Processo:75/19.9T8MAI.P1
Data do Acordão: 20/10/2019Relator: PAULA LEAL DE CARVALHOTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

O prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra - ordenacional tem natureza meramente aceleratória e disciplinar, não implicando a sua inobservância nulidade ou caducidade do referido procedimento.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL INSTRUÇÃO DO PROCEDIMENTO NATUREZA DO PRAZO CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO
No do documento
Data do Acordão
10/21/2019
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO DE CONTRA ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão
IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário
O prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra - ordenacional tem natureza meramente aceleratória e disciplinar, não implicando a sua inobservância nulidade ou caducidade do referido procedimento.
Decisão integral
Procº nº 75/19.9T8MAI.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1130)
Adjunto: Des. Jerónimo Freitas

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório1. B…, Lda., não se conformando com a decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital do Porto, que lhe aplicou a coima de €3.000,00, pela prática, a título de dolo eventual, da contra-ordenação muito grave prevista e punida pelo n.º 1 do art. 11º do DL n.º 64/2007, de 14/03, e punida nos termos do art. 30º do DL n.º 133-A/97, de 30/5, aplicável por força da remissão do n.º 1, do art. 45º, do DL n.º 64/2007, de 14/3, veio impugnar judicialmente a referida decisão.

Com a prévia concordância do Ministério Público (MP) e da arguida, a Mmª Juiz julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo a decisão administrativa proferida nos autos.

Inconformada, veio a arguida recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
II - Dispõe o nº 1 do artigo 24º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, que:
“1 - O prazo para a conclusão da instrução é de 60 dias”.
III - Entre a acção inspectiva de 27.09.013 e a notificação da contra – ordenação datada de 07.07.2014, passaram quase 10 meses.
IV - Sem qualquer explicação.
V - Daí que, todo e qualquer acto praticado para além do limite temporal previsto no normativo acima identificado era NULO E DE NENHUM EFEITO.
VI - Nos termos do artigo 52º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, e também o regime geral das contra ordenações, o presente procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos.
VII - Que não ocorreram nos presentes autos, qualquer causa de interrupção da prescrição.
VIII - A prescrição é uma causa de extinção da responsabilidade criminal.
IX - O decurso de um certo período de tempo é razão para que o direito penal se abstenha mesmo de intervir ou de efectivar a sua reacção.
X - A prescrição acaba por ser um modo de extinção da responsabilidade criminal decorrente do crime por razões ponderosas de política criminal e de utilidade social: a pacificação que decorre do decurso do tempo produz na consciência social uma diminuição, senão mesmo uma eliminação, do alarme social produzido, a perda da ressonância antijurídica do facto ante o efeito do decurso do tempo sobre os acontecimentos humanos, dificuldades de obtenção e reprodução do material probatório e grave impedimento do acusado para realizar a sua defesa.
XI - Através da consagração do instituto da prescrição, o Estado não está a renunciar ao direito de punir, antes está a fixar limites temporais para o exercício desse direito e não propriamente apenas ao direito de punir, mas antes também, no âmbito do processo próprio, ao direito e dever de investigar e de apurar se um determinado crime existiu e quem foi o seu autor.
XII - A prescrição não se refere (apenas) ao procedimento criminal, antes projecta efeitos jurídicos sobre o mesmo, impondo uma decisão de extinção.
XIII - A prescrição é uma das formas que compõem a segurança jurídica. O princípio da segurança jurídica, em geral, é um dos fundamentos constitucionais para o instituto da prescrição.
XIV - A prescrição, na realização de tais valores, acaba por ser um elemento conformador do direito e da própria justiça.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE ABSOLVIDA DA CONTRA ORDENAÇÃO APLICADA.”

O Ministério Público contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

Nesta Relação, a Exmª Srª. Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual a Recorrente respondeu no sentido do já alegado no recurso interposto.

Colheram-se os vistos legais.*
II. Fundamentação de FactoNa decisão recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto:
“ 1. Em 27/9/2013 foi realizada uma acção inspectiva ao estabelecimento lucrativo de apoio social propriedade da arguida, a prosseguir resposta social de C…, com a mesma denominação da firma, situado na Rua …, n.º …., em …, Matosinhos.
2. Este estabelecimento estava a funcionar desde Janeiro de 2012 sem alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.
3. A 7/7/2014 foi a arguida notificada do auto de contra-ordenação e para proceder ao pagamento voluntário da coima.
4. A 6/8/2014 a arguida apresentou contestação nos autos.
5. A 16/12/2014 foi decidido o encerramento do estabelecimento que a arguida explorava.
6. A 2/12/2015 e a 16/5/2016 foi notificada a arguida da data designada para a inquirição das testemunhas que arrolou.
7. A 24/10/2018 foi proferida decisão final pela Segurança Social, a qual foi notificada à arguida a 30/10/2018.”*
III. Do Direito1. Tendo em conta as conclusões do recurso formuladas pela recorrente, têm as mesmas por objecto:
- Da natureza e consequência da inobservância do prazo para conclusão do procedimento contraordenacional previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14.09;
- Da prescrição do procedimento contra-ordenacional.

2. Da natureza e consequência da inobservância do prazo para conclusão do procedimento contraordenacional previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14.09

Alega a Recorrente que: nos termos do art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, é de 60 dias o prazo para a conclusão da instrução; entre 27.09.2013, data da visita inspectiva, e 07.07.2014, data da notificação que lhe foi feita da contra-ordenação decorreram cerca de 10 meses sem qualquer explicação e, como refere na resposta ao parecer da Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta, sem que nesse período tivesse ocorrido qualquer ato que “convalidasse todo este tempo passado sem que o processo ficasse concluído, daí que, nunca poderia ser um prazo aceleratório e disciplinar.”; conclui que “todo e qualquer acto praticado para além do limite temporal previsto no normativo acima identificado era NULO E DE NENHUM EFEITO.”

2.1. Previamente, importa referir o seguinte: como decorre da impugnação judicial aduzida perante a 1ª instância, a arguida, ora Recorrente, nela não suscitou a questão ora em apreço, razão pela qual a Mmª Juiz também dela não conheceu na decisão recorrida, assim se tratando ela de “questão nova”, não suscitada, nem apreciada em momento anterior ao presente recurso.
Não obstante, o STJ, no seu Acórdão de fixação de jurisprudência nº 3/2019, publicado no DR, 1ª Série, de 02.07.2019 fixou jurisprudência no sentido de que “[e]m processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”.
Ainda que tal jurisprudência haja sido fixada no âmbito do art. 75º, nº 2, al. a) do Regime Geral das Contra-Ordenações constante do DL 433/82, de 27.10, alterado, designadamente, pelo DL 244/95, de 14.09, é a mesma também aplicável no âmbito do regime aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei nº 107/2009, de 14.09, cujo art. 51º, nº 2, al. a), dispõe aliás de modo idêntico.
Assim, e pese embora a questão ora em apreço não haja sido suscitada e conhecida na 1ª instância, uma vez que invocada no recurso há que dela conhecer.

2.2. Dispõe o art. 24º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro que:
1. O prazo para conclusão da instrução é de 60 dias.
2. O prazo referido no número anterior pode ser sucessivamente prorrogado por iguais períodos em casos devidamente fundamentados.
3. Para efeitos do nº 1, a contagem do prazo inicia-se com a distribuição do processo ao respetivo instrutor.
A fixação do prazo mencionado no nº 1 do citado preceito já constava do antecedente art. 639º do CT/2003, bem como, anteriormente a este, do art. 25º da Lei 116/99, de 04.08 e art. 51º do DL 491/85, de 26.11.
Sobre a natureza deste prazo como meramente ordenador, aceleratório e disciplinar pronunciou-se João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 2011, 3ª Edição, Almedina, pág. 55, ao referir que: “ O prazo de 60 dias é um prazo meramente aceleratório e disciplinar, pelo que o seu incumprimento acarretará, eventualmente, consequências disciplinares para os funcionários que, culposamente, deixaram de o cumprir. Não é pois um prazo peremptório, que tornaria nulos os actos praticados para além do seu termo.”.
No mesmo sentido, se tem pronunciado a jurisprudência, designadamente:
- os Acórdãos da Relação de Évora de 09.11.2004, Processo 1756/04-3, citado pelo referido autor, obra indicada, a pág. 56 e de 20.03.2012, proferido no Processo 38/11.2TTSTB.E1 e sumariado na Coletânea de Jurisprudência (CJ), 2012, T II, pág. 322, em que se refere que “o desrespeito do prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra-ordenacional não implica a nulidade ou caducidade do mesmo, dado possuir uma natureza meramente aceleratória e disciplinar.”.
- o Acórdão da Relação do Porto de 28.02.2005, in CJ, T I, pág. 238 e segs., em cujo sumário se refere que “V- O facto de ter sido ultrapassado o prazo de instrução não conduz à nulidade da decisão administrativa, na medida em que a lei não determina em sanciona tal ocorrência com a nulidade.”.
- o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.01.2006, in CJ, T I, pág. 141, nele se entendendo que “a lei que estabeleceu esse prazo não cominou o incumprimento do mesmo com a nulidade. E, nos termos do art. 118º nº 1 do CPP, aplicável ex vi do art. 2º da Lei 116/99 e art. 41º do Dec-Lei nº 433/82 na redacção dada pelo DL 244/95 de 14/09, a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Trata-se, portanto, de um prazo meramente aceleratório, e o seu incumprimento uma mera irregularidade processual, que poderá acarretar, eventualmente, efeitos disciplinares para os funcionários que, culposamente, deixarem de os cumprir. Não se trata, portanto, de um prazo peremptório (…)”.
- O Acórdão da Relação de Lisboa, Processo 191/12.8TTTVD.L1-4, no qual, para além de citar os mencionados Acórdãos da RE de 09.11.2004 e 20.03.2013, da RL, de 09.11.2004 e RP de 28.02.2005, se refere ainda o seguinte:
« (…) não encaramos o prazo constante do artigo 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 como um prazo de caducidade do procedimento contraordenacional na sua fase administrativa mas antes como um prazo indicativo, instrumental, orientador da atividade da Autoridade para as Condições de Trabalho, que se quer expedita, pronta, atual, célere, eficiente e eficaz.
Impõe-se constatar (até por contraste com o conteúdo das regras anteriormente vigentes) que não se acha fixado um número limite para as prorrogações do prazo de 60 dias que podem ser requeridas pelo instrutor do procedimento contraordenacional e consentidas pelo seu superior hierárquico, não se lobrigando na Lei n.º 107/2009 a existência de qualquer sanção processual ou material (sem prejuízo do limite imposto pela prescrição) para cenários de excesso justificado ou injustificado do aludido prazo ou prazos.
(…)
Abílio Neto em “Código do Processo do Trabalho Anotado”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, EDIFORUM, páginas 465 e 466, indica os seguintes Arestos que, ao abrigo do regime constante dos artigos 25.º do regime aprovado pela Lei n.º 116/99 e 639.º do Código do Trabalho de 2003, pugnaram, uniformemente, por uma interpretação jurídica similar à de Soares Ribeiro:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/05/2003, publicado em C.J., 2003, Tomo III, página 146 (Sumário):
“O prazo de instrução é meramente aceleratório e disciplinar, pelo que o seu incumprimento acarretará eventualmente consequências disciplinares para o instrutor.”
(…)
O conjunto da doutrina e jurisprudência que se citou emanou de normas que possuíam um teor - pelo menos aparentemente - bastante mais restritivo do que o do atual artigo 24.º - ali permitia-se uma única prorrogação do prazo inicial de 60 dias ao passo que agora são consentidas sucessivas renovações do mesmo -, não tendo esse cenário legal impedido o autor referido e vários dos nossos tribunais de 2.ª instância de, unanimemente, afastarem a verificação da caducidade ou nulidade do procedimento contraordenacional, em situações de ultrapassagem do aludido prazo ou prazos.
Ora, se assim foi no quadro da referida legislação, com maior razão e intensidade se impõe tal tese no âmbito do regime legal agora em vigor, atenta a alteração da redação do preceito nessa matéria.
(…)
Dir-se-á, finalmente, que constituiria um manifesto e incompreensível contrassenso por parte do legislador a atribuição da natureza perentória a tal prazo de 60 dias, ao mesmo tempo, sucessivas e ilimitadas prorrogações do mesmo, com o limite derivado da prescrição do procedimento contraordenacional (onde estava, então, a preclusão/extinção do direito, associada aquele tipo de prazos, conforme previsto no artigo 145.º, número 3 do Código de Processo Civil e apesar do estatuído no artigo 147.º do esmo diploma legal?), não sendo despiciendo, por outro lado, recordar que o mesmo aumentou consideravelmente os prazos de prescrição das contraordenações (cfr., a este respeito, os artigos 27.º a 31.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 e posteriores alterações, com especial relevância para aquelas introduzidas pela Lei n.º 109/2001, de 24/12), o que não se coaduna minimamente com a interpretação que a arguida faz do artigo 24.º do atual regime contraordenacional e do prazo aí contemplado.».
Ora, não vemos qualquer razão justificativa para a alteração do entendimento que, de forma reiterada, a jurisprudência vem dando eco e que se sufraga.
Apenas se entende ser de acrescentar que, também no domínio do inquérito no processo penal, o qual é de aplicação subsidiária ao processo contraordenacional (arts. 60º da Lei 107/2009 e 41º do DL 433/82, de 27.10, na redação do DL 244/95, de 14.09), se prevêem prazos para a duração do inquérito (art. 276º), não se cominando, todavia, a sua violação com qualquer efeito extintivo do procedimento criminal[1], seja por via da nulidade dos atos praticados posteriormente, seja por via da caducidade, efeito extintivo esse que não é, também, defendido na doutrina e jurisprudência – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 22.10.2009, Processo 1965/06, in www.dgsi.pt, nos termos do qual os prazos são ordenadores ou disciplinadores, e José Manuel Saporeti Machado da Cruz Bucho, A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, 08.11.2010, in http://www.trg.pt/ficheiros/estudos/cruzbucho_revisaocpp2010.pdj, págs. 29 e segs.
Ora, se assim é no processo criminal, pese embora a maior complexidade do mesmo, não se vê razão para, quanto à natureza de tal prazo, afastar a aplicação subsidiária do CPP, sendo certo que o regime contraordenacional é omisso quanto às consequências da inobservância do prazo da instrução, para além de que nele, processo contraordenacional, está também em causa a prossecução de interesse de natureza pública.
Entende-se, assim, que não assiste razão à Recorrente, sendo que, à exceção de eventuais efeitos disciplinares das entidades em causa da autoridade administrativa, irrelevante que, no caso, entre a visita inspectiva (27.09.2013) e a notificação, para o exercício do direito de defesa, da contra-ordenação (07.07.2014) tenha decorrido cerca de 10 meses sem que algum ato tenha sido praticado pela autoridade administrativa. O referido prazo de 60 dias previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, não tem pois a natureza de um prazo de caducidade, nem a sua inobservância determina a nulidade de qualquer ato posteriormente praticado.
Assim, e nesta parte, improcede o recurso.3. Da prescriçãoInvoca a Recorrente a prescrição do procedimento contra-ordenacional, para tanto alegando que o prazo de prescrição é de cinco anos e que não ocorreu qualquer causa de interrupção da mesma.
Desde já se dirá que, manifestamente, não lhe assiste razão.
Ao caso é aplicável a Lei 107/2009, de 14.09, que entrou em vigor a 01.10.2009 (art. 65º, nº 1) e que aprovou o regime aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, a qual dispõe no seu art. 52º, sob a epígrafe “Prescrição do procedimento”, que “[s]em prejuízo das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no regime geral das contra-ordenações o procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da infração hajam decorrido cinco anos.” [sublinhado nosso].
Por sua vez, os arts. 53º e 54º da citada Lei 107/2009, dispõem sobre as causas de suspensão e interrupção da prescrição, o seguinte:Art. 53º
Suspensão da prescrição“1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não possa legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Esteja pendente a partir  do envio do processo ao Ministério Público até à sia devolução à autoridade administrativa competente, nos termos previstos no regime geral das contra - ordeanções.
c) Esteja pendente a partir da notificação do despachoque procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa competente,  até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”Artigo 54º
Interrupção da prescrição1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2. (…)
3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Em caso de interrupção da prescrição, sobre cada ato interruptiva começa a correr novo prazo de prescrição.
No caso, os factos imputados ocorreram aos 27.09.2013, data da visita inspetiva, pelo que o prazo de prescrição de 5 anos, se não tivessem havido atos interruptivos da mesma, ocorreria aos 27.09.2018, sendo que a decisão administrativa foi proferida aos 24.10.2018, ou seja já após tal data.
Acontece que, no caso e ao contrário do que alega a Recorrente, que incompreensilvelmente não atentou no mencionado art. 54º, ocorreram atos interruptivos da prescrição.
Com efeito, a prescrição interrompeu-se:
- com a notificação da arguida para o exercicio do seu direito de audição e defesa, que ocorreu aos 07.07.2014 – art. 54º, nº 1, al. c);
- com a defesa por esta apresentada, que ocorreu aos 06.08.2014 – art. 54º, nº 1, al. c); 
- com o encerramento do estabelecimento, que ocorreu aos 16.12.2014 – art. 54º, nº 1, al. a);
- e com a notificação da arguida para a inquirição de testemunhas, que ocorreu aos 02.12.215 e 16.05.2016 – art. 54º, nº 1, al. a).
E entre cada um desses atos interruptivos e o seguinte não decorreu o mencionado prazo de 5 anos.
Por outro lado, tendo em conta o prazo de prescrição [5 anos] e o acréscimo de metade do mesmo a que se reporta o art. 54º, nº 3 [2 anos e seis meses], a prescrição apenas ocorreria aos 27.03.2021 [e, aos 27.09.2021, tendo em conta o período da suspensão de 6 meses a que se refere o art. 53º, nº 2, al. c)]. Ora, tendo a decisão sido proferida pela autoridade administrativa aos 24/10/2018, é manifestamente improcedente a invocação da prescrição.
Assim, e sem necessidade de considerações adicionais por manifestamentre desnecessárias, o recurso improcede também nesta parte.*
V. DecisãoEm face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas e taxa de justiça, que se fixa em 3 UC, pela arguida.

Porto, 21.10.2019
Paulo Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
_______________
[1] Prevendo-se embora, no processo criminal, efeitos no âmbito da consulta do processo em segredo de justiça -art. 89º, nº 6 -, do CPP e de aceleração processual – art. 109º.

Procº nº 75/19.9T8MAI.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1130) Adjunto: Des. Jerónimo Freitas Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório1. B…, Lda., não se conformando com a decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital do Porto, que lhe aplicou a coima de €3.000,00, pela prática, a título de dolo eventual, da contra-ordenação muito grave prevista e punida pelo n.º 1 do art. 11º do DL n.º 64/2007, de 14/03, e punida nos termos do art. 30º do DL n.º 133-A/97, de 30/5, aplicável por força da remissão do n.º 1, do art. 45º, do DL n.º 64/2007, de 14/3, veio impugnar judicialmente a referida decisão. Com a prévia concordância do Ministério Público (MP) e da arguida, a Mmª Juiz julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo a decisão administrativa proferida nos autos. Inconformada, veio a arguida recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões: “I - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos. II - Dispõe o nº 1 do artigo 24º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, que: “1 - O prazo para a conclusão da instrução é de 60 dias”. III - Entre a acção inspectiva de 27.09.013 e a notificação da contra – ordenação datada de 07.07.2014, passaram quase 10 meses. IV - Sem qualquer explicação. V - Daí que, todo e qualquer acto praticado para além do limite temporal previsto no normativo acima identificado era NULO E DE NENHUM EFEITO. VI - Nos termos do artigo 52º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, e também o regime geral das contra ordenações, o presente procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos. VII - Que não ocorreram nos presentes autos, qualquer causa de interrupção da prescrição. VIII - A prescrição é uma causa de extinção da responsabilidade criminal. IX - O decurso de um certo período de tempo é razão para que o direito penal se abstenha mesmo de intervir ou de efectivar a sua reacção. X - A prescrição acaba por ser um modo de extinção da responsabilidade criminal decorrente do crime por razões ponderosas de política criminal e de utilidade social: a pacificação que decorre do decurso do tempo produz na consciência social uma diminuição, senão mesmo uma eliminação, do alarme social produzido, a perda da ressonância antijurídica do facto ante o efeito do decurso do tempo sobre os acontecimentos humanos, dificuldades de obtenção e reprodução do material probatório e grave impedimento do acusado para realizar a sua defesa. XI - Através da consagração do instituto da prescrição, o Estado não está a renunciar ao direito de punir, antes está a fixar limites temporais para o exercício desse direito e não propriamente apenas ao direito de punir, mas antes também, no âmbito do processo próprio, ao direito e dever de investigar e de apurar se um determinado crime existiu e quem foi o seu autor. XII - A prescrição não se refere (apenas) ao procedimento criminal, antes projecta efeitos jurídicos sobre o mesmo, impondo uma decisão de extinção. XIII - A prescrição é uma das formas que compõem a segurança jurídica. O princípio da segurança jurídica, em geral, é um dos fundamentos constitucionais para o instituto da prescrição. XIV - A prescrição, na realização de tais valores, acaba por ser um elemento conformador do direito e da própria justiça. TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE ABSOLVIDA DA CONTRA ORDENAÇÃO APLICADA.” O Ministério Público contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso. Nesta Relação, a Exmª Srª. Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual a Recorrente respondeu no sentido do já alegado no recurso interposto. Colheram-se os vistos legais.* II. Fundamentação de FactoNa decisão recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto: “ 1. Em 27/9/2013 foi realizada uma acção inspectiva ao estabelecimento lucrativo de apoio social propriedade da arguida, a prosseguir resposta social de C…, com a mesma denominação da firma, situado na Rua …, n.º …., em …, Matosinhos. 2. Este estabelecimento estava a funcionar desde Janeiro de 2012 sem alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento. 3. A 7/7/2014 foi a arguida notificada do auto de contra-ordenação e para proceder ao pagamento voluntário da coima. 4. A 6/8/2014 a arguida apresentou contestação nos autos. 5. A 16/12/2014 foi decidido o encerramento do estabelecimento que a arguida explorava. 6. A 2/12/2015 e a 16/5/2016 foi notificada a arguida da data designada para a inquirição das testemunhas que arrolou. 7. A 24/10/2018 foi proferida decisão final pela Segurança Social, a qual foi notificada à arguida a 30/10/2018.”* III. Do Direito1. Tendo em conta as conclusões do recurso formuladas pela recorrente, têm as mesmas por objecto: - Da natureza e consequência da inobservância do prazo para conclusão do procedimento contraordenacional previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14.09; - Da prescrição do procedimento contra-ordenacional. 2. Da natureza e consequência da inobservância do prazo para conclusão do procedimento contraordenacional previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14.09 Alega a Recorrente que: nos termos do art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, é de 60 dias o prazo para a conclusão da instrução; entre 27.09.2013, data da visita inspectiva, e 07.07.2014, data da notificação que lhe foi feita da contra-ordenação decorreram cerca de 10 meses sem qualquer explicação e, como refere na resposta ao parecer da Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta, sem que nesse período tivesse ocorrido qualquer ato que “convalidasse todo este tempo passado sem que o processo ficasse concluído, daí que, nunca poderia ser um prazo aceleratório e disciplinar.”; conclui que “todo e qualquer acto praticado para além do limite temporal previsto no normativo acima identificado era NULO E DE NENHUM EFEITO.” 2.1. Previamente, importa referir o seguinte: como decorre da impugnação judicial aduzida perante a 1ª instância, a arguida, ora Recorrente, nela não suscitou a questão ora em apreço, razão pela qual a Mmª Juiz também dela não conheceu na decisão recorrida, assim se tratando ela de “questão nova”, não suscitada, nem apreciada em momento anterior ao presente recurso. Não obstante, o STJ, no seu Acórdão de fixação de jurisprudência nº 3/2019, publicado no DR, 1ª Série, de 02.07.2019 fixou jurisprudência no sentido de que “[e]m processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”. Ainda que tal jurisprudência haja sido fixada no âmbito do art. 75º, nº 2, al. a) do Regime Geral das Contra-Ordenações constante do DL 433/82, de 27.10, alterado, designadamente, pelo DL 244/95, de 14.09, é a mesma também aplicável no âmbito do regime aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei nº 107/2009, de 14.09, cujo art. 51º, nº 2, al. a), dispõe aliás de modo idêntico. Assim, e pese embora a questão ora em apreço não haja sido suscitada e conhecida na 1ª instância, uma vez que invocada no recurso há que dela conhecer. 2.2. Dispõe o art. 24º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro que: 1. O prazo para conclusão da instrução é de 60 dias. 2. O prazo referido no número anterior pode ser sucessivamente prorrogado por iguais períodos em casos devidamente fundamentados. 3. Para efeitos do nº 1, a contagem do prazo inicia-se com a distribuição do processo ao respetivo instrutor. A fixação do prazo mencionado no nº 1 do citado preceito já constava do antecedente art. 639º do CT/2003, bem como, anteriormente a este, do art. 25º da Lei 116/99, de 04.08 e art. 51º do DL 491/85, de 26.11. Sobre a natureza deste prazo como meramente ordenador, aceleratório e disciplinar pronunciou-se João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 2011, 3ª Edição, Almedina, pág. 55, ao referir que: “ O prazo de 60 dias é um prazo meramente aceleratório e disciplinar, pelo que o seu incumprimento acarretará, eventualmente, consequências disciplinares para os funcionários que, culposamente, deixaram de o cumprir. Não é pois um prazo peremptório, que tornaria nulos os actos praticados para além do seu termo.”. No mesmo sentido, se tem pronunciado a jurisprudência, designadamente: - os Acórdãos da Relação de Évora de 09.11.2004, Processo 1756/04-3, citado pelo referido autor, obra indicada, a pág. 56 e de 20.03.2012, proferido no Processo 38/11.2TTSTB.E1 e sumariado na Coletânea de Jurisprudência (CJ), 2012, T II, pág. 322, em que se refere que “o desrespeito do prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra-ordenacional não implica a nulidade ou caducidade do mesmo, dado possuir uma natureza meramente aceleratória e disciplinar.”. - o Acórdão da Relação do Porto de 28.02.2005, in CJ, T I, pág. 238 e segs., em cujo sumário se refere que “V- O facto de ter sido ultrapassado o prazo de instrução não conduz à nulidade da decisão administrativa, na medida em que a lei não determina em sanciona tal ocorrência com a nulidade.”. - o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.01.2006, in CJ, T I, pág. 141, nele se entendendo que “a lei que estabeleceu esse prazo não cominou o incumprimento do mesmo com a nulidade. E, nos termos do art. 118º nº 1 do CPP, aplicável ex vi do art. 2º da Lei 116/99 e art. 41º do Dec-Lei nº 433/82 na redacção dada pelo DL 244/95 de 14/09, a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Trata-se, portanto, de um prazo meramente aceleratório, e o seu incumprimento uma mera irregularidade processual, que poderá acarretar, eventualmente, efeitos disciplinares para os funcionários que, culposamente, deixarem de os cumprir. Não se trata, portanto, de um prazo peremptório (…)”. - O Acórdão da Relação de Lisboa, Processo 191/12.8TTTVD.L1-4, no qual, para além de citar os mencionados Acórdãos da RE de 09.11.2004 e 20.03.2013, da RL, de 09.11.2004 e RP de 28.02.2005, se refere ainda o seguinte: « (…) não encaramos o prazo constante do artigo 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 como um prazo de caducidade do procedimento contraordenacional na sua fase administrativa mas antes como um prazo indicativo, instrumental, orientador da atividade da Autoridade para as Condições de Trabalho, que se quer expedita, pronta, atual, célere, eficiente e eficaz. Impõe-se constatar (até por contraste com o conteúdo das regras anteriormente vigentes) que não se acha fixado um número limite para as prorrogações do prazo de 60 dias que podem ser requeridas pelo instrutor do procedimento contraordenacional e consentidas pelo seu superior hierárquico, não se lobrigando na Lei n.º 107/2009 a existência de qualquer sanção processual ou material (sem prejuízo do limite imposto pela prescrição) para cenários de excesso justificado ou injustificado do aludido prazo ou prazos. (…) Abílio Neto em “Código do Processo do Trabalho Anotado”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, EDIFORUM, páginas 465 e 466, indica os seguintes Arestos que, ao abrigo do regime constante dos artigos 25.º do regime aprovado pela Lei n.º 116/99 e 639.º do Código do Trabalho de 2003, pugnaram, uniformemente, por uma interpretação jurídica similar à de Soares Ribeiro: - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/05/2003, publicado em C.J., 2003, Tomo III, página 146 (Sumário): “O prazo de instrução é meramente aceleratório e disciplinar, pelo que o seu incumprimento acarretará eventualmente consequências disciplinares para o instrutor.” (…) O conjunto da doutrina e jurisprudência que se citou emanou de normas que possuíam um teor - pelo menos aparentemente - bastante mais restritivo do que o do atual artigo 24.º - ali permitia-se uma única prorrogação do prazo inicial de 60 dias ao passo que agora são consentidas sucessivas renovações do mesmo -, não tendo esse cenário legal impedido o autor referido e vários dos nossos tribunais de 2.ª instância de, unanimemente, afastarem a verificação da caducidade ou nulidade do procedimento contraordenacional, em situações de ultrapassagem do aludido prazo ou prazos. Ora, se assim foi no quadro da referida legislação, com maior razão e intensidade se impõe tal tese no âmbito do regime legal agora em vigor, atenta a alteração da redação do preceito nessa matéria. (…) Dir-se-á, finalmente, que constituiria um manifesto e incompreensível contrassenso por parte do legislador a atribuição da natureza perentória a tal prazo de 60 dias, ao mesmo tempo, sucessivas e ilimitadas prorrogações do mesmo, com o limite derivado da prescrição do procedimento contraordenacional (onde estava, então, a preclusão/extinção do direito, associada aquele tipo de prazos, conforme previsto no artigo 145.º, número 3 do Código de Processo Civil e apesar do estatuído no artigo 147.º do esmo diploma legal?), não sendo despiciendo, por outro lado, recordar que o mesmo aumentou consideravelmente os prazos de prescrição das contraordenações (cfr., a este respeito, os artigos 27.º a 31.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 e posteriores alterações, com especial relevância para aquelas introduzidas pela Lei n.º 109/2001, de 24/12), o que não se coaduna minimamente com a interpretação que a arguida faz do artigo 24.º do atual regime contraordenacional e do prazo aí contemplado.». Ora, não vemos qualquer razão justificativa para a alteração do entendimento que, de forma reiterada, a jurisprudência vem dando eco e que se sufraga. Apenas se entende ser de acrescentar que, também no domínio do inquérito no processo penal, o qual é de aplicação subsidiária ao processo contraordenacional (arts. 60º da Lei 107/2009 e 41º do DL 433/82, de 27.10, na redação do DL 244/95, de 14.09), se prevêem prazos para a duração do inquérito (art. 276º), não se cominando, todavia, a sua violação com qualquer efeito extintivo do procedimento criminal[1], seja por via da nulidade dos atos praticados posteriormente, seja por via da caducidade, efeito extintivo esse que não é, também, defendido na doutrina e jurisprudência – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 22.10.2009, Processo 1965/06, in www.dgsi.pt, nos termos do qual os prazos são ordenadores ou disciplinadores, e José Manuel Saporeti Machado da Cruz Bucho, A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, 08.11.2010, in http://www.trg.pt/ficheiros/estudos/cruzbucho_revisaocpp2010.pdj, págs. 29 e segs. Ora, se assim é no processo criminal, pese embora a maior complexidade do mesmo, não se vê razão para, quanto à natureza de tal prazo, afastar a aplicação subsidiária do CPP, sendo certo que o regime contraordenacional é omisso quanto às consequências da inobservância do prazo da instrução, para além de que nele, processo contraordenacional, está também em causa a prossecução de interesse de natureza pública. Entende-se, assim, que não assiste razão à Recorrente, sendo que, à exceção de eventuais efeitos disciplinares das entidades em causa da autoridade administrativa, irrelevante que, no caso, entre a visita inspectiva (27.09.2013) e a notificação, para o exercício do direito de defesa, da contra-ordenação (07.07.2014) tenha decorrido cerca de 10 meses sem que algum ato tenha sido praticado pela autoridade administrativa. O referido prazo de 60 dias previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, não tem pois a natureza de um prazo de caducidade, nem a sua inobservância determina a nulidade de qualquer ato posteriormente praticado. Assim, e nesta parte, improcede o recurso.3. Da prescriçãoInvoca a Recorrente a prescrição do procedimento contra-ordenacional, para tanto alegando que o prazo de prescrição é de cinco anos e que não ocorreu qualquer causa de interrupção da mesma. Desde já se dirá que, manifestamente, não lhe assiste razão. Ao caso é aplicável a Lei 107/2009, de 14.09, que entrou em vigor a 01.10.2009 (art. 65º, nº 1) e que aprovou o regime aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, a qual dispõe no seu art. 52º, sob a epígrafe “Prescrição do procedimento”, que “[s]em prejuízo das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no regime geral das contra-ordenações o procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da infração hajam decorrido cinco anos.” [sublinhado nosso]. Por sua vez, os arts. 53º e 54º da citada Lei 107/2009, dispõem sobre as causas de suspensão e interrupção da prescrição, o seguinte:Art. 53º Suspensão da prescrição“1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não possa legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Esteja pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sia devolução à autoridade administrativa competente, nos termos previstos no regime geral das contra - ordeanções. c) Esteja pendente a partir da notificação do despachoque procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa competente, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”Artigo 54º Interrupção da prescrição1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2. (…) 3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. Em caso de interrupção da prescrição, sobre cada ato interruptiva começa a correr novo prazo de prescrição. No caso, os factos imputados ocorreram aos 27.09.2013, data da visita inspetiva, pelo que o prazo de prescrição de 5 anos, se não tivessem havido atos interruptivos da mesma, ocorreria aos 27.09.2018, sendo que a decisão administrativa foi proferida aos 24.10.2018, ou seja já após tal data. Acontece que, no caso e ao contrário do que alega a Recorrente, que incompreensilvelmente não atentou no mencionado art. 54º, ocorreram atos interruptivos da prescrição. Com efeito, a prescrição interrompeu-se: - com a notificação da arguida para o exercicio do seu direito de audição e defesa, que ocorreu aos 07.07.2014 – art. 54º, nº 1, al. c); - com a defesa por esta apresentada, que ocorreu aos 06.08.2014 – art. 54º, nº 1, al. c); - com o encerramento do estabelecimento, que ocorreu aos 16.12.2014 – art. 54º, nº 1, al. a); - e com a notificação da arguida para a inquirição de testemunhas, que ocorreu aos 02.12.215 e 16.05.2016 – art. 54º, nº 1, al. a). E entre cada um desses atos interruptivos e o seguinte não decorreu o mencionado prazo de 5 anos. Por outro lado, tendo em conta o prazo de prescrição [5 anos] e o acréscimo de metade do mesmo a que se reporta o art. 54º, nº 3 [2 anos e seis meses], a prescrição apenas ocorreria aos 27.03.2021 [e, aos 27.09.2021, tendo em conta o período da suspensão de 6 meses a que se refere o art. 53º, nº 2, al. c)]. Ora, tendo a decisão sido proferida pela autoridade administrativa aos 24/10/2018, é manifestamente improcedente a invocação da prescrição. Assim, e sem necessidade de considerações adicionais por manifestamentre desnecessárias, o recurso improcede também nesta parte.* V. DecisãoEm face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas e taxa de justiça, que se fixa em 3 UC, pela arguida. Porto, 21.10.2019 Paulo Leal de Carvalho Jerónimo Freitas _______________ [1] Prevendo-se embora, no processo criminal, efeitos no âmbito da consulta do processo em segredo de justiça -art. 89º, nº 6 -, do CPP e de aceleração processual – art. 109º.