Processo:2225/21.6T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 03/05/2022Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - O princípio da autorresponsabilidade das partes está intimamente relacionado com os ónus e cominações. Implica que as partes têm uma responsabilidade para consigo mesmas que lhes impõe a necessidade de agirem de determinada forma para atingirem um resultado, quer de não produção duma desvantagem, quer de produção de uma utilidade ou de uma vantagem para o titular. II - A inobservância da conduta devida dá lugar a preclusões. III - No incidente de despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação, não tendo sido deduzida oposição, é aplicada a cominação consagrada no artigo 574º, nº 2, ex vi artigo 293º, nº 3, ambos do CPC, do que decorre que os factos do requerimento incidental estão admitidos por acordo. IV - Os RR que não deduziram oposição, nem arrolaram prova ao incidente de despejo imediato, não podem vir invocar a negação do “direito à prova”, uma vez que a inobservância do ónus de impugnar e de propor provas precludiu esse direito que não exerceram tempestivamente.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS DESPEJO IMEDIATO DIREITO À PROVA PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
No do documento
Data do Acordão
05/04/2022
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
I - O princípio da autorresponsabilidade das partes está intimamente relacionado com os ónus e cominações. Implica que as partes têm uma responsabilidade para consigo mesmas que lhes impõe a necessidade de agirem de determinada forma para atingirem um resultado, quer de não produção duma desvantagem, quer de produção de uma utilidade ou de uma vantagem para o titular. II - A inobservância da conduta devida dá lugar a preclusões. III - No incidente de despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação, não tendo sido deduzida oposição, é aplicada a cominação consagrada no artigo 574º, nº 2, ex vi artigo 293º, nº 3, ambos do CPC, do que decorre que os factos do requerimento incidental estão admitidos por acordo. IV - Os RR que não deduziram oposição, nem arrolaram prova ao incidente de despejo imediato, não podem vir invocar a negação do “direito à prova”, uma vez que a inobservância do ónus de impugnar e de propor provas precludiu esse direito que não exerceram tempestivamente.
Decisão integral
Processo: 2225/21.6T8MTS-A.P1 

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nos presentes autos de ação declarativa, com processo comum, que AA e BB instauraram contra CC e DD e EE e FF, vieram os Autores deduzir incidente de despejo imediato contra os Réus.

A seu tempo, foi proferido o seguinte despacho:

(…) Os Réus foram notificados para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, bem como da indemnização devida em caso de mora, juntando prova desses factos aos autos, com a advertência de que não fazendo poder ser deferido o seu despejo imediato.
Os Réus não procederam ao pagamento, nem ao depósito das rendas vencidas na pendência da presente ação, nem apresentaram contestação ao incidente. Cumpre decidir:
Os Autoras sustentam a presente ação num contrato de arrendamento que celebraram com os Réus, no qual os Réus CC e BB e DD intervieram como arrendatários e os Réus EE e FF como fiadores e principais pagadores e peticionam a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e a condenação destes no pagamento de rendas e indemnização pela mora.
Dispõe o art. 14º, nº 3, do NRAU – D.L. nº 6/2006, de 27/02 -, que na pendência da ação de despejo as rendas vencidas devem ser pagas ou depositada nos termos gerais.
Por seu turno, no nºs 4 e 5 da mesma disposição legal prevê-se que se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos e que, caso o não faça, pode o senhorio requerer o despejo imediato.
Os Autores deduziram incidente de despejo imediato, alegando que os réus não procederam ao pagamento das rendas vencidas na pendência da ação.
Os Réus, apesar de notificados para procederem ao pagamento ou depósito das referidas rendas, nada disseram, nem juntou aos autos documentos comprovativos do pagamento ou depósito.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 5, do citado diploma legal, decreto o despejo imediato do locado identificado na petição inicial, ou seja, do imóvel sito na Rua ..., ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia sob o art... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o nº ....
DESTE DESPACHO APELARAM OS RR QUE LAVRARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
2º - - A defesa da R. em sede de contestação da ação principal obsta ao deferimento do incidente de despejo imediato;
(…)

5º - Contudo, tendo em conta a redação do nº 5, do art. 14º, do NRAU (introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto) – ao referir-se a “em caso de deferimento do requerimento” – conclui-se que, a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação não implica a procedência automática do incidente de despejo imediato (cfr. Maria Olinda Garcia, cit., pág. 194). 6º - Nesse sentido, há que dar relevância ao teor da contestação apresentada pela R..
7º - Com efeito, desde novembro de 2021, até hoje, que os RR se encontram a pagar as rendas, na proporção de uma renda e meia por mês, por forma a ir abatendo o atrasado.
8º - Ora, tal situação, carece naturalmente de ser provada.

9º - Motivo pelo qual não deveria ter sido deferido o Incidente de Despejo imediato, antes de ser dada a possibilidade à R. de fazer a prova.
(…)

12º - A este propósito ver Ac TC 327/2018 de 27 de Junho.

13º - É inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º da Constituição, a interpretação do art. 14º, nº 4, do NRAU, no sentido de, no incidente de despejo imediato, apenas ser admitida como defesa a alegação e prova de pagamento ou depósito das rendas em mora.
(…) Além disso, para que sejam pagas ou depositadas as rendas e outros montantes que a elas estejam associadas, é necessário que elas sejam, realmente, devidas e, consequentemente, existentes e exigíveis.
16º - Deve assim julgar-se inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 14.º n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia se as rendas são ou não devidas se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida.
17º - O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art. art. 14º n.º 4 e 5 da NRAU e, artºs 2º, 9º, 13º, 18º e 20º da CRP.
RESPONDERAM OS AUTORES A SUSTENTAR A IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO. Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância, as questões colocadas são as de saber se:
1.Foi proferida decisão de despejo sem ter sido dada possibilidade aos recorrentes de fazer prova de que procederam ao pagamento das rendas vencidas na pendência da ação;
2. Se o tribunal recorrido procedeu a uma restrição inadmissível do direito à prova e como tal violadora do disposto o artigo 20º da CRP.

O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

I NO QUE À PRIMEIRA QUESTÃO IMPORTA:

Flui dos autos e do despacho recorrido que os RR, ora recorrentes, foram notificados do requerimento de incidente de despejo imediato “para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, bem como da indemnização devida em caso de mora, juntando prova desses factos aos autos, com a advertência de que não fazendo poderá ser deferido o seu despejo imediato – art. 14º, nº 4 e 5, do NRAU”.
Não obstante, os RR nada fizeram ou disseram.

Ora, parece-nos evidente, em face da letra do artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5, que: “se não forem pagos ou depositados os valores em dívida, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final. 5- Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O.”
Caberia, consequentemente, aos RR contestar a matéria incidental, apresentando prova do pagamento das rendas vencidas.

Os RR não deduziram oposição, pelo que se verificou a cominação consagrada no artigo 574º nº 2, ex vi, artigo 293º, nº 3, ambos do CPC, do que decorre que os factos do requerimento incidental estão admitidos por acordo.
Estamos no âmbito da autorresponsabilidade das partes que está intimamente relacionado com os ónus e cominações. Com efeito, as partes têm uma responsabilidade para consigo mesmas que implica a necessidade de agirem de determinada forma para atingirem um resultado, “que tanto pode consistir na não produção duma desvantagem como na produção de uma utilidade ou de uma vantagem para o titular” (…) Consideramos no nosso direito o caso da contestação (…) o réu tem o ónus de contestar (…) a inobservância deste ónus dá lugar a preclusões (…) Lebre de Freitas Introdução ao Processo Civil- Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª edição Gestlegal p. 183.
Acresce que os RR não podem invocar um “direito à prova” que não pretenderam exercer, tempestivamente.
Nem se pode falar em despejo automático, uma vez que lhes foi concedida a faculdade de demonstrarem o facto impeditivo.
Não se trata aqui de privação de qualquer direito. O que se trata é do não exercício pelos RR do direito que lhes competia e da correspondente sanção processual, a qual é cominatória –artigo 14º, nº 5, citado, conjugado com o disposto nos artigos 15º e ss. da Lei 6/2006, redação da Lei 31/2012 e artigos 574, nº 2 e 293º, nº 3, do CPC.

II QUANTO À SEGUNDA QUESTÃO: INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 20º DA CRP:
O tribunal constitucional tem-se pronunciado pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, que não corresponda ao “sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa. (ver, Decisão Sumária n.º 101/2010, na qual se aplicou a jurisprudência do Acórdão n.º 673/2005 decidindo pela inconstitucionalidade da norma “na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida).

Com efeito, na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o legislador manteve a obrigação de pagamento ou depósito das rendas que se vençam na pendência de ação de despejo (artigo 14.º, n.º 3 do NRAU) e determinou que, em caso de incumprimento dessa obrigação, o arrendatário deve ser notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento ou depósito das rendas vencidas por um período igual ou superior a três meses, e ainda da indemnização devida (artigo 14.º, n.º 4 do NRAU), sob pena de o senhorio estar habilitado a pedir certidão relativa a esses factos, constituindo título executivo para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa (artigo 14.º, n.º 5 do NRAU).
A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, alterou o artigo 14.º do NRAU, ao reduzir para dois meses o período a que se reporta o incumprimento da obrigação (artigo 14.º, n.º 4), e veio determinar que o exercício do direito do senhorio de requerer o despejo imediato do arrendatário passasse a ser, em parte, tramitado nos termos definidos para o procedimento especial de despejo (artigo 14.º, n.º 5; artigo 15.º, n.º 1).
Como refere o Tribunal Constitucional, “a impossibilidade de o arrendatário exercer outros meios de defesa que não a apresentação de prova de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em dívida é comum aos vários regimes que se sucederam nesta matéria, importa considerar que o Tribunal Constitucional teve já ocasião de se pronunciar sobre o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro. De facto, pelo Acórdão n.º 673/2005, este Tribunal julgou inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, a norma do artigo 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de outubro, «na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interve­niente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida».
(…)
“Entende-se, porém, que o parâmetro constitucional mais pertinente se centra no princípio da proibição da indefesa, que decorre, em primeira linha, do princípio do contraditório, a que se deve subordinar todo o processo, uma vez iniciado. Como refere Carlos Lopes do Rego (Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 835‑ 859): A garantia da via judiciária ínsita no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos envolve, não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de ação judicial, destinado a efetivar todas as situações juridicamente relevantes que o direito substantivo lhes outorgue, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão cons­titucional de 1997) a regra do «processo equitativo», expressamente consagrada no n.º 4 da­quele preceito constitucional, sendo do princípio do contraditório que decorre, em primeira linha, a regra fundamental da proibição da indefesa.
Veio o tribunal constitucional reconhecer que “uma restrição constitucionalmente intolerável do direito de defesa a limitação, no incidente de despejo imediato por falta de pagamento de rendas na pendência de ação de despejo, das possibilidades de defesa do requerido à alegação e prova de que, até ao termo do prazo para a sua resposta, procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização. Tal meio de defesa é manifestamente desajustado em todos os casos em que justamente se questiona o próprio dever de pagamento de determinada renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local).
(…)

Tal entendimento não assegura um tratamento equitativo das partes nem a efetividade da tutela jurisdicional, pelo que não pode deixar de ser considerado como viola­dor do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da CRP”.
Com efeito a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem acentuado que «o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório» (cfr. Acórdão n.º 86/88).
Sendo que o direito ao contraditório traduz-se, sobretudo, na possibilidade de cada uma das partes deduzir as suas razões (de facto e de direito), de oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados de umas e outras (cfr. Acórdão n.º 1193/96). Deste modo, a proibição da indefesa assume-se como um princípio decorrente de um direito geral ao contraditório, extraível do direito fundamental de acesso à justiça, nomeadamente da garantia de um processo justo e equitativo, sendo de atentar ao exposto no Acórdão n.º 286/2011: «O princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça, tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.
O Tribunal tem entendido o contraditório, exigido no artigo 20.º da Constituição, essencialmente, como o direito de ser ouvido em juízo, do qual retira uma genérica proibição de indefesa, isto é, a proibição da limitação intolerável do direito de defesa do cidadão perante o tribunal onde se discutem questões que lhe dizem respeito». No Acórdão n.º 350/2012, o Tribunal refere: «() no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito de cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito. Integrando, assim, a proibição da indefesa o núcleo essencial do processo devido em Direito, constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordenaria venha a conformar - seja ele de natureza civil ou penal - estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo».
Também na adoção deste entendimento foram recentemente prolatados os Acórdãos n.ºs 251/2017, 401/2017 e 771/2017 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
No entanto, sem prejuízo da vigência do princípio da proibição da indefesa, o Tribunal Constitucional vem a reconhecer que a norma do artigo 20º da CRP não é absoluta, podendo ser objeto de restrições em função de outros princípios e interesses dotados de proteção constitucional, como é bom exemplo o exposto no Acórdão n.º 20/2010: «Da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Constituição, decorrem, para o legislador ordinário, para além da obrigação que se cifra em não lesar o princípio da proibição da indefesa, a obrigação de conformar o processo de modo tal que através dele se possa efetivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com todas as garantias de imparcialidade e independência, existindo à partida, entre os valores da proibição da indefesa e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, uma relação de equivalência constitucional, devendo o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em beneficio exclusivo de outro ou de outros».
No caso dos autos, os RR não foram privados de qualquer direito de prova pela simples razão de que nada requereram. Também não invocaram qualquer controvérsia contratual suscetível de interferir no dever de pagar as rendas, pelo que será de concluir que o seu direito ao contraditório ou à prova não foi restringido.
Efetivamente, o incidente de despejo imediato corresponde a um meio de reação à não liquidação das rendas vencidas no decurso de ação de despejo. Compreende-se que o legislador o configure como um incidente de tramitação simples e célere, procurando-se evitar que o arrendatário mantenha o gozo do prédio na pendência da ação de despejo sem que o senhorio seja devidamente remunerado [neste sentido, ainda sobre o artigo 58.º do RAU, ANTÓNIO PAIS DE SOUSA afirma com particular acuidade que o incidente de despejo imediato responde à eventual delonga da ação de despejo, procurando-se evitar que «[U]m arrendatário menos sério, ou porque soubesse antecipadamente a sua falta de razão, ou por outro motivo, podia aproveitar-se da demora da lide para não pagar as rendas, que entretanto, se fossem vencendo, mas sem deixar de se aproveitar do prédio» (cfr. Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 6.ª Edição atualizada, Reis do Livros, Lisboa, 2001, p. 174.)].
Estamos, aliás, na sua globalidade, perante um fim que vem modelando a recente evolução do regime substantivo, mas também processual dos contratos de arrendamento, em especial no plano da agilização, judicial e extrajudicial, dos meios de reação do senhorio perante o incumprimento do contrato pelo arrendatário. Esta foi reconhecidamente uma das principais finalidades prosseguidas pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, bem como das alterações promovidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, pelo que não se ignora que a interpretação do artigo 14.º, n.º 4, agora em crise, encontra suporte num regime cuja arquitetura, substantiva e processual, tem sido delineada em função de reais preocupações de celeridade na tutela do direito de propriedade do senhorio que encontra, por si, proteção constitucional (artigo 62.º, n.º 1 da Constituição) nos casos de incumprimento contratual por parte do arrendatário.
Não ocorrendo uma privação de direitos do inquilino, nos termos expostos, não é defensável a posição sustentada no recurso, porquanto o mesmo nada invocou que pudesse obstar ou evitar, pelo menos nesse momento, o despejo. Não há nada para discutir ou provar. Não se trata de efeito automático decorrente da não junção de comprovativo de pagamento ou depósito das quantias alegadamente em dívida, mas de efeito cominatório por ausência de resposta e, portanto, admissão por acordo dos factos indicados no requerimento incidental (artigo 574º nº 2 e 293 nº 3 ambos do CPC).
De resto, “aquilo que verdadeiramente ofende o princípio da proibição de indefesa é não permitir outros meios de defesa naqueles casos em que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual” (v. Acórdão n.º 673/2005).
Não estamos, pois, no âmbito de uma decisão de despejo automática e violadora dos comandos constitucionais nos termos expostos.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
IMPROCEDE A APELAÇÃO. MANTÉM-SE A SENTENÇA RECORRIDA. 
Custas pelos recorrentes.

Porto, 4 de maio de 2022
Isoleta de Almeida Costa 
Ernesto Nacimento 
Madeira Pinto

Processo: 2225/21.6T8MTS-A.P1 Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: Nos presentes autos de ação declarativa, com processo comum, que AA e BB instauraram contra CC e DD e EE e FF, vieram os Autores deduzir incidente de despejo imediato contra os Réus. A seu tempo, foi proferido o seguinte despacho: (…) Os Réus foram notificados para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, bem como da indemnização devida em caso de mora, juntando prova desses factos aos autos, com a advertência de que não fazendo poder ser deferido o seu despejo imediato. Os Réus não procederam ao pagamento, nem ao depósito das rendas vencidas na pendência da presente ação, nem apresentaram contestação ao incidente. Cumpre decidir: Os Autoras sustentam a presente ação num contrato de arrendamento que celebraram com os Réus, no qual os Réus CC e BB e DD intervieram como arrendatários e os Réus EE e FF como fiadores e principais pagadores e peticionam a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e a condenação destes no pagamento de rendas e indemnização pela mora. Dispõe o art. 14º, nº 3, do NRAU – D.L. nº 6/2006, de 27/02 -, que na pendência da ação de despejo as rendas vencidas devem ser pagas ou depositada nos termos gerais. Por seu turno, no nºs 4 e 5 da mesma disposição legal prevê-se que se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos e que, caso o não faça, pode o senhorio requerer o despejo imediato. Os Autores deduziram incidente de despejo imediato, alegando que os réus não procederam ao pagamento das rendas vencidas na pendência da ação. Os Réus, apesar de notificados para procederem ao pagamento ou depósito das referidas rendas, nada disseram, nem juntou aos autos documentos comprovativos do pagamento ou depósito. Assim, ao abrigo do disposto no art. 14º, nº 5, do citado diploma legal, decreto o despejo imediato do locado identificado na petição inicial, ou seja, do imóvel sito na Rua ..., ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia sob o art... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o nº .... DESTE DESPACHO APELARAM OS RR QUE LAVRARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES: 2º - - A defesa da R. em sede de contestação da ação principal obsta ao deferimento do incidente de despejo imediato; (…) 5º - Contudo, tendo em conta a redação do nº 5, do art. 14º, do NRAU (introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto) – ao referir-se a “em caso de deferimento do requerimento” – conclui-se que, a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação não implica a procedência automática do incidente de despejo imediato (cfr. Maria Olinda Garcia, cit., pág. 194). 6º - Nesse sentido, há que dar relevância ao teor da contestação apresentada pela R.. 7º - Com efeito, desde novembro de 2021, até hoje, que os RR se encontram a pagar as rendas, na proporção de uma renda e meia por mês, por forma a ir abatendo o atrasado. 8º - Ora, tal situação, carece naturalmente de ser provada. 9º - Motivo pelo qual não deveria ter sido deferido o Incidente de Despejo imediato, antes de ser dada a possibilidade à R. de fazer a prova. (…) 12º - A este propósito ver Ac TC 327/2018 de 27 de Junho. 13º - É inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º da Constituição, a interpretação do art. 14º, nº 4, do NRAU, no sentido de, no incidente de despejo imediato, apenas ser admitida como defesa a alegação e prova de pagamento ou depósito das rendas em mora. (…) Além disso, para que sejam pagas ou depositadas as rendas e outros montantes que a elas estejam associadas, é necessário que elas sejam, realmente, devidas e, consequentemente, existentes e exigíveis. 16º - Deve assim julgar-se inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 14.º n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia se as rendas são ou não devidas se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida. 17º - O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art. art. 14º n.º 4 e 5 da NRAU e, artºs 2º, 9º, 13º, 18º e 20º da CRP. RESPONDERAM OS AUTORES A SUSTENTAR A IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO. Nada obsta ao mérito. O OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil). Em consonância, as questões colocadas são as de saber se: 1.Foi proferida decisão de despejo sem ter sido dada possibilidade aos recorrentes de fazer prova de que procederam ao pagamento das rendas vencidas na pendência da ação; 2. Se o tribunal recorrido procedeu a uma restrição inadmissível do direito à prova e como tal violadora do disposto o artigo 20º da CRP. O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: I NO QUE À PRIMEIRA QUESTÃO IMPORTA: Flui dos autos e do despacho recorrido que os RR, ora recorrentes, foram notificados do requerimento de incidente de despejo imediato “para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, bem como da indemnização devida em caso de mora, juntando prova desses factos aos autos, com a advertência de que não fazendo poderá ser deferido o seu despejo imediato – art. 14º, nº 4 e 5, do NRAU”. Não obstante, os RR nada fizeram ou disseram. Ora, parece-nos evidente, em face da letra do artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5, que: “se não forem pagos ou depositados os valores em dívida, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final. 5- Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O.” Caberia, consequentemente, aos RR contestar a matéria incidental, apresentando prova do pagamento das rendas vencidas. Os RR não deduziram oposição, pelo que se verificou a cominação consagrada no artigo 574º nº 2, ex vi, artigo 293º, nº 3, ambos do CPC, do que decorre que os factos do requerimento incidental estão admitidos por acordo. Estamos no âmbito da autorresponsabilidade das partes que está intimamente relacionado com os ónus e cominações. Com efeito, as partes têm uma responsabilidade para consigo mesmas que implica a necessidade de agirem de determinada forma para atingirem um resultado, “que tanto pode consistir na não produção duma desvantagem como na produção de uma utilidade ou de uma vantagem para o titular” (…) Consideramos no nosso direito o caso da contestação (…) o réu tem o ónus de contestar (…) a inobservância deste ónus dá lugar a preclusões (…) Lebre de Freitas Introdução ao Processo Civil- Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª edição Gestlegal p. 183. Acresce que os RR não podem invocar um “direito à prova” que não pretenderam exercer, tempestivamente. Nem se pode falar em despejo automático, uma vez que lhes foi concedida a faculdade de demonstrarem o facto impeditivo. Não se trata aqui de privação de qualquer direito. O que se trata é do não exercício pelos RR do direito que lhes competia e da correspondente sanção processual, a qual é cominatória –artigo 14º, nº 5, citado, conjugado com o disposto nos artigos 15º e ss. da Lei 6/2006, redação da Lei 31/2012 e artigos 574, nº 2 e 293º, nº 3, do CPC. II QUANTO À SEGUNDA QUESTÃO: INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 20º DA CRP: O tribunal constitucional tem-se pronunciado pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, que não corresponda ao “sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa. (ver, Decisão Sumária n.º 101/2010, na qual se aplicou a jurisprudência do Acórdão n.º 673/2005 decidindo pela inconstitucionalidade da norma “na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida). Com efeito, na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o legislador manteve a obrigação de pagamento ou depósito das rendas que se vençam na pendência de ação de despejo (artigo 14.º, n.º 3 do NRAU) e determinou que, em caso de incumprimento dessa obrigação, o arrendatário deve ser notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento ou depósito das rendas vencidas por um período igual ou superior a três meses, e ainda da indemnização devida (artigo 14.º, n.º 4 do NRAU), sob pena de o senhorio estar habilitado a pedir certidão relativa a esses factos, constituindo título executivo para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa (artigo 14.º, n.º 5 do NRAU). A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, alterou o artigo 14.º do NRAU, ao reduzir para dois meses o período a que se reporta o incumprimento da obrigação (artigo 14.º, n.º 4), e veio determinar que o exercício do direito do senhorio de requerer o despejo imediato do arrendatário passasse a ser, em parte, tramitado nos termos definidos para o procedimento especial de despejo (artigo 14.º, n.º 5; artigo 15.º, n.º 1). Como refere o Tribunal Constitucional, “a impossibilidade de o arrendatário exercer outros meios de defesa que não a apresentação de prova de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em dívida é comum aos vários regimes que se sucederam nesta matéria, importa considerar que o Tribunal Constitucional teve já ocasião de se pronunciar sobre o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro. De facto, pelo Acórdão n.º 673/2005, este Tribunal julgou inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, a norma do artigo 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de outubro, «na interpretação segundo a qual, mesmo que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interve­niente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida». (…) “Entende-se, porém, que o parâmetro constitucional mais pertinente se centra no princípio da proibição da indefesa, que decorre, em primeira linha, do princípio do contraditório, a que se deve subordinar todo o processo, uma vez iniciado. Como refere Carlos Lopes do Rego (Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 835‑ 859): A garantia da via judiciária ínsita no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos envolve, não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de ação judicial, destinado a efetivar todas as situações juridicamente relevantes que o direito substantivo lhes outorgue, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão cons­titucional de 1997) a regra do «processo equitativo», expressamente consagrada no n.º 4 da­quele preceito constitucional, sendo do princípio do contraditório que decorre, em primeira linha, a regra fundamental da proibição da indefesa. Veio o tribunal constitucional reconhecer que “uma restrição constitucionalmente intolerável do direito de defesa a limitação, no incidente de despejo imediato por falta de pagamento de rendas na pendência de ação de despejo, das possibilidades de defesa do requerido à alegação e prova de que, até ao termo do prazo para a sua resposta, procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização. Tal meio de defesa é manifestamente desajustado em todos os casos em que justamente se questiona o próprio dever de pagamento de determinada renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local). (…) Tal entendimento não assegura um tratamento equitativo das partes nem a efetividade da tutela jurisdicional, pelo que não pode deixar de ser considerado como viola­dor do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da CRP”. Com efeito a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem acentuado que «o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório» (cfr. Acórdão n.º 86/88). Sendo que o direito ao contraditório traduz-se, sobretudo, na possibilidade de cada uma das partes deduzir as suas razões (de facto e de direito), de oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados de umas e outras (cfr. Acórdão n.º 1193/96). Deste modo, a proibição da indefesa assume-se como um princípio decorrente de um direito geral ao contraditório, extraível do direito fundamental de acesso à justiça, nomeadamente da garantia de um processo justo e equitativo, sendo de atentar ao exposto no Acórdão n.º 286/2011: «O princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça, tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. O Tribunal tem entendido o contraditório, exigido no artigo 20.º da Constituição, essencialmente, como o direito de ser ouvido em juízo, do qual retira uma genérica proibição de indefesa, isto é, a proibição da limitação intolerável do direito de defesa do cidadão perante o tribunal onde se discutem questões que lhe dizem respeito». No Acórdão n.º 350/2012, o Tribunal refere: «() no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito de cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito. Integrando, assim, a proibição da indefesa o núcleo essencial do processo devido em Direito, constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordenaria venha a conformar - seja ele de natureza civil ou penal - estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo». Também na adoção deste entendimento foram recentemente prolatados os Acórdãos n.ºs 251/2017, 401/2017 e 771/2017 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). No entanto, sem prejuízo da vigência do princípio da proibição da indefesa, o Tribunal Constitucional vem a reconhecer que a norma do artigo 20º da CRP não é absoluta, podendo ser objeto de restrições em função de outros princípios e interesses dotados de proteção constitucional, como é bom exemplo o exposto no Acórdão n.º 20/2010: «Da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Constituição, decorrem, para o legislador ordinário, para além da obrigação que se cifra em não lesar o princípio da proibição da indefesa, a obrigação de conformar o processo de modo tal que através dele se possa efetivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com todas as garantias de imparcialidade e independência, existindo à partida, entre os valores da proibição da indefesa e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, uma relação de equivalência constitucional, devendo o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em beneficio exclusivo de outro ou de outros». No caso dos autos, os RR não foram privados de qualquer direito de prova pela simples razão de que nada requereram. Também não invocaram qualquer controvérsia contratual suscetível de interferir no dever de pagar as rendas, pelo que será de concluir que o seu direito ao contraditório ou à prova não foi restringido. Efetivamente, o incidente de despejo imediato corresponde a um meio de reação à não liquidação das rendas vencidas no decurso de ação de despejo. Compreende-se que o legislador o configure como um incidente de tramitação simples e célere, procurando-se evitar que o arrendatário mantenha o gozo do prédio na pendência da ação de despejo sem que o senhorio seja devidamente remunerado [neste sentido, ainda sobre o artigo 58.º do RAU, ANTÓNIO PAIS DE SOUSA afirma com particular acuidade que o incidente de despejo imediato responde à eventual delonga da ação de despejo, procurando-se evitar que «[U]m arrendatário menos sério, ou porque soubesse antecipadamente a sua falta de razão, ou por outro motivo, podia aproveitar-se da demora da lide para não pagar as rendas, que entretanto, se fossem vencendo, mas sem deixar de se aproveitar do prédio» (cfr. Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 6.ª Edição atualizada, Reis do Livros, Lisboa, 2001, p. 174.)]. Estamos, aliás, na sua globalidade, perante um fim que vem modelando a recente evolução do regime substantivo, mas também processual dos contratos de arrendamento, em especial no plano da agilização, judicial e extrajudicial, dos meios de reação do senhorio perante o incumprimento do contrato pelo arrendatário. Esta foi reconhecidamente uma das principais finalidades prosseguidas pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, bem como das alterações promovidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, pelo que não se ignora que a interpretação do artigo 14.º, n.º 4, agora em crise, encontra suporte num regime cuja arquitetura, substantiva e processual, tem sido delineada em função de reais preocupações de celeridade na tutela do direito de propriedade do senhorio que encontra, por si, proteção constitucional (artigo 62.º, n.º 1 da Constituição) nos casos de incumprimento contratual por parte do arrendatário. Não ocorrendo uma privação de direitos do inquilino, nos termos expostos, não é defensável a posição sustentada no recurso, porquanto o mesmo nada invocou que pudesse obstar ou evitar, pelo menos nesse momento, o despejo. Não há nada para discutir ou provar. Não se trata de efeito automático decorrente da não junção de comprovativo de pagamento ou depósito das quantias alegadamente em dívida, mas de efeito cominatório por ausência de resposta e, portanto, admissão por acordo dos factos indicados no requerimento incidental (artigo 574º nº 2 e 293 nº 3 ambos do CPC). De resto, “aquilo que verdadeiramente ofende o princípio da proibição de indefesa é não permitir outros meios de defesa naqueles casos em que na ação de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual” (v. Acórdão n.º 673/2005). Não estamos, pois, no âmbito de uma decisão de despejo automática e violadora dos comandos constitucionais nos termos expostos. SEGUE DELIBERAÇÃO: IMPROCEDE A APELAÇÃO. MANTÉM-SE A SENTENÇA RECORRIDA. Custas pelos recorrentes. Porto, 4 de maio de 2022 Isoleta de Almeida Costa Ernesto Nacimento Madeira Pinto