I - Deve considerar-se instrumento do crime de tráfico de droga o veículo automóvel usado pelo agente nas suas deslocações nesse âmbito, sendo a sua mobilidade condição indispensável ao desenvolvimento de tal actividade. II - Se o veículo pertence a um terceiro, este só pode fazer valer os seus direitos sobre ele por meio do incidente previsto no art. 36º-A do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Recurso nº 29/08.0GFMTS.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,I.1. Por Acórdão, proferido, em 2011/06/15, no processo n.º 29/08.0GFMTS, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, decidiu-se, na parte que releva para a presente decisão, condenar os arguidos a seguir indicados, todos com os demais sinais dos autos, pela autoria dos crimes e nas penas que, correspondentemente a cada um deles, adiante vão referidos: – B… (B1…), pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de: a) Um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (DL 15/93), na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, cuja execução se decidiu suspender pelo mesmo período, com regime de prova, e subordinando-se a suspensão da execução da pena à condição de o arguido, no período da suspensão, se sujeitar a acompanhamento médico adequado à sua abstinência do consumo de produtos estupefacientes; b) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (L 5/2006), na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 06 de Maio (L 17/2009), na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa; c) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pela alínea d) do n.º 1 do artigo 86.º da L 5/2006, na redacção dada pela L 17/2009, na pena de 100 (cem) dias de multa; Em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e c), na pena única de multa de 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros); – C… (C1…), pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão; – D… (D1…), pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do DL 15/93, na pena de 6 (seis) anos de prisão; – E… (E1…), pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do DL 15/93, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão. 2. Foi ainda decidido, no referido acórdão, declarar perdido a favor do Estado, com base no disposto no nº 1 do artigo 35.º do DL 15/93, entre outros itens agora sem interesse, o veículo automóvel da marca BMW, de cor preta, com a matrícula ..-..-PR (apreendido ao arguido B1…). 2. Inconformados com esta decisão dela recorreram: 2.1. Os arguidos C1…, D1… e E1…; e 2.2. F… (F1…), devidamente identificada nos autos, mãe do arguido B1…, arrogando-se a qualidade de proprietária do veículo ..-..-PR. 3. Remataram as motivações dos recursos que apresentaram, com a formulação das seguintes conclusões: 3.1. O C1…: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Terminou a requer a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que aplique uma pena “menor”, suspensa na sua execução. 3.2. O D1…: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Terminou a requerer a revogação da decisão recorrida e a substituição da mesma por outra que aplique ao recorrente uma pena de cinco anos [de prisão], suspensa na sua execução. 3.4. A F1…: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… 4. Notificado dos recursos, o Ministério Público (MP) apresentou resposta aos mesmos no sentido: – De serem rejeitados os recursos interpostos pelos arguidos C1… e E1…, por manifesta improcedência nos termos do art.º 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, dado que nem sequer se diz quais são as normas violadas. Não se entendendo assim, de ser dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 417.º do CPP e de ser negado provimento aos recursos. – De ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido D1…; – De ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente F1…; 5. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto (PGA) juntou aos autos parecer em que se pronunciou por: – Deverem ser rejeitados os recursos dos recorrentes C1… e E1…; – Dever ser negado provimento aos recursos dos recorrentes D1… e F1…. 5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), os recorrentes não responderam. 6. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento dos recurso e tendo sido requerida a realização de audiência pelo arguido D1…, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à audiência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.II.1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, as questões postas no recurso são as seguintes: 1.1. Recorrente C1…: – Da medida da pena; – Da suspensão da execução da pena; 1.2. Recorrente D1…: – Da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto; – Da existência das nulidades previstas nos art.os 379.º, n.º 1, als. a) e b), do CPP; – Da medida da pena; – Da suspensão da pena; 1.3. Recorrente E1…: – Da medida da pena; – Da suspensão da execução da pena; 1.4. Recorrente F1…: – Da ilegalidade da declaração de perdimento do veículo automóvel ..-..-PR, por violação do disposto nos art.os 36.º-A do D.L 15/93 e 111.º do C.P. 2. É a seguinte a fundamentação de facto do acórdão recorrido, na parte que interessa à presente decisão [1]: ……………………………………… ……………………………………… ………………………………………***3. Previamente às questões suscitadas pelos recorrentes, há que resolver a que o MP colocou, ao propugnar a rejeição dos recursos dos recorrentes C1… e E1…: Não se verifica, em nossa opinião, a manifesta improcedência dos recursos interposto pelos recorrentes C1… e E1…, porquanto ambos levantam validamente as questões infra enunciadas. Também não é caso de convite ao aperfeiçoamento das conclusões dos recursos nos termos do disposto no art.º 417.º, n.º 3, do CPP, por falta de indicação das normas jurídicas violadas, imposta pelo art.º 412.º, n.º 2, al. a), do CPP, porquanto das conclusões deduzidas em ambos os recursos é possível deduzir quais são essas normas: os art.os 71.º e 50.º, ambos do CP. Assim, é de conhecer de ambos os recursos, sem mais. 4.- As questões colocadas nos recursos: 4.1. A nulidade do acórdão nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a) do CPP. Diz o recorrente D1… que apresentou contestação e que a decisão recorrida nada diz sobre o conteúdo da mesma: Conferida a contestação apresentada pelo recorrente (cfr. fls. 8458), verifica-se que a mesma – tal como, aliás, se refere no relatório do acórdão recorrido – se limita a “oferecer o merecimento das declarações prestadas em audiência” e, além disso, a alegar “sobre a personalidade”, que o arguido “tem bom comportamento”, “é de modesta condição económica” e “é respeitado e considerado na área da sua residência”. Nada mais. Como vimos, supra, no ponto XVII da matéria de facto provada foram reunidos os factos apurados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 369.º e ss. do CPP relativos a cada um dos arguidos. E, relativamente ao arguido, ora recorrente, foram dados como provados factos, respeitantes ao comportamento dele, à sua condição socioeconómica e à sua inserção na comunidade – também já reproduzidos supra – que abrangem os alegados na contestação, ampliando-os e aprofundando-os, como cumpre ao tribunal no referente a factos desta natureza. A indagação deve ser levada até onde seja possível definir mais completamente o conjunto de factos relevantes, atinentes à personalidade do arguido e a todas as mais circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 71.º do CP. Não tem, portanto, qualquer razão, o recorrente, na invocação da nulidade em causa. 4.2. A nulidade do acórdão nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP. Pretende o recorrente D1… que, no que a si mesmo concerne se alteraram [no acórdão recorrido] circunstâncias de tempo, modo e lugar, relativamente aos factos da acusação, sem que lhe tenha sido dada oportunidade de combater a versão nova. Na sua resposta, em primeira instância, o MP insurge-se contra tal alegação dizendo: «Quanto à nulidade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo [379.º], o recorrente não indica qualquer facto que nos permita sequer pronunciarmo-nos pela sua existência, pelo que deve obviamente ser tal arguição indeferida. Efectivamente, conferida a acusação deduzida no processo, a fls. 7751 e ss., verifica-se que os factos que se provaram, relativos ao arguido D1…, constam todos da acusação deduzida, sem qualquer alteração, nem de tempo, nem de modo, nemd e lugar. Aliás, a decisão sobre a matéria de facto do acórdão recorrido, reproduz praticamente ipsis verbis os factos constantes da acusação. Pequeníssimas alterações de redacção, como substituir-se a expressão “junto de” por “nos arredores de”, não são suficientes para descaracterizar os factos da acusação, em qualquer das vertentes referidas pelo recorrente. Conclui-se, assim, que o recorrente não só não indicou os factos a que se queria referir, como não poderia tê-lo feito, por falta de factos que indicar. Há, assim, uma total falta de razão na arguição da nulidade pelo recorrente. Termos em que a mesma tem de improceder. 4.3. A impugnação da matéria de facto provada: O arguido D1…, impugna, por incorrectamente julgados, os factos dados como provados sob X, alíneas a), b), c), d), f), f) g) e h). Não impugnou, porém, o facto dado como provado na alínea e) do mesmo número, de que o mesmo arguido utilizava dois números de telemóvel na actividade de tráfico que desenvolvia; Nem sob XVI, alíneas a), c), d) e e), em que se deu como provado que ele, entre outros: destinava à comercialização a substância estupefaciente que lhe foi apreendida, visando obter proventos económicos, o que conseguiu; vivia e fazia face às suas despesas com dinheiro obtido da venda de produto estupefaciente; conhecia profundamente a natureza e características das substâncias apreendidas que detinha, vendeu ou cedeu a terceiros; e utilizava na venda de produtos estupefacientes a mochila, os dois telemóveis e os cartões telefónicos que lhe foram apreendidos. A impugnação do arguido ficou-se, assim, por apenas parte dos factos constitutivos dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime pelo qual foi condenado. O art.º 412.º, n.os 1, 3, als. a) e b), e 4, do CPP dispõe o seguinte:«ARTIGO 412.º «(Motivação do recurso e conclusões)«1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. «(…) «3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; «b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: «c) As provas que devem ser renovadas. «4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º. devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. «(…)» Nos termos da disposição legal transcrita, o recorrente, na impugnação de facto que deduziu, estava legalmente obrigado a, na motivação do recurso, cumprir com o especificado nas als. a) e b) do n.º 3 e no n.º 4 do mesmo artigo. Ainda que não levasse, como não levou, tal matéria às conclusões ou o fizesse, apenas, de modo resumido. O que ele fez indicando as suas próprias declarações e partes dos depoimentos das testemunhas G… e H…. Relativamente às suas próprias declarações, há que lembrar que o arguido nem sequer está legalmente obrigado a dizer a verdade ao Tribunal. As declarações do arguido D1…, na parte transcrita no recurso, mostram apenas que o declarante titubeia, admitindo o que, de todo em todo, não pode negar. Mesmo assim admitiu que fez entregas de haxixe por conta do I…. Quanto ao dinheiro apreendido, atribuiu-lhe uma origem lícita. Mas essa origem, totalmente indemonstrada, está em nítida contradição com a restante prova produzida, e, inclusivamente com a situação socioeconómica que se apurou ser a do arguido. Se, de facto, o arguido auferisse proventos significativos da música não lhe teria sido difícil demonstrá-lo. Tal como foi produzida, a afirmação de que os € 230,00 provinham da “actuação do último Domingo”, tinha o valor da convicção que fosse capaz de gerar no tribunal, que, como vimos, foi, merecidamente, nenhum. Quanto ao depoimento do G… O recorrente desinseriu umas frases do contexto do depoimento, para criar a ilusão de que a testemunha negou ter-lhe comprado haxixe. É certo que a testemunha ensaiou essa atitude. Todavia, após ser devidamente advertida para as consequências legais da falsidade de depoimento, instada pelo MP, depôs claramente no sentido de ter ido, por várias vezes, a casa do recorrente comprar haxixe e de, pelo menos uma vez, lhe ter comprado uma “placa” de haxixe, tal como foi dado como provado. No que respeita ao depoimento do H…, não se vê, sequer, em que é que os trechos extractados infirmem o que se deu como provado no acórdão recorrido, uma vez que deles directamente resulta que o depoente comprou uma placa de haxixe, no café, ao recorrente, por € 140,00, tal como ficou a constar em X-h-2 dos factos provado do mesmo acórdão. Para além disso, o recurso ignora toda a extensa e bem fundamentada motivação de facto do acórdão recorrido, em que se analisaram as várias provas produzidas, concatenando-as de forma a ter ficado bem clara a relação entre as provas e os factos dados como provados. Em resumo, o recorrente só formalmente deu satisfação ao ónus de impugnação que impedia sobre si, porque as provas que indicou de forma alguma foram de molde a impor decisão diversa da recorrida. Acresce referir que o julgamento da matéria de facto foi feito no uso escrupuloso das atribuições que a lei confere ao Juiz no art.º 127.º do CPP, como – voltamos a sublinhar – decorre da motivação de facto do acórdão recorrido. Não pode, em suma, proceder a impugnação de facto deduzida. 4.4. A medida da pena e a execução da suspensão da pena: Levantam estas duas questões os recorrentes C1…, D1… e E1…. Por isso e porque as duas questões estão intimamente ligadas – trata-se, afinal, da determinação da pena concreta na sua formulação definitiva – tratá-las-emos conjuntamente relativamente a cada um dos referidos recorrentes. 4.4.1. Recorrente C1…. O recorrente não põe em causa a aplicação de uma pena de prisão. Limita-se a pedir a aplicação” de uma “pena menor”. Os argumentos em que o recorrente assenta o pedido são os de ele ser jovem, ter sofrido uma única condenação anterior, por crime de resistência e coacção sobre funcionário, em pena substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. No mais, até à conclusão 20.ª segue, com diferenças pouco relevantes, o que foi dado como provado, relativamente a si mesmo, no ponto XVII dos factos provados – factos relativos, lato sensu, a antecedentes criminais, personalidade, situação socioeconómica e familiar e inserção social. A partir da referida conclusão continua a adiantar factos, aparentemente retirados do relatório social a si referente, mas que não foram lavados à matéria de facto provada da decisão recorrida. Ora, como o recorrente não recorreu de facto, não se compreende tal enfiada de pseudo-factos, que não podem ser considerados, por serem factos novos. Alegou ainda, conclusão 26.ª, ser repugnante e inaceitável que, sendo ele um jovem, venha a cumprir uma pena desajustada e desproporcional. Temos dúvidas de ter compreendido o exacto alcance que se quis dar a tal expressão, sendo certo que, a nosso ver, penas desajustadas e desproporcionais, são inaceitáveis, quer as aplicadas a jovens quer a pessoas de outras faixas etárias. Vejamos, então, a questão, à luz do que se provou. O arguido C1… tinha entre trinta e dois e trinta e três anos, à data da prática dos factos. Não tão jovem como isso, portanto. Aos trinta e dois anos, um homem encontra-se em plena maturidade e a circunstância de, culturalmente, se vir a fazer sentir certa tendência para dar da juventude a imagem de um estado sem termo definível – o que é agravado pelo síndrome “geração casinha dos pais” – não deve fazer-nos esquecer essa realidade. Além disso ele não era, já, uma criatura “virgem” de contactos com o sistema de administração da justiça penal, devendo, por isso, estar especialmente alertado para as consequências da prática de ilícitos criminais. Este simples facto já adensa a culpa, embora não tanto como se os seus antecedentes criminais tivessem sido por crime mais gravemente punido ou com maior afinidade com o que lhe valeu a condenação ora sub judice. Foi condenado numa pena de seis anos de prisão, pela prática de um crime simples de tráfico de estupefacientes, punível com pena abstracta de 4 a 12 anos de prisão. Temos, assim, que a pena aplicada não é, no quadro da previsão abstracta, repugnantemente desajustada. Durante muitos meses o arguido colaborou activamente na venda intensiva de “cannabis” na forma de haxixe. Nesse período não desenvolveu actividade profissional significativa, que, em termos de rendimento, lhe permitisse fazer face às suas despesas, isto é, vivendo, pelo menos em parte, do produto da venda de estupefacientes. Actuou sempre com dolo directo e intenso. O grau da ilicitude é médio, a tender para elevado, considerando a dimensão material do ilícito – manifestada, esta, no tempo em que, sem soluções de continuidade, a acção delituosa se prolongou, nas quantidades de estupefacientes operadas e no número de pessoas pelo qual disseminou droga – e a qualidade do estupefaciente envolvido, que, como se disse no acórdão recorrido, é um dos menos danosos para a saúde de quem o consome. Temos portanto, uma culpa cuja medida comporta perfeitamente a pena aplicada. No sentido atenuativo há porém, que atender, a que o arguido não era o principal responsável pela actividade de tráfico de droga a que se dedicou, cabendo o impulso do negócio e o controlo geral do negócio ao seu co-arguido I…. Ainda, aos factos de ele ser adicto ao consumo de estupefacientes – condição que inevitavelmente atrofia os mecanismos de auto-regulação normativa, induzindo à prática delituosa – e ter uma situação económica precária e uma situação social de extrema modéstia e um nível educacional rudimentar – que actualmente, se situa em nível inferior ao da escolaridade obrigatória. E, finalmente, às circunstâncias de ele manter uma situação de natureza para-familiar estável, e de dar tímidos sinais de inserção social – alguma actividade laboral e de interacção familiar positiva – e não se registarem sinais de rejeição social relativamente a ele. Neste quadro, temos que as exigências de prevenção positiva de socialização se fazem sentir, de forma a não serem satisfeitas com uma pena que se situe abaixo de 5 (cinco) anos prisão, sendo certo que, abaixo desse nível, também não ficam preenchidas as exigências de prevenção positiva de integração. A suspensão da execução da pena. Entendemos a natureza do crime e o grau da ilicitude impõem severas exigências de prevenção geral positiva ou de integração. O crime de tráfico de estupefacientes é muito difícil de combater, por um lado, porque, em consequência da adição ao consumo, as próprias vítimas criam uma forte pressão de procura, propícia à venda de drogas e, por outro, devido ao forte incentivo que constituem os avultados proventos económicos que remuneram a mesma venda. Em contra-ponto, o tráfico-consumo de drogas acarreta toda a casta de malefícios pessoais e sociais, a começar nos danos irreparáveis – e frequentemente fatais – na saúde dos consumidores, passando pela forte erosão que causa nas economias familiares e na coesão das famílias atingidas, para terminar na forte concentração de capitais que ocasiona, da qual, por seu turno, decorre prática de novos ilícitos e de severos danos macroeconómicos. Assim, na pena, resume-se uma dupla vertente de prevenção geral: de intimidação e de integração. É necessário que a atracção do tráfico seja contrariada por um forte sentimento do custo potencial, imposto por uma reacção penal pronta e previsível e, mais importante ainda do que isso, impõe-se que a comunidade mantenha interiorizado um sentimento de crença na vigência e eficácia das normas que prevêem e punem o tráfico de estupefacientes. Neste tipo de delito, a dimensão de directa protecção de bens jurídicos, referida no art.º 40.º, n.º 1, do CP, torna-se, se possível, mais prevalecente ainda, por referência à restante dimensão da pena. Em consequência, mesmo quando as simples razões de prevenção de socialização possam deixar entrever a possibilidade de uma suavização da pena, através das penas de substituição da de prisão, essa hipótese deve ser posta de lado, sempre que as exigências de prevenção geral tal não consintam. É o que se passa no caso presente. A dimensão da culpa e a gravidade objectiva do crime praticado não são consentâneas com a suspensão da execução da pena. As considerações acabadas de plasmar são mutatis mutandis aplicáveis aos dois outros recorrentes condenados. 4.4.2. O recorrente D1…. Está condenado numa pena de seis anos de prisão. A modalidade da acção delituosa não difere essencialmente da dos dois recorrentes restantes e o período de tempo em que a levou a cabo assemelha-se ao do recorrente C1…. O grau da ilicitude está bem ilustrado na quantidade de cannabis que lhe foi apreendida: três quilos, setecentos e quarenta e sete gramas e cento e catorze miligramas. Tinha entre 23 e 24 anos de idade, ao tempo em que levou por diante a acção criminosa e não tem antecedentes criminais. Diz-se arrependido, manifesta capacidade crítica relativamente ao crime cometido T em o 11.º ano de escolaridade e um curso de formação profissional. É consumidor de haxixe desde a adolescência. Vive em união de facto e tem um filho dessa relação. O casal integra, ainda, um filho da companheira do arguido. Apresenta situação económica débil e uma situação profissional em que a única profissão palpável é a de elemento de um conjunto musical; quanto ao mais, tem projectos: integrar uma empresa de pichelaria, ou de telecomunicações. Dispõe de apoio familiar e tem uma imagem social positiva; isto, apesar de, no seu meio social de inserção ser conotado, com elementos ligados a confrontos judiciais. O que também nos diz alguma coisa sobre a comunidade de inserção! Considerando a qualidade do estupefaciente transaccionado, todas as demais circunstâncias acabadas de referir e, ainda, a de não ser ele o principal agente da actividade em que participava, que, no seu conjunto, influenciam uma perspectiva atenuadora da pena a aplicar, temos como mais ajustada a pena de cinco anos de prisão. Não é de suspender a execução de tal pena, pelos mesmos motivos expostos a propósito do recorrente C1…. 4.4.3. O recorrente E1…. Este arguido desenvolveu a actividade delituosa em modalidade equivalente à dos seus co-recorrentes, mas durante sensivelmente menos tempo, por tê-la iniciado mais tarde. Também ele não era a figura principal da actividade que levava a cabo, ocupando um lugar secundário. Tinha vinte e cinco anos de idade ao tempo da prática dos factos e não tem antecedentes criminais. Diz-se arrependido. A gravidade objectiva do delito que cometeu revela-se na quantidade de estupefaciente que tinha na sua posse e foi apreendida: vinte quilos e oitocentos trinta e nove gramas e novecentos e quarenta e oito miligramas de cannabis. Tem um curso técnico de cozinha e exerceu a profissão de cozinheiro, mas estava desempregado à data da prática dos factos. Foi consumidor esporádico de haxixe, desde a adolescência. Não exercia qualquer profissão, desde Junho de 2009. Vive em união de facto e o casal assim constituído tem um filho. Goza de imagem positiva na sua comunidade de inserção, não lhe sendo atribuídos comportamentos desajustados. A leitura menos enviesada desta constatação é a de que a comunidade em causa não se terá apercebido da actividade do recorrente, censurada penalmente nos presentes autos. Tem situação socioeconómica modesta e precária. Considerando a culpa a gravidade da conduta e o conjunto de circunstâncias pessoais referidas, temos como mais ajustado que seja condenado na pena de cinco anos e seis meses de prisão. Pelos mesmos motivos, em que sobressaem as ingentes exigências de prevenção, especial e geral, mas, sobretudo geral, não é de suspender a pena de prisão em que vai condenado. 4.5. A declaração de perda do veículo automóvel de matrícula ..-..-PR. A recorrente F1… reclama a revogação da declaração de perdimento do automóvel, BMW, ..-..-PR, arrogando-se a qualidade de proprietária, de boa-fé, do mesmo, e alegando a violação do disposto nos art.os 36.º- A, do D.L 15/93 e 111.º do CP. Quer este facto da propriedade, pela recorrente, do automóvel declarado perdido, quer parte do circunstancialismo alegado no recurso, não constam do elenco da matéria de facto discutida nos autos, De concreto, directa ou mediatamente relacionado com a matéria do recurso, provou-se apenas que: – Nas suas deslocações e para transportar o produto estupefaciente o arguido B1… utilizava o veículo automóvel da marca BMW, de cor preta, com a matrícula ..-..-PR – facto I-e) – O automóvel apreendido continha, aquando da apreensão, no seu interior, um pedaço de substância estupefaciente – facto I-j) – O arguido B1…, reside sozinho, dispõe de autonomia financeira e presta apoio quotidiano aos pais, de 87 e 99 anos de idade, assegurando-lhes alguns cuidados básicos e a realização de deslocações, nomeadamente para cuidados de saúde, bem como a gestão da respectiva organização doméstica e familiar – facto sob XVII. Se a propriedade do automóvel se presume com base no registo do mesmo, já o circunstancialismo do alegado empréstimo do mesmo ao arguido e dos motivos que o terão determinado é matéria estranha ao conhecimento do tribunal. Assim é de considerar a propriedade do veículo como sendo a constante do respectivo título de registo – que não foi impugnado –, nada se sabendo quanto às razões pelas quais o arguido B1… dispunha do veículo para o usar na actividade do tráfico de droga. Isto, apesar de ser certo que as razões alegadas no recurso não repugnam à experiência comum. Uma conclusão se pode tirar com segurança da matéria de facto provada: atenta a modalidade do tráfico que o arguido B1… prosseguia, a mobilidade era uma condição indispensável do mesmo, condições em que o automóvel se configura como um instrumento necessário da prática do crime. A utilização do veículo não se apresenta, no caso, como uma circunstância ocasional, uma coincidência, mas revela-se instrumental do plano de acção levado por diante. O veículo, mais do que um simples transporte – ocasional – do estupefaciente, permite multiplicidade de deslocações rápidas indispensáveis à satisfação das vendas por encomenda que o arguido praticava. Resumindo, no caso, o automóvel represente um verdadeiro instrumentum sceleris. Dispõe o art.º 35.º, n.º 1, do DL 15/93, o seguinte:«Artigo 35.º «(Perda de objectos)«1. são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servidoou estivessem destinados a servir para prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos. «(…)» Por seu turno, o art.º 36.º-A, dispõe o seguinte:«Artigo 36.°-A [2] «(Defesa de direitos de terceiros de boa fé)«1. O terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que se alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova. «2. Entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que os objectos versem nas situações previstas no n.° 1 do artigo 35.°. «3. O requerimento a que se refere o n.° 1 é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição. «4. Realizadas as diligências que considerar necessárias, o juiz decide. «5. Se, quanto à titularidadc dos objectos, coisas ou direitos, a questão se revelar complexa ou susceptível de causar perturbação ao normal andamento do processo, pode o juiz remeter o terceiro para os meios cíveis.» Cotejando estas disposições com a do art.º 110.º do CP, verificamos que onde este artigo, no seu n.º 2, estabelece uma verdadeira presunção de boa-fé, a favor do terceiro proprietário da coisa apreendida – é preciso demonstrar que o mesmo tenha concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção ou da mesma tenha retirado vantagens; ou, ainda, tendo-a adquirido depois do facto ilícito, que conhecesse a sua proveniência ilícita – nos termos dos artigos 35.º e 36.º-A, citados, tal presunção deixa de ter lugar. Nos termos do n.º 2, do art.º 36.º-A, do DL 15/93, o terceiro proprietário da coisa tem de alegar e provar a sua boa-fé, para defender os seus direitos. Tal alegação e prova tem uma forma própria, correspondendo-lhe o incidente regulado nos termos dos n.os 1, 3 e 5 do art.ª 36.º-A, citado. Não tendo a recorrente deduzido tal incidente, não pode, em recurso da decisão final do processo, vir arrogar-se a titularidade dos direitos que não defendeu atempadamente. Termos em que o perdimento foi bem decretado e o recurso tem de improceder.III.Atento todo o exposto, Acordamos em: – Dar parcial provimento aos recursos dos recorrentes C…, D… e E… e, em consequência, alterar as penas de prisão em que os mesmos arguidos foram condenados para 5 (cinco) anos de prisão, quanto ao C1… e ao D1…, e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao E1…; – Manter em tudo o mais a decisão recorridas, no que respeita aos três recorrentes referidos; – Negar provimento ao recurso interposto por F…, confirmando, nessa parte, também, a decisão recorrida. Condena-se cada um dos recorrentes no pagamento de 3 UC de taxa de justiça. Porto, 2012/02/15 Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva Artur Manuel da Silva Oliveira ___________________ [1] Reproduzimos apenas os factos que dizem respeito aos arguidos que interpuseram os recursos a que respeita o presente acórdão e, também, na medida em que se nos afigurou oportuno, dos arguidos B… e I1…, dada a grande quantidade de outros factos provados no acórdão recorrido, maioritariamente relativos a outros arguidos e anódinos para a presente decisão. A reprodução dos factos relativos aos arguidos B1… e I… deve-se, quanto ao primeiro, a que os factos correspondentes interessam à decisão do recurso interposto pela recorrente F1… e, quanto ao segundo, a que a acção delituosa que, por sua parte, se provou está muito imbricada com as dos arguidos C1…, D1… e E1…, e, em consequência, os factos correspondentes interessam a uma completa compreensão da culpa dos referidos recorrentes. E também assim procederemos, quanto à motivação da decisão de facto. [2] Redacção da Lei n.° 45/96, de 3/9.
Recurso nº 29/08.0GFMTS.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,I.1. Por Acórdão, proferido, em 2011/06/15, no processo n.º 29/08.0GFMTS, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, decidiu-se, na parte que releva para a presente decisão, condenar os arguidos a seguir indicados, todos com os demais sinais dos autos, pela autoria dos crimes e nas penas que, correspondentemente a cada um deles, adiante vão referidos: – B… (B1…), pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de: a) Um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (DL 15/93), na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, cuja execução se decidiu suspender pelo mesmo período, com regime de prova, e subordinando-se a suspensão da execução da pena à condição de o arguido, no período da suspensão, se sujeitar a acompanhamento médico adequado à sua abstinência do consumo de produtos estupefacientes; b) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (L 5/2006), na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 06 de Maio (L 17/2009), na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa; c) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pela alínea d) do n.º 1 do artigo 86.º da L 5/2006, na redacção dada pela L 17/2009, na pena de 100 (cem) dias de multa; Em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e c), na pena única de multa de 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros); – C… (C1…), pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão; – D… (D1…), pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do DL 15/93, na pena de 6 (seis) anos de prisão; – E… (E1…), pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º do DL 15/93, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão. 2. Foi ainda decidido, no referido acórdão, declarar perdido a favor do Estado, com base no disposto no nº 1 do artigo 35.º do DL 15/93, entre outros itens agora sem interesse, o veículo automóvel da marca BMW, de cor preta, com a matrícula ..-..-PR (apreendido ao arguido B1…). 2. Inconformados com esta decisão dela recorreram: 2.1. Os arguidos C1…, D1… e E1…; e 2.2. F… (F1…), devidamente identificada nos autos, mãe do arguido B1…, arrogando-se a qualidade de proprietária do veículo ..-..-PR. 3. Remataram as motivações dos recursos que apresentaram, com a formulação das seguintes conclusões: 3.1. O C1…: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Terminou a requer a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que aplique uma pena “menor”, suspensa na sua execução. 3.2. O D1…: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Terminou a requerer a revogação da decisão recorrida e a substituição da mesma por outra que aplique ao recorrente uma pena de cinco anos [de prisão], suspensa na sua execução. 3.4. A F1…: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… 4. Notificado dos recursos, o Ministério Público (MP) apresentou resposta aos mesmos no sentido: – De serem rejeitados os recursos interpostos pelos arguidos C1… e E1…, por manifesta improcedência nos termos do art.º 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, dado que nem sequer se diz quais são as normas violadas. Não se entendendo assim, de ser dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 417.º do CPP e de ser negado provimento aos recursos. – De ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido D1…; – De ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente F1…; 5. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto (PGA) juntou aos autos parecer em que se pronunciou por: – Deverem ser rejeitados os recursos dos recorrentes C1… e E1…; – Dever ser negado provimento aos recursos dos recorrentes D1… e F1…. 5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), os recorrentes não responderam. 6. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento dos recurso e tendo sido requerida a realização de audiência pelo arguido D1…, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à audiência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.II.1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, as questões postas no recurso são as seguintes: 1.1. Recorrente C1…: – Da medida da pena; – Da suspensão da execução da pena; 1.2. Recorrente D1…: – Da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto; – Da existência das nulidades previstas nos art.os 379.º, n.º 1, als. a) e b), do CPP; – Da medida da pena; – Da suspensão da pena; 1.3. Recorrente E1…: – Da medida da pena; – Da suspensão da execução da pena; 1.4. Recorrente F1…: – Da ilegalidade da declaração de perdimento do veículo automóvel ..-..-PR, por violação do disposto nos art.os 36.º-A do D.L 15/93 e 111.º do C.P. 2. É a seguinte a fundamentação de facto do acórdão recorrido, na parte que interessa à presente decisão [1]: ……………………………………… ……………………………………… ………………………………………***3. Previamente às questões suscitadas pelos recorrentes, há que resolver a que o MP colocou, ao propugnar a rejeição dos recursos dos recorrentes C1… e E1…: Não se verifica, em nossa opinião, a manifesta improcedência dos recursos interposto pelos recorrentes C1… e E1…, porquanto ambos levantam validamente as questões infra enunciadas. Também não é caso de convite ao aperfeiçoamento das conclusões dos recursos nos termos do disposto no art.º 417.º, n.º 3, do CPP, por falta de indicação das normas jurídicas violadas, imposta pelo art.º 412.º, n.º 2, al. a), do CPP, porquanto das conclusões deduzidas em ambos os recursos é possível deduzir quais são essas normas: os art.os 71.º e 50.º, ambos do CP. Assim, é de conhecer de ambos os recursos, sem mais. 4.- As questões colocadas nos recursos: 4.1. A nulidade do acórdão nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a) do CPP. Diz o recorrente D1… que apresentou contestação e que a decisão recorrida nada diz sobre o conteúdo da mesma: Conferida a contestação apresentada pelo recorrente (cfr. fls. 8458), verifica-se que a mesma – tal como, aliás, se refere no relatório do acórdão recorrido – se limita a “oferecer o merecimento das declarações prestadas em audiência” e, além disso, a alegar “sobre a personalidade”, que o arguido “tem bom comportamento”, “é de modesta condição económica” e “é respeitado e considerado na área da sua residência”. Nada mais. Como vimos, supra, no ponto XVII da matéria de facto provada foram reunidos os factos apurados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 369.º e ss. do CPP relativos a cada um dos arguidos. E, relativamente ao arguido, ora recorrente, foram dados como provados factos, respeitantes ao comportamento dele, à sua condição socioeconómica e à sua inserção na comunidade – também já reproduzidos supra – que abrangem os alegados na contestação, ampliando-os e aprofundando-os, como cumpre ao tribunal no referente a factos desta natureza. A indagação deve ser levada até onde seja possível definir mais completamente o conjunto de factos relevantes, atinentes à personalidade do arguido e a todas as mais circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 71.º do CP. Não tem, portanto, qualquer razão, o recorrente, na invocação da nulidade em causa. 4.2. A nulidade do acórdão nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP. Pretende o recorrente D1… que, no que a si mesmo concerne se alteraram [no acórdão recorrido] circunstâncias de tempo, modo e lugar, relativamente aos factos da acusação, sem que lhe tenha sido dada oportunidade de combater a versão nova. Na sua resposta, em primeira instância, o MP insurge-se contra tal alegação dizendo: «Quanto à nulidade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo [379.º], o recorrente não indica qualquer facto que nos permita sequer pronunciarmo-nos pela sua existência, pelo que deve obviamente ser tal arguição indeferida. Efectivamente, conferida a acusação deduzida no processo, a fls. 7751 e ss., verifica-se que os factos que se provaram, relativos ao arguido D1…, constam todos da acusação deduzida, sem qualquer alteração, nem de tempo, nem de modo, nemd e lugar. Aliás, a decisão sobre a matéria de facto do acórdão recorrido, reproduz praticamente ipsis verbis os factos constantes da acusação. Pequeníssimas alterações de redacção, como substituir-se a expressão “junto de” por “nos arredores de”, não são suficientes para descaracterizar os factos da acusação, em qualquer das vertentes referidas pelo recorrente. Conclui-se, assim, que o recorrente não só não indicou os factos a que se queria referir, como não poderia tê-lo feito, por falta de factos que indicar. Há, assim, uma total falta de razão na arguição da nulidade pelo recorrente. Termos em que a mesma tem de improceder. 4.3. A impugnação da matéria de facto provada: O arguido D1…, impugna, por incorrectamente julgados, os factos dados como provados sob X, alíneas a), b), c), d), f), f) g) e h). Não impugnou, porém, o facto dado como provado na alínea e) do mesmo número, de que o mesmo arguido utilizava dois números de telemóvel na actividade de tráfico que desenvolvia; Nem sob XVI, alíneas a), c), d) e e), em que se deu como provado que ele, entre outros: destinava à comercialização a substância estupefaciente que lhe foi apreendida, visando obter proventos económicos, o que conseguiu; vivia e fazia face às suas despesas com dinheiro obtido da venda de produto estupefaciente; conhecia profundamente a natureza e características das substâncias apreendidas que detinha, vendeu ou cedeu a terceiros; e utilizava na venda de produtos estupefacientes a mochila, os dois telemóveis e os cartões telefónicos que lhe foram apreendidos. A impugnação do arguido ficou-se, assim, por apenas parte dos factos constitutivos dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime pelo qual foi condenado. O art.º 412.º, n.os 1, 3, als. a) e b), e 4, do CPP dispõe o seguinte:«ARTIGO 412.º «(Motivação do recurso e conclusões)«1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. «(…) «3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; «b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: «c) As provas que devem ser renovadas. «4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º. devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. «(…)» Nos termos da disposição legal transcrita, o recorrente, na impugnação de facto que deduziu, estava legalmente obrigado a, na motivação do recurso, cumprir com o especificado nas als. a) e b) do n.º 3 e no n.º 4 do mesmo artigo. Ainda que não levasse, como não levou, tal matéria às conclusões ou o fizesse, apenas, de modo resumido. O que ele fez indicando as suas próprias declarações e partes dos depoimentos das testemunhas G… e H…. Relativamente às suas próprias declarações, há que lembrar que o arguido nem sequer está legalmente obrigado a dizer a verdade ao Tribunal. As declarações do arguido D1…, na parte transcrita no recurso, mostram apenas que o declarante titubeia, admitindo o que, de todo em todo, não pode negar. Mesmo assim admitiu que fez entregas de haxixe por conta do I…. Quanto ao dinheiro apreendido, atribuiu-lhe uma origem lícita. Mas essa origem, totalmente indemonstrada, está em nítida contradição com a restante prova produzida, e, inclusivamente com a situação socioeconómica que se apurou ser a do arguido. Se, de facto, o arguido auferisse proventos significativos da música não lhe teria sido difícil demonstrá-lo. Tal como foi produzida, a afirmação de que os € 230,00 provinham da “actuação do último Domingo”, tinha o valor da convicção que fosse capaz de gerar no tribunal, que, como vimos, foi, merecidamente, nenhum. Quanto ao depoimento do G… O recorrente desinseriu umas frases do contexto do depoimento, para criar a ilusão de que a testemunha negou ter-lhe comprado haxixe. É certo que a testemunha ensaiou essa atitude. Todavia, após ser devidamente advertida para as consequências legais da falsidade de depoimento, instada pelo MP, depôs claramente no sentido de ter ido, por várias vezes, a casa do recorrente comprar haxixe e de, pelo menos uma vez, lhe ter comprado uma “placa” de haxixe, tal como foi dado como provado. No que respeita ao depoimento do H…, não se vê, sequer, em que é que os trechos extractados infirmem o que se deu como provado no acórdão recorrido, uma vez que deles directamente resulta que o depoente comprou uma placa de haxixe, no café, ao recorrente, por € 140,00, tal como ficou a constar em X-h-2 dos factos provado do mesmo acórdão. Para além disso, o recurso ignora toda a extensa e bem fundamentada motivação de facto do acórdão recorrido, em que se analisaram as várias provas produzidas, concatenando-as de forma a ter ficado bem clara a relação entre as provas e os factos dados como provados. Em resumo, o recorrente só formalmente deu satisfação ao ónus de impugnação que impedia sobre si, porque as provas que indicou de forma alguma foram de molde a impor decisão diversa da recorrida. Acresce referir que o julgamento da matéria de facto foi feito no uso escrupuloso das atribuições que a lei confere ao Juiz no art.º 127.º do CPP, como – voltamos a sublinhar – decorre da motivação de facto do acórdão recorrido. Não pode, em suma, proceder a impugnação de facto deduzida. 4.4. A medida da pena e a execução da suspensão da pena: Levantam estas duas questões os recorrentes C1…, D1… e E1…. Por isso e porque as duas questões estão intimamente ligadas – trata-se, afinal, da determinação da pena concreta na sua formulação definitiva – tratá-las-emos conjuntamente relativamente a cada um dos referidos recorrentes. 4.4.1. Recorrente C1…. O recorrente não põe em causa a aplicação de uma pena de prisão. Limita-se a pedir a aplicação” de uma “pena menor”. Os argumentos em que o recorrente assenta o pedido são os de ele ser jovem, ter sofrido uma única condenação anterior, por crime de resistência e coacção sobre funcionário, em pena substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. No mais, até à conclusão 20.ª segue, com diferenças pouco relevantes, o que foi dado como provado, relativamente a si mesmo, no ponto XVII dos factos provados – factos relativos, lato sensu, a antecedentes criminais, personalidade, situação socioeconómica e familiar e inserção social. A partir da referida conclusão continua a adiantar factos, aparentemente retirados do relatório social a si referente, mas que não foram lavados à matéria de facto provada da decisão recorrida. Ora, como o recorrente não recorreu de facto, não se compreende tal enfiada de pseudo-factos, que não podem ser considerados, por serem factos novos. Alegou ainda, conclusão 26.ª, ser repugnante e inaceitável que, sendo ele um jovem, venha a cumprir uma pena desajustada e desproporcional. Temos dúvidas de ter compreendido o exacto alcance que se quis dar a tal expressão, sendo certo que, a nosso ver, penas desajustadas e desproporcionais, são inaceitáveis, quer as aplicadas a jovens quer a pessoas de outras faixas etárias. Vejamos, então, a questão, à luz do que se provou. O arguido C1… tinha entre trinta e dois e trinta e três anos, à data da prática dos factos. Não tão jovem como isso, portanto. Aos trinta e dois anos, um homem encontra-se em plena maturidade e a circunstância de, culturalmente, se vir a fazer sentir certa tendência para dar da juventude a imagem de um estado sem termo definível – o que é agravado pelo síndrome “geração casinha dos pais” – não deve fazer-nos esquecer essa realidade. Além disso ele não era, já, uma criatura “virgem” de contactos com o sistema de administração da justiça penal, devendo, por isso, estar especialmente alertado para as consequências da prática de ilícitos criminais. Este simples facto já adensa a culpa, embora não tanto como se os seus antecedentes criminais tivessem sido por crime mais gravemente punido ou com maior afinidade com o que lhe valeu a condenação ora sub judice. Foi condenado numa pena de seis anos de prisão, pela prática de um crime simples de tráfico de estupefacientes, punível com pena abstracta de 4 a 12 anos de prisão. Temos, assim, que a pena aplicada não é, no quadro da previsão abstracta, repugnantemente desajustada. Durante muitos meses o arguido colaborou activamente na venda intensiva de “cannabis” na forma de haxixe. Nesse período não desenvolveu actividade profissional significativa, que, em termos de rendimento, lhe permitisse fazer face às suas despesas, isto é, vivendo, pelo menos em parte, do produto da venda de estupefacientes. Actuou sempre com dolo directo e intenso. O grau da ilicitude é médio, a tender para elevado, considerando a dimensão material do ilícito – manifestada, esta, no tempo em que, sem soluções de continuidade, a acção delituosa se prolongou, nas quantidades de estupefacientes operadas e no número de pessoas pelo qual disseminou droga – e a qualidade do estupefaciente envolvido, que, como se disse no acórdão recorrido, é um dos menos danosos para a saúde de quem o consome. Temos portanto, uma culpa cuja medida comporta perfeitamente a pena aplicada. No sentido atenuativo há porém, que atender, a que o arguido não era o principal responsável pela actividade de tráfico de droga a que se dedicou, cabendo o impulso do negócio e o controlo geral do negócio ao seu co-arguido I…. Ainda, aos factos de ele ser adicto ao consumo de estupefacientes – condição que inevitavelmente atrofia os mecanismos de auto-regulação normativa, induzindo à prática delituosa – e ter uma situação económica precária e uma situação social de extrema modéstia e um nível educacional rudimentar – que actualmente, se situa em nível inferior ao da escolaridade obrigatória. E, finalmente, às circunstâncias de ele manter uma situação de natureza para-familiar estável, e de dar tímidos sinais de inserção social – alguma actividade laboral e de interacção familiar positiva – e não se registarem sinais de rejeição social relativamente a ele. Neste quadro, temos que as exigências de prevenção positiva de socialização se fazem sentir, de forma a não serem satisfeitas com uma pena que se situe abaixo de 5 (cinco) anos prisão, sendo certo que, abaixo desse nível, também não ficam preenchidas as exigências de prevenção positiva de integração. A suspensão da execução da pena. Entendemos a natureza do crime e o grau da ilicitude impõem severas exigências de prevenção geral positiva ou de integração. O crime de tráfico de estupefacientes é muito difícil de combater, por um lado, porque, em consequência da adição ao consumo, as próprias vítimas criam uma forte pressão de procura, propícia à venda de drogas e, por outro, devido ao forte incentivo que constituem os avultados proventos económicos que remuneram a mesma venda. Em contra-ponto, o tráfico-consumo de drogas acarreta toda a casta de malefícios pessoais e sociais, a começar nos danos irreparáveis – e frequentemente fatais – na saúde dos consumidores, passando pela forte erosão que causa nas economias familiares e na coesão das famílias atingidas, para terminar na forte concentração de capitais que ocasiona, da qual, por seu turno, decorre prática de novos ilícitos e de severos danos macroeconómicos. Assim, na pena, resume-se uma dupla vertente de prevenção geral: de intimidação e de integração. É necessário que a atracção do tráfico seja contrariada por um forte sentimento do custo potencial, imposto por uma reacção penal pronta e previsível e, mais importante ainda do que isso, impõe-se que a comunidade mantenha interiorizado um sentimento de crença na vigência e eficácia das normas que prevêem e punem o tráfico de estupefacientes. Neste tipo de delito, a dimensão de directa protecção de bens jurídicos, referida no art.º 40.º, n.º 1, do CP, torna-se, se possível, mais prevalecente ainda, por referência à restante dimensão da pena. Em consequência, mesmo quando as simples razões de prevenção de socialização possam deixar entrever a possibilidade de uma suavização da pena, através das penas de substituição da de prisão, essa hipótese deve ser posta de lado, sempre que as exigências de prevenção geral tal não consintam. É o que se passa no caso presente. A dimensão da culpa e a gravidade objectiva do crime praticado não são consentâneas com a suspensão da execução da pena. As considerações acabadas de plasmar são mutatis mutandis aplicáveis aos dois outros recorrentes condenados. 4.4.2. O recorrente D1…. Está condenado numa pena de seis anos de prisão. A modalidade da acção delituosa não difere essencialmente da dos dois recorrentes restantes e o período de tempo em que a levou a cabo assemelha-se ao do recorrente C1…. O grau da ilicitude está bem ilustrado na quantidade de cannabis que lhe foi apreendida: três quilos, setecentos e quarenta e sete gramas e cento e catorze miligramas. Tinha entre 23 e 24 anos de idade, ao tempo em que levou por diante a acção criminosa e não tem antecedentes criminais. Diz-se arrependido, manifesta capacidade crítica relativamente ao crime cometido T em o 11.º ano de escolaridade e um curso de formação profissional. É consumidor de haxixe desde a adolescência. Vive em união de facto e tem um filho dessa relação. O casal integra, ainda, um filho da companheira do arguido. Apresenta situação económica débil e uma situação profissional em que a única profissão palpável é a de elemento de um conjunto musical; quanto ao mais, tem projectos: integrar uma empresa de pichelaria, ou de telecomunicações. Dispõe de apoio familiar e tem uma imagem social positiva; isto, apesar de, no seu meio social de inserção ser conotado, com elementos ligados a confrontos judiciais. O que também nos diz alguma coisa sobre a comunidade de inserção! Considerando a qualidade do estupefaciente transaccionado, todas as demais circunstâncias acabadas de referir e, ainda, a de não ser ele o principal agente da actividade em que participava, que, no seu conjunto, influenciam uma perspectiva atenuadora da pena a aplicar, temos como mais ajustada a pena de cinco anos de prisão. Não é de suspender a execução de tal pena, pelos mesmos motivos expostos a propósito do recorrente C1…. 4.4.3. O recorrente E1…. Este arguido desenvolveu a actividade delituosa em modalidade equivalente à dos seus co-recorrentes, mas durante sensivelmente menos tempo, por tê-la iniciado mais tarde. Também ele não era a figura principal da actividade que levava a cabo, ocupando um lugar secundário. Tinha vinte e cinco anos de idade ao tempo da prática dos factos e não tem antecedentes criminais. Diz-se arrependido. A gravidade objectiva do delito que cometeu revela-se na quantidade de estupefaciente que tinha na sua posse e foi apreendida: vinte quilos e oitocentos trinta e nove gramas e novecentos e quarenta e oito miligramas de cannabis. Tem um curso técnico de cozinha e exerceu a profissão de cozinheiro, mas estava desempregado à data da prática dos factos. Foi consumidor esporádico de haxixe, desde a adolescência. Não exercia qualquer profissão, desde Junho de 2009. Vive em união de facto e o casal assim constituído tem um filho. Goza de imagem positiva na sua comunidade de inserção, não lhe sendo atribuídos comportamentos desajustados. A leitura menos enviesada desta constatação é a de que a comunidade em causa não se terá apercebido da actividade do recorrente, censurada penalmente nos presentes autos. Tem situação socioeconómica modesta e precária. Considerando a culpa a gravidade da conduta e o conjunto de circunstâncias pessoais referidas, temos como mais ajustado que seja condenado na pena de cinco anos e seis meses de prisão. Pelos mesmos motivos, em que sobressaem as ingentes exigências de prevenção, especial e geral, mas, sobretudo geral, não é de suspender a pena de prisão em que vai condenado. 4.5. A declaração de perda do veículo automóvel de matrícula ..-..-PR. A recorrente F1… reclama a revogação da declaração de perdimento do automóvel, BMW, ..-..-PR, arrogando-se a qualidade de proprietária, de boa-fé, do mesmo, e alegando a violação do disposto nos art.os 36.º- A, do D.L 15/93 e 111.º do CP. Quer este facto da propriedade, pela recorrente, do automóvel declarado perdido, quer parte do circunstancialismo alegado no recurso, não constam do elenco da matéria de facto discutida nos autos, De concreto, directa ou mediatamente relacionado com a matéria do recurso, provou-se apenas que: – Nas suas deslocações e para transportar o produto estupefaciente o arguido B1… utilizava o veículo automóvel da marca BMW, de cor preta, com a matrícula ..-..-PR – facto I-e) – O automóvel apreendido continha, aquando da apreensão, no seu interior, um pedaço de substância estupefaciente – facto I-j) – O arguido B1…, reside sozinho, dispõe de autonomia financeira e presta apoio quotidiano aos pais, de 87 e 99 anos de idade, assegurando-lhes alguns cuidados básicos e a realização de deslocações, nomeadamente para cuidados de saúde, bem como a gestão da respectiva organização doméstica e familiar – facto sob XVII. Se a propriedade do automóvel se presume com base no registo do mesmo, já o circunstancialismo do alegado empréstimo do mesmo ao arguido e dos motivos que o terão determinado é matéria estranha ao conhecimento do tribunal. Assim é de considerar a propriedade do veículo como sendo a constante do respectivo título de registo – que não foi impugnado –, nada se sabendo quanto às razões pelas quais o arguido B1… dispunha do veículo para o usar na actividade do tráfico de droga. Isto, apesar de ser certo que as razões alegadas no recurso não repugnam à experiência comum. Uma conclusão se pode tirar com segurança da matéria de facto provada: atenta a modalidade do tráfico que o arguido B1… prosseguia, a mobilidade era uma condição indispensável do mesmo, condições em que o automóvel se configura como um instrumento necessário da prática do crime. A utilização do veículo não se apresenta, no caso, como uma circunstância ocasional, uma coincidência, mas revela-se instrumental do plano de acção levado por diante. O veículo, mais do que um simples transporte – ocasional – do estupefaciente, permite multiplicidade de deslocações rápidas indispensáveis à satisfação das vendas por encomenda que o arguido praticava. Resumindo, no caso, o automóvel represente um verdadeiro instrumentum sceleris. Dispõe o art.º 35.º, n.º 1, do DL 15/93, o seguinte:«Artigo 35.º «(Perda de objectos)«1. são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servidoou estivessem destinados a servir para prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos. «(…)» Por seu turno, o art.º 36.º-A, dispõe o seguinte:«Artigo 36.°-A [2] «(Defesa de direitos de terceiros de boa fé)«1. O terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que se alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova. «2. Entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que os objectos versem nas situações previstas no n.° 1 do artigo 35.°. «3. O requerimento a que se refere o n.° 1 é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição. «4. Realizadas as diligências que considerar necessárias, o juiz decide. «5. Se, quanto à titularidadc dos objectos, coisas ou direitos, a questão se revelar complexa ou susceptível de causar perturbação ao normal andamento do processo, pode o juiz remeter o terceiro para os meios cíveis.» Cotejando estas disposições com a do art.º 110.º do CP, verificamos que onde este artigo, no seu n.º 2, estabelece uma verdadeira presunção de boa-fé, a favor do terceiro proprietário da coisa apreendida – é preciso demonstrar que o mesmo tenha concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção ou da mesma tenha retirado vantagens; ou, ainda, tendo-a adquirido depois do facto ilícito, que conhecesse a sua proveniência ilícita – nos termos dos artigos 35.º e 36.º-A, citados, tal presunção deixa de ter lugar. Nos termos do n.º 2, do art.º 36.º-A, do DL 15/93, o terceiro proprietário da coisa tem de alegar e provar a sua boa-fé, para defender os seus direitos. Tal alegação e prova tem uma forma própria, correspondendo-lhe o incidente regulado nos termos dos n.os 1, 3 e 5 do art.ª 36.º-A, citado. Não tendo a recorrente deduzido tal incidente, não pode, em recurso da decisão final do processo, vir arrogar-se a titularidade dos direitos que não defendeu atempadamente. Termos em que o perdimento foi bem decretado e o recurso tem de improceder.III.Atento todo o exposto, Acordamos em: – Dar parcial provimento aos recursos dos recorrentes C…, D… e E… e, em consequência, alterar as penas de prisão em que os mesmos arguidos foram condenados para 5 (cinco) anos de prisão, quanto ao C1… e ao D1…, e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao E1…; – Manter em tudo o mais a decisão recorridas, no que respeita aos três recorrentes referidos; – Negar provimento ao recurso interposto por F…, confirmando, nessa parte, também, a decisão recorrida. Condena-se cada um dos recorrentes no pagamento de 3 UC de taxa de justiça. Porto, 2012/02/15 Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva Artur Manuel da Silva Oliveira ___________________ [1] Reproduzimos apenas os factos que dizem respeito aos arguidos que interpuseram os recursos a que respeita o presente acórdão e, também, na medida em que se nos afigurou oportuno, dos arguidos B… e I1…, dada a grande quantidade de outros factos provados no acórdão recorrido, maioritariamente relativos a outros arguidos e anódinos para a presente decisão. A reprodução dos factos relativos aos arguidos B1… e I… deve-se, quanto ao primeiro, a que os factos correspondentes interessam à decisão do recurso interposto pela recorrente F1… e, quanto ao segundo, a que a acção delituosa que, por sua parte, se provou está muito imbricada com as dos arguidos C1…, D1… e E1…, e, em consequência, os factos correspondentes interessam a uma completa compreensão da culpa dos referidos recorrentes. E também assim procederemos, quanto à motivação da decisão de facto. [2] Redacção da Lei n.° 45/96, de 3/9.