I - O interesse da criança (ou jovem) constitui o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens. II - Pese embora a preferência do legislador por medidas de promoção e protecção que facultem a integração das crianças e jovens em ambientes familiares (família natural ou família adoptiva), o acolhimento em instituição, ponderadas as circunstâncias do caso, poderá constituir adequada forma de protecção da criança ou jovem privada de conveniente acompanhamento e cuidados familiares. III - Justifica-se a medida de promoção de protecção de acolhimento em instituição a menor (de 16 anos de idade) cuja educação, formação e desenvolvimento se encontram comprometidas, por omissão ou inadequada actuação de seus progenitores, que ao longo dos anos revelaram manifesta incapacidade para assumir as responsabilidades parentais.
Apelação 9458/11.1TBVNG-A.P1 Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Ana Paula Amorim Soares de Oliveira*Sumário do acórdão: 1. O interesse da criança (ou jovem) constitui o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens. 2. Pese embora a preferência do legislador por medidas de promoção e protecção que facultem a integração das crianças e jovens em ambientes familiares (família natural ou família adoptiva), o acolhimento em instituição, ponderadas as circunstâncias do caso, poderá constituir adequada forma de protecção da criança ou jovem privada de conveniente acompanhamento e cuidados familiares. 3. Justifica-se a medida de promoção de protecção de acolhimento em instituição a menor (de 16 anos de idade) cuja educação, formação e desenvolvimento se encontram comprometidas, por omissão ou inadequada actuação de seus progenitores, que ao longo dos anos revelaram manifesta incapacidade para assumir as responsabilidades parentais.*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. No processo de promoção e protecção[1] que corre termos no Tribunal Judicial de V. N. Gaia/Família e Menores, relativo à menor B…, nascida a 15.5.1996[2], filha de C… e de D…, efectuada a instrução (nomeadamente, com a junção de diversos documentos, inclusive relatórios sociais e de avaliação), realizada a conferência prevista nos art.ºs 110º, alínea b) e 112º, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP [aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9, na redacção introduzida pela Lei 31/2003, de 22.8][3], juntos os “relatórios finais” aludidos no despacho de 12.12.2012 e efectuada a diligência de 04.01.2013 (fls. 127), a Mm.ª Juíza a quo, a 11.02.2013, determinou: - “(…) a aplicação de medida provisória de acolhimento institucional (art.ºs 37º e 35º, n.º 1 f) (…)) a executar pelo período de seis meses, no E… sito em …. - As visitas dos progenitores não deverão ocorrer no primeiro mês de institucionalização, e após tal período as mesmas dependerão de autorização prévia por parte deste tribunal após parecer da instituição e da Seg. Social, salvo indicação contrária por parte da psicóloga, de modo a que o processo de autonomização da menor se inicie rapidamente, acompanhado do seu desenvolvimento global em termos relacionais e emocionais. - (…) Decorridos dois meses desde o início da execução da medida deverá ser elaborado relatório social dando conta da evolução da situação da menor”. Inconformados, os progenitores apelaram, terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª – A B… é uma jovem, ainda, mas é também já quase uma mulher adulta face à própria lei. 2ª – Praticamente desde que nasceu que sofre de problemas de saúde, recorrentes e frequentes; são esses problemas de saúde o motivo justificativo das suas ausências às aulas. 3ª – O relatório pericial de fls. 433 dá conta da existência de uma relação de grande proximidade e afectividade entre a menor e os seus progenitores e de outras relações familiares positivas, concluindo não terem sido detectados indicadores de que a menor sofra de sintomatologia de cariz psicológico e dinâmicas indicadoras de fobia social, sendo que a menor expressou sentimentos muito positivos face ao seu contexto escolar actual e às relações interpessoais que mantém no mesmo. 4ª – Deste relatório pericial nada consta que permita sustentar e concluir que a B… está em perigo e muito menos que a situação em que se encontra seja de tal modo grave que possa ser considerada uma situação de emergência ou que se imponha a tomada de uma medida provisória como aquela que foi decidida. 5ª – Não se apuraram sequer no processo factos dos quais resulte a legitimidade legal de intervenção estatuída no art.º 3º da Lei n.º 147/99, de 01.9, não ocorrendo nem se verificando nenhuma das situações legalmente previstas nos n.ºs 1 e 2 desta norma legal – nem a intervenção em causa neste processo obedece aos princípios legais estatuídos no art.º 4º da mesma lei, designadamente nas suas alíneas c) a h), princípios estes que antes viola, de forma clara. 6ª – A B… vive com os seus pais, perfeitamente integrada na família, não sofrendo de quaisquer maus tratos e antes dos pais recebendo a estima, a afeição e os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, não se encontrando em perigo, de qualquer forma. 7ª – A sua institucionalização não tem qualquer justificação, e muito menos se justifica a medida provisória de acolhimento institucional, que não se mostra adequada. 8ª – A decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 3º, 4º, 34º e 36º da Lei 147/99, de 01.9, pelo que deverá ser revogada. O M.º Público respondeu à alegação dos recorrentes, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito devolutivo (fls. 173).[4] Com a concordância dos Exmos. Adjuntos, dispensaram-se os “vistos”. Atento o referido acervo conclusivo, coloca-se, sobretudo, a questão de saber se a medida provisória aplicada se ajusta ao actual quadro fáctico.*II. 1. A 1ª instância - partindo dos diversos relatórios sociais, perícias e depoimentos produzidos nos autos - destacou os seguintes elementos fácticos: a) A presente promoção e protecção iniciou-se com uma denúncia da Escola …, V. N. de Gaia, dando conta de que a menor B… não frequentava as aulas e beneficiava da modalidade de ensino doméstico. b) Tal intervenção foi aceite pelos progenitores da menor apesar de defenderem que a situação de falta de assiduidade da menor estar ligada a problemas de saúde, nomeadamente respiratórios, ligados a crises de ansiedade e dificuldades de integração nos períodos de regresso ao ambiente escolar. c) A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de V. N. de Gaia diligenciou pela avaliação clínica da menor no Centro Hospitalar de V. N. de Gaia (CHVNG), onde o pediatra não lhe detectou qualquer doença orgânica inibidora de uma normal frequência escolar. d) Em 06.11.2009 foi acordada entre os progenitores e a CPCJ a execução de medida de apoio junto daqueles, formalizada em acordo de promoção e protecção devidamente subscrito pelos visados. e) A psiquiatra de infância e adolescência, Dr.ª F…, a qual iniciou o acompanhamento clínico da jovem em 02.11.2009, juntou informação clínica que indicava que esta apresentava um quadro de “fobia social” caracterizado por medo de determinadas situações sociais ou de desempenho nas quais, se exposta à observação de outros, receia poder comportar-se de forma humilhante ou embaraçosa; não detectou indícios do "síndrome de Munchausen by proxy" (patologia psiquiátrica pela qual um terceiro simula, inventa ou exacerba em alguém próximo, normalmente familiar, com ou sem a sua colaboração simbiótica, sintomas de doenças inexistentes sem qualquer motivação lógica que não seja obter simpatia, protecção ou cuidados médicos desnecessários) sem, contudo, poder excluir peremptoriamente essa possibilidade. f) Foi então aconselhado pela mesma clínica que a menor iniciasse uma reintegração progressiva na escola, em regime de ensino regular mas num estabelecimento de ensino que nunca tivesse frequentado antes, para evitar a sua ansiedade face à recordação de problemas antigos, de modo a evitar danos à sua saúde mental futura, e a manutenção do acompanhamento médico especializado. g) No ano lectivo de 2010/11, no Colégio …, a B… frequentou regularmente a escola durante quinze dias, tendo faltado o restante ano lectivo. h) Novos relatórios de pediatria (subscrito pelo Dr. G…, do CHVNG) e pedopsiquiatria (subscrito pela Dr.ª F…, do mesmo estabelecimento hospitalar), confirmaram a inexistência de contra-indicações clínicas à frequência escolar presencial, em regime de ensino regular. i) Em 15.9.2011 começou o ano lectivo de 2011/12 e a B… voltou a matricular-se no Colégio …, no qual foi integrada na turma 9° ., tendo tido um bom acolhimento de professores e colegas. j) A partir de 28.9.2011 a jovem deixou novamente de frequentar as aulas, o que o seu pai justificou sucessivamente com apresentação de dois atestados médicos. k) Dado o incumprimento da medida decretada pela CPCJ foi remetido o processo para este tribunal. l) De acordo com o relatório social de fls. 189 e seguintes[5], a dinâmica do agregado da menor é pautado pelas situações de doença recorrentes desta. m) O progenitor, nascido em 09.5.1968, é responsável por um hipermercado em Matosinhos e a mãe, nascida em 28.10.1961, encontra-se já aposentada. n) Segundo o Dr. G…, médico pediatra do CHVNG/Espinho, o qual acompanhou a jovem a partir de 2009, o mesmo constatou uma grande dependência e protecção materna dado que os receios de que a jovem pudesse contrair doenças são partilhados por ambas, sendo evidente o estado depressivo da menor que contudo não apresentava ideações suicidas. Actualmente, e abordado pela TSS gestora dos autos, continua do parecer que a jovem está deprimida, tem uma fobia social necessitando urgentemente de ajuda especializada e que nesse processo é essencial que retome as aulas em contexto escolar normal. o) A Dr.ª F…, a qual prestou igualmente declarações perante este tribunal[6], considera que desde 2009 a jovem tem beneficiado de acompanhamento próximo por parte dos serviços de saúde, pelo que, reiterando o conteúdo do relatório que já havia enviado à CPCJ, e na medida em que as atitudes e comportamentos da menor não sofreram mudanças apesar de todo o investimento realizado, e sendo certo que a frequência regular do contexto escolar se impõe como meio de ultrapassar as suas dificuldades, coloca a hipótese de um afastamento da jovem do contexto familiar, porquanto os pais não conseguiram contrariar a filha e adoptar uma atitude pró-activa. p) Referiu ainda, nomeadamente, que a jovem necessita de acompanhamento terapêutico que tem de ser acompanhado por uma alteração de comportamentos, nomeadamente da mãe; a desmarcação de consultas por parte da progenitora é frequente; a menor está actualmente a desenvolver uma “perturbação da personalidade com características paranóides” o que exige uma actuação firme e urgente; o encaminhamento para instituição em área geográfica distante da residência é o único, em seu entender que tem margem de sucesso, pois que, afastando-se da mãe poderá conseguir estabelecer vínculos de confiança com as pessoas, professores, amigos e o mundo que a rodeia; em contexto de consulta, é recorrente a mãe anular qualquer tentativa de intervenção da menor. q) A Dr.ª H…, a qual recebeu o processo clínico da menor iniciado com o Dr. G…, sublinhou que este colega elaborou um estudo exaustivo da situação clínica em apreço. Ressalva que, na sua óptica, já foram realizados todos os estudos e investigações possíveis de doenças consideradas graves, como o estudo da imunodeficiência, da imunidade humoral, da imunidade celular, resumidamente todos os estudos que, de uma forma ou de outra, poderiam explicar a existência de tantas infecções, com vista a justificar as mesmas, contudo sem resultado, uma vez que toda essa investigação exaustiva deu respostas negativas. Relata que há uma busca constante de problemas nesta miúda por parte da mãe. Aos "olhos" da medicina a B… é considerada uma jovem relativamente saudável. Na sua óptica, a maioria das infecções e dores abdominais recorrentes são psicossomáticas. Por último diz que, todo este quadro clínico não é incapacitante para a adopção de uma vida típica de adolescente. Em sede de consulta não consegue interagir com a jovem, pois a progenitora está constantemente a anular a B…, manipulando as consultas. É do parecer que ou a terapia familiar ou o afastamento da menor do contexto familiar seriam soluções benéficas para a mesma. r) Segundo a Dr.ª I…, da Clínica Médica de Cuidados Regulares (CMCR), foi inicialmente a progenitora que recorreu aos seus serviços alegando estar deprimida. Por sugestão da Dr.ª J…, a menor inicia com aquela sessões de psicoterapia individual. É parecer da Dr.ª I…e que tanto a jovem como os próprios pais têm que ser ajudados pois que “verifica-se um grave problema de compromisso que compromete qualquer objectivo de melhorar ou de extinguir o problema da menor”. Segundo a mesma clínica a alternativa ao afastamento da menor do contexto familiar poderia ser evitado desde que fosse executado um plano de acompanhamento rigoroso e persistente de acompanhamento clínico e escolar. Segundo a mesma «… A procura de ajuda psicológica por parte da mãe parece-me sincera e genuína. Ou seja existe uma enorme preocupação em ajudar a filha a ultrapassar os seus medos e receios e a favorecer a sua reinserção no mundo social. Existe um enorme sofrimento e desgaste emocional ao presenciar o sofrimento da própria filha. Mas ao mesmo tempo é notória a incapacidade de operacionalizar esse desejo de forma adequada, na medida em que provavelmente a superprotecção e alguma permissividade por parte dos encarregados de educação esteja a favorecer a situação fóbica, as constantes crises víricas, algumas com enormes probabilidades de serem resultantes de sintomatologia psicossomática (dado que os vários despistes feitos eliminam causas físicas que justifiquem as constantes infecções) e o consequente evitamento às situações activadoras de stress, ansiedade, medo e desconforto. (….) Parece fundamental e quase obrigatório que os encarregados de educação sejam também eles alvos de acompanhamento no sentido de os orientar e educar neste processo de aprendizagem de competências sociais satisfatórias…».[8] s) Dado o parecer da Segurança Social, e apesar dos clínicos contactados terem já equacionado a hipótese de que o afastamento da menor do contexto familiar, a par de um eficaz acompanhamento terapêutico e ingresso em contexto escolar normal, fosse o caminho a seguir, após audição dos progenitores e da menor em diligência judicial foram encetadas várias diligências, entre as quais a avaliação psicológica da tríade familiar pelo CICLIF/Instituto de Neurociências, Diagnóstico e Reabilitação Integrada, tendo nessa data os progenitores e a menor assumido o compromisso de retoma da frequência escolar em 05.12.2011. t) Já posteriormente foi junta aos autos “declaração médica” do Dr. K… dando conta que a menor iria ser submetida e intervenção cirúrgica a 21.02.2011 mas que, conquanto assintomática, nada a impediria de ter uma vida normal enquanto aguardasse a cirurgia.[9] u) Em 20.9.2012, e de acordo com o relatório médico elaborado pela Dr.ª H…, do CHVNG/Espinho, «Tendo em conta os dados clínicos e laboratoriais reunidos não se encontram, até à data, elementos que apontem para alguma doença orgânica que contra-indique a integração da adolescente no meio escolar. … Insisto na importância da frequência escolar…para o adequado desenvolvimento psíquico e emocional desta adolescente. (…)»[10] v) Em 13.11.2012 a informação do colégio … é de que a B… é pouco assídua tendo faltado a cerca de metade dos dias lectivos, justificadas por doença, que o aproveitamento escolar é fraco e difícil de avaliar atentas as faltas, tendo tido notas negativas nas poucas disciplinas onde realizou avaliações escritas.[11] w) Analisados os relatórios de avaliação psicológica elaborados pelo CICLIF dos mesmos resulta que: «Em termos globais, a avaliação realizada com recurso aos dados obtidos pelas entrevistas assim como com a utilização de provas psicológicas estandardizadas, devidamente validadas e aferidas para a população portuguesa, sugerem que a B… evidencia um desenvolvimento cognitivo inferior ao que seria esperado atendendo à sua idade cronológica, nível de escolaridade e inserção sócio-cultural. Tal verificou-se, mais especificamente, no que respeita às competências de atenção … e …, às competências mnésicas …, às capacidades construtivas e visuo-espaciais …, capacidade de abstracção…. Mais especificamente, na medida de inteligência geral administrada …a examinada obteve um Qi global… que a enquadra dentro do intervalo inferior ao considerado normativo…. De salientar que de acordo com a avaliação realizada e a experiência clínica o comprometimento cognitivo apresentado pela B… parece estar intimamente relacionado com a irregularidade do seu percurso escolar devido às recorrentes faltas, que se verificam desde que iniciou a sua trajectória escolar. Nesta sequência, é possível indicar que a B… possui potencial intelectual que não tem sido devidamente explorado e trabalhado, nomeadamente em contexto escolar, comprometendo a aquisição e desenvolvimento das competências que são esperadas em crianças da sua idade. Pelo que é de todo o interesse para a examinada frequentar a escola (quer enquanto, espaço formativo, quer enquanto veículo para o estabelecimento de relações interpessoais, aquisição de competências sociais e aprendizagem…).».[12] x) Segundo o CICLIF, existem comportamentos, postura e dinâmicas, nomeadamente por parte dos progenitores, que desempenham um papel importante na manutenção do quadro clínico que a menor tem vindo a evidenciar ao longo da sua trajectória desenvolvimental, a saber: - a existência de uma sobrevalorização dos sinais e sintomas apresentados pela examinada, que contribuem para seu reforço e manutenção; - a procura de uma confirmação, por parte de uma entidade médica, de que a menor apresenta um quadro clínico debilitante e impeditivo de que possa adoptar um estilo de vida normativo para uma criança da sua idade; - a necessidade da progenitora, ao mínimo sinal e/ou sintoma evidenciado pela menor, diligenciar no sentido de ser estabelecido um diagnóstico e lhe ser prescrito algum tratamento, ficando marcadamente ansiosa, o que indicia que a mesma beneficiaria de ajuda terapêutica que a ajudasse a lidar com os estados emocionais acima descritos; - a possibilidade da progenitora acabar por sobrevalorizar algumas queixas da menor, por alguma identificação com as mesmas (atenta a sua própria história clínica também preenchida por vários episódios de doença) e por transferência da sua própria experiência/vivência clínica.[13] 2. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art.º 36º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa/CRP). A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (art.º 67º, n.º 1, da CRP). Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país (art.º 68º, n.º 1, da CRP). As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art.º 69º, n.ºs 1 e 2, da CRP). 3. A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros, da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, considerando-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontre numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe o cuidado ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados para a sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudicais à sua formação ou desenvolvimento; e) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; f) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (art.º 3º da LPCJP). Entre os princípios norteadores da intervenção para a promoção e protecção da criança, destacam-se o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e actualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família [art.º 4º, alíneas a), c), d), e), f) e g), da mesma Lei]. Para efeitos da Lei de Promoção dos Direitos e de Protecção da Criança e do Jovem em Perigo considera-se criança (ou jovem) a pessoa com menos de dezoito anos [art.º 5º, alínea a)][14]. As finalidades das medidas de promoção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.º 34º). As medidas de promoção e protecção vêm enumeradas no art.º 35º, n.º 1, da LPCJP, subdividindo-se em medidas a executar no meio natural de vida ou em regime de colocação (cf. n.º 2). 4. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, n.º 1, do Código Civil/CC). Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e promoção dos direitos dos menores (art.º 1978º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC, na redacção conferida pela Lei n.º 31/2003, de 22.8). 5. A sociedade e o Estado têm o especial dever de desencadear as acções adequadas à protecção da criança vítima de violência, abandono ou tratamento negligente, ou por qualquer outra forma privada de um ambiente familiar normal (art.º 69º, da CRP). É com esse desiderato que surge, no nosso ordenamento jurídico, a LPCJP (art.ºs 1º e 2º). As situações enumeradas no art.º 3º e qualquer outra igualmente susceptível de configurar perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem comprometem os direitos fundamentais da criança ou do jovem, legitimando a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autonomia e na sua família.[15] O direito das crianças à protecção consagrado do art.º 69º da CRP é um “direito social” que não tem por sujeitos passivos apenas o Estado e os poderes públicos, em geral, mas também a “sociedade”, a começar pela própria família (incluindo os progenitores) e pelas demais instituições (creches, escolas, instituições de acolhimento de menores, etc.), o que configura uma clara expressão de direitos fundamentais nas relações entre particulares. O n.º 2, do referido art.º, ao impor ao Estado o dever de especial protecção às crianças órfãs, abandonadas, ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, tem em vista a protecção da criança ou jovem em perigo, promovendo os seus direitos, legitimando a intervenção do Estado, especificando medidas e definindo os esquemas procedimentais indispensáveis a tal protecção. E a Constituição individualiza três situações de perigo (crianças órfãs, abandonadas, privadas de ambiente familiar normal), sendo que na densificação do conceito de “ambiente familiar normal” a “anomalia” deve ser vista na perspectiva da falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança (situações de toxicodependência e de alcoolismo, de prisão dos pais, etc.). Os interesses da criança constituem o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens, justificando a retirada da criança à guarda dos pais e o favorecimento da adopção mesmo contra a oposição dos pais como formas de protecção a crianças privadas de um ambiente familiar normal.[16] 6. Os recorrentes referem, designadamente, que o relatório pericial de fls. 433 [reproduzido nestes autos a fls. 107 e seguintes] dá conta da existência de uma relação de grande proximidade e afectividade entre a menor e os seus progenitores e de outras relações familiares positivas, concluindo não terem sido detectados indicadores de que a menor sofra de sintomatologia de cariz psicológico e dinâmicas indicadoras de fobia social, sendo que a menor expressou sentimentos muito positivos face ao seu contexto escolar actual e às relações interpessoais que mantém no mesmo; afirmam ainda que deste relatório pericial nada consta que permita sustentar e concluir que a B… está em perigo e muito menos que a situação em que se encontra seja de tal modo grave que possa ser considerada uma situação de emergência ou que se imponha a tomada de uma medida provisória como aquela que foi decidida. Na verdade, na parte final do aludido relatório (fls. 122 dos presentes autos), constam aqueles considerandos; contudo, nesse mesmo relatório, e de seguida, são discriminados/especificados os comportamentos, posturas/dinâmicas (nomeadamente por parte dos progenitores – sobretudo da progenitora) com um papel importante na manutenção do quadro clínico que a menor tem vindo a evidenciar ao longo da sua “trajectória desenvolvimental”, sintetizados em II. 1. x), supra, e que sobrelevam na ponderação do caso. 7. Compulsados os autos verificamos que o Tribunal recorrido não deixou de mencionar os factos principais da vida da menor ao longo dos últimos anos, dando especial relevo àqueles que influenciaram o respectivo percurso escolar, a sua formação e o seu desenvolvimento. Analisados os elementos disponíveis, nada justifica o enorme absentismo escolar e os efeitos nefastos daí decorrentes para o percurso escolar da menor, a sua formação e o seu desenvolvimento. Embora se admita que a situação dos autos não é isenta de dificuldades e nenhuma dúvida subsista quanto ao carácter subsidiário das medidas institucionais, afigura-se que o aludido quadro fáctico acaba por tornar adequada e necessária a medida aplicada pelo tribunal a quo, tendo-se por correcta a fundamentação apresentada. Decorre dos autos que a menor, apesar dos episódios de doença que marcaram o seu crescimento como jovem adolescente, não teve por parte dos seus progenitores adequado acompanhamento, sobretudo, tendente a minorar as dificuldades e consequências prejudiciais para a sua formação e o seu desenvolvimento, o que se repercutiu particularmente na respectiva actividade escolar, decisiva nesse processo de formação e desenvolvimento. Dizem-nos os factos, claramente, que os progenitores - principalmente, a progenitora -, têm tido uma actuação potenciadora dessas dificuldades, sem que ao logo dos tempos se tenham verificado quaisquer progressos. Volvidos mais de dois anos e, agora, encontrando-se a menor a menos de um ano da maioridade, impunha-se a adopção de uma medida susceptível de viabilizar uma inflexão no assinalado percurso. Daí que nada se deva objectar à decisão sob censura e respectiva fundamentação: “qualquer processo de recuperação da menor no sentido de a aproximar das dinâmicas sociais e escolares, de modo a recuperar do estado de desenvolvimento cognitivo inferior em que já se encontra exige que a mesma ingresse em contexto institucional adequado às suas características e necessidades”; “a menor tem vivido como que numa redoma, afastada da normal interacção social, com base em receios abstractos e nunca concretizados ou traduzidos em alguma doença que justifique o seu afastamento da vida social, nomeadamente escolar”; “a sua formação académica, o desenvolvimento das suas capacidades sociais e mesmo a sua saúde psíquica encontram-se em claro perigo”; “apesar de todas as variadas e prolongadas intervenções junto da menor e dos elementos adultos do seu agregado familiar nunca foi possível inverter a situação, continuando a menor afastada da escola e de uma vida social normal, sem razão que o justifique”; “a adopção de uma medida de protecção em ambiente familiar apresenta-se incapaz de permitir reverter a situação”; “não resta assim outra solução para além da adopção de uma medida de promoção e protecção fora do ambiente familiar”; “ainda que se admita que tal medida alguma perturbação e sofrimento possa provocar à menor, ponderado tal risco com o risco resultante da continuação da situação em que a menor está, conclui-se que se apresenta muito mais favorável à defesa dos interesses da mesma a adopção da medida de acolhimento institucional, que se apresenta como a única capaz de permitir inserir a menor em ambiente que lhe permita o desenvolvimento das suas competências e capacidades”. 8. Atentos os princípios da proporcionalidade e actualidade, a intervenção de protecção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra, no momento em que a decisão é tomada. Dois dos princípios norteadores da aplicação das medidas de promoção e protecção, como já antes referimos, são os da responsabilidade parental e da prevalência da família [art.º 4º, alíneas f) e g)]. No caso dos autos, a patente incapacidade parental dos progenitores da menor impede que tenha execução o princípio da responsabilidade parental. Tendo presente a factualidade supra descrita e o apontado quadro normativo, conclui-se que a decisão recorrida não desrespeitou quaisquer normas legais e constitucionais, sendo que a medida aplicada [medida de acolhimento em instituição/art. 35º, n.º 1, alínea f)] foi/é a adequada e ajustada à gravidade da situação em apreço, pois o tempo das crianças, o tempo do seu crescimento e desenvolvimento flui inexoravelmente e a um ritmo mais célere que o dos adultos, o que impõe uma intervenção tanto quanto possível precoce, proporcional e adequada à remoção dos perigos e danos que determinaram a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e protecção [art.º 4º, alíneas c) e e)][17]. Face a tudo quanto precede conclui-se pela insubsistência das “conclusões” da alegação de recurso e que foi acertada a decisão do tribunal recorrido.*III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas (art.º 4º, nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais).*Porto, 10.7.2013 José Fonte Ramos Ana Paula Pereira de Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira ________________ [1] Instaurado em 15.4.2009 (cf. fls. 2). [2] Cf. a certidão do assento de nascimento reproduzida a fls. 171. [3] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem. [4] A cópia de fls. 173 integrou os elementos remetidos pelo Tribunal recorrido na sequência do despacho do relator de fls. 166. [5] Datado de 25.11.2011 e que está reproduzido a fls. 14 e seguintes. [6] Cf. a acta da diligência de 12.12.2012, reproduzida a fls. 99 e seguintes. [7] Sublinhado nosso (bem como os demais a incluir no texto). [8] Cf. o Relatório de Parecer Psicológico de 17.11.2011 (fls. 21 e seguinte). [9] Cf. o documento de fls. 89, datado de 10.02.2012. [10] Cf. o documento de fls. 94 e 95. [11] Cf. o documento de fls. 97. E idêntico quadro fáctico veio a ser transmitido aquando da informação de 20.12.2012, relativamente ao 1º período do ano lectivo de 2012/2013 – por exemplo, mencionando-se a existência de 33 faltas à disciplina de Português e 36 faltas à disciplina de Matemática… (fls. 124). [12] Cf. o “Relatório de Psicologia Forense”, datado de 11.11.2012, reproduzido a fls. 107 e seguintes. [13] Idem. [14] À semelhança do previsto na Convenção da ONU sobre os direitos da criança de 1989 (art.º 1º). [15] Vide, a propósito, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, Coimbra Editora, 2009, págs. 34 e seguinte. [16] Vide, neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 869 e seguintes. [17] Cf. o acórdão da RC de 19.10.2010-processo n.º 98/09.6TBGRD.C1, publicado no “site” da dgsi.
Apelação 9458/11.1TBVNG-A.P1 Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Ana Paula Amorim Soares de Oliveira*Sumário do acórdão: 1. O interesse da criança (ou jovem) constitui o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens. 2. Pese embora a preferência do legislador por medidas de promoção e protecção que facultem a integração das crianças e jovens em ambientes familiares (família natural ou família adoptiva), o acolhimento em instituição, ponderadas as circunstâncias do caso, poderá constituir adequada forma de protecção da criança ou jovem privada de conveniente acompanhamento e cuidados familiares. 3. Justifica-se a medida de promoção de protecção de acolhimento em instituição a menor (de 16 anos de idade) cuja educação, formação e desenvolvimento se encontram comprometidas, por omissão ou inadequada actuação de seus progenitores, que ao longo dos anos revelaram manifesta incapacidade para assumir as responsabilidades parentais.*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. No processo de promoção e protecção[1] que corre termos no Tribunal Judicial de V. N. Gaia/Família e Menores, relativo à menor B…, nascida a 15.5.1996[2], filha de C… e de D…, efectuada a instrução (nomeadamente, com a junção de diversos documentos, inclusive relatórios sociais e de avaliação), realizada a conferência prevista nos art.ºs 110º, alínea b) e 112º, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP [aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9, na redacção introduzida pela Lei 31/2003, de 22.8][3], juntos os “relatórios finais” aludidos no despacho de 12.12.2012 e efectuada a diligência de 04.01.2013 (fls. 127), a Mm.ª Juíza a quo, a 11.02.2013, determinou: - “(…) a aplicação de medida provisória de acolhimento institucional (art.ºs 37º e 35º, n.º 1 f) (…)) a executar pelo período de seis meses, no E… sito em …. - As visitas dos progenitores não deverão ocorrer no primeiro mês de institucionalização, e após tal período as mesmas dependerão de autorização prévia por parte deste tribunal após parecer da instituição e da Seg. Social, salvo indicação contrária por parte da psicóloga, de modo a que o processo de autonomização da menor se inicie rapidamente, acompanhado do seu desenvolvimento global em termos relacionais e emocionais. - (…) Decorridos dois meses desde o início da execução da medida deverá ser elaborado relatório social dando conta da evolução da situação da menor”. Inconformados, os progenitores apelaram, terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª – A B… é uma jovem, ainda, mas é também já quase uma mulher adulta face à própria lei. 2ª – Praticamente desde que nasceu que sofre de problemas de saúde, recorrentes e frequentes; são esses problemas de saúde o motivo justificativo das suas ausências às aulas. 3ª – O relatório pericial de fls. 433 dá conta da existência de uma relação de grande proximidade e afectividade entre a menor e os seus progenitores e de outras relações familiares positivas, concluindo não terem sido detectados indicadores de que a menor sofra de sintomatologia de cariz psicológico e dinâmicas indicadoras de fobia social, sendo que a menor expressou sentimentos muito positivos face ao seu contexto escolar actual e às relações interpessoais que mantém no mesmo. 4ª – Deste relatório pericial nada consta que permita sustentar e concluir que a B… está em perigo e muito menos que a situação em que se encontra seja de tal modo grave que possa ser considerada uma situação de emergência ou que se imponha a tomada de uma medida provisória como aquela que foi decidida. 5ª – Não se apuraram sequer no processo factos dos quais resulte a legitimidade legal de intervenção estatuída no art.º 3º da Lei n.º 147/99, de 01.9, não ocorrendo nem se verificando nenhuma das situações legalmente previstas nos n.ºs 1 e 2 desta norma legal – nem a intervenção em causa neste processo obedece aos princípios legais estatuídos no art.º 4º da mesma lei, designadamente nas suas alíneas c) a h), princípios estes que antes viola, de forma clara. 6ª – A B… vive com os seus pais, perfeitamente integrada na família, não sofrendo de quaisquer maus tratos e antes dos pais recebendo a estima, a afeição e os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, não se encontrando em perigo, de qualquer forma. 7ª – A sua institucionalização não tem qualquer justificação, e muito menos se justifica a medida provisória de acolhimento institucional, que não se mostra adequada. 8ª – A decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 3º, 4º, 34º e 36º da Lei 147/99, de 01.9, pelo que deverá ser revogada. O M.º Público respondeu à alegação dos recorrentes, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito devolutivo (fls. 173).[4] Com a concordância dos Exmos. Adjuntos, dispensaram-se os “vistos”. Atento o referido acervo conclusivo, coloca-se, sobretudo, a questão de saber se a medida provisória aplicada se ajusta ao actual quadro fáctico.*II. 1. A 1ª instância - partindo dos diversos relatórios sociais, perícias e depoimentos produzidos nos autos - destacou os seguintes elementos fácticos: a) A presente promoção e protecção iniciou-se com uma denúncia da Escola …, V. N. de Gaia, dando conta de que a menor B… não frequentava as aulas e beneficiava da modalidade de ensino doméstico. b) Tal intervenção foi aceite pelos progenitores da menor apesar de defenderem que a situação de falta de assiduidade da menor estar ligada a problemas de saúde, nomeadamente respiratórios, ligados a crises de ansiedade e dificuldades de integração nos períodos de regresso ao ambiente escolar. c) A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de V. N. de Gaia diligenciou pela avaliação clínica da menor no Centro Hospitalar de V. N. de Gaia (CHVNG), onde o pediatra não lhe detectou qualquer doença orgânica inibidora de uma normal frequência escolar. d) Em 06.11.2009 foi acordada entre os progenitores e a CPCJ a execução de medida de apoio junto daqueles, formalizada em acordo de promoção e protecção devidamente subscrito pelos visados. e) A psiquiatra de infância e adolescência, Dr.ª F…, a qual iniciou o acompanhamento clínico da jovem em 02.11.2009, juntou informação clínica que indicava que esta apresentava um quadro de “fobia social” caracterizado por medo de determinadas situações sociais ou de desempenho nas quais, se exposta à observação de outros, receia poder comportar-se de forma humilhante ou embaraçosa; não detectou indícios do "síndrome de Munchausen by proxy" (patologia psiquiátrica pela qual um terceiro simula, inventa ou exacerba em alguém próximo, normalmente familiar, com ou sem a sua colaboração simbiótica, sintomas de doenças inexistentes sem qualquer motivação lógica que não seja obter simpatia, protecção ou cuidados médicos desnecessários) sem, contudo, poder excluir peremptoriamente essa possibilidade. f) Foi então aconselhado pela mesma clínica que a menor iniciasse uma reintegração progressiva na escola, em regime de ensino regular mas num estabelecimento de ensino que nunca tivesse frequentado antes, para evitar a sua ansiedade face à recordação de problemas antigos, de modo a evitar danos à sua saúde mental futura, e a manutenção do acompanhamento médico especializado. g) No ano lectivo de 2010/11, no Colégio …, a B… frequentou regularmente a escola durante quinze dias, tendo faltado o restante ano lectivo. h) Novos relatórios de pediatria (subscrito pelo Dr. G…, do CHVNG) e pedopsiquiatria (subscrito pela Dr.ª F…, do mesmo estabelecimento hospitalar), confirmaram a inexistência de contra-indicações clínicas à frequência escolar presencial, em regime de ensino regular. i) Em 15.9.2011 começou o ano lectivo de 2011/12 e a B… voltou a matricular-se no Colégio …, no qual foi integrada na turma 9° ., tendo tido um bom acolhimento de professores e colegas. j) A partir de 28.9.2011 a jovem deixou novamente de frequentar as aulas, o que o seu pai justificou sucessivamente com apresentação de dois atestados médicos. k) Dado o incumprimento da medida decretada pela CPCJ foi remetido o processo para este tribunal. l) De acordo com o relatório social de fls. 189 e seguintes[5], a dinâmica do agregado da menor é pautado pelas situações de doença recorrentes desta. m) O progenitor, nascido em 09.5.1968, é responsável por um hipermercado em Matosinhos e a mãe, nascida em 28.10.1961, encontra-se já aposentada. n) Segundo o Dr. G…, médico pediatra do CHVNG/Espinho, o qual acompanhou a jovem a partir de 2009, o mesmo constatou uma grande dependência e protecção materna dado que os receios de que a jovem pudesse contrair doenças são partilhados por ambas, sendo evidente o estado depressivo da menor que contudo não apresentava ideações suicidas. Actualmente, e abordado pela TSS gestora dos autos, continua do parecer que a jovem está deprimida, tem uma fobia social necessitando urgentemente de ajuda especializada e que nesse processo é essencial que retome as aulas em contexto escolar normal. o) A Dr.ª F…, a qual prestou igualmente declarações perante este tribunal[6], considera que desde 2009 a jovem tem beneficiado de acompanhamento próximo por parte dos serviços de saúde, pelo que, reiterando o conteúdo do relatório que já havia enviado à CPCJ, e na medida em que as atitudes e comportamentos da menor não sofreram mudanças apesar de todo o investimento realizado, e sendo certo que a frequência regular do contexto escolar se impõe como meio de ultrapassar as suas dificuldades, coloca a hipótese de um afastamento da jovem do contexto familiar, porquanto os pais não conseguiram contrariar a filha e adoptar uma atitude pró-activa. p) Referiu ainda, nomeadamente, que a jovem necessita de acompanhamento terapêutico que tem de ser acompanhado por uma alteração de comportamentos, nomeadamente da mãe; a desmarcação de consultas por parte da progenitora é frequente; a menor está actualmente a desenvolver uma “perturbação da personalidade com características paranóides” o que exige uma actuação firme e urgente; o encaminhamento para instituição em área geográfica distante da residência é o único, em seu entender que tem margem de sucesso, pois que, afastando-se da mãe poderá conseguir estabelecer vínculos de confiança com as pessoas, professores, amigos e o mundo que a rodeia; em contexto de consulta, é recorrente a mãe anular qualquer tentativa de intervenção da menor. q) A Dr.ª H…, a qual recebeu o processo clínico da menor iniciado com o Dr. G…, sublinhou que este colega elaborou um estudo exaustivo da situação clínica em apreço. Ressalva que, na sua óptica, já foram realizados todos os estudos e investigações possíveis de doenças consideradas graves, como o estudo da imunodeficiência, da imunidade humoral, da imunidade celular, resumidamente todos os estudos que, de uma forma ou de outra, poderiam explicar a existência de tantas infecções, com vista a justificar as mesmas, contudo sem resultado, uma vez que toda essa investigação exaustiva deu respostas negativas. Relata que há uma busca constante de problemas nesta miúda por parte da mãe. Aos "olhos" da medicina a B… é considerada uma jovem relativamente saudável. Na sua óptica, a maioria das infecções e dores abdominais recorrentes são psicossomáticas. Por último diz que, todo este quadro clínico não é incapacitante para a adopção de uma vida típica de adolescente. Em sede de consulta não consegue interagir com a jovem, pois a progenitora está constantemente a anular a B…, manipulando as consultas. É do parecer que ou a terapia familiar ou o afastamento da menor do contexto familiar seriam soluções benéficas para a mesma. r) Segundo a Dr.ª I…, da Clínica Médica de Cuidados Regulares (CMCR), foi inicialmente a progenitora que recorreu aos seus serviços alegando estar deprimida. Por sugestão da Dr.ª J…, a menor inicia com aquela sessões de psicoterapia individual. É parecer da Dr.ª I…e que tanto a jovem como os próprios pais têm que ser ajudados pois que “verifica-se um grave problema de compromisso que compromete qualquer objectivo de melhorar ou de extinguir o problema da menor”. Segundo a mesma clínica a alternativa ao afastamento da menor do contexto familiar poderia ser evitado desde que fosse executado um plano de acompanhamento rigoroso e persistente de acompanhamento clínico e escolar. Segundo a mesma «… A procura de ajuda psicológica por parte da mãe parece-me sincera e genuína. Ou seja existe uma enorme preocupação em ajudar a filha a ultrapassar os seus medos e receios e a favorecer a sua reinserção no mundo social. Existe um enorme sofrimento e desgaste emocional ao presenciar o sofrimento da própria filha. Mas ao mesmo tempo é notória a incapacidade de operacionalizar esse desejo de forma adequada, na medida em que provavelmente a superprotecção e alguma permissividade por parte dos encarregados de educação esteja a favorecer a situação fóbica, as constantes crises víricas, algumas com enormes probabilidades de serem resultantes de sintomatologia psicossomática (dado que os vários despistes feitos eliminam causas físicas que justifiquem as constantes infecções) e o consequente evitamento às situações activadoras de stress, ansiedade, medo e desconforto. (….) Parece fundamental e quase obrigatório que os encarregados de educação sejam também eles alvos de acompanhamento no sentido de os orientar e educar neste processo de aprendizagem de competências sociais satisfatórias…».[8] s) Dado o parecer da Segurança Social, e apesar dos clínicos contactados terem já equacionado a hipótese de que o afastamento da menor do contexto familiar, a par de um eficaz acompanhamento terapêutico e ingresso em contexto escolar normal, fosse o caminho a seguir, após audição dos progenitores e da menor em diligência judicial foram encetadas várias diligências, entre as quais a avaliação psicológica da tríade familiar pelo CICLIF/Instituto de Neurociências, Diagnóstico e Reabilitação Integrada, tendo nessa data os progenitores e a menor assumido o compromisso de retoma da frequência escolar em 05.12.2011. t) Já posteriormente foi junta aos autos “declaração médica” do Dr. K… dando conta que a menor iria ser submetida e intervenção cirúrgica a 21.02.2011 mas que, conquanto assintomática, nada a impediria de ter uma vida normal enquanto aguardasse a cirurgia.[9] u) Em 20.9.2012, e de acordo com o relatório médico elaborado pela Dr.ª H…, do CHVNG/Espinho, «Tendo em conta os dados clínicos e laboratoriais reunidos não se encontram, até à data, elementos que apontem para alguma doença orgânica que contra-indique a integração da adolescente no meio escolar. … Insisto na importância da frequência escolar…para o adequado desenvolvimento psíquico e emocional desta adolescente. (…)»[10] v) Em 13.11.2012 a informação do colégio … é de que a B… é pouco assídua tendo faltado a cerca de metade dos dias lectivos, justificadas por doença, que o aproveitamento escolar é fraco e difícil de avaliar atentas as faltas, tendo tido notas negativas nas poucas disciplinas onde realizou avaliações escritas.[11] w) Analisados os relatórios de avaliação psicológica elaborados pelo CICLIF dos mesmos resulta que: «Em termos globais, a avaliação realizada com recurso aos dados obtidos pelas entrevistas assim como com a utilização de provas psicológicas estandardizadas, devidamente validadas e aferidas para a população portuguesa, sugerem que a B… evidencia um desenvolvimento cognitivo inferior ao que seria esperado atendendo à sua idade cronológica, nível de escolaridade e inserção sócio-cultural. Tal verificou-se, mais especificamente, no que respeita às competências de atenção … e …, às competências mnésicas …, às capacidades construtivas e visuo-espaciais …, capacidade de abstracção…. Mais especificamente, na medida de inteligência geral administrada …a examinada obteve um Qi global… que a enquadra dentro do intervalo inferior ao considerado normativo…. De salientar que de acordo com a avaliação realizada e a experiência clínica o comprometimento cognitivo apresentado pela B… parece estar intimamente relacionado com a irregularidade do seu percurso escolar devido às recorrentes faltas, que se verificam desde que iniciou a sua trajectória escolar. Nesta sequência, é possível indicar que a B… possui potencial intelectual que não tem sido devidamente explorado e trabalhado, nomeadamente em contexto escolar, comprometendo a aquisição e desenvolvimento das competências que são esperadas em crianças da sua idade. Pelo que é de todo o interesse para a examinada frequentar a escola (quer enquanto, espaço formativo, quer enquanto veículo para o estabelecimento de relações interpessoais, aquisição de competências sociais e aprendizagem…).».[12] x) Segundo o CICLIF, existem comportamentos, postura e dinâmicas, nomeadamente por parte dos progenitores, que desempenham um papel importante na manutenção do quadro clínico que a menor tem vindo a evidenciar ao longo da sua trajectória desenvolvimental, a saber: - a existência de uma sobrevalorização dos sinais e sintomas apresentados pela examinada, que contribuem para seu reforço e manutenção; - a procura de uma confirmação, por parte de uma entidade médica, de que a menor apresenta um quadro clínico debilitante e impeditivo de que possa adoptar um estilo de vida normativo para uma criança da sua idade; - a necessidade da progenitora, ao mínimo sinal e/ou sintoma evidenciado pela menor, diligenciar no sentido de ser estabelecido um diagnóstico e lhe ser prescrito algum tratamento, ficando marcadamente ansiosa, o que indicia que a mesma beneficiaria de ajuda terapêutica que a ajudasse a lidar com os estados emocionais acima descritos; - a possibilidade da progenitora acabar por sobrevalorizar algumas queixas da menor, por alguma identificação com as mesmas (atenta a sua própria história clínica também preenchida por vários episódios de doença) e por transferência da sua própria experiência/vivência clínica.[13] 2. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art.º 36º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa/CRP). A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (art.º 67º, n.º 1, da CRP). Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país (art.º 68º, n.º 1, da CRP). As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art.º 69º, n.ºs 1 e 2, da CRP). 3. A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros, da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, considerando-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontre numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe o cuidado ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados para a sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudicais à sua formação ou desenvolvimento; e) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; f) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (art.º 3º da LPCJP). Entre os princípios norteadores da intervenção para a promoção e protecção da criança, destacam-se o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e actualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família [art.º 4º, alíneas a), c), d), e), f) e g), da mesma Lei]. Para efeitos da Lei de Promoção dos Direitos e de Protecção da Criança e do Jovem em Perigo considera-se criança (ou jovem) a pessoa com menos de dezoito anos [art.º 5º, alínea a)][14]. As finalidades das medidas de promoção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.º 34º). As medidas de promoção e protecção vêm enumeradas no art.º 35º, n.º 1, da LPCJP, subdividindo-se em medidas a executar no meio natural de vida ou em regime de colocação (cf. n.º 2). 4. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, n.º 1, do Código Civil/CC). Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e promoção dos direitos dos menores (art.º 1978º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC, na redacção conferida pela Lei n.º 31/2003, de 22.8). 5. A sociedade e o Estado têm o especial dever de desencadear as acções adequadas à protecção da criança vítima de violência, abandono ou tratamento negligente, ou por qualquer outra forma privada de um ambiente familiar normal (art.º 69º, da CRP). É com esse desiderato que surge, no nosso ordenamento jurídico, a LPCJP (art.ºs 1º e 2º). As situações enumeradas no art.º 3º e qualquer outra igualmente susceptível de configurar perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem comprometem os direitos fundamentais da criança ou do jovem, legitimando a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autonomia e na sua família.[15] O direito das crianças à protecção consagrado do art.º 69º da CRP é um “direito social” que não tem por sujeitos passivos apenas o Estado e os poderes públicos, em geral, mas também a “sociedade”, a começar pela própria família (incluindo os progenitores) e pelas demais instituições (creches, escolas, instituições de acolhimento de menores, etc.), o que configura uma clara expressão de direitos fundamentais nas relações entre particulares. O n.º 2, do referido art.º, ao impor ao Estado o dever de especial protecção às crianças órfãs, abandonadas, ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, tem em vista a protecção da criança ou jovem em perigo, promovendo os seus direitos, legitimando a intervenção do Estado, especificando medidas e definindo os esquemas procedimentais indispensáveis a tal protecção. E a Constituição individualiza três situações de perigo (crianças órfãs, abandonadas, privadas de ambiente familiar normal), sendo que na densificação do conceito de “ambiente familiar normal” a “anomalia” deve ser vista na perspectiva da falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança (situações de toxicodependência e de alcoolismo, de prisão dos pais, etc.). Os interesses da criança constituem o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens, justificando a retirada da criança à guarda dos pais e o favorecimento da adopção mesmo contra a oposição dos pais como formas de protecção a crianças privadas de um ambiente familiar normal.[16] 6. Os recorrentes referem, designadamente, que o relatório pericial de fls. 433 [reproduzido nestes autos a fls. 107 e seguintes] dá conta da existência de uma relação de grande proximidade e afectividade entre a menor e os seus progenitores e de outras relações familiares positivas, concluindo não terem sido detectados indicadores de que a menor sofra de sintomatologia de cariz psicológico e dinâmicas indicadoras de fobia social, sendo que a menor expressou sentimentos muito positivos face ao seu contexto escolar actual e às relações interpessoais que mantém no mesmo; afirmam ainda que deste relatório pericial nada consta que permita sustentar e concluir que a B… está em perigo e muito menos que a situação em que se encontra seja de tal modo grave que possa ser considerada uma situação de emergência ou que se imponha a tomada de uma medida provisória como aquela que foi decidida. Na verdade, na parte final do aludido relatório (fls. 122 dos presentes autos), constam aqueles considerandos; contudo, nesse mesmo relatório, e de seguida, são discriminados/especificados os comportamentos, posturas/dinâmicas (nomeadamente por parte dos progenitores – sobretudo da progenitora) com um papel importante na manutenção do quadro clínico que a menor tem vindo a evidenciar ao longo da sua “trajectória desenvolvimental”, sintetizados em II. 1. x), supra, e que sobrelevam na ponderação do caso. 7. Compulsados os autos verificamos que o Tribunal recorrido não deixou de mencionar os factos principais da vida da menor ao longo dos últimos anos, dando especial relevo àqueles que influenciaram o respectivo percurso escolar, a sua formação e o seu desenvolvimento. Analisados os elementos disponíveis, nada justifica o enorme absentismo escolar e os efeitos nefastos daí decorrentes para o percurso escolar da menor, a sua formação e o seu desenvolvimento. Embora se admita que a situação dos autos não é isenta de dificuldades e nenhuma dúvida subsista quanto ao carácter subsidiário das medidas institucionais, afigura-se que o aludido quadro fáctico acaba por tornar adequada e necessária a medida aplicada pelo tribunal a quo, tendo-se por correcta a fundamentação apresentada. Decorre dos autos que a menor, apesar dos episódios de doença que marcaram o seu crescimento como jovem adolescente, não teve por parte dos seus progenitores adequado acompanhamento, sobretudo, tendente a minorar as dificuldades e consequências prejudiciais para a sua formação e o seu desenvolvimento, o que se repercutiu particularmente na respectiva actividade escolar, decisiva nesse processo de formação e desenvolvimento. Dizem-nos os factos, claramente, que os progenitores - principalmente, a progenitora -, têm tido uma actuação potenciadora dessas dificuldades, sem que ao logo dos tempos se tenham verificado quaisquer progressos. Volvidos mais de dois anos e, agora, encontrando-se a menor a menos de um ano da maioridade, impunha-se a adopção de uma medida susceptível de viabilizar uma inflexão no assinalado percurso. Daí que nada se deva objectar à decisão sob censura e respectiva fundamentação: “qualquer processo de recuperação da menor no sentido de a aproximar das dinâmicas sociais e escolares, de modo a recuperar do estado de desenvolvimento cognitivo inferior em que já se encontra exige que a mesma ingresse em contexto institucional adequado às suas características e necessidades”; “a menor tem vivido como que numa redoma, afastada da normal interacção social, com base em receios abstractos e nunca concretizados ou traduzidos em alguma doença que justifique o seu afastamento da vida social, nomeadamente escolar”; “a sua formação académica, o desenvolvimento das suas capacidades sociais e mesmo a sua saúde psíquica encontram-se em claro perigo”; “apesar de todas as variadas e prolongadas intervenções junto da menor e dos elementos adultos do seu agregado familiar nunca foi possível inverter a situação, continuando a menor afastada da escola e de uma vida social normal, sem razão que o justifique”; “a adopção de uma medida de protecção em ambiente familiar apresenta-se incapaz de permitir reverter a situação”; “não resta assim outra solução para além da adopção de uma medida de promoção e protecção fora do ambiente familiar”; “ainda que se admita que tal medida alguma perturbação e sofrimento possa provocar à menor, ponderado tal risco com o risco resultante da continuação da situação em que a menor está, conclui-se que se apresenta muito mais favorável à defesa dos interesses da mesma a adopção da medida de acolhimento institucional, que se apresenta como a única capaz de permitir inserir a menor em ambiente que lhe permita o desenvolvimento das suas competências e capacidades”. 8. Atentos os princípios da proporcionalidade e actualidade, a intervenção de protecção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra, no momento em que a decisão é tomada. Dois dos princípios norteadores da aplicação das medidas de promoção e protecção, como já antes referimos, são os da responsabilidade parental e da prevalência da família [art.º 4º, alíneas f) e g)]. No caso dos autos, a patente incapacidade parental dos progenitores da menor impede que tenha execução o princípio da responsabilidade parental. Tendo presente a factualidade supra descrita e o apontado quadro normativo, conclui-se que a decisão recorrida não desrespeitou quaisquer normas legais e constitucionais, sendo que a medida aplicada [medida de acolhimento em instituição/art. 35º, n.º 1, alínea f)] foi/é a adequada e ajustada à gravidade da situação em apreço, pois o tempo das crianças, o tempo do seu crescimento e desenvolvimento flui inexoravelmente e a um ritmo mais célere que o dos adultos, o que impõe uma intervenção tanto quanto possível precoce, proporcional e adequada à remoção dos perigos e danos que determinaram a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e protecção [art.º 4º, alíneas c) e e)][17]. Face a tudo quanto precede conclui-se pela insubsistência das “conclusões” da alegação de recurso e que foi acertada a decisão do tribunal recorrido.*III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas (art.º 4º, nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais).*Porto, 10.7.2013 José Fonte Ramos Ana Paula Pereira de Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira ________________ [1] Instaurado em 15.4.2009 (cf. fls. 2). [2] Cf. a certidão do assento de nascimento reproduzida a fls. 171. [3] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem. [4] A cópia de fls. 173 integrou os elementos remetidos pelo Tribunal recorrido na sequência do despacho do relator de fls. 166. [5] Datado de 25.11.2011 e que está reproduzido a fls. 14 e seguintes. [6] Cf. a acta da diligência de 12.12.2012, reproduzida a fls. 99 e seguintes. [7] Sublinhado nosso (bem como os demais a incluir no texto). [8] Cf. o Relatório de Parecer Psicológico de 17.11.2011 (fls. 21 e seguinte). [9] Cf. o documento de fls. 89, datado de 10.02.2012. [10] Cf. o documento de fls. 94 e 95. [11] Cf. o documento de fls. 97. E idêntico quadro fáctico veio a ser transmitido aquando da informação de 20.12.2012, relativamente ao 1º período do ano lectivo de 2012/2013 – por exemplo, mencionando-se a existência de 33 faltas à disciplina de Português e 36 faltas à disciplina de Matemática… (fls. 124). [12] Cf. o “Relatório de Psicologia Forense”, datado de 11.11.2012, reproduzido a fls. 107 e seguintes. [13] Idem. [14] À semelhança do previsto na Convenção da ONU sobre os direitos da criança de 1989 (art.º 1º). [15] Vide, a propósito, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, Coimbra Editora, 2009, págs. 34 e seguinte. [16] Vide, neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 869 e seguintes. [17] Cf. o acórdão da RC de 19.10.2010-processo n.º 98/09.6TBGRD.C1, publicado no “site” da dgsi.