Processo:174/14.3SJPRT.P1
Data do Acordão: 24/11/2015Relator: RENATO BARROSOTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – O furto assume a natureza de crime particular [Art. 207.º, al. b) do Cód. Penal – furto formigueiro] quando a coisa furtada for de diminuto valor e se destinar à utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou do cônjuge, ascendente, descendente, adotante, adotado, parente ou afim até ao 2.º grau, ou com ele viver em condições análogas às dos cônjuges. II – O conceito de necessidade para efeitos de subsunção ao referido Art. 207.º, al. b) não se circunscreve à fome e sede, nele se incluindo toda aquela que se reporta à condição pessoal do agente, aferida pelo circunstancialismo do caso concreto, desde que seja imediata, atual e satisfeita através do furto de coisa de diminuto valor.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
RENATO BARROSO
Descritores
FURTO FORMIGUEIRO NECESSIDADE
No do documento
Data do Acordão
11/25/2015
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO PENAL
Decisão
NEGADO PROVIMENTO
Sumário
I – O furto assume a natureza de crime particular [Art. 207.º, al. b) do Cód. Penal – furto formigueiro] quando a coisa furtada for de diminuto valor e se destinar à utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou do cônjuge, ascendente, descendente, adotante, adotado, parente ou afim até ao 2.º grau, ou com ele viver em condições análogas às dos cônjuges. II – O conceito de necessidade para efeitos de subsunção ao referido Art. 207.º, al. b) não se circunscreve à fome e sede, nele se incluindo toda aquela que se reporta à condição pessoal do agente, aferida pelo circunstancialismo do caso concreto, desde que seja imediata, atual e satisfeita através do furto de coisa de diminuto valor.
Decisão integral
Proc. 174/14.3SJPRT.P1
1ª Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1. RELATÓRIO
A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 174/14.3SJPRT, da Instância Local de Aveiro, Secção Criminal, J3 o M.P. deduziu acusação contra o arguido B…, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, p.p., pelo Artº 203 nº1 do C.Penal.

Produzida a prova, foi proferida sentença, na qual se declarou extinto o procedimento criminal, por força das disposições combinadas dos Artsº 207 nº1 al. b) do C. Penal e 48 e 50, ambos do CPP.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P., tendo concluído as suas alegações da seguinte forma ( transcrição ):

1 – O arguido B… foi absolvido da prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, com base no despacho proferido nos presentes autos, no dia 19 de Março de 2015, em sede de audiência de discussão e julgamento que considerou que os factos pelos quais o arguido vinha acusado integram a prática de um crime de furto formigueiro, p. e p. pelo artigo 207.º, alínea b) do Código Penal;
2 – Encontrava-se o arguido acusado da prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, porquanto, em súmula, no dia 19-03-2014, cerca das 10.50, dirigiu-se ao estabelecimento comercial “C…”, sito na Rua…, pertencente à “D…, Lda”, e chegando a um expositor de produtos retirou um pacote de vinho no valor de €0,99 e saiu do estabelecimento sem efectuar o respectivo pagamento.
3 – O Tribunal ad quo optou assim por integrar os factos no disposto no artigo 207.º, alínea b) do Código Penal, o que não concordamos:.
4 – O furto simples assume a natureza de crime particular quando a coisa furtada for de valor diminuto e for destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos seus familiares enunciados na alínea b) do artigo 207º do Código Penal.
5 – São pois três os requisitos exigíveis:
- o valor diminuto,
- a pretensão de utilização imediata
- e a indispensabilidade da coisa para a satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos indicados familiares.
6 – Ao incluir na incriminação deste “crime formigueiro” na categoria dos crimes de acusação particular, o legislador teve em vista a premência da satisfação de necessidades básicas do agente, pelo que o tipo se refere, essencialmente, a coisas comestíveis, bebidas, em pequena quantidade e de pequeno valor, para utilização imediata do agente.
7 – Não se põe em causa o valor diminuto do pacote de vinho que foi subtraído pelo arguido pois este, mesmo tendo em conta o preço de venda ao público, tinha um valor muito inferior a 102,00 € (alínea c) do artigo 201º do Código Penal)
8 – Também não se pões em causa os hábitos alimentares de ingestão de bebidas alcoólicas que, de acordo com as regras de experiência comum, se deva considerar que o pacote de vinho se destinava a ser consumido a curto prazo pelo agente. Destinava-se, por isso, à sua utilização imediata.
9 – A questão que se suscita é a de saber se o pacote de vinho era indispensável à satisfação de uma necessidade do agente.
10 – Considerou o Tribunal Ad quo encontrar-se preenchido este requisito, porquanto o arguido mantinha na referida data hábitos de consumo imoderado e muito frequente de bebidas alcoólicas, adquirindo praticamente com frequência diária pacotes de vinho no referido supermercado. Na data em causa, estava a sentir grande desconforto em razão da privação de álcool e não tinha dinheiro. Consumiu imediatamente o pacote de vinho que retirou.
11 – Com o conceito de “necessidade básica” parece-nos que o legislador visou referir-se a uma satisfação de uma necessidade básica da pessoa (a fome, a sede); apesar de o arguido consumir álcool em excesso afigura-se-nos não ser de enquadrar um pacote de vinho numa “necessidade básica”. Caso contrário, o tipo está aberto a todo o tipo de furtos considerados “necessidade básica” do ponto de vista do agente, por exemplo: um toxicodependente que furta medicamentos numa farmácia, de valor diminuto, com vista a atenuar os efeitos da privação de drogas;
12 – No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo:7216/2008-3 de 19-09-2008 considerou-se que “É apenas necessário que se trate de um alimento”.
13 – Já no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo:0611764 de 26-04-2006 afirmou-se que “não se percebe como é que possível afirmar, sem outros elementos, que quatro queijos de vaca se destinassem a satisfazer uma necessidade imediata do agente (!?), pois que o número é perfeitamente desadequado, o que afasta o imediatismo da necessidade.
14 – As necessidades básicas podem ser consideradas todas aquelas a que o ser humano deve ter acesso para sobreviver com decência, suprindo as suas necessidades fisiológicas e mentais e são consideradas objectivas e universais.
15 – A hierarquia de necessidades de Maslow, também conhecida como pirâmide de Maslow, é uma divisão hierárquica proposta por Abraham Maslow, em que as necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Cada um tem de “escalar” uma hierarquia de necessidades para atingir a sua auto-realização.
Maslow define um conjunto de cinco necessidades descritas na pirâmide, encontrando-se na base as Necessidades fisiológicas (básicas), tais como a fome, a sede, o sono, o sexo, a excreção, o abrigo:
16 – Pelo exposto, afigura-se-nos que bem andou o Ministério Público ao integrar os factos dados como provados na prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal, o qual é semi-público, pelo que o Ministério Público tem legitimidade para proferir tal acusação, ao contrário do entendido pelo Tribunal ad quo, pelo que, Vossas Exas, revogando a decisão proferida, ordenando a sua substituição por outra que proceda à condenação do arguido, atenta a sua confissão integral e sem reservas dos factos pelos quais foi acusado, farão a costumada JUSTIÇA.
Termos em que, e nos mais que doutamente se suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e condenando-se o arguido pela prática de um crime de furto, p. e p., pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal.

C – Resposta ao Recurso

O arguido não respondeu ao recurso. 

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pela improcedência do recurso. 
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em  HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da sentença recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que à mesma sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( Artº 410 nº3 do CPP )
Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se, tão só, às conclusões do recorrente, que se resume a saber se os factos apurados pelo tribunal recorrido são, ou não, enquadráveis na previsão normativa do Artº 207 nº1 al. b) do C. Penal.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa considerar a sentença recorrida pelo qual se declarou extinto o procedimento criminal.
Reza assim ( transcrição ):

Da prova produzida em audiência resultou provado, com relevância para a decisão que:
No dia 19-03-2014, cerca das 10h:50, o arguido B… dirigiu-se  ao estabelecimento comercial “C…”, sito na Rua…, pertencente à “D…, Lda”, esta com sede em Rua…, com o propósito de nele entrar e de se apoderar de bens que pudesse levar e lhe interessassem. -
Já no interior do estabelecimento, o arguido dirigiu-se a um dos expositores dos produtos e retirou do mesmo um pacote contendo um litro de vinho de marca D…, com o preço unitário de €0,99 (noventa e nove cêntimos). -
Na posse do referido produto, que fez seu, o arguido, saiu do estabelecimento, sem 
efectuar o respectivo pagamento. –
O arguido agiu com intenção de fazer seu o bem de que se apoderou, como fez, bem sabendo que não lhe pertencia e que não estava autorizado, pela proprietária a apoderar-se dele. –
Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a descrita conduta era 
proibida e criminalmente punida. –
Mais se provou que: -
O arguido mantinha na referida data hábitos de consumo imoderado e muito frequente de bebidas alcoólicas, adquirindo praticamente com frequência diária pacotes de vinho no referido supermercado. –
Na data em causa, estava a sentir grande desconforto em razão da privação de álcool
e não tinha dinheiro. –
Consumiu imediatamente o pacote de vinho que retirou. –
O arguido está preso em cumprimento de pena aplicada no processo n.º 448/14.3PBAVR. –
Antes de preso, não tinha domicílio certo e conseguia algum dinheiro a arrumar carros, vivendo do apoio da instituição “E…”, sendo dessa instituição a única morada que pode indicar para receber notificações. –
O arguido confessou a prática dos factos. -
Não foram alegados, não resultaram da audiência nem cumpre conhecer (considerando, designadamente, o previsto no art.º 369º n.º 1 do C. P.P., “a contrario”) outros factos relevantes para a decisão. –
Motivação: 
A prova dos factos enunciados resultou da confissão do arguido e demais declarações prestadas pelo mesmo, de modo convincente, acerca dos seus hábitos alcoólicos e modo de vida ao tempo da prática dos factos em causa. 
As declarações do arguido relativamente aos últimos aspectos referidos foram também credibilizadas pelo depoimento da testemunha F…, que trabalhava na loja em causa e conhecia o arguido como cliente frequente da mesma. –
Relativamente à actual situação do arguido, considerou-se fls. 90 e 100. – 
Os factos que se demonstrou que o arguido praticou há um ano atrás consubstanciam subtracção de coisa móvel alheia, que o arguido concretizou em execução de decisão livre e voluntária, verificando-se portanto os pressupostos da incriminação, nos termos dos art.º s 203º, 13º e 14º do Código Penal. - 
Porém, o bem que o arguido subtraiu, para além de ser inequivocamente de diminuto valor (noventa e nove cêntimos) foi destinado pelo arguido a consumo imediato, na satisfação daquilo que para o concreto agente (o ora arguido) era uma necessidade a que só podia acorrer mediante consumo de produtos alcoólicos, como foi o caso. - 
Assim, a situação em causa é enquadrável na previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 207º do Código Penal, dependendo de acusação particular o procedimento. –
Ora, a "D…, Lda.” apresentou a queixa que deu origem ao presente processo, porém não se constituiu assistente nem deduziu 
acusação particular. –
Assim sendo, em razão do previsto no citado art.º 207º do Código Penal e nos art.ºs 50º e 48º do Código de Processo Penal, carece o Ministério Público de legitimidade para promover o processo penal, perante o que, não tendo sido deduzida a acusação pela mencionada sociedade comercial que para o efeito teria legitimidade (se se constituísse assistente), cumpre concluir pela inadmissibilidade do prosseguimento do presente processo.-
Pelo exposto, declara-se extinto o procedimento criminal a que respeitam os presentes 
autos. - 

Visto o teor do decidido, importa analisar da bondade do recurso.

B.1. Preenchimento do Artº 207 nº1 al. b) do Código Penal ;

Dispõe o Artº 207 do C. Penal :
“1- No caso do artigo 203.º e do n.º 1 e do artigo 205.º, o procedimento criminal depende de acusação particular se:
…
b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a).”

Com esta norma, o furto simples assume a natureza de crime particular quando a coisa furtada for de valor diminuto e se destinar à utilização imediata e indispensável para a satisfação de uma necessidade do agente, ou de um dos seus familiares mais próximos.
Nessa medida, torna-se claro que o enquadramento normativo do Artº 207 nº2 al. b) do C. Penal exige três requisitos :
- o valor diminuto ;
- a pretensão de utilização imediata e
- e a indispensabilidade da coisa para a satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos indicados familiares.
Preenchidas estas três circunstâncias, entendeu o legislador, e bem, que o furto formigueiro exigia, para a sua prossecução criminal, a constituição de assistente por parte do queixoso e a formulação de uma acusação particular.
O que está em causa, é, portanto, a satisfação de uma necessidade imediata do agente, em princípio, de caracter comestível, em pequena quantidade e de diminuto valor.
Ora, com o devido respeito por opinião contrária, subscreve-se, na íntegra, o douto parecer emitido pelo M.P. neste Tribunal, quando se escreve que :
“A tipificação legal compreende, pois, a ponderação da exiguidade do valor da coisa, da actualidade, urgente mas esporádica, de satisfação de uma necessidade. Mas não abrange um juízo moral sobre a natureza da coisa furtada, nem se limita à básica necessidade alimentar de pão e água” 
Na verdade, parece ser esse, no fundo, o entendimento que subjaz à interposição de um recurso, cuja estranheza resulta, desde logo, pela circunstância de se ter colocado em funcionamento todo o sistema de recursos por um pacote de vinho com o irrisório valor de 0,99 € !!
Se o bom senso que deve presidir à administração da justiça em todas as suas vertentes, rejeita um recurso como o presente, pela cristalina imagem de custo/benefício que dele emerge, também não pode deixar de recusar a interpretação do Artº 207 que a ele subjaz, na medida em que ali se desenha um requisito adicional aos que legalmente foram estipulados na norma do Artº 207 do C. Penal e que se traduziria no conceito de necessidade básica, onde não seria enquadrável a necessidade de um alcoólico consumir um pacote de vinho por se encontrar em situação de abstinência.
Na verdade, numa situação dessas, dir-se-á que nada haverá de mais básico para um dependente do consumo de álcool, que beber, de forma imediata, o pacote de vinho que conseguiu furtar.
Esse é, precisamente, o caso sub judice, porquanto se deu como provado que o arguido mantinha, então, hábitos de consumo imoderado e muito frequente de bebidas alcoólicas, adquirindo, com frequência diária, pacotes de vinho no referido supermercado, estando, no momento do crime, a sentir grande desconforto em razão da privação álcool, não tendo dinheiro para comprar os 0.99 € que lhe permitiriam adquirir o pacote de vinho em causa.
Mais se provou, que assim que se viu no exterior do dito supermercado, consumiu, de imediato, o vinho furtado.
Como já se disse atrás, o conceito de necessidade para efeitos d subsunção ao Artº 207 al. b) do C. Penal, não se circunscreve à fome e sede, nela se incluindo toda aquela que se reporta à condição pessoal do agente, aferida pelo circunstancialismo do caso concreto, desde que seja imediata, actual e satisfeita através do furto de coisa de diminuto valor.
Nessa medida, não se vislumbra a razão legal para a restringir aos casos pretendidos pelo recorrente, na medida em que tal, no fundo, traduzir-se-ia numa exigência adicional ao plasmado no preceito legal.
Nem tal é, aliás, defendido pelas decisões jurisprudenciais que aquele, sem se perceber bem o respectivo alcance, refere no seu recurso.
Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao integrar os factos dados como provados na prática de um crime de furto, p.p. pelas disposições combinadas os Artsº 203 nº1 e 207 al. b), ambos do C. Penal, dos quais resulta a sua natureza particular, pelo que, não tendo a empresa ofendida se constituído assistente e deduzido acusação, provoca a inadmissibilidade do prosseguimento da acção penal, por via da consequente ilegitimidade do M.P. para o mesmo, por força dos Artsº 48 e 50, ambos do CPP.
É assim manifesta a improcedência do recurso.
3. DECISÃO
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida.
Sem custas.xxxConsigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que a presente decisão foi integralmente revista e elaborada pelo primeiro signatário.xxxPorto, 25 de Outubro de 2015
Renato Barroso
Vítor Morgado

Proc. 174/14.3SJPRT.P1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum singular nº 174/14.3SJPRT, da Instância Local de Aveiro, Secção Criminal, J3 o M.P. deduziu acusação contra o arguido B…, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, p.p., pelo Artº 203 nº1 do C.Penal. Produzida a prova, foi proferida sentença, na qual se declarou extinto o procedimento criminal, por força das disposições combinadas dos Artsº 207 nº1 al. b) do C. Penal e 48 e 50, ambos do CPP. B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P., tendo concluído as suas alegações da seguinte forma ( transcrição ): 1 – O arguido B… foi absolvido da prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, com base no despacho proferido nos presentes autos, no dia 19 de Março de 2015, em sede de audiência de discussão e julgamento que considerou que os factos pelos quais o arguido vinha acusado integram a prática de um crime de furto formigueiro, p. e p. pelo artigo 207.º, alínea b) do Código Penal; 2 – Encontrava-se o arguido acusado da prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, porquanto, em súmula, no dia 19-03-2014, cerca das 10.50, dirigiu-se ao estabelecimento comercial “C…”, sito na Rua…, pertencente à “D…, Lda”, e chegando a um expositor de produtos retirou um pacote de vinho no valor de €0,99 e saiu do estabelecimento sem efectuar o respectivo pagamento. 3 – O Tribunal ad quo optou assim por integrar os factos no disposto no artigo 207.º, alínea b) do Código Penal, o que não concordamos:. 4 – O furto simples assume a natureza de crime particular quando a coisa furtada for de valor diminuto e for destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos seus familiares enunciados na alínea b) do artigo 207º do Código Penal. 5 – São pois três os requisitos exigíveis: - o valor diminuto, - a pretensão de utilização imediata - e a indispensabilidade da coisa para a satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos indicados familiares. 6 – Ao incluir na incriminação deste “crime formigueiro” na categoria dos crimes de acusação particular, o legislador teve em vista a premência da satisfação de necessidades básicas do agente, pelo que o tipo se refere, essencialmente, a coisas comestíveis, bebidas, em pequena quantidade e de pequeno valor, para utilização imediata do agente. 7 – Não se põe em causa o valor diminuto do pacote de vinho que foi subtraído pelo arguido pois este, mesmo tendo em conta o preço de venda ao público, tinha um valor muito inferior a 102,00 € (alínea c) do artigo 201º do Código Penal) 8 – Também não se pões em causa os hábitos alimentares de ingestão de bebidas alcoólicas que, de acordo com as regras de experiência comum, se deva considerar que o pacote de vinho se destinava a ser consumido a curto prazo pelo agente. Destinava-se, por isso, à sua utilização imediata. 9 – A questão que se suscita é a de saber se o pacote de vinho era indispensável à satisfação de uma necessidade do agente. 10 – Considerou o Tribunal Ad quo encontrar-se preenchido este requisito, porquanto o arguido mantinha na referida data hábitos de consumo imoderado e muito frequente de bebidas alcoólicas, adquirindo praticamente com frequência diária pacotes de vinho no referido supermercado. Na data em causa, estava a sentir grande desconforto em razão da privação de álcool e não tinha dinheiro. Consumiu imediatamente o pacote de vinho que retirou. 11 – Com o conceito de “necessidade básica” parece-nos que o legislador visou referir-se a uma satisfação de uma necessidade básica da pessoa (a fome, a sede); apesar de o arguido consumir álcool em excesso afigura-se-nos não ser de enquadrar um pacote de vinho numa “necessidade básica”. Caso contrário, o tipo está aberto a todo o tipo de furtos considerados “necessidade básica” do ponto de vista do agente, por exemplo: um toxicodependente que furta medicamentos numa farmácia, de valor diminuto, com vista a atenuar os efeitos da privação de drogas; 12 – No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo:7216/2008-3 de 19-09-2008 considerou-se que “É apenas necessário que se trate de um alimento”. 13 – Já no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo:0611764 de 26-04-2006 afirmou-se que “não se percebe como é que possível afirmar, sem outros elementos, que quatro queijos de vaca se destinassem a satisfazer uma necessidade imediata do agente (!?), pois que o número é perfeitamente desadequado, o que afasta o imediatismo da necessidade. 14 – As necessidades básicas podem ser consideradas todas aquelas a que o ser humano deve ter acesso para sobreviver com decência, suprindo as suas necessidades fisiológicas e mentais e são consideradas objectivas e universais. 15 – A hierarquia de necessidades de Maslow, também conhecida como pirâmide de Maslow, é uma divisão hierárquica proposta por Abraham Maslow, em que as necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Cada um tem de “escalar” uma hierarquia de necessidades para atingir a sua auto-realização. Maslow define um conjunto de cinco necessidades descritas na pirâmide, encontrando-se na base as Necessidades fisiológicas (básicas), tais como a fome, a sede, o sono, o sexo, a excreção, o abrigo: 16 – Pelo exposto, afigura-se-nos que bem andou o Ministério Público ao integrar os factos dados como provados na prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal, o qual é semi-público, pelo que o Ministério Público tem legitimidade para proferir tal acusação, ao contrário do entendido pelo Tribunal ad quo, pelo que, Vossas Exas, revogando a decisão proferida, ordenando a sua substituição por outra que proceda à condenação do arguido, atenta a sua confissão integral e sem reservas dos factos pelos quais foi acusado, farão a costumada JUSTIÇA. Termos em que, e nos mais que doutamente se suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e condenando-se o arguido pela prática de um crime de furto, p. e p., pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal. C – Resposta ao Recurso O arguido não respondeu ao recurso. D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pela improcedência do recurso. Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito. As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal. In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da sentença recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que à mesma sejam estranhos, ainda que constem dos autos. Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto. Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( Artº 410 nº3 do CPP ) Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se, tão só, às conclusões do recorrente, que se resume a saber se os factos apurados pelo tribunal recorrido são, ou não, enquadráveis na previsão normativa do Artº 207 nº1 al. b) do C. Penal. B – Apreciação Definida a questão a tratar, importa considerar a sentença recorrida pelo qual se declarou extinto o procedimento criminal. Reza assim ( transcrição ): Da prova produzida em audiência resultou provado, com relevância para a decisão que: No dia 19-03-2014, cerca das 10h:50, o arguido B… dirigiu-se ao estabelecimento comercial “C…”, sito na Rua…, pertencente à “D…, Lda”, esta com sede em Rua…, com o propósito de nele entrar e de se apoderar de bens que pudesse levar e lhe interessassem. - Já no interior do estabelecimento, o arguido dirigiu-se a um dos expositores dos produtos e retirou do mesmo um pacote contendo um litro de vinho de marca D…, com o preço unitário de €0,99 (noventa e nove cêntimos). - Na posse do referido produto, que fez seu, o arguido, saiu do estabelecimento, sem efectuar o respectivo pagamento. – O arguido agiu com intenção de fazer seu o bem de que se apoderou, como fez, bem sabendo que não lhe pertencia e que não estava autorizado, pela proprietária a apoderar-se dele. – Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a descrita conduta era proibida e criminalmente punida. – Mais se provou que: - O arguido mantinha na referida data hábitos de consumo imoderado e muito frequente de bebidas alcoólicas, adquirindo praticamente com frequência diária pacotes de vinho no referido supermercado. – Na data em causa, estava a sentir grande desconforto em razão da privação de álcool e não tinha dinheiro. – Consumiu imediatamente o pacote de vinho que retirou. – O arguido está preso em cumprimento de pena aplicada no processo n.º 448/14.3PBAVR. – Antes de preso, não tinha domicílio certo e conseguia algum dinheiro a arrumar carros, vivendo do apoio da instituição “E…”, sendo dessa instituição a única morada que pode indicar para receber notificações. – O arguido confessou a prática dos factos. - Não foram alegados, não resultaram da audiência nem cumpre conhecer (considerando, designadamente, o previsto no art.º 369º n.º 1 do C. P.P., “a contrario”) outros factos relevantes para a decisão. – Motivação: A prova dos factos enunciados resultou da confissão do arguido e demais declarações prestadas pelo mesmo, de modo convincente, acerca dos seus hábitos alcoólicos e modo de vida ao tempo da prática dos factos em causa. As declarações do arguido relativamente aos últimos aspectos referidos foram também credibilizadas pelo depoimento da testemunha F…, que trabalhava na loja em causa e conhecia o arguido como cliente frequente da mesma. – Relativamente à actual situação do arguido, considerou-se fls. 90 e 100. – Os factos que se demonstrou que o arguido praticou há um ano atrás consubstanciam subtracção de coisa móvel alheia, que o arguido concretizou em execução de decisão livre e voluntária, verificando-se portanto os pressupostos da incriminação, nos termos dos art.º s 203º, 13º e 14º do Código Penal. - Porém, o bem que o arguido subtraiu, para além de ser inequivocamente de diminuto valor (noventa e nove cêntimos) foi destinado pelo arguido a consumo imediato, na satisfação daquilo que para o concreto agente (o ora arguido) era uma necessidade a que só podia acorrer mediante consumo de produtos alcoólicos, como foi o caso. - Assim, a situação em causa é enquadrável na previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 207º do Código Penal, dependendo de acusação particular o procedimento. – Ora, a "D…, Lda.” apresentou a queixa que deu origem ao presente processo, porém não se constituiu assistente nem deduziu acusação particular. – Assim sendo, em razão do previsto no citado art.º 207º do Código Penal e nos art.ºs 50º e 48º do Código de Processo Penal, carece o Ministério Público de legitimidade para promover o processo penal, perante o que, não tendo sido deduzida a acusação pela mencionada sociedade comercial que para o efeito teria legitimidade (se se constituísse assistente), cumpre concluir pela inadmissibilidade do prosseguimento do presente processo.- Pelo exposto, declara-se extinto o procedimento criminal a que respeitam os presentes autos. - Visto o teor do decidido, importa analisar da bondade do recurso. B.1. Preenchimento do Artº 207 nº1 al. b) do Código Penal ; Dispõe o Artº 207 do C. Penal : “1- No caso do artigo 203.º e do n.º 1 e do artigo 205.º, o procedimento criminal depende de acusação particular se: … b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a).” Com esta norma, o furto simples assume a natureza de crime particular quando a coisa furtada for de valor diminuto e se destinar à utilização imediata e indispensável para a satisfação de uma necessidade do agente, ou de um dos seus familiares mais próximos. Nessa medida, torna-se claro que o enquadramento normativo do Artº 207 nº2 al. b) do C. Penal exige três requisitos : - o valor diminuto ; - a pretensão de utilização imediata e - e a indispensabilidade da coisa para a satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos indicados familiares. Preenchidas estas três circunstâncias, entendeu o legislador, e bem, que o furto formigueiro exigia, para a sua prossecução criminal, a constituição de assistente por parte do queixoso e a formulação de uma acusação particular. O que está em causa, é, portanto, a satisfação de uma necessidade imediata do agente, em princípio, de caracter comestível, em pequena quantidade e de diminuto valor. Ora, com o devido respeito por opinião contrária, subscreve-se, na íntegra, o douto parecer emitido pelo M.P. neste Tribunal, quando se escreve que : “A tipificação legal compreende, pois, a ponderação da exiguidade do valor da coisa, da actualidade, urgente mas esporádica, de satisfação de uma necessidade. Mas não abrange um juízo moral sobre a natureza da coisa furtada, nem se limita à básica necessidade alimentar de pão e água” Na verdade, parece ser esse, no fundo, o entendimento que subjaz à interposição de um recurso, cuja estranheza resulta, desde logo, pela circunstância de se ter colocado em funcionamento todo o sistema de recursos por um pacote de vinho com o irrisório valor de 0,99 € !! Se o bom senso que deve presidir à administração da justiça em todas as suas vertentes, rejeita um recurso como o presente, pela cristalina imagem de custo/benefício que dele emerge, também não pode deixar de recusar a interpretação do Artº 207 que a ele subjaz, na medida em que ali se desenha um requisito adicional aos que legalmente foram estipulados na norma do Artº 207 do C. Penal e que se traduziria no conceito de necessidade básica, onde não seria enquadrável a necessidade de um alcoólico consumir um pacote de vinho por se encontrar em situação de abstinência. Na verdade, numa situação dessas, dir-se-á que nada haverá de mais básico para um dependente do consumo de álcool, que beber, de forma imediata, o pacote de vinho que conseguiu furtar. Esse é, precisamente, o caso sub judice, porquanto se deu como provado que o arguido mantinha, então, hábitos de consumo imoderado e muito frequente de bebidas alcoólicas, adquirindo, com frequência diária, pacotes de vinho no referido supermercado, estando, no momento do crime, a sentir grande desconforto em razão da privação álcool, não tendo dinheiro para comprar os 0.99 € que lhe permitiriam adquirir o pacote de vinho em causa. Mais se provou, que assim que se viu no exterior do dito supermercado, consumiu, de imediato, o vinho furtado. Como já se disse atrás, o conceito de necessidade para efeitos d subsunção ao Artº 207 al. b) do C. Penal, não se circunscreve à fome e sede, nela se incluindo toda aquela que se reporta à condição pessoal do agente, aferida pelo circunstancialismo do caso concreto, desde que seja imediata, actual e satisfeita através do furto de coisa de diminuto valor. Nessa medida, não se vislumbra a razão legal para a restringir aos casos pretendidos pelo recorrente, na medida em que tal, no fundo, traduzir-se-ia numa exigência adicional ao plasmado no preceito legal. Nem tal é, aliás, defendido pelas decisões jurisprudenciais que aquele, sem se perceber bem o respectivo alcance, refere no seu recurso. Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao integrar os factos dados como provados na prática de um crime de furto, p.p. pelas disposições combinadas os Artsº 203 nº1 e 207 al. b), ambos do C. Penal, dos quais resulta a sua natureza particular, pelo que, não tendo a empresa ofendida se constituído assistente e deduzido acusação, provoca a inadmissibilidade do prosseguimento da acção penal, por via da consequente ilegitimidade do M.P. para o mesmo, por força dos Artsº 48 e 50, ambos do CPP. É assim manifesta a improcedência do recurso. 3. DECISÃO Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida. Sem custas.xxxConsigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que a presente decisão foi integralmente revista e elaborada pelo primeiro signatário.xxxPorto, 25 de Outubro de 2015 Renato Barroso Vítor Morgado