I - Os contitulares de quota indivisa têm de exercer os direitos inerentes a essa quota, que não sejam de natureza individual, através de representante comum – artigo 222.º, n.º 1, do C. S. Comerciais -. II - A ação em que se pede a nulidade de uma deliberação, em caso de contitularidade de quota indivisa, tem de ser proposta pelo indicado representante comum. III - Sendo a requerente de intervenção espontânea uma das contitulares mas não detendo a qualidade de representante comum dos contitulares, não tem legitimidade para intervir como parte principal e, logo, não pode intervir espontaneamente ao abrigo do artigo 311.º, do C. P. C..
Processo n.º 6665/17.T8VNHG-H.P1. * 1). Relatório. B..., residente na Rua …, n.º .., Hab. .., Porto, propôs no Juízo do Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Ação de declaração de nulidade de deliberação social, contra C..., Lda., com sede na Rua …, n.º .., . .., Porto pedindo que se declare a nulidade das deliberações da Ré tomadas na assembleia do dia 14/07/2017, com o cancelamento da respetiva inscrição na C. R. Comercial. Em resumo, alega que: - a Ré tem por objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária, participações, acessória empresarial, consultadoria, gestão de obras e investimentos; - foram seus sócios fundadores D... e mulher, E..., cada um deles com uma quota com o valor nominal de 2 500 EUR; - em 10/10/2013 faleceu D...; - em 2012, D... tinha intentado no Tribunal de Família e Menores do Porto ação de divórcio n.º 2015/12.7TMPRT, o qual foi decretado em 09/09/2015, por sentença transitada em julgado em 11/05/2016, com os efeitos patrimoniais a retroagiram a 09/06/2011; - foi efetuada a transmissão das quotas, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor da cônjuge meeira e dos herdeiros do falecido D…, com registo em 23/07/2017, a saber: - E... (viúva); - B..., F..., G..., H... (filhos); - é assim o Autor contitular das quotas da Ré pelo que detém legitimidade para os autos; - Em 21/06/2017, a viúva E..., arrogando-se na qualidade de sócia e cônjuge meeira, convocou todos os herdeiros do falecido sócio para uma assembleia geral da sociedade Ré, a realizar em 14707/2017, com a seguinte ordem de trabalhos: 1- Ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 17/07/2013, 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, nomeadamente: a) Nomeação de E... como gerente da sociedade; b) Ratificação de todos os atos e negócios praticados pela E... desde julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transações; c) nomeação da referida E... como representante da Ré na sociedade J..., Unipessoal, Lda.; - a convocatória foi enviada desacompanhada de quaisquer documentos pelo que os contitulares das quotas que titulam a totalidade do capital social da sociedade não obtiveram a informação necessária à tomada das deliberações da assembleia convocada, nomeadamente à ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, e de todos os atos e negócios praticados pela E... desde julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transações, violando o disposto no artigo 289.º, do C. S. C.; - na assembleia de 14/07/2017, o Autor e demais contitulares da quota compareceram na sede da Ré onde foram informados pela viúva E... que poderiam assistir à assembleia, mas que não poderiam intervir na mesma e votar, uma vez que ela teria sido nomeada representante comum dos contitulares das quotas; - tal não faz sentido – serem convocados para participar na assembleia e votar e não somente para assistirem; - os herdeiros do sócio D…, B… (Autor), F… e H… não votaram favoravelmente e constituem a maioria, já que a quota pertence em comum e sem determinação de parte à cônjuge meeira do falecido D… e aos filhos e herdeiros daquele B…, F…, G… e H…; - a cônjuge meeira do falecido não foi ainda nomeada cabeça-de-casal do património comum do casal dissolvido e não é certo que venha a ser, uma vez que não tem a capacidade necessária para o exercício dessas funções em virtude da sua idade avançada, pelo que é provável que o cargo venha a ser exercido pela filha mais velha; - a viúva arroga-se titular de uma quota de 2 500 EUR por si e na qualidade de sócia originária e representante comum dos contitulares da outra quota de 2 500 EUR, titularidade que não encontra correspondência com a realidade inscrita no registo comercial da sociedade-Ré; - arrogando-se dos mencionados poderes de representação E... aprovou sozinha e por unanimidade, todos os pontos da ordem dos trabalhos; - tais deliberações são inválidas, ilegais, por contrárias à lei e, em consequência, nulas, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, d), do C.S. C..*Contestou a Ré alegando em síntese que: - tal como defendido em sede de oposição em procedimento cautelar, o Autor é parte ilegítima; - dissolvido o casamento como referido na petição inicial, E... perdeu a qualidade de herdeira mas mantém a de cônjuge meeira, sendo que as quotas não deixam de pertencer ao património comum do casal; - tem assim, subsequentemente ao divórcio, de se proceder à partilha para se apurarem os bens a integrar a meação do falecido; - as quotas da Ré, por sua vez, integrarão a herança aberta por óbito de D..., no caso de, no âmbito do inventário intentado com vista à partilha de bens por divórcio se as mesmas forem adjudicadas aos herdeiros e não à viúva; - dissolvido o casamento por divórcio, os bens comuns do casal, que constituem um património autónomo, passam a estar sujeitos, por força da retroação considerada, desde a data da separação, por se tornarem numa simples universalidade de bens comuns, a dissolver-se por partilha; - as quotas indivisas ficam, até à partilha, na titularidade da viúva e dos herdeiros do falecido sócio, em regime de contitularidade, devendo os contitulares exercer os direitos inerentes às quotas, através de um representante comum - artigos 222º a 224º do CSC -; - à viúva cabe em exclusivo o cargo de cabeça de casal; - a administração e até a alienação de bens móveis comuns pode ser efetuada pelo cônjuge administrador, quer antes da propositura da ação de divórcio, quer depois da propositura dessa ação; - de acordo com o disposto no artigo 1407.º, 1 do C. Civil, a maioria exigida para a escolha do representante comum é determinada em função da percentagem tida na quota social (em função do valor e não determinada por cabeça), pelo que é a esta maioria, em função do valor, que devemos atender para determinar a deliberação dos contitulares quanto ao sentido de voto que pretendem seja exercido pelo seu representante comum; - à cônjuge meeira cabe uma quota correspondente a 50%, sendo que os restantes 50% cabem, em partes iguais aos filhos e herdeiros do Eng.º D…, na proporção de 12,5% a cada um; - a manifestação de vontade e o sentido de voto dessas quotas só pelo representante comum deve ser feita, não sendo necessária a presença dos respetivos contitulares; - o direito à declaração de nulidade de deliberações sociais que o Autor pretende exercer, não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente considerados, mas somente pelo representante comum ou pelo cabeça de casal; - não sendo representante, o Autor é parte ilegítima; - a convocatória não tinha que ser acompanhada de qualquer documento sendo que nunca foi recusada informação aos herdeiros legitimários do sócio D...; - da mesma convocatória constam todos os elementos legalmente exigidos pelo artigo 377.º do C. S. C.; - com o óbito, de D..., então gerente da Ré, a outra sócia, E... assumiu por força da lei os poderes da gerência; - o capital social da Ré é constituído por duas quotas no valor nominal de 2 500 EUR; - ambas constituem bens comuns do casal; - a assembleia de 14/07/2017 teve como objetivo ratificar, sanando os vícios apontados, as anteriores deliberações, face ao entendimento do Tribunal de Comércio e Relação do Porto que a quota detida por D... carecia de ser representada por representante comum, eleito em reunião de contitulares, à qual deveriam comparecer todos os contitulares: o cônjuge meeiro e os herdeiros (Acórdão da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 989/13.0TYVNG; - os direitos inerentes à quota social indivisa têm de ser exercidos através de um representante comum – artigo 222º, 1, do CSC -; - o representante comum é um mandatário dotado de poderes de representação pelo que a manifestação de vontade e o sentido de voto dessas quotas só pelo representante comum deve ser feita, não sendo necessária a presença dos respetivos contitulares; - se há um representante comum não é necessária essa presença e, mais, que manifestasse o seu sentido de voto. Termina pedindo que se absolva a Ré da instância por ilegitimidade do Autor ou que se julgue improcedente a ação.*Em 16/03/2021, F..., ao abrigo do disposto nos artigos 311.º e seguintes, do C. P. C., veio requerer a sua intervenção espontânea por adesão aos articulados do Autor, alegando que: - é irmã do Autor, sendo herdeira por óbito do seu pai, D...; - foi nomeada cabeça de casal em 13/09/2016.*A Ré, notificada para se pronunciar, menciona que tendo em conta o douto acórdão da Relação do Porto proferido no apenso C, já transitado em julgado e a douta decisão ora proferida no apenso F quanto à ilegitimidade activa do aqui Autor e, consequentemente da pretendente a intervir vem renunciar ao prazo para se pronunciar sobre o pedido de intervenção, de modo a que sobre os vários pedidos de intervenção seja proferida decisão e, simultaneamente, proferido despacho saneador. Em 24/05/2021, o tribunal profere o seguinte despacho: «F..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 311º e seguintes CPC requerer a sua INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA, alegando (…). O Autor não deduziu oposição ao incidente. A Ré, veio responder dizendo que (…). Cumpre decidir. Estabelece o artº 311º do CPC que “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.” Acrescenta o artº 312º do CPC que “O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa”. Mais refere o artº 313º do CPC que “1 - A intervenção do litisconsorte, realizada mediante adesão aos articulados da parte com quem se associa, é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa. 2 - A intervenção por mera adesão é deduzida em simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu. 3 - O interveniente sujeita-se a aceitar a causa no estado em que se encontrar, sendo considerado revel quanto aos atos e termos anteriores, gozando, porém, do estatuto de parte principal a partir do momento da sua intervenção. 4 - A intervenção não é admissível quando a parte contrária alegar fundadamente que o estado do processo já não lhe permite fazer valer defesa pessoal que tenha contra o interveniente.”. A intervenção espontânea decorre de acto de vontade do interveniente a fim de auxiliar uma das partes sempre que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável à parte que pretende assistir. O interveniente tem de demonstrar ter efectivo interesse jurídico na solução da demanda. Como decorre dos autos, a interveniente é irmã do A., é herdeira por óbito do seu pai D…, sócio fundador da Ré e foi nomeada cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu pai, mas apenas quanto aos bens próprios do falecido e dos que vier a calhar à herança, porém, as quotas que compõem a totalidade do capital social das sociedades constituem bem comum do casal. Não resulta dos autos que a ora requerente tenha sido nomeada representante comum dos bens da herança, uma vez que tal qualidade incumbe à mãe. Pelo exposto, de harmonia com os artigos 311º e ss. do Código de Processo Civil, não nos parece, s.m.o., que estejam preenchidos os requisitos para que possa ser admitida a intervenção de F... ao lado do A., pelo que, não se admite o mesmo. Custas do incidente a cargo da interveniente, de harmonia com o artigo 539º nº 1 do CPC. Notifique.» - nosso realce -.*Inconformada, recorre a requerente F…, formulando as seguintes conclusões: «1. A Recorrente é irmã do A. B..., pelo que, à semelhança deste, é herdeira por óbito do seu pai D.... 2. Nos termos do disposto no artigo 311.º nº 1 do CPC “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.” 3. A Recorrente pode intervir como parte nos presentes autos se demonstrar que tem um interesse igual ao do A.(e não um interesse na solução da demanda). 4. Sendo a Recorrente irmã do A. e, à semelhança deste, herdeira por óbito do seu pai, é indubitável que tem um interesse exatamente igual ao A. B…, e este é o único requisito para que a sua intervenção ser admitida. 5. O facto de o Tribunal a quo considerar que a Recorrente não tem efetivo interesse jurídico na solução da demanda (e presume-se que o considere quanto ao A., dados os argumentos que são dados), apenas poderá ser apreciado em sede de decisão final e não para admissão do pedido de intervenção, pois este, como se disse, apenas depende da demonstração de interesse igual ao do A. 6. A Recorrente foi nomeada cabeça de casal em 13.09.2016, o que mantém até aos dias de hoje, o que só por si é demonstrativo que tem interesse jurídico na solução da demanda, ainda que seja futuro. 7. É entendimento da jurisprudência que a qualidade de cabeça-de-casal implica forçosamente o cargo de representante comum. 8. A sociedade foi constituída durante a pendência do matrimónio, sendo uma quota correspondente a 50% do capital titulada pelo cônjuge E…, e a outra correspondente também a 50 % do capital titulada pelo falecido D…, tendo sido a entrada com dinheiro próprio de cada um dos respetivos titulares. 9. E a sociedade foi constituída assim precisamente por ambos saberem que uma vez que se tratava de património comum, a divisão das quotas e respetiva titularidade das mesmas a cada um dos cônjuges facilitava caso estes entrassem em desacordo ou viessem a divorciar-se, como efetivamente sucedeu, caso em que cada um ficava com a sua e não havia qualquer dificuldade na partilha. 10. O facto de o contrato de sociedade ter sido celebrado nestes termos e o falecido D… ser sócio da sociedade por ser titular de uma quota de 50%, não dá qualquer contitularidade na participação a E.. 11. A referida quota continua a ser da titularidade do falecido até que outra situação se vier a verificar na partilha por divórcio - a comunicação por via do regime de bens do casamento não proporciona ao cônjuge uma posição de sócio, nem lhe dá contitularidade na participação, mas tão só o valor patrimonial. 12. Ainda que E… seja cabeça de casal no âmbito do processo de divórcio, nunca poderá ser ali incluída a quota pertencente ao falecido D…, pois esta para além de ser um bem próprio adquirido com o seu dinheiro, não é objeto da comunhão conjugal. 13. O que se comunica à cônjuge meeira é unicamente a meação do valor patrimonial da quota, e é apenas isto que releva para efeitos da partilha. 14. É irrelevante o facto de E… ser cabeça-de-casal no âmbito do divórcio, ou mesmo representante comum, pois a quota trata-se de um bem próprio do falecido e a Recorrente é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de D…, e por isso demonstra o seu interesse.» Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita a intervenção da recorrente.*A Ré C..., Lda. e a interveniente principal passiva, I…, unipessoal, Lda. renunciaram à apresentação de contra-alegações.*A questão a decidir é aferir se a recorrente pode intervir espontaneamente nos presentes autos.*2). Fundamentação. 2.1). De facto. Dá-se por reproduzido o teor do acima descrito.*2.2). Do mérito do recurso. O que está em causa no presente recurso é unicamente aferir se a recorrente deve ser admitida a intervir, espontaneamente, como parte principal, do lado ativo. Conforme já foi mencionado nos autos e no recurso, nos termos do artigo 311.º, do C. P. C. pode intervir numa ação pendente como parte principal quem tiver um interesse igual ao do Autor, nos termos do artigo 32.º a 34.º, do mesmo diploma. No caso concreto, pelo Autor B... foi proposta uma ação contra uma sociedade comercial pedindo-se que se declare a nulidade das deliberações dessa Ré, tomadas na assembleia do dia 14/07/2017, com o cancelamento da respetiva inscrição na C. R. Comercial. O mesmo Autor alega que em relação à sociedade/Ré, foram seus sócios fundadores D... e mulher, E..., cada um deles com uma quota com o valor nominal de 2 500 EUR, tendo em 10/10/2013 falecido D..., pai do Autor. Em 09/09/2015 foi decretado o divórcio entre os sócios-fundadores, por sentença transitada em julgado em 11/05/2016, com os efeitos patrimoniais a retroagiram a 09/06/2011. As duas quotas dessa sociedade, adquiridas na constância do casamento de ambos os sócios-fundadores, foram assim, em comum e sem determinação de parte ou direito, atribuídas favor da cônjuge meeira e dos herdeiros do falecido D…, a saber: E... (viúva); B... (Autor), F... (interveniente), G..., H... (filhos), sendo assim o Autor contitular das quotas da Ré. À partida, se a recorrente/interveniente alega ser uma das herdeiras de seu falecido pai, tal como é o Autor, desde logo se perspetivaria que o seu interesse na ação pode ser igual ao de seu irmão. Esse interesse passa por saber qual a sua posição em relação ao pedido de nulidade da deliberação, ou seja, se também tem interesse em demandar a Ré tal como o seu irmão. Ora, na nossa opinião, o que importa analisar é se, de algum modo, a ação podia ou devia ter sido intentada também pela recorrente tal como o foi isoladamente pelo seu irmão. Este, ao pedir a nulidade da indicada deliberação, atua na veste de contitular das quotas da sociedade Ré e igualmente na veste de sócio dessa mesma sociedade por força do disposto no artigo 225.º, do C. S. C. – Raúl Ventura, Sociedades por quotas, volume I, página 547, Jorge Coutinho Abreu, Curso de Direito Comercial, páginas 328 e 329, e como também já referido no Ac. desta Relação e secção de 20/04/2017, com certidão junta em 23/10/2018 nos presentes autos -. Importa analisar se essa nulidade pode ser pedida por qualquer interessado, como também se refere naquele citado Acórdão (artigo 289.º, do C. C., ex vi artigo 2.º, do C. S. C.). No caso concreto, pensamos que quer Autor quer recorrente podem ser assim entendidos como interessados pois ambos são co-titulares das quotas e sócios da sociedade. Deste modo, de acordo com a alegação de Autor e interveniente (aqui por mera adesão), a Ré adotou deliberações nulas que os afetam enquanto titulares de quotas dessa sociedade e enquanto sócios da mesma empresa. Porém, como profusamente consta destes autos e dos apensos de procedimento cautelar (apenso C, Acórdão da Relação do Porto de 16/06/2020, apenso F, Acórdão da mesma Relação de 14/09/2021 que reitera decisão singular de 15/07/2021), surge um problema de representatividade dos interessados na arguição da nulidade por força da contitularidade de duas quotas indivisas conforme artigo 222.º, n.º 1, do C. S. C.. Na realidade, tendo D... falecido em 10/10/2013, enquanto titular de uma quota, desde logo surgiria uma questão de contitularidade dessa mesma quota; e como, face ao que resulta do registo comercial, junto pelo Autor, não só essa quota como a titulada pela viúva, estão registadas como estando na contitularidade da mesma e seus filhos, a questão levanta-se em relação a ambas as quotas. Ou seja, face ao que se alegou na petição inicial (e não ao que é alegado somente no recurso quanto à quota do falecido ser bem próprio por adquirida com dinheiro próprio do mesmo, matéria que não pode ser apreciada por ser, claramente, uma questão nova), as duas quotas encontram-se na comunhão conjugal (sendo assim registadas em comum, o que faz presumir que tal suceda – artigo 11.º, do C. R. Comercial). E, uma vez que os efeitos do divórcio retroagiram a 09/06/2011, antes do falecimento do sócio pai do Autor e interveniente (10/10/2013), quando ocorre este óbito, as quotas já eram um património indiviso pois eram bens comuns ainda não partilhados. Com a posterior morte do sócio, a ex-mulher não participa em qualquer comunhão por força do falecimento, sendo os herdeiros daquele quem serão os contitulares das duas quotas na herança, a qual engloba o direito à meação que o falecido detinha em relação às quotas. Naturalmente que a partilha desta meação em sede de inventário aberto por morte estará potencialmente dependente da determinação que se efetue na partilha subsequente a divórcio – se o direito à meação do falecido, representado pelos herdeiros, é preenchido com alguma das quotas ou não; mas daqui não resulta uma prioridade de partilhas para determinar quem possa, no caso, ser o representante dos contitulares das quotas -. Estes são a viúva e os seus filhos; se a primeira é cabeça-de-casal num inventário (aberto por divórcio) e uma filha o é no inventário sucessório (ora requerente/recorrente), o certo é que a primeira é que foi nomeada representante comum dos contitulares das quotas pelo que a qualidade de cabeça-de-casal deixa de ter relevância. E se o não tivesse sido, ainda assim foi a viúva quem assumiu em primeiro lugar o cabeçalato em virtude de os efeitos do divórcio retroagirem a data anterior à morte do sócio, seu marido, pelo que quando ocorre o óbito, tem de se considerar que a sua ex-mulher já assumia essa qualidade de cabeça-de-casal e, consequentemente, podia ser considerada a representante dos contitulares – dela própria e dos seus filhos enquanto herdeiros do seu marido -. Assim, nos termos do já citado artigo 222.º, n.º 1, do C. S. C., só a representante comum pode exercer os direitos inerentes às quotas, onde se inclui a impugnação de deliberações sociais – Raúl Ventura, Sociedades por quotas, I, 2.ª edição, página 503 – (também definido esse direito inerente à quota pela negativa, ou seja, não sendo essa impugnação um direito de exercício individual como é, por exemplo, direito de eleição para um cargo social -). Ora, a questão que se pode colocar é saber se a necessidade de a ação ser intentada pelo representante comum dos contitulares se estende a todas as impugnações de deliberações sociais onde se inclui a ação de nulidade ou se, prevendo-se a possibilidade de ser proposta por qualquer interessado, assume esta qualidade um dos contitulares e, por isso, tem legitimidade para propor a ação. Neste último sentido pensamos que aponta o vertido no Ac. da R. G. de 18/01/2018, processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/192666" target="_blank">5728/15.8T8VNF.G1</a>, Desembargadora Sandra Melo www.dgsi.pt onde se menciona no sumário que «2. A nulidade da deliberação social (que apenas tem lugar em casos excecionais e tipificados, por ser regra, nesta matéria, a anulabilidade) é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente, nos termos do artigo 286º do Código Civil, porquanto o artigo 57º do Código das Sociedades Comerciais não afasta o regime geral previsto nessa norma, apenas acrescenta procedimentos com vista à sua expurgação». No corpo da douta decisão explana-se que «com efeito, também aqui não há razões para afastar o regime legal que permite o conhecimento oficioso da nulidade e a pedido de qualquer interessado, atenta a elevada ilicitude de que padece o ato nulo. Enfim, nos termos do artigo 286º do Código Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. Por interessado, para os efeitos desta norma do Código Civil, há que se considerar o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio (…) Ora, os contitulares das quotas têm necessariamente interesse no destino da sociedade, nada obstando que cada um no seu interesse, enquanto titular de uma expetativa de aquisição, despolete a simples declaração de nulidade de uma deliberação social – nosso sublinhado -. A trave-mestra desta construção pensamos que radica na noção de que a nulidade de uma deliberação é a consequência mais grave que pode ferir esse ato, devendo então expurgar-se esse vício, seja pela sua arguição seja pela renovação de ato, nos termos do artigo 62.º, do C. S. C.. Esta última situação não tem aplicação nos presentes autos pois a nulidade que se invoca (artigo 56.º, n.º 1, d), do mesmo diploma) não é passível de renovação, unicamente reservada às nulidades previstas nas alíneas a) e b), do mesmo artigo 56.º). Outra perspetiva assenta em que os direitos sociais dos contitulares inerentes à quota têm de ser exercidos imperativamente através de um representante comum, nos termos do citado artigo 222.º, n.º 1, do C. S. C. o que abrange a ação de nulidade – Ac. da mesma R. G. de 04/05/2017, processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/193405" target="_blank">2983/16.0T8VNF.G1</a> (relatora Desembargadora Maria João Matos), onde se refere no ponto II do sumário que «Os contitulares de uma quota social indivisa devem imperativamente exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum, cuja nomeação decorrerá, sucessivamente, da lei, de disposição testamentária, de deliberação maioritária dos contitulares, ou será realizada a pedido destes por tribunal (arts. 222º, nº 1 e 223º, nº 1 e nº 3, ambos do C.S.Com.)». O nosso entendimento segue esta última posição. Exigindo a lei que, em caso de quota indivisa, os direitos dos contitulares têm de ser exercidos por um representante comum, apenas se estiver em causa um direito que só pode ser exercido pelo próprio é que o contitular pode exercer o respetivo direito; caso contrário, tem de demonstrar a sua posição através do representante eleito. A lei, podendo optar por várias possibilidades em relação ao exercício dos referidos direitos – através de representante, exercício por cada contitular ou por todos em conjunto – optou pela primeira, entendendo que desse modo se eliminariam possíveis confusões e incertezas no funcionamento da sociedade – Raúl Ventura, ob. citada, página 501 -. E, não distinguindo a lei em relação ao exercício dos direitos sociais quando está em causa a nulidade ou a anulabilidade de uma deliberação, contendo uma norma especial sobre o quem pode arguir a invalidade da deliberação, não se vislumbra motivo para se recorrer ao previsto no ordenamento civilístico quanto ao regime de nulidade pois tal poderia implicar precisamente a ocorrência das situações que se pretendem evitar com a nomeação de um representante – vários titulares de uma quota defendendo posições diferentes – (veja-se ainda Ac. da R. L. de 07/10/2008, processo n.º 6727/2008-1 e do S. T. J. de 29/10/2013, processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/121037" target="_blank">994/11.0T2AVR.C1</a>.S1, ambos em www.dgsi.pt). Assim se concluindo, temos que a recorrente/interveniente não tem legitimidade para deduzir o pedido de declaração de nulidade das deliberações em questão pois teria de o fazer através de um representante comum; e não podendo deduzir esse pedido, não tem um interesse igual ao do Autor simplesmente porque não tem qualquer interesse que possa defender por si em juízo nem em conjunto, voluntária ou necessariamente, com outro ou outros contitulares. Não temos de apreciar (nem podemos, atento o objeto do recurso) se o Autor pode ou não intentar a presente ação ou se, contemporaneamente ao indeferimento da intervenção, se podia ter apreciado a questão da legitimidade do Autor; o que podemos referir é que a interveniente não podia ab initio propor a presente ação, sozinha ou acompanhada dos contitulares. A ação teria de ser proposta pelo indicado representante comum, o que não sucedeu, pelo que também não pode intervir espontaneamente como parte principal. Improcede assim o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.*3). Decisão. Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas do recurso pela recorrente. Registe e notifique. Porto, 2021/12/02. João Venade. Paulo Duarte Teixeira. Ana Vieira.
Processo n.º 6665/17.T8VNHG-H.P1. * 1). Relatório. B..., residente na Rua …, n.º .., Hab. .., Porto, propôs no Juízo do Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Ação de declaração de nulidade de deliberação social, contra C..., Lda., com sede na Rua …, n.º .., . .., Porto pedindo que se declare a nulidade das deliberações da Ré tomadas na assembleia do dia 14/07/2017, com o cancelamento da respetiva inscrição na C. R. Comercial. Em resumo, alega que: - a Ré tem por objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária, participações, acessória empresarial, consultadoria, gestão de obras e investimentos; - foram seus sócios fundadores D... e mulher, E..., cada um deles com uma quota com o valor nominal de 2 500 EUR; - em 10/10/2013 faleceu D...; - em 2012, D... tinha intentado no Tribunal de Família e Menores do Porto ação de divórcio n.º 2015/12.7TMPRT, o qual foi decretado em 09/09/2015, por sentença transitada em julgado em 11/05/2016, com os efeitos patrimoniais a retroagiram a 09/06/2011; - foi efetuada a transmissão das quotas, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor da cônjuge meeira e dos herdeiros do falecido D…, com registo em 23/07/2017, a saber: - E... (viúva); - B..., F..., G..., H... (filhos); - é assim o Autor contitular das quotas da Ré pelo que detém legitimidade para os autos; - Em 21/06/2017, a viúva E..., arrogando-se na qualidade de sócia e cônjuge meeira, convocou todos os herdeiros do falecido sócio para uma assembleia geral da sociedade Ré, a realizar em 14707/2017, com a seguinte ordem de trabalhos: 1- Ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 17/07/2013, 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, nomeadamente: a) Nomeação de E... como gerente da sociedade; b) Ratificação de todos os atos e negócios praticados pela E... desde julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transações; c) nomeação da referida E... como representante da Ré na sociedade J..., Unipessoal, Lda.; - a convocatória foi enviada desacompanhada de quaisquer documentos pelo que os contitulares das quotas que titulam a totalidade do capital social da sociedade não obtiveram a informação necessária à tomada das deliberações da assembleia convocada, nomeadamente à ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, e de todos os atos e negócios praticados pela E... desde julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transações, violando o disposto no artigo 289.º, do C. S. C.; - na assembleia de 14/07/2017, o Autor e demais contitulares da quota compareceram na sede da Ré onde foram informados pela viúva E... que poderiam assistir à assembleia, mas que não poderiam intervir na mesma e votar, uma vez que ela teria sido nomeada representante comum dos contitulares das quotas; - tal não faz sentido – serem convocados para participar na assembleia e votar e não somente para assistirem; - os herdeiros do sócio D…, B… (Autor), F… e H… não votaram favoravelmente e constituem a maioria, já que a quota pertence em comum e sem determinação de parte à cônjuge meeira do falecido D… e aos filhos e herdeiros daquele B…, F…, G… e H…; - a cônjuge meeira do falecido não foi ainda nomeada cabeça-de-casal do património comum do casal dissolvido e não é certo que venha a ser, uma vez que não tem a capacidade necessária para o exercício dessas funções em virtude da sua idade avançada, pelo que é provável que o cargo venha a ser exercido pela filha mais velha; - a viúva arroga-se titular de uma quota de 2 500 EUR por si e na qualidade de sócia originária e representante comum dos contitulares da outra quota de 2 500 EUR, titularidade que não encontra correspondência com a realidade inscrita no registo comercial da sociedade-Ré; - arrogando-se dos mencionados poderes de representação E... aprovou sozinha e por unanimidade, todos os pontos da ordem dos trabalhos; - tais deliberações são inválidas, ilegais, por contrárias à lei e, em consequência, nulas, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, d), do C.S. C..*Contestou a Ré alegando em síntese que: - tal como defendido em sede de oposição em procedimento cautelar, o Autor é parte ilegítima; - dissolvido o casamento como referido na petição inicial, E... perdeu a qualidade de herdeira mas mantém a de cônjuge meeira, sendo que as quotas não deixam de pertencer ao património comum do casal; - tem assim, subsequentemente ao divórcio, de se proceder à partilha para se apurarem os bens a integrar a meação do falecido; - as quotas da Ré, por sua vez, integrarão a herança aberta por óbito de D..., no caso de, no âmbito do inventário intentado com vista à partilha de bens por divórcio se as mesmas forem adjudicadas aos herdeiros e não à viúva; - dissolvido o casamento por divórcio, os bens comuns do casal, que constituem um património autónomo, passam a estar sujeitos, por força da retroação considerada, desde a data da separação, por se tornarem numa simples universalidade de bens comuns, a dissolver-se por partilha; - as quotas indivisas ficam, até à partilha, na titularidade da viúva e dos herdeiros do falecido sócio, em regime de contitularidade, devendo os contitulares exercer os direitos inerentes às quotas, através de um representante comum - artigos 222º a 224º do CSC -; - à viúva cabe em exclusivo o cargo de cabeça de casal; - a administração e até a alienação de bens móveis comuns pode ser efetuada pelo cônjuge administrador, quer antes da propositura da ação de divórcio, quer depois da propositura dessa ação; - de acordo com o disposto no artigo 1407.º, 1 do C. Civil, a maioria exigida para a escolha do representante comum é determinada em função da percentagem tida na quota social (em função do valor e não determinada por cabeça), pelo que é a esta maioria, em função do valor, que devemos atender para determinar a deliberação dos contitulares quanto ao sentido de voto que pretendem seja exercido pelo seu representante comum; - à cônjuge meeira cabe uma quota correspondente a 50%, sendo que os restantes 50% cabem, em partes iguais aos filhos e herdeiros do Eng.º D…, na proporção de 12,5% a cada um; - a manifestação de vontade e o sentido de voto dessas quotas só pelo representante comum deve ser feita, não sendo necessária a presença dos respetivos contitulares; - o direito à declaração de nulidade de deliberações sociais que o Autor pretende exercer, não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente considerados, mas somente pelo representante comum ou pelo cabeça de casal; - não sendo representante, o Autor é parte ilegítima; - a convocatória não tinha que ser acompanhada de qualquer documento sendo que nunca foi recusada informação aos herdeiros legitimários do sócio D...; - da mesma convocatória constam todos os elementos legalmente exigidos pelo artigo 377.º do C. S. C.; - com o óbito, de D..., então gerente da Ré, a outra sócia, E... assumiu por força da lei os poderes da gerência; - o capital social da Ré é constituído por duas quotas no valor nominal de 2 500 EUR; - ambas constituem bens comuns do casal; - a assembleia de 14/07/2017 teve como objetivo ratificar, sanando os vícios apontados, as anteriores deliberações, face ao entendimento do Tribunal de Comércio e Relação do Porto que a quota detida por D... carecia de ser representada por representante comum, eleito em reunião de contitulares, à qual deveriam comparecer todos os contitulares: o cônjuge meeiro e os herdeiros (Acórdão da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 989/13.0TYVNG; - os direitos inerentes à quota social indivisa têm de ser exercidos através de um representante comum – artigo 222º, 1, do CSC -; - o representante comum é um mandatário dotado de poderes de representação pelo que a manifestação de vontade e o sentido de voto dessas quotas só pelo representante comum deve ser feita, não sendo necessária a presença dos respetivos contitulares; - se há um representante comum não é necessária essa presença e, mais, que manifestasse o seu sentido de voto. Termina pedindo que se absolva a Ré da instância por ilegitimidade do Autor ou que se julgue improcedente a ação.*Em 16/03/2021, F..., ao abrigo do disposto nos artigos 311.º e seguintes, do C. P. C., veio requerer a sua intervenção espontânea por adesão aos articulados do Autor, alegando que: - é irmã do Autor, sendo herdeira por óbito do seu pai, D...; - foi nomeada cabeça de casal em 13/09/2016.*A Ré, notificada para se pronunciar, menciona que tendo em conta o douto acórdão da Relação do Porto proferido no apenso C, já transitado em julgado e a douta decisão ora proferida no apenso F quanto à ilegitimidade activa do aqui Autor e, consequentemente da pretendente a intervir vem renunciar ao prazo para se pronunciar sobre o pedido de intervenção, de modo a que sobre os vários pedidos de intervenção seja proferida decisão e, simultaneamente, proferido despacho saneador. Em 24/05/2021, o tribunal profere o seguinte despacho: «F..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 311º e seguintes CPC requerer a sua INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA, alegando (…). O Autor não deduziu oposição ao incidente. A Ré, veio responder dizendo que (…). Cumpre decidir. Estabelece o artº 311º do CPC que “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.” Acrescenta o artº 312º do CPC que “O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa”. Mais refere o artº 313º do CPC que “1 - A intervenção do litisconsorte, realizada mediante adesão aos articulados da parte com quem se associa, é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa. 2 - A intervenção por mera adesão é deduzida em simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu. 3 - O interveniente sujeita-se a aceitar a causa no estado em que se encontrar, sendo considerado revel quanto aos atos e termos anteriores, gozando, porém, do estatuto de parte principal a partir do momento da sua intervenção. 4 - A intervenção não é admissível quando a parte contrária alegar fundadamente que o estado do processo já não lhe permite fazer valer defesa pessoal que tenha contra o interveniente.”. A intervenção espontânea decorre de acto de vontade do interveniente a fim de auxiliar uma das partes sempre que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável à parte que pretende assistir. O interveniente tem de demonstrar ter efectivo interesse jurídico na solução da demanda. Como decorre dos autos, a interveniente é irmã do A., é herdeira por óbito do seu pai D…, sócio fundador da Ré e foi nomeada cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu pai, mas apenas quanto aos bens próprios do falecido e dos que vier a calhar à herança, porém, as quotas que compõem a totalidade do capital social das sociedades constituem bem comum do casal. Não resulta dos autos que a ora requerente tenha sido nomeada representante comum dos bens da herança, uma vez que tal qualidade incumbe à mãe. Pelo exposto, de harmonia com os artigos 311º e ss. do Código de Processo Civil, não nos parece, s.m.o., que estejam preenchidos os requisitos para que possa ser admitida a intervenção de F... ao lado do A., pelo que, não se admite o mesmo. Custas do incidente a cargo da interveniente, de harmonia com o artigo 539º nº 1 do CPC. Notifique.» - nosso realce -.*Inconformada, recorre a requerente F…, formulando as seguintes conclusões: «1. A Recorrente é irmã do A. B..., pelo que, à semelhança deste, é herdeira por óbito do seu pai D.... 2. Nos termos do disposto no artigo 311.º nº 1 do CPC “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.” 3. A Recorrente pode intervir como parte nos presentes autos se demonstrar que tem um interesse igual ao do A.(e não um interesse na solução da demanda). 4. Sendo a Recorrente irmã do A. e, à semelhança deste, herdeira por óbito do seu pai, é indubitável que tem um interesse exatamente igual ao A. B…, e este é o único requisito para que a sua intervenção ser admitida. 5. O facto de o Tribunal a quo considerar que a Recorrente não tem efetivo interesse jurídico na solução da demanda (e presume-se que o considere quanto ao A., dados os argumentos que são dados), apenas poderá ser apreciado em sede de decisão final e não para admissão do pedido de intervenção, pois este, como se disse, apenas depende da demonstração de interesse igual ao do A. 6. A Recorrente foi nomeada cabeça de casal em 13.09.2016, o que mantém até aos dias de hoje, o que só por si é demonstrativo que tem interesse jurídico na solução da demanda, ainda que seja futuro. 7. É entendimento da jurisprudência que a qualidade de cabeça-de-casal implica forçosamente o cargo de representante comum. 8. A sociedade foi constituída durante a pendência do matrimónio, sendo uma quota correspondente a 50% do capital titulada pelo cônjuge E…, e a outra correspondente também a 50 % do capital titulada pelo falecido D…, tendo sido a entrada com dinheiro próprio de cada um dos respetivos titulares. 9. E a sociedade foi constituída assim precisamente por ambos saberem que uma vez que se tratava de património comum, a divisão das quotas e respetiva titularidade das mesmas a cada um dos cônjuges facilitava caso estes entrassem em desacordo ou viessem a divorciar-se, como efetivamente sucedeu, caso em que cada um ficava com a sua e não havia qualquer dificuldade na partilha. 10. O facto de o contrato de sociedade ter sido celebrado nestes termos e o falecido D… ser sócio da sociedade por ser titular de uma quota de 50%, não dá qualquer contitularidade na participação a E.. 11. A referida quota continua a ser da titularidade do falecido até que outra situação se vier a verificar na partilha por divórcio - a comunicação por via do regime de bens do casamento não proporciona ao cônjuge uma posição de sócio, nem lhe dá contitularidade na participação, mas tão só o valor patrimonial. 12. Ainda que E… seja cabeça de casal no âmbito do processo de divórcio, nunca poderá ser ali incluída a quota pertencente ao falecido D…, pois esta para além de ser um bem próprio adquirido com o seu dinheiro, não é objeto da comunhão conjugal. 13. O que se comunica à cônjuge meeira é unicamente a meação do valor patrimonial da quota, e é apenas isto que releva para efeitos da partilha. 14. É irrelevante o facto de E… ser cabeça-de-casal no âmbito do divórcio, ou mesmo representante comum, pois a quota trata-se de um bem próprio do falecido e a Recorrente é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de D…, e por isso demonstra o seu interesse.» Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita a intervenção da recorrente.*A Ré C..., Lda. e a interveniente principal passiva, I…, unipessoal, Lda. renunciaram à apresentação de contra-alegações.*A questão a decidir é aferir se a recorrente pode intervir espontaneamente nos presentes autos.*2). Fundamentação. 2.1). De facto. Dá-se por reproduzido o teor do acima descrito.*2.2). Do mérito do recurso. O que está em causa no presente recurso é unicamente aferir se a recorrente deve ser admitida a intervir, espontaneamente, como parte principal, do lado ativo. Conforme já foi mencionado nos autos e no recurso, nos termos do artigo 311.º, do C. P. C. pode intervir numa ação pendente como parte principal quem tiver um interesse igual ao do Autor, nos termos do artigo 32.º a 34.º, do mesmo diploma. No caso concreto, pelo Autor B... foi proposta uma ação contra uma sociedade comercial pedindo-se que se declare a nulidade das deliberações dessa Ré, tomadas na assembleia do dia 14/07/2017, com o cancelamento da respetiva inscrição na C. R. Comercial. O mesmo Autor alega que em relação à sociedade/Ré, foram seus sócios fundadores D... e mulher, E..., cada um deles com uma quota com o valor nominal de 2 500 EUR, tendo em 10/10/2013 falecido D..., pai do Autor. Em 09/09/2015 foi decretado o divórcio entre os sócios-fundadores, por sentença transitada em julgado em 11/05/2016, com os efeitos patrimoniais a retroagiram a 09/06/2011. As duas quotas dessa sociedade, adquiridas na constância do casamento de ambos os sócios-fundadores, foram assim, em comum e sem determinação de parte ou direito, atribuídas favor da cônjuge meeira e dos herdeiros do falecido D…, a saber: E... (viúva); B... (Autor), F... (interveniente), G..., H... (filhos), sendo assim o Autor contitular das quotas da Ré. À partida, se a recorrente/interveniente alega ser uma das herdeiras de seu falecido pai, tal como é o Autor, desde logo se perspetivaria que o seu interesse na ação pode ser igual ao de seu irmão. Esse interesse passa por saber qual a sua posição em relação ao pedido de nulidade da deliberação, ou seja, se também tem interesse em demandar a Ré tal como o seu irmão. Ora, na nossa opinião, o que importa analisar é se, de algum modo, a ação podia ou devia ter sido intentada também pela recorrente tal como o foi isoladamente pelo seu irmão. Este, ao pedir a nulidade da indicada deliberação, atua na veste de contitular das quotas da sociedade Ré e igualmente na veste de sócio dessa mesma sociedade por força do disposto no artigo 225.º, do C. S. C. – Raúl Ventura, Sociedades por quotas, volume I, página 547, Jorge Coutinho Abreu, Curso de Direito Comercial, páginas 328 e 329, e como também já referido no Ac. desta Relação e secção de 20/04/2017, com certidão junta em 23/10/2018 nos presentes autos -. Importa analisar se essa nulidade pode ser pedida por qualquer interessado, como também se refere naquele citado Acórdão (artigo 289.º, do C. C., ex vi artigo 2.º, do C. S. C.). No caso concreto, pensamos que quer Autor quer recorrente podem ser assim entendidos como interessados pois ambos são co-titulares das quotas e sócios da sociedade. Deste modo, de acordo com a alegação de Autor e interveniente (aqui por mera adesão), a Ré adotou deliberações nulas que os afetam enquanto titulares de quotas dessa sociedade e enquanto sócios da mesma empresa. Porém, como profusamente consta destes autos e dos apensos de procedimento cautelar (apenso C, Acórdão da Relação do Porto de 16/06/2020, apenso F, Acórdão da mesma Relação de 14/09/2021 que reitera decisão singular de 15/07/2021), surge um problema de representatividade dos interessados na arguição da nulidade por força da contitularidade de duas quotas indivisas conforme artigo 222.º, n.º 1, do C. S. C.. Na realidade, tendo D... falecido em 10/10/2013, enquanto titular de uma quota, desde logo surgiria uma questão de contitularidade dessa mesma quota; e como, face ao que resulta do registo comercial, junto pelo Autor, não só essa quota como a titulada pela viúva, estão registadas como estando na contitularidade da mesma e seus filhos, a questão levanta-se em relação a ambas as quotas. Ou seja, face ao que se alegou na petição inicial (e não ao que é alegado somente no recurso quanto à quota do falecido ser bem próprio por adquirida com dinheiro próprio do mesmo, matéria que não pode ser apreciada por ser, claramente, uma questão nova), as duas quotas encontram-se na comunhão conjugal (sendo assim registadas em comum, o que faz presumir que tal suceda – artigo 11.º, do C. R. Comercial). E, uma vez que os efeitos do divórcio retroagiram a 09/06/2011, antes do falecimento do sócio pai do Autor e interveniente (10/10/2013), quando ocorre este óbito, as quotas já eram um património indiviso pois eram bens comuns ainda não partilhados. Com a posterior morte do sócio, a ex-mulher não participa em qualquer comunhão por força do falecimento, sendo os herdeiros daquele quem serão os contitulares das duas quotas na herança, a qual engloba o direito à meação que o falecido detinha em relação às quotas. Naturalmente que a partilha desta meação em sede de inventário aberto por morte estará potencialmente dependente da determinação que se efetue na partilha subsequente a divórcio – se o direito à meação do falecido, representado pelos herdeiros, é preenchido com alguma das quotas ou não; mas daqui não resulta uma prioridade de partilhas para determinar quem possa, no caso, ser o representante dos contitulares das quotas -. Estes são a viúva e os seus filhos; se a primeira é cabeça-de-casal num inventário (aberto por divórcio) e uma filha o é no inventário sucessório (ora requerente/recorrente), o certo é que a primeira é que foi nomeada representante comum dos contitulares das quotas pelo que a qualidade de cabeça-de-casal deixa de ter relevância. E se o não tivesse sido, ainda assim foi a viúva quem assumiu em primeiro lugar o cabeçalato em virtude de os efeitos do divórcio retroagirem a data anterior à morte do sócio, seu marido, pelo que quando ocorre o óbito, tem de se considerar que a sua ex-mulher já assumia essa qualidade de cabeça-de-casal e, consequentemente, podia ser considerada a representante dos contitulares – dela própria e dos seus filhos enquanto herdeiros do seu marido -. Assim, nos termos do já citado artigo 222.º, n.º 1, do C. S. C., só a representante comum pode exercer os direitos inerentes às quotas, onde se inclui a impugnação de deliberações sociais – Raúl Ventura, Sociedades por quotas, I, 2.ª edição, página 503 – (também definido esse direito inerente à quota pela negativa, ou seja, não sendo essa impugnação um direito de exercício individual como é, por exemplo, direito de eleição para um cargo social -). Ora, a questão que se pode colocar é saber se a necessidade de a ação ser intentada pelo representante comum dos contitulares se estende a todas as impugnações de deliberações sociais onde se inclui a ação de nulidade ou se, prevendo-se a possibilidade de ser proposta por qualquer interessado, assume esta qualidade um dos contitulares e, por isso, tem legitimidade para propor a ação. Neste último sentido pensamos que aponta o vertido no Ac. da R. G. de 18/01/2018, processo n.º 5728/15.8T8VNF.G1, Desembargadora Sandra Melo www.dgsi.pt onde se menciona no sumário que «2. A nulidade da deliberação social (que apenas tem lugar em casos excecionais e tipificados, por ser regra, nesta matéria, a anulabilidade) é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente, nos termos do artigo 286º do Código Civil, porquanto o artigo 57º do Código das Sociedades Comerciais não afasta o regime geral previsto nessa norma, apenas acrescenta procedimentos com vista à sua expurgação». No corpo da douta decisão explana-se que «com efeito, também aqui não há razões para afastar o regime legal que permite o conhecimento oficioso da nulidade e a pedido de qualquer interessado, atenta a elevada ilicitude de que padece o ato nulo. Enfim, nos termos do artigo 286º do Código Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. Por interessado, para os efeitos desta norma do Código Civil, há que se considerar o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio (…) Ora, os contitulares das quotas têm necessariamente interesse no destino da sociedade, nada obstando que cada um no seu interesse, enquanto titular de uma expetativa de aquisição, despolete a simples declaração de nulidade de uma deliberação social – nosso sublinhado -. A trave-mestra desta construção pensamos que radica na noção de que a nulidade de uma deliberação é a consequência mais grave que pode ferir esse ato, devendo então expurgar-se esse vício, seja pela sua arguição seja pela renovação de ato, nos termos do artigo 62.º, do C. S. C.. Esta última situação não tem aplicação nos presentes autos pois a nulidade que se invoca (artigo 56.º, n.º 1, d), do mesmo diploma) não é passível de renovação, unicamente reservada às nulidades previstas nas alíneas a) e b), do mesmo artigo 56.º). Outra perspetiva assenta em que os direitos sociais dos contitulares inerentes à quota têm de ser exercidos imperativamente através de um representante comum, nos termos do citado artigo 222.º, n.º 1, do C. S. C. o que abrange a ação de nulidade – Ac. da mesma R. G. de 04/05/2017, processo n.º 2983/16.0T8VNF.G1 (relatora Desembargadora Maria João Matos), onde se refere no ponto II do sumário que «Os contitulares de uma quota social indivisa devem imperativamente exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum, cuja nomeação decorrerá, sucessivamente, da lei, de disposição testamentária, de deliberação maioritária dos contitulares, ou será realizada a pedido destes por tribunal (arts. 222º, nº 1 e 223º, nº 1 e nº 3, ambos do C.S.Com.)». O nosso entendimento segue esta última posição. Exigindo a lei que, em caso de quota indivisa, os direitos dos contitulares têm de ser exercidos por um representante comum, apenas se estiver em causa um direito que só pode ser exercido pelo próprio é que o contitular pode exercer o respetivo direito; caso contrário, tem de demonstrar a sua posição através do representante eleito. A lei, podendo optar por várias possibilidades em relação ao exercício dos referidos direitos – através de representante, exercício por cada contitular ou por todos em conjunto – optou pela primeira, entendendo que desse modo se eliminariam possíveis confusões e incertezas no funcionamento da sociedade – Raúl Ventura, ob. citada, página 501 -. E, não distinguindo a lei em relação ao exercício dos direitos sociais quando está em causa a nulidade ou a anulabilidade de uma deliberação, contendo uma norma especial sobre o quem pode arguir a invalidade da deliberação, não se vislumbra motivo para se recorrer ao previsto no ordenamento civilístico quanto ao regime de nulidade pois tal poderia implicar precisamente a ocorrência das situações que se pretendem evitar com a nomeação de um representante – vários titulares de uma quota defendendo posições diferentes – (veja-se ainda Ac. da R. L. de 07/10/2008, processo n.º 6727/2008-1 e do S. T. J. de 29/10/2013, processo n.º 994/11.0T2AVR.C1.S1, ambos em www.dgsi.pt). Assim se concluindo, temos que a recorrente/interveniente não tem legitimidade para deduzir o pedido de declaração de nulidade das deliberações em questão pois teria de o fazer através de um representante comum; e não podendo deduzir esse pedido, não tem um interesse igual ao do Autor simplesmente porque não tem qualquer interesse que possa defender por si em juízo nem em conjunto, voluntária ou necessariamente, com outro ou outros contitulares. Não temos de apreciar (nem podemos, atento o objeto do recurso) se o Autor pode ou não intentar a presente ação ou se, contemporaneamente ao indeferimento da intervenção, se podia ter apreciado a questão da legitimidade do Autor; o que podemos referir é que a interveniente não podia ab initio propor a presente ação, sozinha ou acompanhada dos contitulares. A ação teria de ser proposta pelo indicado representante comum, o que não sucedeu, pelo que também não pode intervir espontaneamente como parte principal. Improcede assim o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.*3). Decisão. Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas do recurso pela recorrente. Registe e notifique. Porto, 2021/12/02. João Venade. Paulo Duarte Teixeira. Ana Vieira.