Processo:3678/05.5TJVNF-C.P1
Data do Acordão: 30/01/2012Relator: MARIA CECÍLIA AGANTETribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - Não temos no processo de inventário um concurso creditórito que tutele os interesses de todos os credores, protecção que o processo executivo já confere, ao menos quanto aos credores que beneficiem de garantia real sobre os imóveis penhorados, pois são citados para reclamarem os respectivos créditos. II - Não tendo havido aprovação do passivo, nada obsta a que os credores recorram aos processos normais de declaração e de execução para cobrança dos seus créditos, como parece decorrer da própria natureza do processo de inventário. III - Se o inventário está pendente e há homologação do passivo, cremos que, enquanto não estiver transitada a sentença homologatória da partilha, os direitos dos credores só podem exercitar-se nos moldes definidos no inventário.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores
INVENTÁRIO EXECUÇÃO AUTÓNOMA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
No do documento
Data do Acordão
01/31/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA.
Sumário
I - Não temos no processo de inventário um concurso creditórito que tutele os interesses de todos os credores, protecção que o processo executivo já confere, ao menos quanto aos credores que beneficiem de garantia real sobre os imóveis penhorados, pois são citados para reclamarem os respectivos créditos. II - Não tendo havido aprovação do passivo, nada obsta a que os credores recorram aos processos normais de declaração e de execução para cobrança dos seus créditos, como parece decorrer da própria natureza do processo de inventário. III - Se o inventário está pendente e há homologação do passivo, cremos que, enquanto não estiver transitada a sentença homologatória da partilha, os direitos dos credores só podem exercitar-se nos moldes definidos no inventário.
Decisão integral
Apelação 3678/05.5TJVNF-C.P1
Oposição à Execução 3678/05.5TJVNF-C, 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de 
Vila Nova de Famalicão
Relatora: Cecília Agante
Desembargadores Adjuntos: José Carvalho
                                               Rodrigues Pires

Acórdão

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, viúva, residente na Rua …, …, …, Vila Nova de Famalicão, deduziu oposição à execução que lhe foi movida por C…, residente na Rua …, …, …, Vila Nova de Famalicão, pedindo a extinção da execução e o levantamento da penhora. 
Alegou, em síntese, que o crédito exequendo era da responsabilidade do falecido D…, falecido em 14-07-2005, cuja herança foi partilhada no processo de inventário 156/06, que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão. Nesse inventário, o exequente reclamou o seu crédito e, na execução, penhorou todos os bens da herança, que respondem por todo o passivo e não apenas pelo passivo correspondente ao crédito do exequente. Sucede que o processo executivo não é o meio processual próprio para obter o pagamento da dívida da herança, a qual deverá ocorrer no inventário, que é um processo de execução universal sobre o património da herança.
Na sua contestação, opôs o exequente que não é obrigado a reclamar o seu crédito no inventário, podendo exigir o pagamento através dos meios comuns, ainda que haja sido citado para os termos do inventário. Por isso, efectuada a penhora, cabe-lhe o direito a ser pago com preferência a qualquer credor da herança que não goze de garantia real anterior. Os factos aduzidos pela oponente não quadram qualquer dos fundamentos legais da oposição de execução à sentença, pelo que a oposição deverá improceder.

Em despacho saneador-sentença foi declarada a improcedência da oposição à execução.
Inconformada, apelou a oponente assim concluindo a sua alegação:
1. É no processo de inventário que se reconhecem os direitos dos credores da herança.
2. É nele que se procede à venda dos bens da herança e pagamento aos credores.
3. Correndo termos o processo de inventário, não pode o credor lançar mão do processo executivo comum e obter a penhora e subsequente venda de bens.
4. Permitir que um credor recorra ao processo executivo comum é conferir-lhe um tratamento preferencial relativamente aos restantes credores.
5. O processo de inventário contém uma vertente executiva, facultando a venda dos bens relacionados para pagamento das dívidas da herança. 
6. Regime especial que derroga o regime geral consagrado para o processo executivo.
7. A sentença viola o disposto nos artigos 863º-A, 1326º, 1, 1340º, 2, b), 1345º, 1, 1348º, 1, 1354º e 1357º do Código de Processo Civil. Deve ser revogado o saneador-sentença e, declarando-se extinta a execução, ordenado o levantamento da penhora.

Em resposta, contrapôs, em súmula, o exequente:
1. O credor da herança não é obrigado a reclamar o seu crédito no inventário, sendo a reclamação meramente facultativa.
2. O crédito encontra-se reconhecido por sentença transitada em julgado e, no inventário, os herdeiros sempre poderiam negar a sua aprovação.
3. Com a penhora não beneficia de qualquer privilégio obtido à custa dos demais credores da herança, mas de uma preferência concedida por lei.
5. Estando em causa sentença transitada em julgado, o fundamento aduzido para a oposição não enquadra qualquer dos fundamentos previstos pelo artigo 814º, 1, do Código de Processo Civil.
6. Deve, pois, manter-se a sentença impugnada.

II. Delimitação do objecto do recurso
Como são as conclusões da alegação do recorrente que circunscrevem o âmbito do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (artigos 684º e 685º-A do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto), importa apreciar se o exequente pode obter a cobrança do seu crédito sobre a herança através do processo executivo na pendência de inventário para o qual foi citado como credor.

III. Iter processual relevante para a apreciação da questão de mérito
1.O crédito exequendo está reconhecido por sentença transitada em julgado, proferida na acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, n.º 3678/05.5TJVNF, instaurada contra D…, falecido em 14-07-2005.
2. Na execução, distribuída em 8-04-2010, os executados são demandados na qualidade de únicos e universais herdeiros daquele D….
3. Para partilha da herança aberta por óbito daquele D… corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Noiva de Famalicão o inventário n.º 156/06.9TJVNF, o qual foi distribuído em 12-01-2006.
4. Nas declarações de cabeça-de-casal, prestadas em 16-02-2006, foi declarada a existência de dívidas da herança.
5. Na relação de bens está relacionado, sob a verba n.º 37, um crédito de C…, reclamado na acção n.º 3678/05.5TJVNF, em que é peticionado o pagamento da quantia de 79.095,00 euros.
6. O exequente foi citado nesse inventário.
7. Em 22-02-2007, o exequente veio reclamar da relação de bens, requerendo o seu adicionamento com o direito e acção à herança ilíquida aberta por óbito do pai do inventariado e de metade indivisa do prédio rústico denominado “E…”, sito no …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na CRP sob o n.º 871 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 475º.
8. Os bens penhorados na execução correspondem aos imóveis relacionados no inventário e foram arrestados pelo exequente. 
9. Na conferência de interessados, que teve lugar em 6 de Julho de 2010, estando o exequente nela representado pelo seu ilustre mandatário, os interessados requereram a suspensão da conferência de interessados por período nunca inferior a seis meses, por estarem pendentes contra o inventariado diversas acções que se mostram prejudiciais para a apreciação do passivo. Requerimento que foi deferido com suspensão da conferência sine die.

IV. O direito
O artigo 1341º, 1, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “citação dos interessados”, alude à citação das pessoas com interesse directo na partilha, referindo expressamente os credores da herança, os quais terão de ser citados para deduzirem os seus direitos contra a herança, embora a sua intervenção no inventário seja limitada ao crédito a que têm direito e que pretendem ver satisfeito ou aprovado. É que as dívidas do falecido são pagas pela herança, como universalidade (artigos 2068º e 2069º do Código Civil). E no caso de herança indivisa, como na situação vertente (encontra-se pendente o inventário), os bens da herança respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (artigo 2097º do Código Civil). Assim, como a herança constitui um património autónomo directamente responsável, os herdeiros intervêm somente como co-titulares desse património (artigo 2091º, 1, do Código Civil). 
A liquidação da herança pode fazer-se, como neste caso, em processo de inventário, situação em que o cabeça-de-casal deve identificar, nas suas declarações iniciais, os credores da herança com indicação das respectivas residências, a fim de serem citados para intervir nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus créditos (artigos 1327º, 3, e 1340º, 2, c), do Código de Processo Civil). Por seu turno, porque incumbe ao cabeça-de-casal a relacionação do passivo da herança, ele relacionará esses créditos (artigo 1345º, 2, CPC). Aceita-se, no entanto, que o credor apresente a respectiva reclamação, apesar de a sua citação derivar, em princípio, do cabeça-de-casal ter procedido à relacionação da dívida, procedimento que facultará a sua impugnação quer pelos credores visados quer pelos demais interessados. 
É à conferência de interessados que cabe a aprovação do passivo e a forma do seu pagamento (artigo 1353º, 3, do Código de Processo Civil). Tratando-se de dívidas vencidas e aprovadas por unanimidade, o credor pode exigir o seu pagamento imediato. Não havendo dinheiro na herança suficiente para o pagamento, procede-se à venda dos bens que, por acordo, forem indicados pelos herdeiros ou, não o havendo, segundo indicação do juiz. Se o credor quiser receber em pagamento esses bens, os mesmos ser-lhe-ão adjudicados pelo preço ajustado (artigos 1354º e 1355º do Código de Processo Civil). Vale por dizer que as dívidas são sujeitas à deliberação da conferência de interessados e, aprovadas por todos os interessados, consideram-se judicialmente reconhecidas e a sentença homologatória da partilha condenará no seu pagamento (artigo 1354º, 1, CPC). Se os interessados forem contrários à verificação da dívida, caberá ao juiz o reconhecimento da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança face aos documentos apresentados (artigo 1355º CPC). 
No âmbito de normas processuais de idêntico conteúdo, defendia-se que, reconhecida a existência da dívida e não tendo o credor pedido o seu pagamento no inventário, ficava-lhe assegurado o recurso ao processo executivo para obter a sua cobrança coerciva[1]. No fundo, distinguia-se a deliberação sobre aprovação do passivo e a deliberação sobre a forma de pagamento do passivo aprovado, mas, em função da previsão legal, que se mantém, no tocante às dívidas vencidas e aprovadas por todos os interessados, se o credor o exigir, elas têm de ser pagas imediatamente (artigo 1357º, 1, do Código de Processo Civil). Esta exigência do credor terá de ser formulada o mais tardar no acto da conferência deliberativa da aprovação unânime, uma vez que a observância do formalismo inerente ao pagamento influi no andamento e ritologia do próprio inventário e não se compadece com outro procedimento[2]. Pedindo o credor o pagamento, ele será feito em dinheiro, caso o haja na herança, ou por outra forma que os interessados e credor acordem, ou pela venda de bens (artigo 1357º, 2, do Código de Processo Civil). Procedimento que igualmente se aplica às dívidas cuja existência seja reconhecida pelo juiz se o respectivo despacho transitar em julgado antes da organização do mapa da partilha (artigo 1357º, 4, do Código de Processo Civil). 
Dos elementos recolhidos no processo de inventário, vemos que não foi aprovado o passivo, antes tendo os interessados optado pela suspensão da conferência de interessados, por prejudicialidade das acções em que os diversos credores pedem o reconhecimento dos seus créditos, o que foi deferido sine die (em 6-07-2010). É certo ter o exequente accionado o direito à satisfação coerciva do seu crédito em 8-04-2010, ou seja, ainda antes do despacho de suspensão da conferência de interessados sine die, mas a verdade é que o seu crédito não estava ali aprovado e, por isso, não estava o exequente limitado no amplo exercício do seu direito à coactiva realização do seu crédito através dos bens da herança. O exequente chegou a reclamar no inventário da omissão da relação de bens, apontando-lhe a falta de relacionação de bens, tudo no âmbito dos poderes que são conferidos a qualquer credor da herança de reclamar da omissão da relação de bens ou do crédito de que é titular, servindo-se até do incidente de reclamação contra a omissão ou o excesso de bens. Contudo, o activo posicionamento assumido no inventário, porque não deu lugar ao reconhecimento e aprovação do seu crédito, não lhe coarcta a faculdade de exigir a sua realização coerciva através dos meios comuns. Aliás, no fundo, foi essa a opção que tomaram credores e interessados, ao deliberarem a suspensão da instância até definição dos direitos dos credores através das acções judiciais em curso.
O inventário não é um processo organizado em benefício dos credores, mas dos herdeiros, com vista à repartição da herança, embora quando haja aquiescência de todos, os bens possam ser adjudicados ao credor pelo preço que for ajustado (artigo 1357º, 3, CPC). Se for deliberada a venda de todos os bens da herança parecerá justificado que todos os credores devam ser pagos no inventário. Se só parte for vendida não haverá justificação para chamar todos os credores que não tenham intervindo no inventário. Não temos no processo de inventário um concurso creditórito que tutele os interesses de todos os credores, protecção que o processo executivo já confere, ao menos quanto aos credores que beneficiem de garantia real sobre os imóveis penhorados, pois são citados para reclamarem os respectivos créditos.
Após aprovação do passivo no inventário, mesmo que o pagamento imediato não seja pedido, os interessados podem deliberar o pagamento através do dinheiro da herança ou da venda de certos e determinados bens, tal como podem deliberar que o passivo se reparta por todos os herdeiros na proporção do activo que cada um receba, sem prejuízo de o credor poder fazer-se pagar pelos bens que tenham sido entregues a qualquer outro interessado caso não tenha sido integralmente pago nos moldes acordados. Porém, não tendo havido aprovação do passivo, nada obsta a que os credores recorram aos processos normais de declaração e de execução para cobrança dos seus créditos, como parece decorrer da própria natureza do processo de inventário. Donde não resulte qualquer prejuízo para os herdeiros, ainda que a herança já esteja partilhada, uma vez que, na execução movida contra o herdeiro, só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança (artigo 827º, 1, do Código de Processo Civil). E se algum bem dos herdeiros for atingido pela penhora, podem eles opor-se à penhora e requerer o seu levantamento com fundamento no facto de os bens penhorados não integrarem o património hereditário. É a herança que responde pelo pagamento das dívidas do de cujus (artigo 2068º do Código Civil) e, por isso, 
os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (artigo 2097º do Código Civil)[3]. E feita a partilha, o herdeiro só é responsável segundo as forças da herança, ou seja, só responde pelas dívidas da herança na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (artigo 2071º do Código Civil). Portanto, são cindíveis o património pessoal do herdeiro e o património da herança e só este é responsável pelo pagamento das dívidas desta. A responsabilidade do herdeiro é limitada à medida do que recebeu da herança, salvo se pretender solver os encargos da herança com o seu património pessoal. 
Sopesados estes princípios, é patente a protecção da herança e dos herdeiros perante qualquer eventual reclamação de créditos por parte dos credores, não se nos afigurando que o credor esteja impedido de recorrer aos meios comuns para solver o seu crédito sobre a herança. O credor não é obrigado a aguardar que a partilha se processe na adequada forma para, no processo, ir reclamar o seu crédito e se a partilha não estiver efectuada, ele pode exigi-lo de todos os herdeiros, desde que a todos demande, pois se a herança não se encontra partilhada, são eles que representam a herança (artigo 2091º do Código Civil). Se o inventário está pendente e há homologação do passivo, cremos que, enquanto não estiver transitada a sentença homologatória da partilha, os direitos dos credores só podem exercitar-se nos moldes definidos no inventário[4]. Inexistindo homologação do passivo, designadamente por a conferência de interessados estar suspensa até decisão das acções pendentes em que se discutem os direitos dos diversos credores, como no caso, não vislumbramos qualquer obstáculo processual a que o credor use dos procedimentos comuns para recuperar o seu crédito. Não releva o argumento da apelante no sentido de que há prejuízo para os demais credores na medida em que, como antecipámos, os que beneficiarem de garantia real sobre os imóveis penhorados poderão reclamar os seus créditos na execução pendente e sujeitar-se ao concurso de credores. E pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora é posterior, por forma a facultar o concurso de credores naquela em que a penhora é mais antiga (artigo 871º do Código de Processo Civil). O benefício conferido ao exequente deriva do privilégio que a lei confere à penhora, em função da qual o exequente tem direito a ser pago com preferência a qualquer credor da herança que não tenha garantia real anterior, anterioridade que, no caso, se reporta à data do arresto dos imóveis (artigo 822º do Código Civil).
Razões que nos levam a não dirigir qualquer censura à decisão apelada.
Formulamos, pois, as seguintes conclusões:
1. Não obstante estar pendente processo de inventário e nele estar relacionado o crédito do exequente, como os interessados optaram pela suspensão da conferência de interessados, por prejudicialidade das acções em que os diversos credores pedem o reconhecimento dos seus créditos, com subsequente despacho de suspensão da conferência sine die, o exequente, cujo crédito está reconhecido por sentença transitada em julgado, não está impedido de obter a sua satisfação coerciva através do processo executivo. 
2. Solução que não comporta qualquer prejuízo para os demais credores que, se beneficiarem de garantia real sobre os imóveis penhorados, poderão reclamar os seus créditos na execução e integrar o concurso de credores.
3. O inventário não é um processo organizado em benefício dos credores, mas dos herdeiros, com vista à repartição da herança, embora nele possa ser aprovado e pago o passivo.

V. Decisão
Na defluência do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante (artigo 446º, 1, do Código de Processo Civil; artigo 6º, 2, e Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais).*Porto, 31 de Janeiro de 2012
Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas
José Bernardino de Carvalho 
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
________________
[1] Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, II, 1980, pág. 141.
[2] Lopes Cardoso, ibidem, pág. 144.
[3] Capelo de Sousa, “Lições de Direito das Sucessões”, II, 1980/1982, pág. 114.
[4] Lopes Cardoso, ibidem, págs. 113 e 114.

Apelação 3678/05.5TJVNF-C.P1 Oposição à Execução 3678/05.5TJVNF-C, 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão Relatora: Cecília Agante Desembargadores Adjuntos: José Carvalho Rodrigues Pires Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, viúva, residente na Rua …, …, …, Vila Nova de Famalicão, deduziu oposição à execução que lhe foi movida por C…, residente na Rua …, …, …, Vila Nova de Famalicão, pedindo a extinção da execução e o levantamento da penhora. Alegou, em síntese, que o crédito exequendo era da responsabilidade do falecido D…, falecido em 14-07-2005, cuja herança foi partilhada no processo de inventário 156/06, que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão. Nesse inventário, o exequente reclamou o seu crédito e, na execução, penhorou todos os bens da herança, que respondem por todo o passivo e não apenas pelo passivo correspondente ao crédito do exequente. Sucede que o processo executivo não é o meio processual próprio para obter o pagamento da dívida da herança, a qual deverá ocorrer no inventário, que é um processo de execução universal sobre o património da herança. Na sua contestação, opôs o exequente que não é obrigado a reclamar o seu crédito no inventário, podendo exigir o pagamento através dos meios comuns, ainda que haja sido citado para os termos do inventário. Por isso, efectuada a penhora, cabe-lhe o direito a ser pago com preferência a qualquer credor da herança que não goze de garantia real anterior. Os factos aduzidos pela oponente não quadram qualquer dos fundamentos legais da oposição de execução à sentença, pelo que a oposição deverá improceder. Em despacho saneador-sentença foi declarada a improcedência da oposição à execução. Inconformada, apelou a oponente assim concluindo a sua alegação: 1. É no processo de inventário que se reconhecem os direitos dos credores da herança. 2. É nele que se procede à venda dos bens da herança e pagamento aos credores. 3. Correndo termos o processo de inventário, não pode o credor lançar mão do processo executivo comum e obter a penhora e subsequente venda de bens. 4. Permitir que um credor recorra ao processo executivo comum é conferir-lhe um tratamento preferencial relativamente aos restantes credores. 5. O processo de inventário contém uma vertente executiva, facultando a venda dos bens relacionados para pagamento das dívidas da herança. 6. Regime especial que derroga o regime geral consagrado para o processo executivo. 7. A sentença viola o disposto nos artigos 863º-A, 1326º, 1, 1340º, 2, b), 1345º, 1, 1348º, 1, 1354º e 1357º do Código de Processo Civil. Deve ser revogado o saneador-sentença e, declarando-se extinta a execução, ordenado o levantamento da penhora. Em resposta, contrapôs, em súmula, o exequente: 1. O credor da herança não é obrigado a reclamar o seu crédito no inventário, sendo a reclamação meramente facultativa. 2. O crédito encontra-se reconhecido por sentença transitada em julgado e, no inventário, os herdeiros sempre poderiam negar a sua aprovação. 3. Com a penhora não beneficia de qualquer privilégio obtido à custa dos demais credores da herança, mas de uma preferência concedida por lei. 5. Estando em causa sentença transitada em julgado, o fundamento aduzido para a oposição não enquadra qualquer dos fundamentos previstos pelo artigo 814º, 1, do Código de Processo Civil. 6. Deve, pois, manter-se a sentença impugnada. II. Delimitação do objecto do recurso Como são as conclusões da alegação do recorrente que circunscrevem o âmbito do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (artigos 684º e 685º-A do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto), importa apreciar se o exequente pode obter a cobrança do seu crédito sobre a herança através do processo executivo na pendência de inventário para o qual foi citado como credor. III. Iter processual relevante para a apreciação da questão de mérito 1.O crédito exequendo está reconhecido por sentença transitada em julgado, proferida na acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, n.º 3678/05.5TJVNF, instaurada contra D…, falecido em 14-07-2005. 2. Na execução, distribuída em 8-04-2010, os executados são demandados na qualidade de únicos e universais herdeiros daquele D…. 3. Para partilha da herança aberta por óbito daquele D… corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Noiva de Famalicão o inventário n.º 156/06.9TJVNF, o qual foi distribuído em 12-01-2006. 4. Nas declarações de cabeça-de-casal, prestadas em 16-02-2006, foi declarada a existência de dívidas da herança. 5. Na relação de bens está relacionado, sob a verba n.º 37, um crédito de C…, reclamado na acção n.º 3678/05.5TJVNF, em que é peticionado o pagamento da quantia de 79.095,00 euros. 6. O exequente foi citado nesse inventário. 7. Em 22-02-2007, o exequente veio reclamar da relação de bens, requerendo o seu adicionamento com o direito e acção à herança ilíquida aberta por óbito do pai do inventariado e de metade indivisa do prédio rústico denominado “E…”, sito no …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na CRP sob o n.º 871 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 475º. 8. Os bens penhorados na execução correspondem aos imóveis relacionados no inventário e foram arrestados pelo exequente. 9. Na conferência de interessados, que teve lugar em 6 de Julho de 2010, estando o exequente nela representado pelo seu ilustre mandatário, os interessados requereram a suspensão da conferência de interessados por período nunca inferior a seis meses, por estarem pendentes contra o inventariado diversas acções que se mostram prejudiciais para a apreciação do passivo. Requerimento que foi deferido com suspensão da conferência sine die. IV. O direito O artigo 1341º, 1, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “citação dos interessados”, alude à citação das pessoas com interesse directo na partilha, referindo expressamente os credores da herança, os quais terão de ser citados para deduzirem os seus direitos contra a herança, embora a sua intervenção no inventário seja limitada ao crédito a que têm direito e que pretendem ver satisfeito ou aprovado. É que as dívidas do falecido são pagas pela herança, como universalidade (artigos 2068º e 2069º do Código Civil). E no caso de herança indivisa, como na situação vertente (encontra-se pendente o inventário), os bens da herança respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (artigo 2097º do Código Civil). Assim, como a herança constitui um património autónomo directamente responsável, os herdeiros intervêm somente como co-titulares desse património (artigo 2091º, 1, do Código Civil). A liquidação da herança pode fazer-se, como neste caso, em processo de inventário, situação em que o cabeça-de-casal deve identificar, nas suas declarações iniciais, os credores da herança com indicação das respectivas residências, a fim de serem citados para intervir nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus créditos (artigos 1327º, 3, e 1340º, 2, c), do Código de Processo Civil). Por seu turno, porque incumbe ao cabeça-de-casal a relacionação do passivo da herança, ele relacionará esses créditos (artigo 1345º, 2, CPC). Aceita-se, no entanto, que o credor apresente a respectiva reclamação, apesar de a sua citação derivar, em princípio, do cabeça-de-casal ter procedido à relacionação da dívida, procedimento que facultará a sua impugnação quer pelos credores visados quer pelos demais interessados. É à conferência de interessados que cabe a aprovação do passivo e a forma do seu pagamento (artigo 1353º, 3, do Código de Processo Civil). Tratando-se de dívidas vencidas e aprovadas por unanimidade, o credor pode exigir o seu pagamento imediato. Não havendo dinheiro na herança suficiente para o pagamento, procede-se à venda dos bens que, por acordo, forem indicados pelos herdeiros ou, não o havendo, segundo indicação do juiz. Se o credor quiser receber em pagamento esses bens, os mesmos ser-lhe-ão adjudicados pelo preço ajustado (artigos 1354º e 1355º do Código de Processo Civil). Vale por dizer que as dívidas são sujeitas à deliberação da conferência de interessados e, aprovadas por todos os interessados, consideram-se judicialmente reconhecidas e a sentença homologatória da partilha condenará no seu pagamento (artigo 1354º, 1, CPC). Se os interessados forem contrários à verificação da dívida, caberá ao juiz o reconhecimento da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança face aos documentos apresentados (artigo 1355º CPC). No âmbito de normas processuais de idêntico conteúdo, defendia-se que, reconhecida a existência da dívida e não tendo o credor pedido o seu pagamento no inventário, ficava-lhe assegurado o recurso ao processo executivo para obter a sua cobrança coerciva[1]. No fundo, distinguia-se a deliberação sobre aprovação do passivo e a deliberação sobre a forma de pagamento do passivo aprovado, mas, em função da previsão legal, que se mantém, no tocante às dívidas vencidas e aprovadas por todos os interessados, se o credor o exigir, elas têm de ser pagas imediatamente (artigo 1357º, 1, do Código de Processo Civil). Esta exigência do credor terá de ser formulada o mais tardar no acto da conferência deliberativa da aprovação unânime, uma vez que a observância do formalismo inerente ao pagamento influi no andamento e ritologia do próprio inventário e não se compadece com outro procedimento[2]. Pedindo o credor o pagamento, ele será feito em dinheiro, caso o haja na herança, ou por outra forma que os interessados e credor acordem, ou pela venda de bens (artigo 1357º, 2, do Código de Processo Civil). Procedimento que igualmente se aplica às dívidas cuja existência seja reconhecida pelo juiz se o respectivo despacho transitar em julgado antes da organização do mapa da partilha (artigo 1357º, 4, do Código de Processo Civil). Dos elementos recolhidos no processo de inventário, vemos que não foi aprovado o passivo, antes tendo os interessados optado pela suspensão da conferência de interessados, por prejudicialidade das acções em que os diversos credores pedem o reconhecimento dos seus créditos, o que foi deferido sine die (em 6-07-2010). É certo ter o exequente accionado o direito à satisfação coerciva do seu crédito em 8-04-2010, ou seja, ainda antes do despacho de suspensão da conferência de interessados sine die, mas a verdade é que o seu crédito não estava ali aprovado e, por isso, não estava o exequente limitado no amplo exercício do seu direito à coactiva realização do seu crédito através dos bens da herança. O exequente chegou a reclamar no inventário da omissão da relação de bens, apontando-lhe a falta de relacionação de bens, tudo no âmbito dos poderes que são conferidos a qualquer credor da herança de reclamar da omissão da relação de bens ou do crédito de que é titular, servindo-se até do incidente de reclamação contra a omissão ou o excesso de bens. Contudo, o activo posicionamento assumido no inventário, porque não deu lugar ao reconhecimento e aprovação do seu crédito, não lhe coarcta a faculdade de exigir a sua realização coerciva através dos meios comuns. Aliás, no fundo, foi essa a opção que tomaram credores e interessados, ao deliberarem a suspensão da instância até definição dos direitos dos credores através das acções judiciais em curso. O inventário não é um processo organizado em benefício dos credores, mas dos herdeiros, com vista à repartição da herança, embora quando haja aquiescência de todos, os bens possam ser adjudicados ao credor pelo preço que for ajustado (artigo 1357º, 3, CPC). Se for deliberada a venda de todos os bens da herança parecerá justificado que todos os credores devam ser pagos no inventário. Se só parte for vendida não haverá justificação para chamar todos os credores que não tenham intervindo no inventário. Não temos no processo de inventário um concurso creditórito que tutele os interesses de todos os credores, protecção que o processo executivo já confere, ao menos quanto aos credores que beneficiem de garantia real sobre os imóveis penhorados, pois são citados para reclamarem os respectivos créditos. Após aprovação do passivo no inventário, mesmo que o pagamento imediato não seja pedido, os interessados podem deliberar o pagamento através do dinheiro da herança ou da venda de certos e determinados bens, tal como podem deliberar que o passivo se reparta por todos os herdeiros na proporção do activo que cada um receba, sem prejuízo de o credor poder fazer-se pagar pelos bens que tenham sido entregues a qualquer outro interessado caso não tenha sido integralmente pago nos moldes acordados. Porém, não tendo havido aprovação do passivo, nada obsta a que os credores recorram aos processos normais de declaração e de execução para cobrança dos seus créditos, como parece decorrer da própria natureza do processo de inventário. Donde não resulte qualquer prejuízo para os herdeiros, ainda que a herança já esteja partilhada, uma vez que, na execução movida contra o herdeiro, só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança (artigo 827º, 1, do Código de Processo Civil). E se algum bem dos herdeiros for atingido pela penhora, podem eles opor-se à penhora e requerer o seu levantamento com fundamento no facto de os bens penhorados não integrarem o património hereditário. É a herança que responde pelo pagamento das dívidas do de cujus (artigo 2068º do Código Civil) e, por isso, os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (artigo 2097º do Código Civil)[3]. E feita a partilha, o herdeiro só é responsável segundo as forças da herança, ou seja, só responde pelas dívidas da herança na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (artigo 2071º do Código Civil). Portanto, são cindíveis o património pessoal do herdeiro e o património da herança e só este é responsável pelo pagamento das dívidas desta. A responsabilidade do herdeiro é limitada à medida do que recebeu da herança, salvo se pretender solver os encargos da herança com o seu património pessoal. Sopesados estes princípios, é patente a protecção da herança e dos herdeiros perante qualquer eventual reclamação de créditos por parte dos credores, não se nos afigurando que o credor esteja impedido de recorrer aos meios comuns para solver o seu crédito sobre a herança. O credor não é obrigado a aguardar que a partilha se processe na adequada forma para, no processo, ir reclamar o seu crédito e se a partilha não estiver efectuada, ele pode exigi-lo de todos os herdeiros, desde que a todos demande, pois se a herança não se encontra partilhada, são eles que representam a herança (artigo 2091º do Código Civil). Se o inventário está pendente e há homologação do passivo, cremos que, enquanto não estiver transitada a sentença homologatória da partilha, os direitos dos credores só podem exercitar-se nos moldes definidos no inventário[4]. Inexistindo homologação do passivo, designadamente por a conferência de interessados estar suspensa até decisão das acções pendentes em que se discutem os direitos dos diversos credores, como no caso, não vislumbramos qualquer obstáculo processual a que o credor use dos procedimentos comuns para recuperar o seu crédito. Não releva o argumento da apelante no sentido de que há prejuízo para os demais credores na medida em que, como antecipámos, os que beneficiarem de garantia real sobre os imóveis penhorados poderão reclamar os seus créditos na execução pendente e sujeitar-se ao concurso de credores. E pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora é posterior, por forma a facultar o concurso de credores naquela em que a penhora é mais antiga (artigo 871º do Código de Processo Civil). O benefício conferido ao exequente deriva do privilégio que a lei confere à penhora, em função da qual o exequente tem direito a ser pago com preferência a qualquer credor da herança que não tenha garantia real anterior, anterioridade que, no caso, se reporta à data do arresto dos imóveis (artigo 822º do Código Civil). Razões que nos levam a não dirigir qualquer censura à decisão apelada. Formulamos, pois, as seguintes conclusões: 1. Não obstante estar pendente processo de inventário e nele estar relacionado o crédito do exequente, como os interessados optaram pela suspensão da conferência de interessados, por prejudicialidade das acções em que os diversos credores pedem o reconhecimento dos seus créditos, com subsequente despacho de suspensão da conferência sine die, o exequente, cujo crédito está reconhecido por sentença transitada em julgado, não está impedido de obter a sua satisfação coerciva através do processo executivo. 2. Solução que não comporta qualquer prejuízo para os demais credores que, se beneficiarem de garantia real sobre os imóveis penhorados, poderão reclamar os seus créditos na execução e integrar o concurso de credores. 3. O inventário não é um processo organizado em benefício dos credores, mas dos herdeiros, com vista à repartição da herança, embora nele possa ser aprovado e pago o passivo. V. Decisão Na defluência do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. Custas pela apelante (artigo 446º, 1, do Código de Processo Civil; artigo 6º, 2, e Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais).*Porto, 31 de Janeiro de 2012 Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas José Bernardino de Carvalho Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires ________________ [1] Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, II, 1980, pág. 141. [2] Lopes Cardoso, ibidem, pág. 144. [3] Capelo de Sousa, “Lições de Direito das Sucessões”, II, 1980/1982, pág. 114. [4] Lopes Cardoso, ibidem, págs. 113 e 114.