Processo:509/12.3GBAMT.P1
Data do Acordão: 16/02/2016Relator: ÉLIA SÃO PEDROTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – No nosso direito penal, a regra é a de que os crimes têm natureza pública. II – O crime de Ameaça, na forma agravada [art. 153.º e 155.º, n.º 1, do Cód. Penal], tem natureza pública.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
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Relator
ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores
CRIME DE AMEAÇA AGRAVAÇÃO CRIME PÚBLICO
No do documento
Data do Acordão
02/17/2016
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL
Decisão
PROVIDO
Sumário
I – No nosso direito penal, a regra é a de que os crimes têm natureza pública. II – O crime de Ameaça, na forma agravada [art. 153.º e 155.º, n.º 1, do Cód. Penal], tem natureza pública.
Decisão integral
Recurso Penal 509/12.3GBAMT.P1 
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório 
1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO junto da Comarca do Porto Este, Amarante, Instância Local, J1, inconformado com o despacho proferido nos autos acima referenciados, declarando extinto o procedimento criminal contra a arguida B…, relativamente ao crime de ameaça agravado, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“Os crimes de ameaça imputados à arguida B… previstos e punidos nas disposições conjugadas dos arts 153°, nº1 e 155°, nº1, al. a) têm natureza pública;
- Não deveria por isso o Mº Juiz do Tribunal recorrido ter homologado a desistência de queixa relativamente aos crimes de ameaça agravada que lhe são imputados na acusação;
- Ao homologar a desistência de queixa e ao declarar a extinção do procedimento criminal relativamente aos crimes de ameaça agravada imputados à arguida B… o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.ºs 113º, nº1, e 155°, nº1, al. a), do Código Penal e o disposto nos arts 50°, nº1, e 51°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Termos em que, afigura-se-nos, deverá ser dado provimento ao recurso determinando-se a devolução dos autos ao Tribunal recorrido com vista ao prosseguimento do julgamento da arguida B… relativamente aos crimes de ameaça agravada que lhe são imputados na acusação pública deduzida.”
1.2. A arguida não respondeu à motivação do recurso.
1.3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2.Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Para julgamento do recurso consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais:
a) O MP deduziu acusação contra C… imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º, 1 do CP e contra a arguida B…, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º, n.º 1, do Código Penal, e dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts 153º, n.º 1 e 155º,n.º 1, a) do Código Penal – cfr. fls. 123 dos autos.
b) Da acta de audiência de discussão e julgamento de 25-06-2015 consta, além do mais, o seguinte:
“ (…)
Aberta a audiência à hora indicada, o M.mo Juiz concedeu a palavra à assistente B… e ao ofendido C…, que no uso da mesma declarou que desiste da queixa-crime e dos pedidos de indemnização formulados nos autos contra os arguidos, as quais estes aceitaram.
Os arguidos declararam que se responsabilizam pelo pagamento da divida peticionado nos autos pelo Centro Hospitalar D…, pagando cada um a que lhes é imputado.
Dada a palavra ao Procurador Adjunto, pelo mesmo foi dito que:
O MP opõe-se à desistência quanto ao crime de ameaça agravada por entender que é um crime público.
Dada a palavra aos Ilustres Mandatários, pelos mesmos foi dito nada ter a opor ou a requerer.
Seguidamente, pelo M.mo Juiz foi proferido o seguinte:DESPACHOParte crime.
Considerando ainda a posição assumida pelo Ministério Público e pelas partes e ainda a natureza do crime em causa nestes autos, julgo válidas e relevantes as desistências de queixa efetuadas e aceites que homologo, e, consequentemente, declaro extintos os procedimentos criminais deduzidos contra os arguidos.
Custas pelo arguido C…, pelo mínimo, quanto ao crime de injúrias. Sem custas quanto aos demais crimes.
Parte cível.
Julgo de igual modo a desistência do pedido cível nele enxertado.
Sem custas, relativamente ao pedido do Centro Hospitalar D…, atento o valor. Sem custas, relativamente ao pedido de indeminização civil de f. 137, atento o valor.
Custas relativamente ao pedido de indeminização civil de fls. 161 pela assistente B…, com taxa pelo mínimo legal.
Notifique.
(…) ”
2.2. Matéria de direito
2.2.1. Objecto do recurso
É objecto do presente recurso, o despacho proferido no início da Audiência de Julgamento, homologando a desistência da queixa e declarando extinto o procedimento criminal relativo aos crimes de ameaça agravada imputados na acusação à arguida B…. O MP/recorrente insurge-se contra tal decisão, por entender que o crime em causa tem natureza pública e, nessa medida, não permite a desistência de queixa.
Vejamos então.
A arguida B… foi acusada pelo MP da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, 1 do CP e de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, a, a) do C. Penal. Por seu turno, o arguido C… foi acusado (neste mesmo processo) da prática de um crime de ofensa à integridade física simples.
Em audiência de julgamento, a assistente B… e o ofendido C… (simultaneamente arguidos e assistentes no processo) declararam que desistiam da queixa-crime e dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos contra os arguidos, os quais aceitaram tal desistência.
O MP, ouvido em audiência de julgamento, opôs-se à desistência da queixa quanto ao crime de ameaça agravada, por entender ser um crime público.
Foi proferido então o despacho recorrido que, julgando válidas e relevantes as desistências das queixas, homologou as mesmas e declarou extinto o respectivo procedimento criminal contra os arguidos.
O presente recurso tem assim como objecto o referido despacho, na parte em que declarou extinto o procedimento criminal relativamente aos dois crimes de ameaça agravada imputados na acusação à arguida B…, uma vez que, quanto aos demais crimes imputados a ambos os arguidos, a decisão recorrida não foi objecto de recurso. Tal equivale a dizer que a questão a apreciar é apenas a de saber se o crime de ameaça agravada é efectivamente um crime público, impedindo que relativamente a ele haja desistência da queixa.
A questão ora colocada não é nova e surgiu com a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/09, ao artigo 153º do C. Penal. Com efeito, o procedimento criminal relativo ao crime de ameaça previsto no referido art. 153º, na redacção anterior à referida Lei, dependia sempre de queixa, tanto no caso do tipo de ameaça simples (nº 1) como no tipo de ameaça agravada (nº 2). Tal resultava claramente do nº 3 do art. 153º, segundo o qual o procedimento criminal dependia de queixa.
Na versão resultante da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, manteve-se a natureza do crime de ameaça simples, previsto no artº 153º do C.P, referindo-se expressamente que o procedimento criminal depende de queixa (nº 2), mas o crime de ameaça agravada passou a estar previsto no artº 155º C. Penal, o qual nada diz quanto ao procedimento criminal.
Desta alteração resultou um entendimento generalizado, no sentido de que “… a técnica do nosso legislador consiste em colocar a menção de que “o procedimento criminal depende de queixa” após a definição do tipo base e antes do qualificado, ou então em artigo autónomo quando pretende definir a natureza particular ou semi-pública de vários crimes da mesma espécie, parecendo-nos não haver qualquer razão para, no caso em análise, se entender que a técnica legislativa foi alterada” – Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/122359" target="_blank">1222/09.4T3AVR.C1</a> em 01-06-2011.
O mesmo entendimento foi seguido, designadamente, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de processo nº 1729/09.3PBAVR.C1, de 02.03. 2011 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/122583" target="_blank">550/09.3GCAVR.C1</a>) e de 30.03.2011 (processos nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/122513" target="_blank">1596/08.4PBAVR.C1</a> e nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/122511" target="_blank">400/09.0PBAVR.C1</a>), do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2010, (processo nº 36/09.6PBSRQ.L1-3), do Tribunal da Relação do Porto de 27.04.2011 (processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/142939" target="_blank">53/09.6GBVNF.P1</a>), de 01.07.2009 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145325" target="_blank">968/07.6PBVLG.P1</a>), de 15 de Setembro de 2010 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/143802" target="_blank">354/10.0PBVLG.P1</a>) e de 29 de Setembro de 2010 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/143739" target="_blank">162/08.9GDGDM.P1</a>), do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Novembro de 2010 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/197333" target="_blank">343/09.8GBGMR.G1</a>) e do Tribunal da Relação de Évora, de 12.11.2009 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/211489" target="_blank">2140/08.9PAPTM.E1</a>) [todos em www.dgsi.pt].
Concordamos com o referido entendimento, uma vez que no nosso direito penal a regra geral é a de que os crimes têm natureza pública. A natureza semi-pública (ou particular) de um crime depende sempre de expressa disposição legal nesse sentido.
No presente caso, o C. Penal prevê uma agravação do crime de ameaça previsto no artigo 153º mas, relativamente ao tipo qualificado nada diz quanto à necessidade de queixa. Daí que, de acordo com o entendimento jurisprudencial citado, se deva concluir que o tipo de ilícito previsto no art. 155º do C.P tem natureza pública.
A natureza pública do crime de ameaça agravada torna irrelevante a desistência da queixa formulada nos autos (só possível relativamente a crimes semi-públicos ou particulares - cf. arts. 113º, 1 e 116º do Código Penal e arts 50°, nº1, e 51°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal) e, nessa medida, impõe-se revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não admita tal desistência e ordene o prosseguimento dos autos.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não admita a desistência da queixa relativamente aos crimes de ameaça agravada imputados na acusação à arguida B… e ordene, quanto a eles, o prosseguimento dos autos.
Sem custas.

Porto, 17/02/2016
Élia São Pedro
Donas Botto

Recurso Penal 509/12.3GBAMT.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório 1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO junto da Comarca do Porto Este, Amarante, Instância Local, J1, inconformado com o despacho proferido nos autos acima referenciados, declarando extinto o procedimento criminal contra a arguida B…, relativamente ao crime de ameaça agravado, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “Os crimes de ameaça imputados à arguida B… previstos e punidos nas disposições conjugadas dos arts 153°, nº1 e 155°, nº1, al. a) têm natureza pública; - Não deveria por isso o Mº Juiz do Tribunal recorrido ter homologado a desistência de queixa relativamente aos crimes de ameaça agravada que lhe são imputados na acusação; - Ao homologar a desistência de queixa e ao declarar a extinção do procedimento criminal relativamente aos crimes de ameaça agravada imputados à arguida B… o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.ºs 113º, nº1, e 155°, nº1, al. a), do Código Penal e o disposto nos arts 50°, nº1, e 51°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. Termos em que, afigura-se-nos, deverá ser dado provimento ao recurso determinando-se a devolução dos autos ao Tribunal recorrido com vista ao prosseguimento do julgamento da arguida B… relativamente aos crimes de ameaça agravada que lhe são imputados na acusação pública deduzida.” 1.2. A arguida não respondeu à motivação do recurso. 1.3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. 1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP. 1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência. 2.Fundamentação 2.1. Matéria de facto Para julgamento do recurso consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais: a) O MP deduziu acusação contra C… imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º, 1 do CP e contra a arguida B…, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º, n.º 1, do Código Penal, e dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts 153º, n.º 1 e 155º,n.º 1, a) do Código Penal – cfr. fls. 123 dos autos. b) Da acta de audiência de discussão e julgamento de 25-06-2015 consta, além do mais, o seguinte: “ (…) Aberta a audiência à hora indicada, o M.mo Juiz concedeu a palavra à assistente B… e ao ofendido C…, que no uso da mesma declarou que desiste da queixa-crime e dos pedidos de indemnização formulados nos autos contra os arguidos, as quais estes aceitaram. Os arguidos declararam que se responsabilizam pelo pagamento da divida peticionado nos autos pelo Centro Hospitalar D…, pagando cada um a que lhes é imputado. Dada a palavra ao Procurador Adjunto, pelo mesmo foi dito que: O MP opõe-se à desistência quanto ao crime de ameaça agravada por entender que é um crime público. Dada a palavra aos Ilustres Mandatários, pelos mesmos foi dito nada ter a opor ou a requerer. Seguidamente, pelo M.mo Juiz foi proferido o seguinte:DESPACHOParte crime. Considerando ainda a posição assumida pelo Ministério Público e pelas partes e ainda a natureza do crime em causa nestes autos, julgo válidas e relevantes as desistências de queixa efetuadas e aceites que homologo, e, consequentemente, declaro extintos os procedimentos criminais deduzidos contra os arguidos. Custas pelo arguido C…, pelo mínimo, quanto ao crime de injúrias. Sem custas quanto aos demais crimes. Parte cível. Julgo de igual modo a desistência do pedido cível nele enxertado. Sem custas, relativamente ao pedido do Centro Hospitalar D…, atento o valor. Sem custas, relativamente ao pedido de indeminização civil de f. 137, atento o valor. Custas relativamente ao pedido de indeminização civil de fls. 161 pela assistente B…, com taxa pelo mínimo legal. Notifique. (…) ” 2.2. Matéria de direito 2.2.1. Objecto do recurso É objecto do presente recurso, o despacho proferido no início da Audiência de Julgamento, homologando a desistência da queixa e declarando extinto o procedimento criminal relativo aos crimes de ameaça agravada imputados na acusação à arguida B…. O MP/recorrente insurge-se contra tal decisão, por entender que o crime em causa tem natureza pública e, nessa medida, não permite a desistência de queixa. Vejamos então. A arguida B… foi acusada pelo MP da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, 1 do CP e de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, a, a) do C. Penal. Por seu turno, o arguido C… foi acusado (neste mesmo processo) da prática de um crime de ofensa à integridade física simples. Em audiência de julgamento, a assistente B… e o ofendido C… (simultaneamente arguidos e assistentes no processo) declararam que desistiam da queixa-crime e dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos contra os arguidos, os quais aceitaram tal desistência. O MP, ouvido em audiência de julgamento, opôs-se à desistência da queixa quanto ao crime de ameaça agravada, por entender ser um crime público. Foi proferido então o despacho recorrido que, julgando válidas e relevantes as desistências das queixas, homologou as mesmas e declarou extinto o respectivo procedimento criminal contra os arguidos. O presente recurso tem assim como objecto o referido despacho, na parte em que declarou extinto o procedimento criminal relativamente aos dois crimes de ameaça agravada imputados na acusação à arguida B…, uma vez que, quanto aos demais crimes imputados a ambos os arguidos, a decisão recorrida não foi objecto de recurso. Tal equivale a dizer que a questão a apreciar é apenas a de saber se o crime de ameaça agravada é efectivamente um crime público, impedindo que relativamente a ele haja desistência da queixa. A questão ora colocada não é nova e surgiu com a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/09, ao artigo 153º do C. Penal. Com efeito, o procedimento criminal relativo ao crime de ameaça previsto no referido art. 153º, na redacção anterior à referida Lei, dependia sempre de queixa, tanto no caso do tipo de ameaça simples (nº 1) como no tipo de ameaça agravada (nº 2). Tal resultava claramente do nº 3 do art. 153º, segundo o qual o procedimento criminal dependia de queixa. Na versão resultante da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, manteve-se a natureza do crime de ameaça simples, previsto no artº 153º do C.P, referindo-se expressamente que o procedimento criminal depende de queixa (nº 2), mas o crime de ameaça agravada passou a estar previsto no artº 155º C. Penal, o qual nada diz quanto ao procedimento criminal. Desta alteração resultou um entendimento generalizado, no sentido de que “… a técnica do nosso legislador consiste em colocar a menção de que “o procedimento criminal depende de queixa” após a definição do tipo base e antes do qualificado, ou então em artigo autónomo quando pretende definir a natureza particular ou semi-pública de vários crimes da mesma espécie, parecendo-nos não haver qualquer razão para, no caso em análise, se entender que a técnica legislativa foi alterada” – Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo 1222/09.4T3AVR.C1 em 01-06-2011. O mesmo entendimento foi seguido, designadamente, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de processo nº 1729/09.3PBAVR.C1, de 02.03. 2011 (processo n.º 550/09.3GCAVR.C1) e de 30.03.2011 (processos nº 1596/08.4PBAVR.C1 e nº 400/09.0PBAVR.C1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2010, (processo nº 36/09.6PBSRQ.L1-3), do Tribunal da Relação do Porto de 27.04.2011 (processo nº 53/09.6GBVNF.P1), de 01.07.2009 (processo n.º 968/07.6PBVLG.P1), de 15 de Setembro de 2010 (processo n.º 354/10.0PBVLG.P1) e de 29 de Setembro de 2010 (processo n.º 162/08.9GDGDM.P1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Novembro de 2010 (processo n.º 343/09.8GBGMR.G1) e do Tribunal da Relação de Évora, de 12.11.2009 (processo n.º 2140/08.9PAPTM.E1) [todos em www.dgsi.pt]. Concordamos com o referido entendimento, uma vez que no nosso direito penal a regra geral é a de que os crimes têm natureza pública. A natureza semi-pública (ou particular) de um crime depende sempre de expressa disposição legal nesse sentido. No presente caso, o C. Penal prevê uma agravação do crime de ameaça previsto no artigo 153º mas, relativamente ao tipo qualificado nada diz quanto à necessidade de queixa. Daí que, de acordo com o entendimento jurisprudencial citado, se deva concluir que o tipo de ilícito previsto no art. 155º do C.P tem natureza pública. A natureza pública do crime de ameaça agravada torna irrelevante a desistência da queixa formulada nos autos (só possível relativamente a crimes semi-públicos ou particulares - cf. arts. 113º, 1 e 116º do Código Penal e arts 50°, nº1, e 51°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal) e, nessa medida, impõe-se revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não admita tal desistência e ordene o prosseguimento dos autos. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não admita a desistência da queixa relativamente aos crimes de ameaça agravada imputados na acusação à arguida B… e ordene, quanto a eles, o prosseguimento dos autos. Sem custas. Porto, 17/02/2016 Élia São Pedro Donas Botto