I- Não é de conhecer da excepção da caducidade na sentença quando já foi julgada improcedente no despacho saneador e dele não foi interposto recurso. II- Para o senhorio poder obter a resolução do contrato de arrendamento fundada em causa prevista no n.º 3 do art.º 1083.º do Código Civil, no qual se inclui a falta de pagamento da renda em caso de mora superior a três meses, continua a ser possível o recurso à acção de despejo prevista no art.º 14.º, n.º 1, do NRAU.
Proc. nº 7993/09.9TJPRT.P2 – 3ª Secção (Apelação) Acção Declarativa DL 108/06 – 3º Juízo Cível do Porto Rel. Deolinda Varão (689) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Carlos Portela Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B….. e C…… instauraram acção declarativa, ao abrigo do disposto no DL 108/06, contra D….. . Formularam os seguintes pedidos: a) Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento vigente entre as autoras e a ré; b) Ser a ré condenada a entregar imediatamente o locado, livre de pessoas e coisas, sem deteriorações tal, como o recebeu; c) Ser a ré condenada a pagar às autoras a quantia de € 311,75, acrescida de rendas que entretanto se vencerem até à entrega efectiva do locado; d) Ser a ré condenada a pagar os consumos de água já vencidos no valor de € 100,40 acrescidos dos consumos de água que vierem a ser debitados às autoras, na proporção de 1/8 das facturas. Como fundamento, alegaram, em síntese, que a ré não pagou algumas das rendas devidas pelo contrato de arrendamento referido na petição inicial. A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial e invocando a caducidade do direito das autoras. As autoras responderam à excepção, pugnando pela sua improcedência. De seguida, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré. As autoras desistiram da instância relativamente ao pedido formulado na al. d) do petitório, desistência essa que foi homologada por sentença. Percorrida a tramitação subsequente, com a realização de audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a ré nos pedidos formulados pelas autoras. A ré recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – O direito que as autoras pretendem exercer com a presente acção já havia caducado na data da propositura da presente acção, intentada a 29.04.09. 2ª – Nos termos do nº 1 do artº 1085º do CC, a resolução do contrato de arrendamento deve ter lugar dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto, o que não sucedeu. 3ª – Resulta também que, fazendo a soma dos valores dados como pagos pela apelante na sentença ora em crise, esta até pagou mais do que devia, ou seja um total de € 965,82. 4ª – Ou seja, o valor dado como provado e ter sido pago pela apelante, corresponde ao valor das rendas peticionadas bem como do depósito liberatório previsto no disposto no artº 1042º do CC, conjugado com o nº 1 do artº 1041º do CC. 5ª – Por outro lado, a operar-se a resolução do contrato de arrendamento baseado no disposto no nº 3 do artº 1083º do CC, esta deveria ser feita mediante comunicação das autoras à ré, “onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida”, o que nunca sucedeu. 6ª – Como também nunca a apelante foi notificada da resolução do contrato de arrendamento através de comunicação feita pelas senhorias, com a devida fundamentação, como exige a lei. 7ª – Por outro lado, nos termos do nº 2 do artº 804º CC, “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efectuada no tempo devido.” 8ª – Deste modo, “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.” – artº 805º nº 1 do CC – o que nunca aconteceu neste processo. 9ª – Ora, nunca a apelante foi notificada pelas autoras para proceder ao pagamento da indemnização do artigo 1041º, nº 1 do CC, nem para a resolução do contrato de arrendamento. 10ª – Pelo que, não pode considerar-se que existe mora no pagamento das rendas, ou comunicação da resolução do contrato de arrendamento por parte das autoras. 11ª – Assim, apodíctico é o facto de que a matéria dada como provada pela sentença a quo viola o nº 1 do artº 1085º CC, nº 3, o artº 493º do CPC, 1041º, nº 1 do CC, e 1048º, nº 1 do CC. As autoras não contra-alegaram. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: 1. As autoras são actuais proprietárias do prédio sito na Rua …., nº …, no Porto. 2. Em 01.01.86, por documento escrito, E…., pai das autoras, deu à ré o gozo da casa 1 daquele mesmo prédio com destino à habitação. 3. O identificado contrato tinha a duração de um ano renovável, por igual período com início em 01.01.86 e termo em 31.12.86. 4. Na qualidade de inquilina, a ré obrigou-se a liquidar à data daquele contrato a renda mensal de € 6,48, em casa do senhorio, ou do seu legal representante no 1º dia útil do mês anterior ao que respeitasse bem como os consumos de água na proporção dos inquilinos que habitassem o bairro. 5. Posteriormente, veio a falecer o pai das autoras, tendo estas sucedido na herança. 6. A partir de Março de 2003, a ré depositou a quantia de € 74,21 relativa a rendas. 7. Em 2004, a ré a liquidou a quantia de € 110,00, relativa a rendas. 8. Em 2005, a ré pagou € 188,00, relativa a rendas. 9. Em 2006, a ré pagou € 70,38, relativa a rendas. 10. Em 2007, a ré depositou € 150,22, relativa a rendas. 11. Em 2008, a ré depositou a quantia de € 89,28, relativa a rendas. 12. A partir de Abril de 2009, a ré depositou o equivalente a 20 rendas. A ré não impugnou o valor mensal da renda indicado pelas autoras, pelo que se tem o mesmo como admitido por acordo (artº 490º, nºs 1 e 2 do CPC). Assim, está ainda provado que: - Em 2033, a renda mensal era de € 12,40; - Em 2004, a renda mensal era de € 12,86; - Em 2005, a renda mensal era de € 13,18; - Em 2006, a renda mensal era de € 13,46; - Em 2007, a renda mensal era de € 13,88; - Em 2008, a renda mensal era de € 14,23; - Em 2009, a renda mensal era de € 14,63.*III. As questões que estão delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nºs 1 e 3 do CPC) são as seguintes: - Se caducou o direito das autoras a pedirem a resolução do contrato de arrendamento; - Se a ré depositou as quantias em dívida; - Se a ré não entrou em mora relativamente à obrigação de pagamento das rendas; 1. Caducidade do direito das autoras O regime de recursos introduzido pelo DL 303/07, de 24.08, eliminou o regime dualista de recursos ordinários para a Relação até então vigente (apelação e agravo), e introduziu o regime monista da apelação, a recorribilidade, em regra, apenas da decisão final (artº 691º, nº 1 do CPC) e a impugnabilidade, neste recurso da decisão final, das decisões intercalares (nº 3 do mesmo preceito) com excepção das enumeradas nas diversas alíneas do nº 2 do mesmo artº 691º, que são recorríveis autonomamente. Uma das decisões que é recorrível autonomamente é o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa (al. h) do nº 2 do citado artº 691º do CPC). No regime de recursos anterior ao DL 303/07, dizia-se expressamente que a sentença ou o despacho saneador que julgassem da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória decidiam do mérito da causa (anterior nº 2 do artº 691º). No actual regime, não existe norma idêntica. Porém, considerando a evolução histórica a partir da primitiva redacção do artº 691º e da que foi fixada na reforma de 1995, é possível concluir que o conceito que agora se retoma na al. h) do nº 2 do artº 691º se encontra definitivamente estabilizado, sem necessidade de expressa consagração legal[1]. Assim, pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato[2]. No caso, a excepção peremptória da caducidade do direito da autora, invocada pela ré na sua contestação, foi julgada improcedente no despacho saneador. Nessa parte, o despacho saneador admite recurso autónomo, por força do disposto na al. h) do nº 2 do artº 691º do CPC, pelo que a ré deveria ter interposto tal recurso. Não o tendo feito, o despacho saneador transitou em julgado na parte em que julgou improcedente a excepção peremptória da caducidade (artº 677º do CPC), não podendo ser agora impugnado no recurso da sentença final nos termos do 3 do artº 691º do CPC. Pelo exposto, não se conhece da excepção da caducidade do direito da autora. 2. Pagamento das rendas Sustenta a ré que as autoras pedem a quantia de € 311,75 de rendas vencidas e que a ré já depositou a quantia de € 965,82. As autoras reportam-se às rendas vencidas a partir de Março de 2003 até Abril de 2009, o que perfaz o montante global de € 1.052,36, assim discriminado: - A partir de Março de 2003: € 124,00 (€ 12,40 x 10; - Em 2004: € 154,32 (€ 12,86 x 12); - Em 2005: € 158,16 (€ 13,18 x 12); - Em 2006: € 161,52 (€ 13,46 x 12); - Em 2007: € 166,56 (€ 13,88 x 12); - Em 2008: € 170,76 (€ 14,23 x 12); - Em 2009: € 58,52 (€ 14,63 x 12). Ora, a ré depositou a quantia global de € 965,82, tendo o último depósito sido feito em 09.10.09, pelo que se assume que parte daquela quantia se destinou ao pagamento das rendas vencidas após Abril de 2009. A quantia depositada pela ré é, assim, claramente inferior à devida, mesmo a título de rendas singelas – sendo que, como adiante veremos, estando a ré em mora, deveria ter depositado a indemnização a que se reporta o artº 1041º, nº 1 do CC. 3. Mora da ré Sustenta a ré que não está em mora no pagamento das rendas e da indemnização a que se reporta o artº 1041º, nº 1 do CC porque nunca lhe foi enviada qualquer comunicação pelas autoras para proceder àqueles pagamentos. A ré estava obrigada a pagar a renda no 1º dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse. Estamos perante uma obrigação com prazo certo, pelo que a ré, não pagando a renda, ou não pagando o valor total da mesma, no 1º dia útil do mês anterior àquele a que a renda respeitasse, a ré constituiu-se em mora a partir desse dia, independentemente de interpelação das autoras (artºs 804º, nºs 1 e 2 e 805º, nº 2, al. a) do CC). Tendo-se a ré constituído em mora, as autoras passaram a ter direito a pedir a resolução do contrato (caso a mora fosse superior a 3 meses – artº 1083º, nº 3 do CC) ou a exigir uma indemnização igual a 50% do que fosse devido (artº 1041º, nº 1 do CC). Os direitos da autora à resolução e à indemnização só cessariam se a ré tivesse feito cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo (nº 2 do citado artº 1041º do CC). Poderia também a ré ter feito cessar a mora oferecendo às autoras o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização de 50% fixada no nº 1 do artº 1041º (artº 1042º, nº 1 do CC), podendo recorrer à consignação em depósito, caso as autoras se recusassem a a receber aquelas importâncias (nº 2 do mesmo artº 1042º). Como se vê, a obrigação de pagamento da indemnização de 50% impendia sobre a ré, caso quisesse fazer cessar a mora, independentemente de qualquer interpelação das autoras. Finalmente, diz o artº 1084º, nº 1 do CC que a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do artº 1083º opera por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida. Prevê-se no artº 9º, nº 7 do NRAU que a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº 1 do artº 1084º do CC, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando. Por seu turno, o artº 14º, nº 1 do NRAU dispõe que a acção de despejo se destina a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo. A questão que se coloca é assim a de saber se, para o senhorio obter a resolução do contrato de arrendamento fundada em causa prevista no nº 3 do artº 1083º do CC, na qual se inclui a falta de pagamento da renda em caso de mora superior a três meses, continua a ser possível o recurso à acção de despejo, prevista no artº 14º, nº 1 do NRAU, ou se só é lícito ao senhorio o recurso à via extrajudicial, mediante comunicação ao arrendatário a efectuar através da forma prevista no artº 9º, nº 7 do mesmo Diploma. Acompanhando os argumentos aduzidos a favor da possibilidade de recurso à acção de despejo, mesmo no caso de mora no pagamento da renda com duração superior a três meses, por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge[3] e por Gravato Morais[4], entendemos que é possível o recurso à via judicial. Segundo aqueles autores, constituem vantagens da possibilidade de recurso à acção de despejo: - evitar o “compasso de espera” de 3 meses de duração da mora para o senhorio poder efectuar a comunicação destinada à resolução extrajudicial do contrato; - evitar um novo “compasso de espera” de mais 3 meses, subsequentes à comunicação do senhorio, para eventual purgação da mora, conforme previsto no artº 1084º, nº3, do CC, e para a exigibilidade da desocupação do locado nos termos do artº 1087º do CC (já que na acção de despejo pode decretar-se o despejo imediato); - evitar as vicissitudes e dificuldades inerentes à notificação avulsa ou contacto pessoal exigidos pela lei para efectivar a resolução extrajudicial, em especial nos casos em que o paradeiro do arrendatário é desconhecido; - evitar que a execução para entrega de coisa certa fique suspensa se for recebida oposição à execução (artº 930º-B, nº1, al. a) do CPC); - obviar a uma eventual responsabilização nos termos do artº 930º-E, do CPC, norma cujo campo de aplicação se circunscreve à execução fundada em título extrajudicial; - cumular o pedido de resolução com o de indemnização ou rendas, ou com o de denúncia, quando esta tenha de operar pela via judicial (artº 1086º do CC) ou cumular vários fundamentos de resolução, evitando assim que o litígio sobre a resolução do contrato seja tratado em dois processos distintos, ou seja, na acção de despejo e na oposição à execução; - permitir ao arrendatário que deduza logo pedido reconvencional, em especial com fundamento em benfeitorias, evitando que a discussão dessa matéria seja relegada para a oposição à execução; - forçar a uma purgação da mora mais célere (até ao termo do prazo para a contestação), esgotando-se o recurso a essa faculdade, já que apenas pode ser usada uma única vez na fase judicial (artº 1048º, nºs 1 e 2 do CC); - lançar mão do incidente de despejo imediato previsto no artº 14º, nºs 4 e 5, do NRAU. Este entendimento não só encontra o mínimo de correspondência no texto legal como é o que melhor reconstitui o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias específicas do tempo em que é aplicado, bem como o desejável acerto e adequação das soluções consagradas (artigo 9º do CC). E a ele não obsta a noção algo redutora de acção de despejo constante do artº 14º, nº 1, do NRAU, acima transcrito, por se tratar de preceito que foi decalcado do artº 55º, nº 1 do RAU (DL nº 321-B/90, de 15.10), sem ter havido o cuidado de adaptação ao novo regime, em que a resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio já não tem de ser sempre declarada judicialmente. Aliás, a exclusão do respectivo regime da figura da acção de despejo criaria incongruências, como a não aplicação do disposto no artº 14º do NRAU relativamente ao incidente de despejo imediato por falta de pagamento de renda. Assim, para além da figura de despejo stricto sensu, a instaurar quando a via judicial é o único modo de obter a cessação - por resolução ou denúncia - da situação jurídica do arrendamento, o conceito de acção de despejo tem um sentido amplo, por contraposição “às acções em que se aprecie a validade e subsistência de contratos de arrendamento” (referidas no artº 678º, nº 5, do CPC) e às execuções para entrega de coisa imóvel arrendada (artº 930º-A do CPC), abrangendo todas as acções declarativas instauradas pelo senhorio para promover a cessação do contrato quando esta não operou ipso iure, como acontece com a caducidade, nem extrajudicialmente (inexistindo título extrajudicial). E nem mesmo a noção de despejo stricto sensu é afrontada quando se admite que o senhorio possa usá-la para obter a resolução judicial do contrato de arrendamento em caso de falta de pagamento da renda, independentemente da duração da mora, porquanto, quando o arrendatário deixar de pagar a renda, a mora diz respeito às diferentes rendas que se vão vencendo, em regra mensalmente, pelo que se quanto à primeira que deixou de ser paga o atraso é superior a três meses, já quanto às demais ainda não tem essa duração e, pretendendo o senhorio, certamente, fundar a resolução na falta de pagamento de todas as rendas em atraso, terá de recorrer à acção de despejo, assim o impondo a lei. O legislador não pretendeu, de modo algum, retirar direitos ao senhorio, designadamente afastar o direito de resolução judicial do contrato quando a mora tenha duração igual ou inferior a três meses, nem sequer quando tenha duração superior a três meses. E se a redacção dos artºs 1083º, nº 3 e 1084º, nº 1 do CC permite uma interpretação literal no sentido de que se pretendeu impor uma solução extrajudicial, não é isso que decorre de outras normas, nomeadamente do artº 1048º do Código Civil - que, embora seja uma norma geral da locação, viu a sua redacção ser alterada precisamente para o harmonizar com o NRAU - e do artº 21º do NRAU. Este último preceito, relativo à “impugnação do depósito”, estipula no seu nº 2, que, quando o senhorio pretenda resolver extrajudicialmente o contrato por não pagamento da renda, a impugnação deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito. De onde resulta que o senhorio pode quando assim o pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda; e terá obrigatoriamente de a intentar, mesmo que tenha feito a comunicação extrajudicial, se quiser impugnar o depósito efectuado. Se a intenção do legislador fosse inviabilizar o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas nos casos em que esta podia operar por via extrajudicial, a redacção do artº 15º, nº 1, al. e) do NRAU teria sido diferente, pois não faria sentido exigir-se o contrato de arrendamento para servir de título executivo [documento que não é exigido pela al. f) do mesmo artigo], quando é sabido que, muitos arrendamentos de pretérito (sobretudo habitacionais) não estão reduzidos a escrito, sendo inviável a formação de título executivo. Por outro lado, dispondo o nº 3 do artº 1084º do CC que a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de 3 meses, já o nº 4 do mesmo preceito, relativo a outra situação de resolução extrajudicial do contrato, fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, não comporta a referência “quando opere por comunicação à contraparte”. Portanto, o legislador sentiu necessidade dessa referência para precisar que a possibilidade de purgação da mora prevista no artº 1084º, nº 3 do CC é aplicável unicamente aos casos em que a resolução por falta de pagamento de renda opera extrajudicialmente, o que indica que também pode operar judicialmente, por via da acção de despejo. É o que também decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano nº 34/X, cujo ponto 2, intitulado “A agilização processual” (em particular o último parágrafo do Ponto 2 da Exposição de Motivos - “nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a 3 meses, ou devido a oposição do arrendatário à realização de obra … se o senhorio proceder à notificação judicial avulsa do arrendatário e este mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial” - ou o parágrafo constante do Ponto 1, com o seguinte teor “O regime jurídico manterá a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”), evidencia que se pretendeu apenas permitir/facultar a formação de título executivo extrajudicial, possibilitando ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, mas não impor-lhe esta via. E também não seria razoável que, perante um incumprimento com a gravidade de que a falta de pagamento de renda se reveste, o legislador tivesse pretendido limitar de forma tão gravosa o direito de acção do senhorio, obrigando-o a esperar seis meses para poder recorrer aos tribunais, e forçosamente à acção executiva, que poderá ficar suspensa, designadamente se for recebida oposição à execução (artº 930º-B do CPC). Uma interpretação no sentido de considerar vedado ou inadmissível o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento fundada em falta de pagamento das rendas em caso de mora superior a três meses implicaria um retrocesso na tutela judicial do direito de propriedade do senhorio, constitucionalmente consagrado no artº 62º da CRP e uma denegação do direito de acção, contrariando os princípios consagrados no artº 20º também da Lei Fundamental. Conclui-se, deste modo, que a intervenção do legislador na matéria em causa, embora infeliz quanto à redacção e inserção sistemática do nº 3 do artº 1083º do CC, não visou limitar o direito de acção do senhorio, mas apenas facilitar/acelerar a entrega coerciva do arrendado, tornando dispensável, em certas situações a acção declarativa de despejo. E, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas, entende-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (artº 9º do CC). [Nesta última parte, seguimos de perto o Ac. desta Relação de 20.04.09, relatado pela relatora deste e subscrito pelo 1º-Adjunto, publicado em www.dgsi.pt.]. Assim, no caso dos autos, as autoras não estavam obrigadas a resolver o contrato de arrendamento por meio de comunicação extra-judicial, podendo fazê-lo por recurso à acção de despejo, como fizeram. Improcedem, pois, todas as conclusões da ré, pelo que resta confirmar a sentença recorrida.*IV. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência: - Confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. ***Porto, 14 de Março de 2013 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Evaristo José Freitas Vieira Carlos Jorge Ferreira Portela __________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3ª ed., pág. 203; No mesmo sentido, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 126, nota 108. [2] Abrantes Geraldes, obra e lugar citados. [3] Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª ed., págs. 324 e segs. [4] Novo Regime do Arrendamento Comercial, págs. 104 e 105.
Proc. nº 7993/09.9TJPRT.P2 – 3ª Secção (Apelação) Acção Declarativa DL 108/06 – 3º Juízo Cível do Porto Rel. Deolinda Varão (689) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Carlos Portela Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B….. e C…… instauraram acção declarativa, ao abrigo do disposto no DL 108/06, contra D….. . Formularam os seguintes pedidos: a) Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento vigente entre as autoras e a ré; b) Ser a ré condenada a entregar imediatamente o locado, livre de pessoas e coisas, sem deteriorações tal, como o recebeu; c) Ser a ré condenada a pagar às autoras a quantia de € 311,75, acrescida de rendas que entretanto se vencerem até à entrega efectiva do locado; d) Ser a ré condenada a pagar os consumos de água já vencidos no valor de € 100,40 acrescidos dos consumos de água que vierem a ser debitados às autoras, na proporção de 1/8 das facturas. Como fundamento, alegaram, em síntese, que a ré não pagou algumas das rendas devidas pelo contrato de arrendamento referido na petição inicial. A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial e invocando a caducidade do direito das autoras. As autoras responderam à excepção, pugnando pela sua improcedência. De seguida, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré. As autoras desistiram da instância relativamente ao pedido formulado na al. d) do petitório, desistência essa que foi homologada por sentença. Percorrida a tramitação subsequente, com a realização de audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a ré nos pedidos formulados pelas autoras. A ré recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – O direito que as autoras pretendem exercer com a presente acção já havia caducado na data da propositura da presente acção, intentada a 29.04.09. 2ª – Nos termos do nº 1 do artº 1085º do CC, a resolução do contrato de arrendamento deve ter lugar dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto, o que não sucedeu. 3ª – Resulta também que, fazendo a soma dos valores dados como pagos pela apelante na sentença ora em crise, esta até pagou mais do que devia, ou seja um total de € 965,82. 4ª – Ou seja, o valor dado como provado e ter sido pago pela apelante, corresponde ao valor das rendas peticionadas bem como do depósito liberatório previsto no disposto no artº 1042º do CC, conjugado com o nº 1 do artº 1041º do CC. 5ª – Por outro lado, a operar-se a resolução do contrato de arrendamento baseado no disposto no nº 3 do artº 1083º do CC, esta deveria ser feita mediante comunicação das autoras à ré, “onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida”, o que nunca sucedeu. 6ª – Como também nunca a apelante foi notificada da resolução do contrato de arrendamento através de comunicação feita pelas senhorias, com a devida fundamentação, como exige a lei. 7ª – Por outro lado, nos termos do nº 2 do artº 804º CC, “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efectuada no tempo devido.” 8ª – Deste modo, “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.” – artº 805º nº 1 do CC – o que nunca aconteceu neste processo. 9ª – Ora, nunca a apelante foi notificada pelas autoras para proceder ao pagamento da indemnização do artigo 1041º, nº 1 do CC, nem para a resolução do contrato de arrendamento. 10ª – Pelo que, não pode considerar-se que existe mora no pagamento das rendas, ou comunicação da resolução do contrato de arrendamento por parte das autoras. 11ª – Assim, apodíctico é o facto de que a matéria dada como provada pela sentença a quo viola o nº 1 do artº 1085º CC, nº 3, o artº 493º do CPC, 1041º, nº 1 do CC, e 1048º, nº 1 do CC. As autoras não contra-alegaram. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: 1. As autoras são actuais proprietárias do prédio sito na Rua …., nº …, no Porto. 2. Em 01.01.86, por documento escrito, E…., pai das autoras, deu à ré o gozo da casa 1 daquele mesmo prédio com destino à habitação. 3. O identificado contrato tinha a duração de um ano renovável, por igual período com início em 01.01.86 e termo em 31.12.86. 4. Na qualidade de inquilina, a ré obrigou-se a liquidar à data daquele contrato a renda mensal de € 6,48, em casa do senhorio, ou do seu legal representante no 1º dia útil do mês anterior ao que respeitasse bem como os consumos de água na proporção dos inquilinos que habitassem o bairro. 5. Posteriormente, veio a falecer o pai das autoras, tendo estas sucedido na herança. 6. A partir de Março de 2003, a ré depositou a quantia de € 74,21 relativa a rendas. 7. Em 2004, a ré a liquidou a quantia de € 110,00, relativa a rendas. 8. Em 2005, a ré pagou € 188,00, relativa a rendas. 9. Em 2006, a ré pagou € 70,38, relativa a rendas. 10. Em 2007, a ré depositou € 150,22, relativa a rendas. 11. Em 2008, a ré depositou a quantia de € 89,28, relativa a rendas. 12. A partir de Abril de 2009, a ré depositou o equivalente a 20 rendas. A ré não impugnou o valor mensal da renda indicado pelas autoras, pelo que se tem o mesmo como admitido por acordo (artº 490º, nºs 1 e 2 do CPC). Assim, está ainda provado que: - Em 2033, a renda mensal era de € 12,40; - Em 2004, a renda mensal era de € 12,86; - Em 2005, a renda mensal era de € 13,18; - Em 2006, a renda mensal era de € 13,46; - Em 2007, a renda mensal era de € 13,88; - Em 2008, a renda mensal era de € 14,23; - Em 2009, a renda mensal era de € 14,63.*III. As questões que estão delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nºs 1 e 3 do CPC) são as seguintes: - Se caducou o direito das autoras a pedirem a resolução do contrato de arrendamento; - Se a ré depositou as quantias em dívida; - Se a ré não entrou em mora relativamente à obrigação de pagamento das rendas; 1. Caducidade do direito das autoras O regime de recursos introduzido pelo DL 303/07, de 24.08, eliminou o regime dualista de recursos ordinários para a Relação até então vigente (apelação e agravo), e introduziu o regime monista da apelação, a recorribilidade, em regra, apenas da decisão final (artº 691º, nº 1 do CPC) e a impugnabilidade, neste recurso da decisão final, das decisões intercalares (nº 3 do mesmo preceito) com excepção das enumeradas nas diversas alíneas do nº 2 do mesmo artº 691º, que são recorríveis autonomamente. Uma das decisões que é recorrível autonomamente é o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa (al. h) do nº 2 do citado artº 691º do CPC). No regime de recursos anterior ao DL 303/07, dizia-se expressamente que a sentença ou o despacho saneador que julgassem da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória decidiam do mérito da causa (anterior nº 2 do artº 691º). No actual regime, não existe norma idêntica. Porém, considerando a evolução histórica a partir da primitiva redacção do artº 691º e da que foi fixada na reforma de 1995, é possível concluir que o conceito que agora se retoma na al. h) do nº 2 do artº 691º se encontra definitivamente estabilizado, sem necessidade de expressa consagração legal[1]. Assim, pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato[2]. No caso, a excepção peremptória da caducidade do direito da autora, invocada pela ré na sua contestação, foi julgada improcedente no despacho saneador. Nessa parte, o despacho saneador admite recurso autónomo, por força do disposto na al. h) do nº 2 do artº 691º do CPC, pelo que a ré deveria ter interposto tal recurso. Não o tendo feito, o despacho saneador transitou em julgado na parte em que julgou improcedente a excepção peremptória da caducidade (artº 677º do CPC), não podendo ser agora impugnado no recurso da sentença final nos termos do 3 do artº 691º do CPC. Pelo exposto, não se conhece da excepção da caducidade do direito da autora. 2. Pagamento das rendas Sustenta a ré que as autoras pedem a quantia de € 311,75 de rendas vencidas e que a ré já depositou a quantia de € 965,82. As autoras reportam-se às rendas vencidas a partir de Março de 2003 até Abril de 2009, o que perfaz o montante global de € 1.052,36, assim discriminado: - A partir de Março de 2003: € 124,00 (€ 12,40 x 10; - Em 2004: € 154,32 (€ 12,86 x 12); - Em 2005: € 158,16 (€ 13,18 x 12); - Em 2006: € 161,52 (€ 13,46 x 12); - Em 2007: € 166,56 (€ 13,88 x 12); - Em 2008: € 170,76 (€ 14,23 x 12); - Em 2009: € 58,52 (€ 14,63 x 12). Ora, a ré depositou a quantia global de € 965,82, tendo o último depósito sido feito em 09.10.09, pelo que se assume que parte daquela quantia se destinou ao pagamento das rendas vencidas após Abril de 2009. A quantia depositada pela ré é, assim, claramente inferior à devida, mesmo a título de rendas singelas – sendo que, como adiante veremos, estando a ré em mora, deveria ter depositado a indemnização a que se reporta o artº 1041º, nº 1 do CC. 3. Mora da ré Sustenta a ré que não está em mora no pagamento das rendas e da indemnização a que se reporta o artº 1041º, nº 1 do CC porque nunca lhe foi enviada qualquer comunicação pelas autoras para proceder àqueles pagamentos. A ré estava obrigada a pagar a renda no 1º dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse. Estamos perante uma obrigação com prazo certo, pelo que a ré, não pagando a renda, ou não pagando o valor total da mesma, no 1º dia útil do mês anterior àquele a que a renda respeitasse, a ré constituiu-se em mora a partir desse dia, independentemente de interpelação das autoras (artºs 804º, nºs 1 e 2 e 805º, nº 2, al. a) do CC). Tendo-se a ré constituído em mora, as autoras passaram a ter direito a pedir a resolução do contrato (caso a mora fosse superior a 3 meses – artº 1083º, nº 3 do CC) ou a exigir uma indemnização igual a 50% do que fosse devido (artº 1041º, nº 1 do CC). Os direitos da autora à resolução e à indemnização só cessariam se a ré tivesse feito cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo (nº 2 do citado artº 1041º do CC). Poderia também a ré ter feito cessar a mora oferecendo às autoras o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização de 50% fixada no nº 1 do artº 1041º (artº 1042º, nº 1 do CC), podendo recorrer à consignação em depósito, caso as autoras se recusassem a a receber aquelas importâncias (nº 2 do mesmo artº 1042º). Como se vê, a obrigação de pagamento da indemnização de 50% impendia sobre a ré, caso quisesse fazer cessar a mora, independentemente de qualquer interpelação das autoras. Finalmente, diz o artº 1084º, nº 1 do CC que a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do artº 1083º opera por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida. Prevê-se no artº 9º, nº 7 do NRAU que a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº 1 do artº 1084º do CC, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando. Por seu turno, o artº 14º, nº 1 do NRAU dispõe que a acção de despejo se destina a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo. A questão que se coloca é assim a de saber se, para o senhorio obter a resolução do contrato de arrendamento fundada em causa prevista no nº 3 do artº 1083º do CC, na qual se inclui a falta de pagamento da renda em caso de mora superior a três meses, continua a ser possível o recurso à acção de despejo, prevista no artº 14º, nº 1 do NRAU, ou se só é lícito ao senhorio o recurso à via extrajudicial, mediante comunicação ao arrendatário a efectuar através da forma prevista no artº 9º, nº 7 do mesmo Diploma. Acompanhando os argumentos aduzidos a favor da possibilidade de recurso à acção de despejo, mesmo no caso de mora no pagamento da renda com duração superior a três meses, por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge[3] e por Gravato Morais[4], entendemos que é possível o recurso à via judicial. Segundo aqueles autores, constituem vantagens da possibilidade de recurso à acção de despejo: - evitar o “compasso de espera” de 3 meses de duração da mora para o senhorio poder efectuar a comunicação destinada à resolução extrajudicial do contrato; - evitar um novo “compasso de espera” de mais 3 meses, subsequentes à comunicação do senhorio, para eventual purgação da mora, conforme previsto no artº 1084º, nº3, do CC, e para a exigibilidade da desocupação do locado nos termos do artº 1087º do CC (já que na acção de despejo pode decretar-se o despejo imediato); - evitar as vicissitudes e dificuldades inerentes à notificação avulsa ou contacto pessoal exigidos pela lei para efectivar a resolução extrajudicial, em especial nos casos em que o paradeiro do arrendatário é desconhecido; - evitar que a execução para entrega de coisa certa fique suspensa se for recebida oposição à execução (artº 930º-B, nº1, al. a) do CPC); - obviar a uma eventual responsabilização nos termos do artº 930º-E, do CPC, norma cujo campo de aplicação se circunscreve à execução fundada em título extrajudicial; - cumular o pedido de resolução com o de indemnização ou rendas, ou com o de denúncia, quando esta tenha de operar pela via judicial (artº 1086º do CC) ou cumular vários fundamentos de resolução, evitando assim que o litígio sobre a resolução do contrato seja tratado em dois processos distintos, ou seja, na acção de despejo e na oposição à execução; - permitir ao arrendatário que deduza logo pedido reconvencional, em especial com fundamento em benfeitorias, evitando que a discussão dessa matéria seja relegada para a oposição à execução; - forçar a uma purgação da mora mais célere (até ao termo do prazo para a contestação), esgotando-se o recurso a essa faculdade, já que apenas pode ser usada uma única vez na fase judicial (artº 1048º, nºs 1 e 2 do CC); - lançar mão do incidente de despejo imediato previsto no artº 14º, nºs 4 e 5, do NRAU. Este entendimento não só encontra o mínimo de correspondência no texto legal como é o que melhor reconstitui o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias específicas do tempo em que é aplicado, bem como o desejável acerto e adequação das soluções consagradas (artigo 9º do CC). E a ele não obsta a noção algo redutora de acção de despejo constante do artº 14º, nº 1, do NRAU, acima transcrito, por se tratar de preceito que foi decalcado do artº 55º, nº 1 do RAU (DL nº 321-B/90, de 15.10), sem ter havido o cuidado de adaptação ao novo regime, em que a resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio já não tem de ser sempre declarada judicialmente. Aliás, a exclusão do respectivo regime da figura da acção de despejo criaria incongruências, como a não aplicação do disposto no artº 14º do NRAU relativamente ao incidente de despejo imediato por falta de pagamento de renda. Assim, para além da figura de despejo stricto sensu, a instaurar quando a via judicial é o único modo de obter a cessação - por resolução ou denúncia - da situação jurídica do arrendamento, o conceito de acção de despejo tem um sentido amplo, por contraposição “às acções em que se aprecie a validade e subsistência de contratos de arrendamento” (referidas no artº 678º, nº 5, do CPC) e às execuções para entrega de coisa imóvel arrendada (artº 930º-A do CPC), abrangendo todas as acções declarativas instauradas pelo senhorio para promover a cessação do contrato quando esta não operou ipso iure, como acontece com a caducidade, nem extrajudicialmente (inexistindo título extrajudicial). E nem mesmo a noção de despejo stricto sensu é afrontada quando se admite que o senhorio possa usá-la para obter a resolução judicial do contrato de arrendamento em caso de falta de pagamento da renda, independentemente da duração da mora, porquanto, quando o arrendatário deixar de pagar a renda, a mora diz respeito às diferentes rendas que se vão vencendo, em regra mensalmente, pelo que se quanto à primeira que deixou de ser paga o atraso é superior a três meses, já quanto às demais ainda não tem essa duração e, pretendendo o senhorio, certamente, fundar a resolução na falta de pagamento de todas as rendas em atraso, terá de recorrer à acção de despejo, assim o impondo a lei. O legislador não pretendeu, de modo algum, retirar direitos ao senhorio, designadamente afastar o direito de resolução judicial do contrato quando a mora tenha duração igual ou inferior a três meses, nem sequer quando tenha duração superior a três meses. E se a redacção dos artºs 1083º, nº 3 e 1084º, nº 1 do CC permite uma interpretação literal no sentido de que se pretendeu impor uma solução extrajudicial, não é isso que decorre de outras normas, nomeadamente do artº 1048º do Código Civil - que, embora seja uma norma geral da locação, viu a sua redacção ser alterada precisamente para o harmonizar com o NRAU - e do artº 21º do NRAU. Este último preceito, relativo à “impugnação do depósito”, estipula no seu nº 2, que, quando o senhorio pretenda resolver extrajudicialmente o contrato por não pagamento da renda, a impugnação deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito. De onde resulta que o senhorio pode quando assim o pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda; e terá obrigatoriamente de a intentar, mesmo que tenha feito a comunicação extrajudicial, se quiser impugnar o depósito efectuado. Se a intenção do legislador fosse inviabilizar o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas nos casos em que esta podia operar por via extrajudicial, a redacção do artº 15º, nº 1, al. e) do NRAU teria sido diferente, pois não faria sentido exigir-se o contrato de arrendamento para servir de título executivo [documento que não é exigido pela al. f) do mesmo artigo], quando é sabido que, muitos arrendamentos de pretérito (sobretudo habitacionais) não estão reduzidos a escrito, sendo inviável a formação de título executivo. Por outro lado, dispondo o nº 3 do artº 1084º do CC que a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de 3 meses, já o nº 4 do mesmo preceito, relativo a outra situação de resolução extrajudicial do contrato, fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, não comporta a referência “quando opere por comunicação à contraparte”. Portanto, o legislador sentiu necessidade dessa referência para precisar que a possibilidade de purgação da mora prevista no artº 1084º, nº 3 do CC é aplicável unicamente aos casos em que a resolução por falta de pagamento de renda opera extrajudicialmente, o que indica que também pode operar judicialmente, por via da acção de despejo. É o que também decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano nº 34/X, cujo ponto 2, intitulado “A agilização processual” (em particular o último parágrafo do Ponto 2 da Exposição de Motivos - “nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a 3 meses, ou devido a oposição do arrendatário à realização de obra … se o senhorio proceder à notificação judicial avulsa do arrendatário e este mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial” - ou o parágrafo constante do Ponto 1, com o seguinte teor “O regime jurídico manterá a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”), evidencia que se pretendeu apenas permitir/facultar a formação de título executivo extrajudicial, possibilitando ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, mas não impor-lhe esta via. E também não seria razoável que, perante um incumprimento com a gravidade de que a falta de pagamento de renda se reveste, o legislador tivesse pretendido limitar de forma tão gravosa o direito de acção do senhorio, obrigando-o a esperar seis meses para poder recorrer aos tribunais, e forçosamente à acção executiva, que poderá ficar suspensa, designadamente se for recebida oposição à execução (artº 930º-B do CPC). Uma interpretação no sentido de considerar vedado ou inadmissível o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento fundada em falta de pagamento das rendas em caso de mora superior a três meses implicaria um retrocesso na tutela judicial do direito de propriedade do senhorio, constitucionalmente consagrado no artº 62º da CRP e uma denegação do direito de acção, contrariando os princípios consagrados no artº 20º também da Lei Fundamental. Conclui-se, deste modo, que a intervenção do legislador na matéria em causa, embora infeliz quanto à redacção e inserção sistemática do nº 3 do artº 1083º do CC, não visou limitar o direito de acção do senhorio, mas apenas facilitar/acelerar a entrega coerciva do arrendado, tornando dispensável, em certas situações a acção declarativa de despejo. E, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas, entende-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (artº 9º do CC). [Nesta última parte, seguimos de perto o Ac. desta Relação de 20.04.09, relatado pela relatora deste e subscrito pelo 1º-Adjunto, publicado em www.dgsi.pt.]. Assim, no caso dos autos, as autoras não estavam obrigadas a resolver o contrato de arrendamento por meio de comunicação extra-judicial, podendo fazê-lo por recurso à acção de despejo, como fizeram. Improcedem, pois, todas as conclusões da ré, pelo que resta confirmar a sentença recorrida.*IV. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência: - Confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. ***Porto, 14 de Março de 2013 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Evaristo José Freitas Vieira Carlos Jorge Ferreira Portela __________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3ª ed., pág. 203; No mesmo sentido, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 126, nota 108. [2] Abrantes Geraldes, obra e lugar citados. [3] Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª ed., págs. 324 e segs. [4] Novo Regime do Arrendamento Comercial, págs. 104 e 105.