075, Relator: Santos Cabral in www.dgsi.pt, assim sumariado: «I - A distinção entre os conceitos de matéria de facto e de matéria de direito nem sempre é fácil. Não obstante, o eixo diferenciador já foi por diversas vezes apreciado em sede doutrinária e de forma convergente. II - Assim, o Prof. Paulo Cunha estabelece o seguinte critério geral de destrinça: há matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, há necessidade de recorrer a uma disposição legal – ainda que se trate de uma simples palavra da lei –, ou seja, quando a averiguação depende do entendimento a dar a normas legais, seja qual for a espécie destas; há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, por averiguação de factos cuja existência ou inexistência não depende de nenhuma norma jurídica, sem prejuízo de, nota, toda e qualquer averiguação de factos se realizar por meio de processos regulados e prescritos na lei. III - O Prof. Alberto dos Reis definia como «questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior»; e como «questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei». Dito por outras palavras: é questão de facto determinar o que aconteceu; é questão de direito determinar o que quer a lei, substantiva ou processual. (…)». Fundamentou o tribunal recorrido as respostas positivas a tais quesitos (15º e 20º) do seguinte modo: «No que concerne ao art. 15º, o Tribunal considerou que o mesmo se encontra provado documentalmente, designadamente pela apólice de fls. 22 e 59». No respeitante à prova do art. 20º importa reproduzir uma fundamentação mais abrangente. Assim: «O art. 16º ficou completamente esclarecido quer pelo depoimento da testemunha D… quer pelo da testemunha F… que afiançou que vendeu o Rover ao Autor. A testemunha G…, de igual sorte, explicou de forma convincente que o veículo em causa foi adquirido pelo Autor quando a D… ainda era estudante, tendo sido aquele que o pagou e sempre se portou como proprietário do mesmo. E nessa sequência, deu-se como provados os art.s 17º a 23º, porquanto quer a testemunha D… no que se refere ao art. 17º, quer as testemunhas G… no que se refere ao art. 17 e 22º a 23º quer, igualmente, a testemunha H… (este dono de uma oficina de automóveis) referiram que tem sido o Autor quem, habitualmente, tripulava o veículo. É o autor quem ao longo destes anos, tem efectuado e continua a efectuar, o pagamento de todas as despesas relacionadas com o veículo, designadamente as provenientes de reparações e inspecções periódicas a que o mesmo está sujeito. É, inclusivamente, o A. quem habitualmente custeia as despesas de combustível. A resposta ao artº 20º teve por base para além dos depoimentos descritos que asseguraram que Autor e filha simularam a realização de um negócio de compra e venda que nunca quiseram realizar, mas tão só dar a aparência de realizado para o trabalho que esta última ia começar a realizar numa empresa de vendas ao domicílio que lhe exigia o requisito de ter veículo próprio. Para além disso, constatamos do teor de fls. 84-85 que o negócio declarado apenas teve por base objectivo alteração do registo da titularidade do veículo para a testemunha D…, sendo que a propriedade de veículos automóveis e negócios de compra e venda será matéria de direito a cuidar na sentença». Passemos à nossa análise crítica. Está em causa saber quem é o proprietário da viatura à data do sinistro e, se se provou que a filha do Recorrido não pagou qualquer preço pela compra do carro. Da resposta ao primeiro facto derivará a resposta à questão de saber se à data o contrato de seguro celebrado com o Recorrido estava ou não, o mesmo, em vigor. Da resposta ao segundo não derivará qualquer consequência, como veremos. Retrocedamos então ao que acima dissemos. Só é possível reapreciar a matéria de facto à margem da aplicação da lei, aplicação que só a final faremos, na fase da subsunção jurídica. Resulta, claramente da prova documental, nomeadamente das informações obtidas junto da Conservatória de Registo Automóveis do Porto, junta a fls. 53, 75 e 93 que: À data da ocorrência do acidente danoso, ou seja, 25 de Janeiro de 2008, a propriedade do veículo Rover, matrícula ..-..-JZ encontrava-se registada a favor de D…, filha do Autor. Resulta igualmente da prova documental (cfr. fls. 76 e 77) que, em 12/09/2007 D… identificando-se como compradora e B… identificando-se como vendedor, preencheram e assinaram um requerimento – declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compra e venda), através do qual a 1ª declarou ser compradora e o 2º vendedor, da viatura Rover acima identificada. D… reconheceu em audiência ser sua a respectiva assinatura e, B…, nunca pôs em causa a assinatura que no mesmo documento lhe é atribuída. Contudo, apesar de ter aceite como sua tal assinatura, bem como as declarações por si e seu pai prestadas nesse requerimento, tentou desvirtuar o carácter sério das mesmas, através duma “justificação” para tal facto, a qual foi que, nunca quis ser realmente a dona da viatura, que só o fez combinada com seu pai, que sempre ficaria o proprietário, porquanto precisava de se candidatar a um emprego que exigia viatura própria, criando com isso a ideia de ser aquele um negócio fingido. É vulgar esse tipo de exigência num emprego que implica deslocação. Mas o que não se entende é que essa exigência vá ao ponto de pretender que “ter ou ser possuidor de viatura própria” queira significar “ser o titular inscrito” de tal viatura. Acaso, há explicação para recusar uma concessão de emprego a quem dispõe de viatura de um familiar, pai, irmão, marido, mulher, etc? Diremos nós que, em termos de normalidade, de regras da experiência, não deixa de ser estranho uma entidade patronal exigir que um candidato a trabalhador tenha de se apresentar com uma viatura do próprio, exigência afirmada pela testemunha G… “eles exigiam documentos de carro próprio” (não podendo usar a do pai, do irmão, etc), e cuja versão foi aceite pelo tribunal recorrido. Também mal se entende que afirmando a testemunha D… várias vezes que era estudante, tenha depois dito que o trabalho que arranjou foi de vendas “porta a porta”, no âmbito do qual o pai pôs o carro em seu nome e, na participação do acidente (cfr. fls. 49), que apenas foi junta pela parte contrária, se tenha identificado como “escriturária”. Nenhuma das testemunhas arroladas pelo Autor se mostrou isenta, comprometidas que estavam com uma versão combinada, nomeadamente de que a filha do Autor teve de pôr o carro em seu nome para arranjar um trabalho, o qual nas palavras da testemunha G…, vizinho do Autor, era afinal, de “vendas da PT”. Na verdade, o tribunal recorrido deu como provado que - “DD) O veículo, em questão, foi “posto” em nome da D…, na perspectiva de um emprego que esta iria conseguir e onde se exigia que a candidata tivesse viatura própria; EE) Foi com o objectivo de “preencher” este requisito que o A. acedeu a “fazer” os documentos à filha” - factos estes que não foram impugnados e que, como veremos, se conjugarão com os demais, pelo que nada obsta à sua manutenção. Prosseguindo. Estando documentalmente provada a existência do negócio, não se pode pretender ser proprietário para certos proveitos e para outros não. A “habilidade” não está em tentar iludir uma entidade patronal duma situação irreal, está antes em tentar iludir o tribunal da ausência de uma situação que desenvolve determinados efeitos legais. A prova documental dá-nos indicadores precisos de uma transmissão de propriedade da viatura. A prova testemunhal não se afigurou idónea a pôr em causa essa transmissão. Transmissão essa que, não olvidamos, tem particularidades próprias porque se desenrolou dentro do meio familiar, onde as contrapartidas não têm a mesma exigência de um negócio com terceiros, mas nem por isso, impedem a produção dos seus efeitos. Como se referiu na sentença sob recurso, nos termos do artº 1º nº 1 do Dec-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, «o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico». No caso, o elemento decisivo para apurar a transferência da propriedade não é o registo, mas o contrato de compra e venda que assinado por ambas as partes, o provocou. Temos pois que, a alegação do A. e o depoimento das testemunhas por si arroladas quanto às razões para a transferência de propriedade - necessidade de simular uma situação - e sua desvalorização enquanto situação real, não se mostram credíveis. Assim, à pergunta: Q. 15º - U) À data da ocorrência do acidente danoso, o A., proprietário do veículo ..-..-JZ, havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através do contrato, a que se reporta a apólice nº ……….”? Terá que ser dada a seguinte resposta: Provado que: “À data da ocorrência do sinistro o anterior proprietário do veículo ..-..-JZ havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através do contrato, a que se reporta a apólice nº ……….”. E, à pergunta: 20º - VV - “A identificada D… nunca pagou qualquer preço pela compra do carro”? Não vemos razões para alterar a resposta dada de – provado - pois que, é aceitável em termos de normalidade, num contexto de afectividade, a afirmação da testemunha D… que a transferência de propriedade tenha sido feita sem contrapartidas, tanto mais que, pelo menos até aí, ela era estudante. II - Da inexistência de seguro automóvel, válido e eficaz à data do sinistro, por força da alienação anterior do veículo por parte do titular da apólice. Passemos à segunda questão do recurso. Em face da factualidade apurada resulta, sem margem para dúvidas que se operou uma alienação do veículo "JZ" que o Recorrido havia garantido pela apólice identificada nos autos. A transmissão da propriedade a favor da filha D… por parte do Autor teve como consequência a alienação do "JZ", a qual ocorreu após a celebração do contrato de seguro em causa. E, foi após tal transmissão, que o sinistro se deu. Importa, para tanto ter presente o Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto que procedeu à transposição da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, (que altera as Directivas nºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE), relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel»), cujo Artigo 21.º dispõe: Alienação do veículo 1 — O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo. 2 — O titular da apólice avisa a empresa de seguros por escrito, no prazo de vinte e quatro horas, da alienação do veículo. 3 — Na falta de cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a empresa de seguros tem direito a uma indemnização de valor igual ao montante do prémio correspondente ao período de tempo que decorre entre o momento da alienação do veículo e o termo da anuidade do seguro em que esta se verifique, sem prejuízo de o contrato ter cessado os seus efeitos nos termos do disposto no n.º 1. 4 — O aviso referido no n.º 2 deve ser acompanhado do certificado provisório do seguro, do certificado de responsabilidade civil ou do aviso -recibo e do certificado internacional («carta verde»). Temos assim que, nos termos previstos no regime jurídico do seguro automóvel o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas da data da alienação. Ao considerar o contrato de seguro em causa como válido e em vigor à data do acidente, o Tribunal “a quo” errou, violando a referida norma. O contrato de seguro é, no direito comercial português, um contrato formal (artigo 426° do Código Comercial), carecendo de ser “reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice, de seguro”. O contrato de seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado) se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas (F. Guerra da Mota, “O Contrato de Seguro Terrestre”, 1º, p. 271). No caso cabe referir que se trata de um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel com abrangência de cobertura a danos próprios, vulgo contrato contra todos os riscos, o qual destina-se a garantir o ressarcimento de terceiros lesados e do próprio em consequência de acidentes de trânsito. Tal contrato é regulado pelo DL nº. 522/85, de 31 de Dezembro (diploma foi integralmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007) e tem natureza pessoal pois que, de harmonia com o disposto no artigo 1º deste mesmo diploma, o que se segura é a responsabilidade pessoal de todo aquele que possa ser chamado a responder pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões provocadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, e não o próprio veículo. Ora, é precisamente por ser um contrato celebrado intuitu personnae que, no artigo 13º do citado DL n.º 522/85, se estipula que “O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo”. Por sua vez, dispõe o artigo 14º do mesmo diploma que “(...) a seguradora pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”. Resulta assim que a cessação do seguro por alienação do veículo pode, quanto a acidente posterior à alienação, ser invocada contra o lesado pela seguradora. Ora, tendo o Autor transmitido a propriedade do veículo a sua filha D… em 12-09-2007, seja por venda, doação, etc., os efeitos do contrato de seguro pelo Autor celebrado cessaram em 13-09-2007. O contrato de seguro em causa é, assim, ineficaz em relação ao sinistro dos autos, ocorrido em 25 de Janeiro de 2008, não podendo a Ré ser responsabilizada ao abrigo do mesmo, pelos danos causados pelo acidente da responsabilidade da actual titular do registo de propriedade: D…. Concluindo: O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ainda que com cobertura a danos próprios, não se transmite em caso de alienação do veículo, podendo o tomador do seguro inicial, tão-só, utilizá-lo para segurar nova viatura. A transmissão da propriedade automóvel, registada e documentada em “contrato de compra e venda”, entre pai e filha, configura um acto de alienação, independentemente de terem ocorrido contrapartidas pecuniárias nessa transmissão.IVTermos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão proferida que deverá ser substituía por outra que absolva a Ré Companhia de Seguros C…, S.A., do pedido. Custas pelo Recorrido. Porto, 16 de Janeiro de 2012 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Rui António Correia Moura Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate
APELAÇÃO Nº 182/08.3 TBVLP.P1 _______________________________________________________ 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:IB…, residente no …, na freguesia de …, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário contra COMPANHIA DE SEGUROS C…, S.A., com sede na …, 242, Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados em consequência de acidente de viação, a quantia global de 7000,00€, bem como os juros, à taxa legal, calculados sobre o montante que, efectivamente, venha a ser arbitrado em sentença condenatória, desde a citação da Ré até efectivo pagamento. Invoca, para tanto, e em síntese, o facto de o veículo ligeiro de passageiros, marca Rover, com a matrícula ..-..-JZ, de que é proprietário, tripulado pela sua filha D…, ter sido interveniente num acidente de viação, sendo que à data, havia transferido para a Ré a responsabilidade por danos próprios do mesmo (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”), em consequência da circulação estradal. Mais alega que o JZ sofreu danos em toda a sua extensão, designadamente, na frente e no tejadilho, cuja reparação ascende a € 4.000 (quatro mil euros) e que, durante o período de tempo que decorreu entre a data do acidente e a data em que o agregado familiar adquiriu, porque a tal se viu obrigado, um outro veículo em substituição do danificado, as deslocações tiveram de ser efectuadas, por meio de transporte publico/ ou táxi, ou ainda, recorrendo à ajuda de familiares e amigos, causando aborrecimento. A Ré contestou. Defendeu-se por via de excepção alegando que a proprietária do veículo JZ é D…, e não seu pai, apesar de não constar como tal na apólice de seguro em causa nos autos, não sendo assim tomadora do contrato de seguro, pois que, a alienação do veículo em data posterior à celebração do contrato de seguro faz cessar todos os efeitos deste contrato. Peticionou, ainda, a condenação do Autor como litigante de má fé. O Autor respondeu à excepção, mantendo que não ocorreu qualquer transmissão do direito de propriedade do A. para a sua filha D…, não sendo a sua conduta processual susceptível de qualquer censura. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida sentença que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência: - Condenou a Ré Companhia de Seguros C…, S.A., a pagar a B… a quantia de 7.000,00€ (sete mil euros) acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento - Mais se decidiu julgar improcedente a condenação do Autor em litigância de má fé. Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1. A Recorrente não concorda com a decisão de facto e de Direito proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual interpõe da mesma o respectivo recurso. 2. O Tribunal a quo erradamente deu como provados os factos vertidos nas alíneas U) e BB) da sentença, a saber: por um lado, a propriedade do veículo ..-..-JZ a favor do Recorrido, bem como a vigência do contrato de seguro celebrado entre este e a Recorrente à data do sinistro; por outro lado, que a filha do Recorrido não pagou qualquer preço pela compra do carro. 3. Na verdade, quer a prova documental junta, quer os depoimentos testemunhais prestados, não permitiam ao Tribunal a quo concluir que tais factos fossem dados como provados. 4. A apólice de seguro, utilizada para a prova da alínea U), salvo o devido respeito, apenas demonstra que existiu um contrato de seguro celebrado entre Recorrido e Recorrente cujo objecto era o veículo sinistrado, não provando que à data do sinistro era o Recorrido o proprietário do mesmo ou que a apólice se encontrava em vigor àquela data. 5. Por outro lado, dos depoimentos ouvidos em sessão de Julgamento, nenhuma testemunha afirmou expressa ou tacitamente que a filha do Recorrido não tinha pago qualquer preço para aquisição do veículo sinistrado. 6. Deve, por isso, a resposta à matéria de facto ser alterada e a resposta dada aos artigos 15.º e 20.º da Base Instrutória (a que correspondem as supra referidas alíneas U) e BB) da sentença, respectivamente) ser alterada para “não provado”. 7. Ao ser procedente o recurso da matéria de facto, sempre terá como consequência a Recorrente ser absolvida do pedido, por falta de existência do requisito da propriedade do bem danificado (o veículo sinistrado) a favor do Recorrido. 8. Certo é que o contrato seguro cessa às 24 horas do dia de alienação do veículo recaindo sobre o novo adquirente (ou terceiro, nos termos acima referidos) a obrigação de celebrar novo contrato. 9. Como foi já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça: “O facto do primitivo proprietário continuar a utilizar o veículo, por mero favor, tolerância ou cortesia, e suportar as despesas resultantes dessa utilização, não faz renascer o contrato de seguro que cessou com a alienação, já que, após esta, seria obrigatória a outorga de novo seguro, nos termos, e pelas pessoas, referidas.” – acórdão já identificado supra. 10. Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo nunca poderiam ter a aplicação de Direito que lhes foi dada. Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, caso assim não se entenda, 11. Foi junta ao processo certidão do registo automóvel do veículo em crise, bem como informação da Conservatória de Registo Automóvel que atestava a transferência da propriedade do Recorrido para a sua filha. 12. Nos termos do disposto no artigo 8.º n.º1 do Código de Registo Predial o facto inscrito no registo apenas pode ser impugnado em juízo se, cumulativamente, também for peticionado o cancelamento do registo, o que não sucedeu in casu. 13. Assim, não poderia o Tribunal a quo ignorar tal facto e, ao invés, deveria valorar a inscrição do registo do veículo sinistrado a favor da filha do Recorrido com a consequente presunção da propriedade a ele inerente. 14. Ainda que tal entendimento não seja acolhido, a prova junta aos autos não é suficiente para, por si só, afastar a presunção de propriedade que incide sobre o registo, nos termos do disposto no artigo 7.º do Código de Registo Predial. 15. Aliás, certo é que o veículo foi alienado, desconhece-se se foi alienado através do instituto da doação pelo primitivo tomador do seguro, aqui Recorrido, que tinha celebrado o contrato de seguro na sua qualidade de proprietário. 16. A justificação apresentada pelo A. de “simulação” do registo é muito pouco credível, bem como a restante prova produzida não atesta a força suficiente e necessária para o afastamento da presunção legal do artigo 7.º do Código de Registo Predial. 17. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, inexistiu qualquer abuso de direito, na medida em que a cessação do contrato de seguro após a sua alienação, nos termos do disposto no artigo 21.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, não depende da vontade das partes, diferentemente do que sucede com o regime da anulabilidade do contrato de seguro. 18. O efeito da cessação decorre automaticamente da lei e não coloca tal efeito na disponibilidade da vontade das partes, pelo que inexistiu qualquer diferença entre a vontade expressa e a vontade praticada, que configuram traves essenciais do abuso de direito. 19. A recepção de prémios indevidos apenas terá, como efeito, a sua repetição, em virtude da cessação do contrato de seguro. 20. Por fim, estamos perante um contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil por danos próprios. 21. Ora, a indemnização pela privação do uso não é devida, uma vez que tal garantia não foi contratualizada pelas partes e, mesmo que o fosse, ficou provado que a habitual condutora do veículo era a filha do A., pelo que o dano repercutiu-se, se não na sua totalidade, pelo menos em grande parte, na esfera jurídica da filha e não no A. 22. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 7.º e 8.º n.º1 do Código de Registo Predial, “ex vi” do artigo 29.º do DL 54/75 de 12 de Fevereiro, na redacção em vigor, no artigo 21.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, 427.º do Código Comercial e, por fim, artigos 334.º, 562.º e 563.º do C.C. 23. Deverá, por isso, a Sentença de primeira instância ser substituída por uma outra que absolva a Recorrente C… do pedido, se não da sua totalidade, pelo menos de parte do mesmo. A final requer que se julgue procedente o recurso em conformidade com as precedentes conclusões. Foram apresentadas contra-alegações, onde invoca o Autor/apelado que: Como questão prévia: Que a recorrente não realiza a impugnação da matéria de facto, em obediência ao preceituado no artº. 685º.-B CPC. A actual redacção do artigo 685º.-B CPC - na esteira, aliás, do revogado artigo 690º-A do CPC - veio impor ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação; assim: (…) 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 522º.-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”. O artigo 685º-B impõe, nos termos, supra, referidos, um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto; que envolve, como explicita o seu n.º 2 - sob pena de imediata rejeição - a indicação dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios em que se baseia a impugnação, e que se destina a assegurar que a parte fundamente, minimamente, a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto. Deste modo, pretende-se evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, expediente que ademais poderia ser utilizado pelas partes apenas com intuitos dilatórios (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, Coimbra, pág. 465). Assim, e uma vez que a alegação não satisfaz, minimamente, o estipulado naquela disposição legal, deve o recurso ser rejeitado – pelo menos, nessa parte (cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 16 de Outubro de 2002 - Processo n.º 2244/02 e 29 de Novembro de 2005 - Processo n.º 2552/05). Isto dito, AS CONCLUSÕES DA RECORRENTE SEGURADORA a) de 1 A 10 A Recorrente sustenta as suas conclusões - de 1 a 10 – na, eventual, alteração dos factos provados e vertidos em U) e BB) da douta sentença, ora, colocada em crise. No entanto, como vimos, supra, a recorrente não dá cumprimento ao preceituado no artº. 685º.-B CPC, pelo que a matéria, por si, alegada, é inconsequente e nunca poderá ser atendida por V. Exa.s. Em todo o caso, diga-se, contrariamente, ao que vem referido pela Recorrente, a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (bastará escutar o depoimento prestado pela testemunha D…), aponta, clara e decisivamente, no sentido de que o veículo, matrícula, ..-..-JZ pertence ao, aqui, Recorrido e que a filha não pagou (nem tinha condições para o fazer, uma vez que estudava e não tinha qualquer rendimento), qualquer preço… Mais, o Recorrido demonstrou/provou a razão, pela qual, colocou o veículo “em nome” da sua filha… Por último, diga-se, a Recorrente seguradora, sempre, recebeu os prémios do seguro do Recorrente e nunca questionou, até ao momento em que ocorreu o sinistro a que se reportam os presentes autos, o direito de propriedade do Recorrido sobre o JZ !!! Não estaremos perante meras desculpas de mau pagador? b) de 11 a 19 A Recorrente efectua, ainda, uma interpretação deficiente e abusiva do preceituado no artº. 8º., nº. 1 Código do Registo Predial, o qual reza o seguinte: A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo. Como a Recorrente bem sabe, o objecto da presente acção não é a impugnação judicial de qualquer facto registado. Mas, ainda, que o fosse; o artigo, em questão, é muito esclarecedor quando refere, expressamente, que a mera impugnação judicial de facto registado faz presumir o pedido de cancelamento do registo. Ou seja, a mera impugnação faz presumir o pedido de cancelamento. Daí que as conclusões da Recorrente, também, sob este prisma, se mostrem destituídas de sentido e de oportunidade. c) de 19 a 21 Estamos perante, mais, uma tese peregrina e sem qualquer fundamento. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter considerado qualquer indemnização pela privação do uso, atentas as seguintes razões: a) o seguro é facultativo de responsabilidade civil por danos próprios, b) a habitual condutora era a filha do Recorrido… Bastaria, a este propósito, dar, aqui, por reproduzidos os factos provados e constantes das alíneas X) e ss., por referência à douta sentença recorrida, e a correcta aplicação dos factos ao direito… No entanto, no caso concreto, importa, ainda, referir que o …, na freguesia de …, no concelho de Valpaços, é um local de difícil acesso, sem transportes públicos, isolado e “no meio do nada”. Trata-se de uma povoação com meia centena de habitantes, que, para alcançarem a estrada nacional precisam de percorrer alguns quilómetros, quase, a pique (uma vez que a … fica situada numa espécie de “buraco” e a cota muito inferior, em relação a …). Por outro lado, o Recorrido, nas circunstâncias descritas, “sofreu”, ainda, mais do que o que seria normal/previsível, porquanto ficou privado do JZ em pleno Inverno - o que, no coração de Trás-os-Montes, como se sabe, é um tempo de muita chuva, gelo e neve. Bastaria à Recorrente atentar à forma como o acidente ocorreu para “imaginar”, razoavelmente, o drama de ficar sem carro durante mais de três meses, nestas, particulares, circunstâncias… O facto de não estar “contratualizado” o dano da privação do uso, não afasta a responsabilidade da Recorrente por este prejuízo/dano. Não fosse o comportamento da Recorrente, de deixar “arrastar” a resolução deste sinistro, e o Recorrido não teria necessidade de recorrer a Tribunal e de peticionar os danos que a seguradora causou/provocou na sua (e do seu agregado familiar) esfera patrimonial. Perante o transcrito factualismo, a douta sentença, em recurso, efectua uma correcta interpretação da prova produzida e da sua aplicação ao direito. O Tribunal a quo faz uma correcta (e exemplar, dizemos em abono da douta sentença recorrida e do seu autor) interpretação da Lei e não ocorre qualquer violação legal. Parece, assim, não merecer a mínima censura, pois limitou-se a aplicar, correcta e exemplarmente, a lei vigente, ao factualismo, que resultou provado. Por todo o exposto deve a douta sentença recorrida - atento o seu rigor, sentido de Justiça e as qualidades técnico/jurídicas evidenciadas - ser mantida, assim, se fazendo sã e equilibrada Justiça.IISão os seguintes os factos julgados provados pelo Tribunal a quo: A) No dia 25 de Janeiro de 2008, pelas 8.50 h, na E.N. …, no …, do concelho de Valpaços, ocorreu um acidente de viação. B) Foi interveniente, nesse acidente, o veículo ligeiro de passageiros, marca Rover, com a matrícula ..-..-JZ, e tripulado pela sua filha D…. C) O veículo, conduzido pela mencionada D…, circulava, no dia e hora supra referidos, pela referida via, no sentido …-…. D) A mencionada D…, filha do A., com quem vive, era, de facto, ao tempo, quem, habitualmente, conduzia o veículo acidentado. E) É o A., quem tem efectuado, junto da Ré, o pagamento anual do prémio de seguro, de que é titular, sem que, alguma vez o facto ora alegado pela Ré tenha constituído impedimento para o recebimento do valor. F) A partir do dia 23 de Fevereiro de 2005 a R. celebrou com o A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ………., através do qual aquele na qualidade de dono e proprietário do veículo de matrícula ..-..-JZ, transferiu para a Companhia de Seguros C…, SA a responsabilidade civil emergente de danos próprios pela circulação daquele veículo. G) O veículo JZ foi adquirido pelo Autor. H) O acidente em causa objectivou-se num despiste, seguido do embate do referido veículo, primeiro contra uma árvore. I) Depois contra a estrutura metálica de uma estufa implantada num terreno, existentes no local. J) A via, com uma largura de, aproximadamente, 6 metros. K) Forma uma curva à esquerda. L) Com boa visibilidade. M) Seguida de uma outra, à direita, com visibilidade reduzida. N) Sendo, o eixo da mesma, delimitado por traço contínuo. O) Inexistem, no local do acidente, bermas a ladear a via. P) O piso encontrava-se molhado, em consequência do nevoeiro e das geadas nocturnas. Q) Chegada ao local, começou por “fazer” a curva à esquerda e iniciara, já, a curva à direita, atento o seu sentido de marcha, quando perdeu o controlo sobre o veículo. R) Ainda tentou guinar em sentido contrário, seja, para a esquerda; porém, o veículo não lhe obedeceu, acabando por perder completamente o controlo sobre o mesmo. S) Indo embater frontalmente, primeiro contra uma figueira, depois contra uma estrutura metálica que serve de suporte a uma estufa existente num prédio localizado à direita da referida curva. T) Acabando por ficar suspenso entre a árvore e a estrutura metálica, uma vez que o referido prédio se situa em cota bastante inferior relativamente à E.N. …, por onde circulava. U) À data da ocorrência do acidente danoso, o A., proprietário do veículo ..-..-JZ, havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através de contrato, a que se reporta a apólice nº ……….. V) O Autor adquiriu o veículo (e pagou), no ano de 2005, ainda aquela era estudante. X) Desde então, tem sido o Autor quem, habitualmente, tripulava o veículo. Z) É o A. quem, ao longo destes anos, tem efectuado e continua a efectuar, o pagamento de todas as despesas relacionadas com o veículo, designadamente, as provenientes de reparações e inspecções periódicas a que o mesmo está sujeito. AA) É, inclusivamente, o A. quem habitualmente custeia as despesas de combustível. BB) A identificada D… nunca pagou qualquer preço pela compra do carro. CC) Nunca assumiu perante a seguradora e/ou quaisquer terceiros que o JZ lhe pertencia. (resposta ao art.º 21.º da Base Instrutória) DD) O veículo, em questão, foi “posto” em nome da D…, na perspectiva de um emprego que esta iria conseguir e onde se exigia que a candidata tivesse viatura própria. EE) Foi com o objectivo de “preencher” este requisito que o A. acedeu a “fazer” os documentos à filha. FF) No dia seguinte ao da ocorrência do supra relatado acidente, o veículo foi transportado para a oficina de reparações “E…, Lda.,”. GG) O JZ sofreu danos em toda a sua extensão, designadamente, na frente e no tejadilho. HH) Cuja reparação ascende a 4.000 € (quatro mil euros). II) O ..-..-JZ passou a ser também habitualmente utilizado pela mencionada D…, sua filha, que com aquele habita. JJ) Esta última fazia o percurso diário entre o …, onde o agregado familiar reside, a Valpaços, onde actualmente trabalha. KK) O veículo em causa era, igualmente, utilizado pelos restantes membros do agregado familiar; sempre que o mesmo se encontrava “livre”, designadamente ao fim-de-semana, para se deslocarem em passeio. LL) Durante o período de tempo que decorreu entre a data do acidente danoso e a data em que o agregado familiar adquiriu um outro veículo em substituição do danificado (finais de Abril), as deslocações supra referidas tiveram de ser efectuadas, por meio, ou de transporte publico, ou táxi, ou ainda, recorrendo à ajuda de familiares e amigos, que os transportavam, ou cediam temporariamente o seu próprio veículo. MM) O Agregado familiar viu a sua rotina diária alterada, obrigando-os, não raras vezes, a incomodar amigos e familiares, para os transportar.IIINa consideração de que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir: - Da impugnação da matéria de facto - Da inexistência de seguro automóvel, válido e eficaz à data do sinistro, por força da alienação anterior do veículo por parte do titular da apólice. Da impugnação da matéria de facto Sobre a impugnação da matéria de facto suscitou a recorrida a seguinte questão prévia: Pretende esta que não estão observados os preceitos legais que regulam a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, previstos no artº 685º -B do CPC, nomeadamente, os que obrigam à indicação dos concretos pontos de facto que se considerem incorrectamente julgados, bem como, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. E, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Procedimento que, segundo a recorrida não foi igualmente respeitado. Tal objecção não procede, pois que a impugnação assenta em primeira análise na desconformidade do “facto” dado como provado - “propriedade” da viatura - fundamentada em prova documental, e, em segundo lugar, na ausência de prova testemunhal capaz de fundamentar um outro facto: a não entrega de dinheiro por parte da condutora actualmente titular do registo de propriedade automóvel. Assim, nenhum óbice existe ao conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por não se impor maior rigor na aplicação das sobreditas regras processuais. Passemos, assim, à reapreciação da matéria de facto. São os seguintes os pontos da base instrutória impugnados: - 15º (alínea U da factualidade dada como assente): “À data da ocorrência do acidente danoso, o A., proprietário do veículo ..-..-JZ, havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através do contrato, a que se reporta a apólice nº ……….”? Resposta dada: Provado. Resposta pretendida: Não provado. - 20º (alínea BB) da factualidade dada como assente): “A identificada D… nunca pagou qualquer preço pela compra do carro”?’ Resposta dada: Provado. Resposta pretendida: Não provado. Impõe-se desde já um reparo. A expressão “proprietário do veículo” utilizada no ponto 15º da base instrutória só pode ser interpretada como tendo uma conotação fáctica, ou seja, de interpretação corrente, equivalente a “dono”, sem se elevar a uma interpretação vinculativa, como é a sua qualificação jurídica de direito real de gozo, máximo ou pleno, como se extrai do artigo 1305º do Código Civil. De outro modo teríamos de dar sem efeito a expressão por não se poder fazer prova sobre matéria de direito. Vejamos o que a propósito desenvolveu o Ac. do STJ de 10-01-2007, P.06P4075, Relator: Santos Cabral in www.dgsi.pt, assim sumariado: «I - A distinção entre os conceitos de matéria de facto e de matéria de direito nem sempre é fácil. Não obstante, o eixo diferenciador já foi por diversas vezes apreciado em sede doutrinária e de forma convergente. II - Assim, o Prof. Paulo Cunha estabelece o seguinte critério geral de destrinça: há matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, há necessidade de recorrer a uma disposição legal – ainda que se trate de uma simples palavra da lei –, ou seja, quando a averiguação depende do entendimento a dar a normas legais, seja qual for a espécie destas; há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, por averiguação de factos cuja existência ou inexistência não depende de nenhuma norma jurídica, sem prejuízo de, nota, toda e qualquer averiguação de factos se realizar por meio de processos regulados e prescritos na lei. III - O Prof. Alberto dos Reis definia como «questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior»; e como «questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei». Dito por outras palavras: é questão de facto determinar o que aconteceu; é questão de direito determinar o que quer a lei, substantiva ou processual. (…)». Fundamentou o tribunal recorrido as respostas positivas a tais quesitos (15º e 20º) do seguinte modo: «No que concerne ao art. 15º, o Tribunal considerou que o mesmo se encontra provado documentalmente, designadamente pela apólice de fls. 22 e 59». No respeitante à prova do art. 20º importa reproduzir uma fundamentação mais abrangente. Assim: «O art. 16º ficou completamente esclarecido quer pelo depoimento da testemunha D… quer pelo da testemunha F… que afiançou que vendeu o Rover ao Autor. A testemunha G…, de igual sorte, explicou de forma convincente que o veículo em causa foi adquirido pelo Autor quando a D… ainda era estudante, tendo sido aquele que o pagou e sempre se portou como proprietário do mesmo. E nessa sequência, deu-se como provados os art.s 17º a 23º, porquanto quer a testemunha D… no que se refere ao art. 17º, quer as testemunhas G… no que se refere ao art. 17 e 22º a 23º quer, igualmente, a testemunha H… (este dono de uma oficina de automóveis) referiram que tem sido o Autor quem, habitualmente, tripulava o veículo. É o autor quem ao longo destes anos, tem efectuado e continua a efectuar, o pagamento de todas as despesas relacionadas com o veículo, designadamente as provenientes de reparações e inspecções periódicas a que o mesmo está sujeito. É, inclusivamente, o A. quem habitualmente custeia as despesas de combustível. A resposta ao artº 20º teve por base para além dos depoimentos descritos que asseguraram que Autor e filha simularam a realização de um negócio de compra e venda que nunca quiseram realizar, mas tão só dar a aparência de realizado para o trabalho que esta última ia começar a realizar numa empresa de vendas ao domicílio que lhe exigia o requisito de ter veículo próprio. Para além disso, constatamos do teor de fls. 84-85 que o negócio declarado apenas teve por base objectivo alteração do registo da titularidade do veículo para a testemunha D…, sendo que a propriedade de veículos automóveis e negócios de compra e venda será matéria de direito a cuidar na sentença». Passemos à nossa análise crítica. Está em causa saber quem é o proprietário da viatura à data do sinistro e, se se provou que a filha do Recorrido não pagou qualquer preço pela compra do carro. Da resposta ao primeiro facto derivará a resposta à questão de saber se à data o contrato de seguro celebrado com o Recorrido estava ou não, o mesmo, em vigor. Da resposta ao segundo não derivará qualquer consequência, como veremos. Retrocedamos então ao que acima dissemos. Só é possível reapreciar a matéria de facto à margem da aplicação da lei, aplicação que só a final faremos, na fase da subsunção jurídica. Resulta, claramente da prova documental, nomeadamente das informações obtidas junto da Conservatória de Registo Automóveis do Porto, junta a fls. 53, 75 e 93 que: À data da ocorrência do acidente danoso, ou seja, 25 de Janeiro de 2008, a propriedade do veículo Rover, matrícula ..-..-JZ encontrava-se registada a favor de D…, filha do Autor. Resulta igualmente da prova documental (cfr. fls. 76 e 77) que, em 12/09/2007 D… identificando-se como compradora e B… identificando-se como vendedor, preencheram e assinaram um requerimento – declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compra e venda), através do qual a 1ª declarou ser compradora e o 2º vendedor, da viatura Rover acima identificada. D… reconheceu em audiência ser sua a respectiva assinatura e, B…, nunca pôs em causa a assinatura que no mesmo documento lhe é atribuída. Contudo, apesar de ter aceite como sua tal assinatura, bem como as declarações por si e seu pai prestadas nesse requerimento, tentou desvirtuar o carácter sério das mesmas, através duma “justificação” para tal facto, a qual foi que, nunca quis ser realmente a dona da viatura, que só o fez combinada com seu pai, que sempre ficaria o proprietário, porquanto precisava de se candidatar a um emprego que exigia viatura própria, criando com isso a ideia de ser aquele um negócio fingido. É vulgar esse tipo de exigência num emprego que implica deslocação. Mas o que não se entende é que essa exigência vá ao ponto de pretender que “ter ou ser possuidor de viatura própria” queira significar “ser o titular inscrito” de tal viatura. Acaso, há explicação para recusar uma concessão de emprego a quem dispõe de viatura de um familiar, pai, irmão, marido, mulher, etc? Diremos nós que, em termos de normalidade, de regras da experiência, não deixa de ser estranho uma entidade patronal exigir que um candidato a trabalhador tenha de se apresentar com uma viatura do próprio, exigência afirmada pela testemunha G… “eles exigiam documentos de carro próprio” (não podendo usar a do pai, do irmão, etc), e cuja versão foi aceite pelo tribunal recorrido. Também mal se entende que afirmando a testemunha D… várias vezes que era estudante, tenha depois dito que o trabalho que arranjou foi de vendas “porta a porta”, no âmbito do qual o pai pôs o carro em seu nome e, na participação do acidente (cfr. fls. 49), que apenas foi junta pela parte contrária, se tenha identificado como “escriturária”. Nenhuma das testemunhas arroladas pelo Autor se mostrou isenta, comprometidas que estavam com uma versão combinada, nomeadamente de que a filha do Autor teve de pôr o carro em seu nome para arranjar um trabalho, o qual nas palavras da testemunha G…, vizinho do Autor, era afinal, de “vendas da PT”. Na verdade, o tribunal recorrido deu como provado que - “DD) O veículo, em questão, foi “posto” em nome da D…, na perspectiva de um emprego que esta iria conseguir e onde se exigia que a candidata tivesse viatura própria; EE) Foi com o objectivo de “preencher” este requisito que o A. acedeu a “fazer” os documentos à filha” - factos estes que não foram impugnados e que, como veremos, se conjugarão com os demais, pelo que nada obsta à sua manutenção. Prosseguindo. Estando documentalmente provada a existência do negócio, não se pode pretender ser proprietário para certos proveitos e para outros não. A “habilidade” não está em tentar iludir uma entidade patronal duma situação irreal, está antes em tentar iludir o tribunal da ausência de uma situação que desenvolve determinados efeitos legais. A prova documental dá-nos indicadores precisos de uma transmissão de propriedade da viatura. A prova testemunhal não se afigurou idónea a pôr em causa essa transmissão. Transmissão essa que, não olvidamos, tem particularidades próprias porque se desenrolou dentro do meio familiar, onde as contrapartidas não têm a mesma exigência de um negócio com terceiros, mas nem por isso, impedem a produção dos seus efeitos. Como se referiu na sentença sob recurso, nos termos do artº 1º nº 1 do Dec-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, «o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico». No caso, o elemento decisivo para apurar a transferência da propriedade não é o registo, mas o contrato de compra e venda que assinado por ambas as partes, o provocou. Temos pois que, a alegação do A. e o depoimento das testemunhas por si arroladas quanto às razões para a transferência de propriedade - necessidade de simular uma situação - e sua desvalorização enquanto situação real, não se mostram credíveis. Assim, à pergunta: Q. 15º - U) À data da ocorrência do acidente danoso, o A., proprietário do veículo ..-..-JZ, havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através do contrato, a que se reporta a apólice nº ……….”? Terá que ser dada a seguinte resposta: Provado que: “À data da ocorrência do sinistro o anterior proprietário do veículo ..-..-JZ havia transferido a responsabilidade por danos próprios (o vulgarmente designado “seguro contra todos os riscos”) do mesmo, em consequência da circulação estradal, para a Companhia de Seguros C…, S.A., através do contrato, a que se reporta a apólice nº ……….”. E, à pergunta: 20º - VV - “A identificada D… nunca pagou qualquer preço pela compra do carro”? Não vemos razões para alterar a resposta dada de – provado - pois que, é aceitável em termos de normalidade, num contexto de afectividade, a afirmação da testemunha D… que a transferência de propriedade tenha sido feita sem contrapartidas, tanto mais que, pelo menos até aí, ela era estudante. II - Da inexistência de seguro automóvel, válido e eficaz à data do sinistro, por força da alienação anterior do veículo por parte do titular da apólice. Passemos à segunda questão do recurso. Em face da factualidade apurada resulta, sem margem para dúvidas que se operou uma alienação do veículo "JZ" que o Recorrido havia garantido pela apólice identificada nos autos. A transmissão da propriedade a favor da filha D… por parte do Autor teve como consequência a alienação do "JZ", a qual ocorreu após a celebração do contrato de seguro em causa. E, foi após tal transmissão, que o sinistro se deu. Importa, para tanto ter presente o Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto que procedeu à transposição da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, (que altera as Directivas nºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE), relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel»), cujo Artigo 21.º dispõe: Alienação do veículo 1 — O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo. 2 — O titular da apólice avisa a empresa de seguros por escrito, no prazo de vinte e quatro horas, da alienação do veículo. 3 — Na falta de cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a empresa de seguros tem direito a uma indemnização de valor igual ao montante do prémio correspondente ao período de tempo que decorre entre o momento da alienação do veículo e o termo da anuidade do seguro em que esta se verifique, sem prejuízo de o contrato ter cessado os seus efeitos nos termos do disposto no n.º 1. 4 — O aviso referido no n.º 2 deve ser acompanhado do certificado provisório do seguro, do certificado de responsabilidade civil ou do aviso -recibo e do certificado internacional («carta verde»). Temos assim que, nos termos previstos no regime jurídico do seguro automóvel o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas da data da alienação. Ao considerar o contrato de seguro em causa como válido e em vigor à data do acidente, o Tribunal “a quo” errou, violando a referida norma. O contrato de seguro é, no direito comercial português, um contrato formal (artigo 426° do Código Comercial), carecendo de ser “reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice, de seguro”. O contrato de seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado) se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas (F. Guerra da Mota, “O Contrato de Seguro Terrestre”, 1º, p. 271). No caso cabe referir que se trata de um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel com abrangência de cobertura a danos próprios, vulgo contrato contra todos os riscos, o qual destina-se a garantir o ressarcimento de terceiros lesados e do próprio em consequência de acidentes de trânsito. Tal contrato é regulado pelo DL nº. 522/85, de 31 de Dezembro (diploma foi integralmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007) e tem natureza pessoal pois que, de harmonia com o disposto no artigo 1º deste mesmo diploma, o que se segura é a responsabilidade pessoal de todo aquele que possa ser chamado a responder pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões provocadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, e não o próprio veículo. Ora, é precisamente por ser um contrato celebrado intuitu personnae que, no artigo 13º do citado DL n.º 522/85, se estipula que “O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo”. Por sua vez, dispõe o artigo 14º do mesmo diploma que “(...) a seguradora pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”. Resulta assim que a cessação do seguro por alienação do veículo pode, quanto a acidente posterior à alienação, ser invocada contra o lesado pela seguradora. Ora, tendo o Autor transmitido a propriedade do veículo a sua filha D… em 12-09-2007, seja por venda, doação, etc., os efeitos do contrato de seguro pelo Autor celebrado cessaram em 13-09-2007. O contrato de seguro em causa é, assim, ineficaz em relação ao sinistro dos autos, ocorrido em 25 de Janeiro de 2008, não podendo a Ré ser responsabilizada ao abrigo do mesmo, pelos danos causados pelo acidente da responsabilidade da actual titular do registo de propriedade: D…. Concluindo: O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ainda que com cobertura a danos próprios, não se transmite em caso de alienação do veículo, podendo o tomador do seguro inicial, tão-só, utilizá-lo para segurar nova viatura. A transmissão da propriedade automóvel, registada e documentada em “contrato de compra e venda”, entre pai e filha, configura um acto de alienação, independentemente de terem ocorrido contrapartidas pecuniárias nessa transmissão.IVTermos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão proferida que deverá ser substituía por outra que absolva a Ré Companhia de Seguros C…, S.A., do pedido. Custas pelo Recorrido. Porto, 16 de Janeiro de 2012 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Rui António Correia Moura Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate