O presente caso trata-se de uma ação especial emergente de acidente de trabalho onde o sinistrado sofreu um acidente em 23 de fevereiro de 2019 em Bélgica, enquanto trabalhava como condutor de máquinas para a empresa C... Lda. Após a tentativa de conciliação falhada, o autor moveu ação judicial contra a Companhia de Seguros A... S.A. e a entidade empregadora C... Lda., reclamando várias indemnizações e pensões resultantes do acidente que lhe causou uma incapacidade temporária absoluta (ITA) de 88 dias e uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 1,9602%. A primeira ré aceitou pagar parte das indemnizações, enquanto a segunda ré alegou que toda a responsabilidade estava transferida para a seguradora. O Tribunal de primeira instância, após considerar as posições assumidas durante a fase de conciliação, julgou a ação procedente, condenando as rés ao pagamento das quantias reclamadas pelo autor, incluindo reembolso de despesas de transporte e a pensão anual e vitalícia. A entidade empregadora (2ª ré) recorreu da decisão, argumentando vários pontos, incluindo erro nos fatos sobre a retribuição do autor e falta de fundamentação da sentença recorrida. Porém, o Tribunal da Relação do Porto considerou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida e as condenações feitas às rés.
No dia 23 de Fevereiro de 2019, cerca das 06:30 horas, em Bélgica, o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de condutor de máquinas.
A Companhia de Seguros, S.A paga pensões provisórias ao sinistrado
Apelação n.º 1661/19.2T8PNF.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho de Penafiel Autor: AA Rés: A... - Companhia de Seguros, S.A. C... Lda._______Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. Nos presentes autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, realizada a tentativa de conciliação na sua fase conciliatória, do respetivo auto consta o seguinte (transcrição): «(…) Iniciada a diligência pelo: SINISTRADO foi dito: - Que no dia 23 de Fevereiro de 2019, cerca das 06:30 horas, em Belgica, foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de condutor de máquinas, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora C... Lda, mediante a retribuição anual de €1.593,81 x 14, cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora. (…) Reclama o capital de remição da pensão anual de €306,17 devida a partir de 23 de Maio de 2019, calculada com base na retribuição anual líquida de €22.313,34 x 70% x 1,9602%, nos termos do disposto no artº 48º, nº 3, alínea c), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, bem como a quantia de €20,00 relativa a despesas deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal. Reclama ainda a quantia de €2.321,43 a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária. Pelo legal representante da Companhia de Seguros foi dito: Aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição transferida de €600,00 x 14 e o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico do gabinete médico-legal, pelo que aceita pagar o capital de remição da pensão anual de € 115,26 devida a partir de 23 de Maio de 2019, bem como a quantia despendida pelo sinistrado a título de transportes. Informa que se encontra a pagar pensões provisórias ao sinistrado. Pelo legal representante da Entidade Empregadora foi dito: Aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição do sinistrado e a IPP. Nada aceita pagar de pensão e/ou indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade infortunística transferida para a seguradora. PELO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, FOI DITO: Dada a posição assumida pela seguradora e pela entidade empregadora, dava as partes por não conciliadas e ordenava que se extraia e me seja entregue certidão de fls. 2 a 5, 8, 23 a 25, 70 e do presente auto. (…)» 2. AA deu início à fase contenciosa do processo contra A... - Companhia de Seguros, S.A. (1.ª Ré), e C... Lda. (2.ª Ré), peticionando: a) que o acidente descrito nos autos e por si sofrido seja qualificado como de trabalho e, consequentemente; b) seja reconhecido o nexo de causalidade entre as lesões que o A. sofreu e o acidente destes autos, bem como o grau de desvalorização que das mesmas para aquele decorre (IPP), isto é, 1,9062%; c) seja reconhecido que teve uma ITA por um período de 88 dias (desde 24/02/2019 a 22/05/2019), data a partir da qual se encontra curado; e que as RR. sejam condenadas ao pagamento de: 1) Capital de remição correspondente a uma pensão anual de € 306,17 (artº 48º, nº 3, al. c) RJAT) devido desde 22/05/2019 (artº 67º, nº 1 RJAT); d) indemnização devida, na parte ainda não liquidada, pelo período de incapacidade suprarreferido que o A. sofreu em função da ITA que lhe foi fixada, no valor de €2.321,43; e) quantia de €20,00, a título de compensação pelas despesas de deslocação ao GML e a este Tribunal para a realização de atos médicos e judiciais (artº 39º, nºs 1 e 2 da Lei nº 98/2009, de 04/09); f) o pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos e até integral pagamento (artºs 559º, 804º a 806º do Código Civil e 135º do CPT). Para tanto, em síntese, alegou que: a 23/02/2019 sofreu um acidente de trabalho quando exercia funções de condutor de máquinas ao serviço da 2.ª Ré, na Bélgica, mediante a retribuição mensal de €1.593,81 x 14 meses; em consequência do acidente sofreu traumatismo do 3.º dedo da mão direita, o que determinou uma ITA e 88 dias, alta clínica em 22/05/2019 e uma IPP de 1,9602%; despendeu em transportes nas deslocações ao GML e a tribunal a quantia de € 20,00; à data do acidente a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho encontrava-se parcialmente transferida para a 1.ª Ré; não lhe foram liquidadas todas as indemnizações e demais despesas acessórias. Regularmente citada, a 2.ª Ré deduziu contestação, na qual, designadamente, para além de impugnar o valor atribuído à causa do Autor, impugnou o por este alegado quanto à transferência parcial da responsabilidade para a 1.ª Ré, valores liquidados, alegando que a responsabilidade se encontrava totalmente transferida para essa, sendo que foi à mesma comunicado que aquele prestava trabalho na Bélgica, pelo que a responsabilidade pelas alegadas prestações devidas se encontra totalmente transferida. Conclui pela procedência da contestação, por provada e, em consequência, a improcedência da ação e sua absolvição. Por sua vez, na contestação que apresentou, a 1.ª Ré, confirmando a existência do contrato de seguro, sustento, porém, que o salário anual transferido foi apenas o de €600,00 x 14, mantendo a posição que já assumira na tentativa de conciliação. Mais referiu que já pagou ao Autor a quantia de €1.697,55 como decorrência do sinistro, para concluir, a final, no sentido de que a presente ação deveria ser julgada de acordo com a prova a produzir no que diz respeito ao teor da apólice de seguro e à responsabilidade transferida para si. 2.1. Com data de 10 de março de 2022 o Tribunal recorrido proferiu despacho com o teor seguinte (transcrição): “Em sede de contestação, alega a 2ª R. que a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho em que fosse o A. interveniente se encontrava integralmente transferida para a 1ª R., invocando para o efeito o contrato de seguro sob a modalidade de prémio variável e cláusulas gerais da apólice. Conforme resulta do teor da apólice junta a fls. ... dos autos, o contrato de seguro celebrado entre as RR. iniciou efeitos a 12/09/2018, sendo que, resulta aí expresso, quanto às pessoas e remunerações seguras, “Conforme folhas de férias a enviar à A... Portugal até ao dia 15 de cada mês”. Mais consta de tal apólice que “O tomador obriga-se a remeter previamente à A... a elação dos trabalhadores a deslocar e respectivas remunerações, destino, meio de transporte, finalidade e duração da estadia”. Junta a 1ª R., com a sua contestação, folha de férias da 2ª R. referente ao mês de Fevereiro de 2019, em que ocorreu o acidente, na qual consta o ora A. com um vencimento de €600,00, acrescido de férias, subsídios de férias e de Natal, num total de €780,00, documento este que não foi impugnado pelas demais partes. Por outro lado, em sede de tentativa de conciliação, a 2ª R. aceitou a remuneração anual indicada pelo A., de €1.593,81 x 14 meses, referente ao salário mínimo na Bélgica, onde o A. se encontrava a trabalhar e sofreu o acidente de trabalho aceite pelas partes. Face ao supra exposto, de acordo com o estipulado entre as RR., a responsabilidade da 1ª R. encontrava-se limitada à remuneração que mensalmente lhe fosse comunicada pela 2ª R.. Pelo exposto, considera o Tribunal que existe a possibilidade de se proferir sentença em sede de despacho saneador, pelo que, de modo a permitir a pronúncia das partes e, até, uma eventual transacção, se decide designar, para tentativa de conciliação, o próximo dia 21 de Março de 2022, pelas 13h45m, face à natureza urgente do processo que, assim, assume prioridade sobre o demais serviço.” 2.2. Realizada a tentativa de conciliação a que se alude em “2.1.”, da respetiva ata consta designadamente o seguinte: “(…) PRESENTES: Digno Magistrado do Ministério Público: Dr. BB, em representação /patrocínio do Autor/sinistrado. Mandatária da Ré/Entidade Responsável/Seguradora: Dr.ª CC que neste acto apresentou substabelecimento com reserva que a Mm. ª Juiz após examinar e rubricar ordenou a sua junção aos autos. Mandatária da Ré/Entidade Patronal: Dr.ª DD, com substabelecimento com reserva a fls. 175 verso dos autos. (…) Declarada aberta a tentativa de conciliação, pelas 14h20mn, a Mm. ª Juiz procurou conciliar as partes, conciliação essa que não foi possível. Após, cumpridas as formalidades legais, pela Ilustre Mandatária da 2.ª Ré foi pedida a palavra, e tendo-lhe sido concedida, no seu uso disse: C... Lda. 2.ª Ré nos presentes autos e aí melhor identificada, tendo sido notificada do despacho proferido por este douto Tribunal no dia 10 de Março de 2022, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte: 1.º O despacho referido supra, identifica que a 2.ª Ré em sede de tentativa de conciliação aceitou o montante de remuneração anual indicada pelo autor equivalente a €1.593,81x14. 2.º No entanto, na verdade, em sede de tentativa de conciliação a 2.ª Ré não aceitou esse montante de remuneração indicado pelo autor, antes aceitou a remuneração efectivamente vertida nos recibos de vencimento do autor daí devido em conciliação das partes. 3.º Sucede que a 2.ª Ré no art.º 43.º da sua contestação datada de 24 de Janeiro de 2022 lamentavelmente cometeu um lapso de escrita pelo qual muito se penitencia ao apontar que o Autor auferia uma remuneração anual equivalente a €1.593,81. 4.º Assim, onde se lê “Assim, como se alegou durante a fase conciliatória, e conforme aceite pelos intervenientes, à data do acidente, o Autor auferia o valor anual de €1.593,81x 14”, deve ler-se “Assim, como se alegou durante a fase conciliatória, e conforme aceite pelos intervenientes, à data do acidente, o Autor auferia o valor anual de €600,00 x 14”. 5.º Tendo em conta a inconciliação das partes é notório que o valor de €1.593,81x 14 originalmente apontado na contestação da 2.ª Ré trata-se meramente de um lapso de escrita e não de uma aceitação do valor de remuneração indicado pelo Autor. Nestes termos, requer-se muito respeitosamente a V. Ex.ª o deferimento da ora mencionada retificação nos termos supra expostos. * Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito: O Ministério Público opõe-se, frontalmente, à reescrição do processo que a entidade patronal empreende agora após confrontada com o douto despacho proferido em 10 de Março de 2022. Efectivamente, o art.º 43.º da contestação da 2.ª Ré tem a amplitude de aceitar o valor anual de retribuição de €1.593,81 x 14 meses em consonância - como expressamente decorre do auto de conciliação - com o que se defendeu na fase conciliatória do processo. Um lapso manifesto é perceptível a olho nu e por qualquer leitor atento e não assume tal natureza. O art.º 43.º da contestação da 2.ª Ré faz absoluto sentido como o pela mesma aceite no auto de não conciliação quando refere “aceita (…) a retribuição do sinistrado e a IPP”. Nesse mesmo auto ninguém contestou que a retribuição do sinistrado fosse a supra aludida - €1.593,81 x 14 - apenas a 1.ª Ré referindo que, não obstante tal facto, “a retribuição transferida de €600,00 x 14”. Salvo o devido respeito, não se pode tratar como lapso o que não é, ainda para mais quando o suposto lapso está em consonância com a posição assumida pela mesma na fase conciliatória do processo, onde nos exatos termos previstos no art.º 111.º do C.P.T., tem de realizar “a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhe são atribuídos”, o que foi feito assumindo a retribuição que reafirma a 2.ª Ré no art.º 43.º da respetiva contestação. Como assim, e nos termos expostos, está expressamente aceite pela 2.ª Ré e impugnado pela 1.ª Ré o art.º 6.º da Petição Inicial, não concebendo nem aceitando o autor a possibilidade de agora a requerente reescrever a sua posição processual e aquela que assumiu na contestação sobre a capa intempestiva de um alegado lapso, defendendo-se após a contestação o contrário do que naquela apresentada em devido tempo foi expressamente assumido. * Por ordem da Mm. ª Juiz faz-se constar da presente acta que pela Ilustre Mandatária da 2.ª Ré/Entidade Patronal foi referido que: A 2.ª Ré aceita que o valor remuneratório referente ao Autor transferido para a 1.ª Ré é o indicado por este, por €600,00 x 14. * Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO A rectificação pretendida pela 2.ª Ré apenas pode ocorrer em casos de manifesto lapso de escrita ou cálculo. Nos presentes autos, e como resulta do auto de conciliação de fls. 81 e 82, o sinistrado declarou auferir a retribuição mensal de €1593,81 x 14. A 1.ª Ré declarou aceitar a retribuição transferida de €600,00x14. A 2.ª Ré declarou aceitar, além de mais, a retribuição do sinistrado. Ora, como resulta do teor de tal auto, a retribuição que o sinistrado declarou auferir foi de €1.593,81 x 14, posição essa que manteve no art.º 6 da P.I. (fls. 93 dos autos). Em sede de contestação, a 2.ª Ré, para além de apenas impugnar no art.º 20.º o alegado nos artigos 22.º, 23.º, 25.º e 27.º da Petição Inicial, aceitando assim, o alegado no art.º 6.º, confirma tal remuneração no art.º 43.º da respectiva contestação. Do teor do auto de tentativa de conciliação e destes dois articulados, não consegue o Tribunal identificar qualquer lapso manifesto nos termos ora requeridos pela 2.ª Ré, que também não impugnou os documentos juntos pelo autor. Entende assim o Tribunal não estarem preenchidos os pressupostos exigidos para a requerida rectificação, que assim se indefere. Atento o exposto, e a aceitação por todas as partes que a remuneração transferida pela 2.ª Ré para a 1.ª Ré referente ao autor corresponde apenas à quantia de €600,00x14, é ainda entendimento do Tribunal que a impugnação do alegado no art.º 6 da Petição Inicial, pela 1.ª Ré ,é irrelevante e insusceptível de produzir efeitos, na medida em que a responsabilidade desta perante o sinistrado se encontra limitada ao valor transferido de €600,00x14 . Consequentemente, concede o Tribunal a palavra às partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador. * Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito: Nada a opor. * Dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré/Entidade Responsável/Seguradora pela mesma foi dito: Nada a opor. * Dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré/Entidade Patronal pela mesma foi dito: Opõe-se à prolação de sentença, pugnando pela produção de prova em sede de audiência de julgamento. * Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO Resulta do supra exposto, a impossibilidade de conciliação entre as partes, pelo que se determina que sejam os autos conclusos. Notifique. * Do referido despacho foram os presentes devidamente notificados do que disseram ficar cientes. (…)” 3. Com data de 5 de abril de 2022 veio a ser proferida sentença, em cujo dispositivo se fez constar (transcrição): “Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condeno as RR. a pagar ao A. EE, as seguintes quantias: 1) a 1ª R., A... - Companhia de Seguros, S.A.: a) €20,00 (vinte euros) de reembolso de despesas de transporte, acrescido de juros de mora desde 15/12/2017 até efectivo e integral pagamento; b) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 23/05/2019, no montante de €115,26 (cento e quinze euros e vinte e seis cêntimos), acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT; 2) a 2ª R. C... Lda.: a) €2.348,12 (dois mil trezentos e quarenta e oito euros e doze cêntimos) referente a indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT; b) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 23/05/2019, no montante de €190,91 (cento e noventa euros e noventa e um cêntimo), acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT. Custas a cargo das RR., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC. Valor da acção – € 6.970,47 (cfr. artigo 120º do CPT). Uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, cumpra o disposto nos artigos 148º nºs. 3 e 4 e 149º do CPT. Registe e notifique.” 3.1. Dizendo-se inconformada, interpôs a 2.ª Ré requerimento de interposição de recurso, arguindo a nulidade da sentença. Formulou no final as seguintes conclusões: “I. O Saneador-Sentença datado de 5 de abril de 2022, proferido pelo Tribunal a quo, objeto do presente recurso, padece de nulidade, consubstancia erro sobre os factos e apreciação da prova e consubstancia uma errada interpretação e aplicação da Lei. II. O Tribunal a quo julgou erradamente provado o facto alegado pelo Autor que alegou que, ao tempo da ocorrência do acidente de trabalho, auferia a retribuição anual correspondente ao valor de €1.593,81 x 14 meses, equivalente a um alegado salário mínimo do estado da Bélgica. III. Sucede que é falso que o Autor auferia aquele montante de retribuição anual, conforme assim o comprova os recibos de vencimento que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial. IV. E é falso que o Autor auferia o valor de €1.593,81/mês, a título de um alegado salário mínimo belga, dado que, no ano da ocorrência do acidente de trabalho, no estado da Bélgica, o salário definido para um trabalhador, no setor da construção, era, no mínimo, o montante mensal de €2.284,16 (€14276 x 40 horas x 4 semanas) V.O Saneador-Sentença recorrido afirma que o facto alegado pelo Autor (de que recebia ao serviço da Recorrente o salário “mínimo” de €1.593,81) foi provado por confissão. VI. Sucede que a Recorrente, conforme respetivo requerimento de retificação, cometeu um lapso de escrita, na sua contestação datada de 24 de janeiro de 2022, ao mencionar, no artigo 43.º da mesma, que o Autor auferia a retribuição anual de €1.593,81x14, quando, na verdade, pretendia referir que o Autor auferia a retribuição anual de €600,00 x 14. VII. Sem prejuízo do indeferimento do requerimento de retificação, dada a prova documental constante nos autos e a prova, eventualmente, a produzir-se em sede de audiência de julgamento, ao Tribunal a quo não restaria alternativa que não a de julgar como não provado o facto alegado pelo Autor (de que recebia ao serviço da Recorrente o salário “mínimo” de €1.593,81). VIII. Sucede que, o Tribunal a quo, sem prejuízo da controvérsia em torno da matéria de facto, com a oposição da Recorrente, sem se pronunciar porque desacompanha o entendimento da Recorrente, sobre a necessidade de realização de audiência de julgamento, e sem enunciar os concretos fundamentos de facto e de direito que justificaram a prolação do Saneador Sentença, não designou data para realização de audiência de julgamento e proferiu, antes, um Saneador-Sentença, dando como provado o alegado pelo Autor, julgando totalmente procedente o seu pedido, ainda que este se encontre absolutamente infundado, tendo em conta a prova documental oferecida aos autos pelo próprio Autor. IX. O Saneador-Sentença padece, por isso de nulidade nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. b e al. d) do CPC aplicável ex vi do artigo l.º, n.º 2, al. a) do CPT). X. Note que para o cumprimento do dever de fundamentação, ínsito no artigo 154.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, não basta alegar-se que o caso concreto se encontra subsumido à lei, sem se densificar, pelo meio de fundamentação fática e de direito concreta, de que forma se encontram preenchidos os pressupostos abstratamente fixados pela lei. XI. A realização da audiência de julgamento era essencial à descoberta da verdade e justa composição do litígio, em respeito do princípio do inquisitório, dado que a Recorrente colocou em crise o facto alegado pelo Autor, podendo o Tribunal a quo, de acordo com o estatuído no artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2 do CPT ampliar os temas da prova se a prova produzida em audiência de julgamento assim o determinasse. XII. Em face do exposto, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, deverá o Saneador-Sentença ser anulado, por preterição de formalidades legais, e ser proferido despacho para designação de data de realização de audiência de julgamento. XIII. Ora, o facto alegado pelo Autor e julgado erradamente como provado pelo Tribunal a quo redundou na condenação da Recorrente ao pagamento de uma indemnização e de uma pensão anual vitalícia ao Autor pelo acidente de trabalho, quando essa responsabilidade se encontrava totalmente transferida para a 1ª Ré, Entidade Seguradora, mediante apólice de seguro n.º ..., havendo a 1.ª Ré, Entidade Seguradora, já afirmado, nos presentes autos, que se responsabiliza pelo pagamento do que é devido ao Autor em virtude do mesmo acidente de trabalho. XIV. Tendo em conta que a 1ª Ré, Entidade Seguradora, se responsabiliza pela indemnização e pensão devida ao Autor, em virtude do acidente de trabalho, calculada por referência à retribuição anual correspondente ao valor de €600,00 x 14 e, sendo essa a efetiva remuneração auferida pelo Autor, dúvidas não podiam subsistir em relação à não responsabilidade da Recorrente por qualquer quantia devida ao Autor, dado que a mesma responsabilidade se encontra totalmente transferida para a 1 a Ré, Entidade Seguradora. XV.A Recorrente pagava ao Autor a) pela respetiva prestação do trabalho, a retribuição base, e b) pelas despesas que o Autor incorria em deslocações, alojamento e alimentação, quando prestava trabalho para a Recorrente no estrangeiro, as compensações devidas sob a forma de ajudas de custo, não tendo as mesmas natureza retributiva, mas apenas compensatória pelas despesas / custos aleatórios a que o Autor incorria pela prestação do trabalho no estrangeiro. XVI. Pelo que as ajudas de custo não se subsumem aos conceitos de retribuição plasmados no n.º 2 e n.º 3 do artigo 71º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais. XVII. O Autor não foi contratado pela Recorrente para prestar apenas trabalho na Bélgica ou num outro qualquer país estrangeiro. XVIII. O vínculo laboral entre a Recorrente e o Autor é regulado pela lei portuguesa, sendo as respetivas obrigações tributárias e contributivas cumpridas em Portugal. XIX. A Recorrente e o Autor convencionaram a possibilidade de este prestar o trabalho para a Recorrente em território estrangeiro, encontrando-se a Recorrente legalmente obrigada a pagar ao Autor as devidas compensações pelas despesas a que este incorre com deslocações, alojamento e alimentação enquanto presta o trabalho no estrangeiro, nos termos e para os efeitos do Contrato Coletivo de Trabalho em vigor à data do acidente de trabalho. XX. A recorrente não paga as referidas compensações ao Autor nos dias de falta, ainda que justificadas, nos dias de férias, e, naturalmente, nos dias em que o Autor presta trabalho no território nacional, ao contrário do que ocorre com a retribuição que a Recorrente paga ao Autor que não sofre flutuações decorrentes destes enunciados fatores (faltas justificadas, férias, trabalho em território nacional ou no estrangeiro). XXI. De acordo com o artigo 71º, n.º 1 e n.º 2 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, para o cálculo das indemnizações/pensões devidas em virtude de acidente de trabalho são atendíveis os rendimentos a que tem o Autor a legitima expectativa de auferir sempre e enquanto se mantém em exercício de funções na Recorrente, não cabendo nessa expectativa eventuais rendimentos que o Autor receba irregular e aleatoriamente, nomeadamente não poderá ser expectativa do Autor serem-lhe sempre pagas ajudas de custo, porque estas não têm natureza retributiva pela prestação do trabalho, mas antes compensatória em virtude de despesas e custos e porque são apenas devidas quando o Autor se encontra a prestar o trabalho no estrangeiro. XXII. O Autor não pode ter na expectativa que receberá sempre ajudas de custo enquanto mantiver funções na Recorrente uma vez que esta não o contratou apenas para trabalhar no estrangeiro, nem lhe poderá assegurar que prestará sempre o trabalho no estrangeiro. XXIII. In casu, aquando do acidente de trabalho, a Recorrente liquidava, com caráter de regularidade, ao Autor o valor anua’ de €600,00x14. XXIV. Pelo que ao Autor é apenas legitimo perspetivar que, enquanto se mantém ao serviço da Recorrente, auferirá asseguradamente a retribuição anual de €600,00 x 14, sem prejuízo das atualizações de salário mínimo nacional. XXV. A 1ª Ré, Entidade Seguradora, afirmou, nos presentes autos, ser responsável pelo pagamento ao Autor da devida indemnização e pensão pelo acidente de trabalho calculados com referência à retribuição de €600,00 x 14, pelo que não sendo devido nada mais ao Autor a titulo de rendimentos lhe regularmente pagos pela Recorrente, é notório que a responsabilidade da Recorrente encontra-se totalmente transferida para a 1ª Ré, não sendo devido ao Autor qualquer quantia a ser paga pela Recorrente, em virtude do acidente de trabalho, ao contrário do determinado pelo Tribunal a quo. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve: a) O presente recurso ser julgado procedente por provado, b) Revogando-se o Saneador-Sentença recorrido c) E substituindo-o por um outro que determine a realização de audiência de julgamento para produção de prova sobre os factos enunciados supra erradamente julgados como provados pelo Tribunal a quo, d) Ou que determine a absolvição da 2ª Ré, ora Recorrente, do pedido, dada prova documental constante nos autos que comprova que o pedido do Autor é infundado, nada devendo a 2ª Ré, ora Recorrente ao Autor, além das quantias de que é responsável a 1ª Ré, Entidade Seguradora.” 3.2. A Autor contra-alegou, concluindo do modo seguinte: “1– Não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, aquando do seu saneamento, tendo-a condenado com base em factos expressamente confessados pela Ré entidade empregadora, veio esta interpor o recurso a que se responde alegando, entre o mais, falta de fundamentação da não designação da requerida audiência de discussão e julgamento. 2– No ponto 8 do documento sob referência 42044344, alega a Recorrente, de forma que se nos afigura divergente da realidade, que o Tribunal afirmara em 21/03/2022, face à sua oposição à prolação de despacho saneador sentença, que “não se encontravam reunidos os pressupostos para (o) proferir”, mas tal facto não parece ter adesão à realidade (cfr. ata da diligência pessoal em causa, a fls. 179 a 183). 3– Perante a oposição única da Ré C... à prolação de despacho saneador-sentença, decidiu a Mmª. Juíza: “Resulta do supra exposto a impossibilidade de conciliação entre as partes, pelo que se determina que sejam os autos conclusos” - fls. 183. 4– O Tribunal fundamentou, de forma consistente e, mais uma vez, ao invés do alegado, a desnecessidade de produção de prova pessoal em audiência de discussão e julgamento no âmbito dos doutos despachos de 10/03/2022, de 21/03/3022 e da 1ª parte do douto despacho saneador-sentença. 5- Explicitando, de forma pormenorizada e contextual, a exata medida em que a admissão -“confissão” - de factos alegados na PI por parte das Rés, conjugada com a prova documental junta aos autos, não só justificava como impunha a imediata prolação de sentença, em absoluto respeito pelo definido nos artº 131º, nº 1, al. b) CPT e 130º do CPC (aplicável por força do disposto no artº 1º, nºs 1 e 2, al. a) CPT). 6- No âmbito do auto de tentativa de conciliação, as partes são obrigadas, sob pena de incorrerem na condenação como litigantes de má fé (artº 112º, nº 2 CPT, in fine), “a tomar posição sobre cada um desses factos”, designadamente, “existência e caraterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, (d)a retribuição do sinistrado…”. 7- Na tentativa de conciliação realizada nos autos a 14/07/2021, o ora A., como lhe competia, reclamou “a retribuição anual de “1.593,81x14, cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora. Por seu turno, a entidade seguradora tomou, de seguida, posição, apenas assumindo “a retribuição transferida de €. 600,00 x 14 …“, ao passo que a entidade ora Recorrente, que esteve devidamente representada por ilustre advogado, tomou posição nos seguintes moldes: “Aceita a existência e caraterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição do sinistrado e a IPP. Nada aceita pagar de pensão e/ou indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade infortunística transferida para a seguradora” (fls. 82). 8– No articulado da contestação, através do mesmo ilustre mandatário que ora subscreve a peça recursória, coincidentemente com a aceitação do salário reclamado pelo A. no auto de conciliação e na PI, a Recorrente não impugnou o facto articulado sob o nº 6º onde se refere: “Mediante a retribuição mensal de €1.593,81 x 14 meses, no valor total anual de €22.313,34”, como bem constara a Mmª. Juíza a quo no douto despacho de 21/03/2022 (fls. 142). 9- Ou seja, no articulado que baliza todo o objeto da intervenção processual da Ré – a contestação – a “C....” não impugnou o salário que o A. invoca auferir aquando do sinistro e, concordantemente (até com a posição exposta no auto de tentativa de conciliação), assumiu, de forma expressa, a sua aceitação de tal facto no artº 43º, onde refere: “Assim, como se alegou durante a fase conciliatória, e conforme aceite pelos intervenientes, à data do acidente, o Autor auferia o valor anual de €1.593,81 x 14 meses”. 10- A posição da Recorrente no processo sobre o salário do A. - auto de tentativa de conciliação e contestação – é tão clara quanto se acaba de expor, sendo certo que toda a defesa da Ré patronal expressa nesta peça processual (contestação) é de exclusivo cariz jurídico, contestando a posição do A. sobre a abrangência do seguro que subscreveu com a Ré seguradora (cfr. artºs 15º e 31º da contestação): 11- A tentativa de conciliação nos autos ocorreu em 14/07/2021 (fls. 81 e 82) e a Ré aceitou o facto de o A. auferir o salário que nessa diligência reclamou, posição que reiterou expressamente, por diversas formas, na sua contestação datada de 24/01/2022, isto é, mais de 5 meses despois (fls. 117 e ss.). 12- Só depois de notificada do teor do douto despacho de 10/03/2022, isto é, 7 meses após ter assumido, pela primeira vez, que o salário reclamado pelo A. era efetivamente o que este auferia, é que a “C....” expõe nos autos, a 21/03/2022, no âmbito da tentativa de conciliação (fls. 140) que “a 2ª Ré no artº 43º da sua contestação de 24/01/2022 lamentavelmente cometeu um lapso de escrita pelo qual muito se penitencia ao apontar que o A. auferia uma remuneração anual equivalente a €1.593,81”. 13– Reitera o MP, no patrocínio oficioso do A., tudo quanto alegou na diligência de 21/03/2022 e constante de fls. 141 dos autos, já que a posição da ora Recorrente nos autos sempre foi, até àquela data e de forma expressa, a de aceitar a retribuição reclamada pelo Autor. 14- Cremos, face ao descrito, que a posição da Recorrente nestes autos poderá consubstanciar “litigância de mé fé” (artºs 542º, nºs 1 e 2, als. a), b) e d) CPC) sendo certo que, quer sob o ponto de vista material quer processual, nenhuma censura nos parece poder apontar-se à douta sentença proferida, a qual se justificou integralmente por estar assumida pelas Rés, na parte que a cada uma respeitava, a factualidade alegada pelo A., sendo ato inútil e, consequentemente, proibido por lei – artº 130º CPC -, a designação de data para audiência de discussão e julgamento. 15- Consequentemente, o MP, atuando no âmbito do patrocínio oficioso do A., é de parecer que o recurso apresentado deverá soçobrar integralmente, confirmando-se a douta sentença proferida nos autos nos seus precisos termos. Porém, Vªs. Exªs., farão, como sempre, a devida JUSTIÇA” 3.3. Previamente à subida dos autos, o Tribunal recorrido proferiu despacho com o teor seguinte (transcrição): “Fls. 194: Constata-se que, de facto, na sentença proferida sob refª 88359682, se verifica um mero lapso de escrita na parte IV – Dispositivo, quanto à identificação do sinistrado. Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 614º nºs. 1 e 2 do CPC, determina-se a rectificação de tal lapso, nos seguintes termos: onde se lê “IV - Dispositivo: Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condeno as RR. a pagar ao A. EE, as seguintes quantias:”, deve ler-se “IV - Dispositivo: Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condeno as RR. a pagar ao A. AA, as seguintes quantias:”. Notifique.” Mais se pronunciou, de seguida, sobre as nulidades invocadas, nos termos seguintes: “A fls. 196 vem a 2ª R./Recorrente arguir a nulidade da sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 77º do CPT. Considera o Recorrente que a sentença padece de nulidade em virtude de não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificaram a prolação de despacho saneador e pela omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal deveria ter apreciado. Respondeu o Ministério Público, em representação oficiosa do A./Recorrido, no sentido de não se verificarem as invocadas nulidades, com explicitação dos actos processuais em que se fundamenta para o efeito. Ora, analisados os autos constata-se ser evidente do despacho de designação da diligência de tentativa de conciliação os fundamentos para a prolação de sentença em sede de despacho saneador, fundamentos esses devida e extensivamente expostos em tal despacho (cfr. fls. 170). Por outro lado, na diligência realizada, a 2ª R./Recorrente requereu logo de início a palavra, no uso da qual invocou a alegada existência de um lapso de escrita na contestação quanto à aceitação do valor de remuneração incdicado pelo A./Recorrido, aceitação essa expressamente mencionada no despacho de fls. 170 para fundamentar a prolação de sentença em sede de despacho saneador. Tal requerimento de rectificação, após pronúncia das demais partes, foi objecto de despacho específico a fls. 182 dos autos, no sentido de ser indeferida a requerida rectificação por se considerar que a 2ª R. aceitou de facto a remuneração invocada pelo A. e, consequentemente, o não preenchimento dos pressupostos exigidos para uma rectificação e, face a tal decisão, referido ainda em sede de tal despacho que, para além disso, face à considerada aceitação por todas as partes da remuneração transferida pela 2ª R. para a 1ª R. e irrelevância da impugnação da remuneração efectiva por parte da 1ª R. em virtude da limitação da sua responsabilidade pelo valor transferido, foi dada a palavra às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador. Face ao exposto, afigura-se incorrecto o referido pela 2ª R./Recorrente na resposta às contra-alegações quanto à mera interpelação das partes para se pronunciarem sobre tal possibilidade, face ao cuidado do Tribunal em, anteriormente, justificar a sua posição para tal possibilidade. A 2ª R. é que optou por responder apenas no sentido de opor a tal prolação, pugnando pela produção de prova em sede de audiência de julgamento sem sequer fundamentar que factos considerava controvertidos para tal efeito. Saliente-se, aliás, que a 2ª R./Recorrente não interpôs recurso do despacho que indeferiu a rectificação de um alegado lapso e considerou tal facto aceite, pelo que o mesmo se mostra transitado em julgado. Por outro lado, em sede de despacho saneador-sentença, refere o Tribunal de modo expresso que considera que o processo permite a apreciação imediata do mérito da causa atendendo às posições assumidas pelas partes nos articulados (que obviamente inclui a aceitação da retribuição pela 2ª R., face ao anterior despacho supra mencionado) e limitação da responsabilidade da 1ª R. ao valor para si transferido. Acresce ainda que a sentença se pronuncia expressamente, em sede de motivação da decisão de facto, quanto aos factos provados por acordo das partes e aceitação da retribuição alegada pelo A. por parte da 2ª R.. Salienta-se, ainda, a falsidade do alegado pela 2ª R./Recorrente no ponto 8. das alegações de recurso, como se pode constatar da própria acta da diligência realizada. Face ao supra exposto, considera o Tribunal que não existem as invocadas nulidades, julgando-se as mesmas improcedentes.” 3.4. O recurso foi de seguida admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. *** Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635., n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: saber se ocorreram as nulidades invocadas pela Recorrente; saber se ocorre má-fé. III - Fundamentação A) Fundamentação de facto Da decisão recorrida, no que se refere à factualidade considerada provada, consta: “Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: A) O A. nasceu no dia .../.../1976; B) No dia 23 de fevereiro de 2019, pelas 6.30 horas, na Bélgica, o A., que nasceu no dia .../.../1976, sofreu um acidente quando exercia as funções de condutor de máquinas ao serviço da 2ª R., sob cujas ordens, direcção e fiscalização desempenhava a respectiva actividade profissional; C) À data indicada em B) o A. auferia a retribuição mensal de € 1.593,81 x 14 meses; D) O acidente ocorreu na altura em que o A. exercia as suas descritas funções e, ao subir a uma grua, colocou a mão direita na respetiva porta para se apoiar e esta abriu ligeiramente, ficando o A. com o dedo preso na mesma porta; E) Em consequência dos factos descritos, o A. sofreu traumatismo do terceiro dedo da mão direita, nos termos constantes de fls. 33 a 35, 45 a 47 e 63 a 67 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, que lhe determinaram um período de ITA de 24/02 a 22/05/2019, data de alta médica; F) Das lesões descritas em E) resultou para o A. uma IPP de 1,9602%; G) Por força do acidente descrito o A. despendeu a quantia de € 20,00 em transportes nas suas deslocações obrigatórias ao GML, para ser submetido a exame médico, e a este Tribunal, para a realização da tentativa de conciliação; H) À data do acidente a entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho em que o A. fosse interveniente parcialmente transferida para a 1ª R., pelo salário mensal de €600,00 x 14 meses, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., nos termos constantes de fls. 9 a 16, 129 a 139 e 147 a 166 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas; I) A 1ª R. liquidou ao A., como decorrência do acidente indicado em B), a quantia total de €1.697,55.”*B) - Discussão 1. Introito Em face das conclusões que apresentou, que como é sabido delimitam o objeto do recurso, percebe-se que a Recorrente invoca a ocorrência de nulidades da sentença, assim as previstas nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, bem como, ainda, nulidade processual, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 195.º do mesmo Código. Sendo assim, introduziremos de seguida algumas considerações a respeito das nulidades processuais e da sentença, no sentido de distinguirmos os dois tipos de nulidade. Avançando então com tal objetivo, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto – nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[1] Sendo pois esse o objetivo perseguido pela sentença, pode no entanto essa estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo. Já diversamente, quanto às nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[2] –, dessas, em princípio, como é consabido, cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava já o Professor Alberto dos Reis[3], com a autoridade que por todos lhe foi sempre reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[4] Importa ainda esclarecer que, distinguindo a lei entre duas modalidades distintas de nulidades processuais, na terminologia da doutrina as principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas), as primeiras configuram-se como as mais graves pelas suas consequências, estando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[5], enquanto as segundas, por sua vez, serão todas aquelas que caiam na fórmula genérica do n.º 1 d o artigo 195.º do mesmo Código: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”[6]. Importa ainda ter presente que, neste último caso, tratando-se pois de nulidade secundária, o seu conhecimento depende de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[7], regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º), o prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º) e as consequências/modo do seu suprimento (artigo 195.º, n.ºs 2 e 3, e 200.º, n.º 3). 2. Apreciação 2.1. Da nulidade processual por preterição de ato No caso dos autos, face à posição assumida no recurso pela Ré, se bem a percebemos, o vício de nulidade invocado é pela mesma vislumbrado na circunstância de o tribunal de 1.ª instância ter proferido saneador-sentença, não designando assim data para realização de audiência de julgamento. Pois bem, por decorrência do regime que antes sinteticamente se expôs, estaríamos então, a ocorrer o vício que é avançado, como o dissemos já, perante nulidade processual, ocorrida não na sentença propriamente dita e sim, diversamente, em momento prévio, nulidade essa que, a verificar-se, chamando à colação o que se referiu anteriormente, não integraria o núcleo das nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas), as quais estão especificamente previstas na lei e de que pode o Tribunal conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[8], assumindo antes, diversamente, a natureza de nulidade secundária (ou, de 2.º grau, atípica ou inominada), caindo assim na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC – omitindo o juiz injustificadamente o ato de realização da audiência de julgamento, daí poderia resultar nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º [9], caindo na previsão do referido artigo 195.º, pois que a omissão daquele ato, salvos os casos de desnecessidade, poderia influir no exame ou na decisão da causa –, razão pela qual, como desse resulta, sempre o seu conhecimento, pela sua afirmada natureza, dependeria de arguição, regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-la (artigo 197.º) e o momento/prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º, n.º 1: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”). Acontece, porém, que, no caso, como resulta dos autos, a pretensa nulidade está afinal a coberto de despacho, sendo assim o meio de reação adequado o recurso e não, pois, a reclamação. É que, anunciando o Tribunal a quo, por despacho proferido nos autos, a possibilidade de vir a ser proferida sentença em sede de despacho saneador, para o que designou dada para tentativa de conciliação e ainda para permitir a pronúncia das partes, nesse ato, realizado em 21 de março de 2022, em que esteve também devidamente representada a agora Recorrente, no seguimento precisamente de requerimento apresentado então pela sua Ilustre Mandatária, a mesma requereu retificação que não foi atendida, por despacho de seguida proferido, despacho esse no qual, de seguida, se concedeu às partes a palavra para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador. Ora, sendo verdade que consta da mesma ata que, dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré/Entidade Patronal, pela mesma foi dito “opõe-se à prolação de sentença, pugnando pela produção de prova em sede de audiência de julgamento”, no entanto, salvo o devido respeito, tal declaração de mera “oposição” não se traduz em meio processualmente idóneo de reação contra o despacho que havia sido antes proferido, pois que, diversamente, tal meio teria de ser requerimento de interposição de recurso, nos termos legalmente previstos, o que, afinal, mesmo que se pudesse entender que a Recorrente, no recurso que veio a interpor depois de notificada mais tarde da sentença e que agora se aprecia, pretendesse dirigir este recurso também àquele despacho que havia sido proferido antes na ata de tentativa de conciliação – e assim não o consideramos, pois que o não refere expressamente –, ainda nessa eventualidade o seria para além do prazo legal previsto para o efeito (senda deste modo adequada a afirmação do Tribunal recorrido, na pronúncia sobre as nulidades invocas, no sentido de que “a 2ª R./Recorrente não interpôs recurso do despacho que indeferiu a rectificação de um alegado lapso e considerou tal facto aceite, pelo que o mesmo se mostra transitado em julgado”. Não obstante o que se referiu anteriormente, sempre se dirá que, diversamente do que agora defende, carece de fundamento o invocado a respeito da nulidade processual em causa, pois que, salvo o devido respeito, tal como de resto o preceitua a lei, assim no artigo 131.º, n.º 1, alínea b), do CPT (ainda artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC), pelas razões que melhor explicaremos de seguida, assim no momento em que iremos apreciar a questão das nulidades da sentença invocadas, o Tribunal recorrido estava em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, já que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total, dos pedidos deduzidos. Em face do exposto, carece de fundamento a ocorrência da invocada nulidade processual que se analisou. 2.2. Demais questões: Invoca, ainda, a Recorrente a ocorrência das nulidades da sentença a que aludem as alíneas b) e d) do CPC. Em jeito de adequado enquadramento prévio das referidas nulidades, diremos desde já o seguinte: Fazendo uma breve abordagem aos vícios invocados, poderemos dizer que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[10] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito». No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[11], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[12]. Por sua vez, referente à alínea d) – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, trata-se de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[13], sendo que, a seu propósito continuam plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis, quando ensinava que “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[14] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[15] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[16], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. Em traços mais uma vez breves, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[17], diremos também que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[18] Feito este enquadramento, constata-se que a Recorrente invoca no caso designadamente o seguinte: - O Tribunal a quo julgou erradamente provado o facto alegado pelo Autor que alegou que, ao tempo da ocorrência do acidente de trabalho, auferia a retribuição anual correspondente ao valor de €1.593,81 x 14 meses, equivalente a um alegado salário mínimo do estado da Bélgica, pois que, diz, afirmando a sentença que se provou tal facto por confissão, tal é falso, conforme o comprovam os recibos de vencimento juntos com a petição inicial, sendo que, acrescenta ainda, sem prejuízo de ter sido indeferida a retificação que ela Recorrente requereu do lapso de escrita que cometeu na sua contestação – ao mencionar, no artigo 43. da mesma, que o Autor auferia a retribuição anual de €1.593,81x14, quando, na verdade, pretendia referir que o Autor auferia a retribuição anual de €600,00 x 14 –, dada aquela prova documental constante nos autos e a prova, eventualmente, a produzir-se em sede de audiência de julgamento, ao Tribunal a quo não restaria alternativa que não a de julgar como não provado o facto alegado pelo Autor (de que recebia ao serviço da Recorrente o salário “mínimo” de €1.593,81) – o Tribunal a quo, “sem prejuízo da controvérsia em torno da matéria de facto, com a oposição da Recorrente, sem se pronunciar porque desacompanha o entendimento da Recorrente, sobre a necessidade de realização de audiência de julgamento, e sem enunciar os concretos fundamentos de facto e de direito que justificaram a prolação do Saneador Sentença, não designou data para realização de audiência de julgamento e proferiu, antes, um Saneador-Sentença, dando como provado o alegado pelo Autor, julgando totalmente procedente o seu pedido, ainda que este se encontre absolutamente infundado, tendo em conta a prova documental oferecida aos autos pelo próprio Autor”; - Para o cumprimento do dever de fundamentação, ínsito no artigo 154.º do CPC aplicável ex vido artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, não basta alegar-se que o caso concreto se encontra subsumido à lei, sem se densificar, pelo meio de fundamentação fática e de direito concreta, de que forma se encontram preenchidos os pressupostos abstratamente fixados pela lei, sendo que, diz, “a realização da audiência de julgamento era essencial à descoberta da verdade e justa composição do litígio, em respeito do princípio do inquisitório, dado que a Recorrente colocou em crise o facto alegado pelo Autor, podendo o Tribunal a quo, de acordo com o estatuído no artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2 do CPT ampliar os temas da prova se a prova produzida em audiência de julgamento assim o determinasse”; - O facto alegado pelo Autor e julgado erradamente como provado pelo Tribunal a quo redundou na condenação da Recorrente ao pagamento de uma indemnização e de uma pensão anual vitalícia ao Autor pelo acidente de trabalho, quando essa responsabilidade se encontrava totalmente transferida para a 1ª Ré, Entidade Seguradora, mediante apólice de seguro n.º ..., havendo a 1.ª Ré, Entidade Seguradora, já afirmado, nos presentes autos, que se responsabiliza pelo pagamento do que é devido ao Autor em virtude do mesmo acidente de trabalho – tendo em conta que a 1ª Ré, Entidade Seguradora, se responsabiliza pela indemnização e pensão devida ao Autor, em virtude do acidente de trabalho, calculada por referência à retribuição anual correspondente ao valor de €600,00 x 14 e, sendo essa a efetiva remuneração auferida pelo Autor, dúvidas não podiam subsistir em relação à não responsabilidade da Recorrente por qualquer quantia devida ao Autor, dado que a mesma responsabilidade se encontra totalmente transferida para a 1 a Ré, Entidade Seguradora; - A Recorrente pagava ao Autor a) pela respetiva prestação do trabalho, a retribuição base, e b) pelas despesas que o Autor incorria em deslocações, alojamento e alimentação, quando prestava trabalho para a Recorrente no estrangeiro, as compensações devidas sob a forma de ajudas de custo, não tendo as mesmas natureza retributiva, mas apenas compensatória pelas despesas / custos aleatórios a que o Autor incorria pela prestação do trabalho no estrangeiro – pelo que as ajudas de custo não se subsumem aos conceitos de retribuição plasmados no n.º 2 e n.º 3 do artigo 71º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais; - In casu, aquando do acidente de trabalho, a Recorrente liquidava, com caráter de regularidade, ao Autor o valor anual de €600,00x14, pelo que àquele é apenas legitimo perspetivar que, enquanto se mantém ao serviço da Recorrente, auferirá asseguradamente tal retribuição. Pugnado o Apelado pela não ocorrência das invocadas nulidades e pela consequente manutenção do julgado, cumprindo-nos apreciar, chamando apenas à aplicação o regime que antes enunciámos a respeito das nulidades da sentença invocadas, não temos dúvidas em afirmar que essas não ocorrem no caso. Na verdade, sobre a pretensa falta de fundamentação, importa ter presente que, para além, aliás, do que o Tribunal já afirmara antes no despacho que proferiu na tentativa de conciliação, em que se pronunciou nesse âmbito, na própria sentença, assim na motivação da matéria de facto, fez constar expressamente que “no que se refere à retribuição auferida pelo A., a 2ª R., tanto em sede de tentativa de conciliação como de contestação, aceitou expressamente a quantia de €1.593,81 x 14 meses”, fundamentação esta que, mesmo que não tivesse ocorrido antes aquela pronúncia em despacho (mas ocorreu), seria bastante para afastarmos o vício invocado de falta de fundamentação – citando-se de novo o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016, “uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas”. Do mesmo modo, não pode dizer-se que ocorreu excesso de pronúncia, desde logo porque, como antes o vimos, o Tribunal a quo justificou, previamente aliás, a possibilidade de vir a conhecer desde logo do mérito, resultando do despacho que proferiu as razões para tais efeitos, em que se inclui, diga-se, também a pronúncia sobre o requerimento da Ré aqui recorrente em que invocara a ocorrência de um pretenso lapso de escrita e a intenção de que esse fosse corrigido, o que foi então indeferido. Não obstante o que referimos anteriormente, importa porém que esclareçamos, em face do modo como a questão nos é colocada e ainda os objetivos perseguidos, que em bom rigor o que a Recorrente pretende é atacar no presente recurso a pronúncia do Tribunal recorrido em sede de matéria de facto, assim o facto dado como provado na sentença sob a alínea C), assim que “À data indicada em B) o A. auferia a retribuição mensal de €1.593,81 x 14 meses”. Porém, sendo este o caso, sem prejuízo de se exigir ainda o cumprimento dos ónus legais de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC, a eventual nulidade que poderia ocorrer cairia já no âmbito da previsão do artigo 662.º do CPC, em particular a previsão das suas alíneas c) e d) do seu n.º 2, em que se estabelece que “a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. (…)”. Já, pois, neste enquadramento, diremos desde já que não tem razão a Recorrente, desde logo porque, como antes o dissemos, não tendo sequer interposto recurso do despacho que indeferiu a retificação que requerera, de modo claro transparece que, tal como o Tribunal recorrido o afirmou na sentença aquando da motivação sobre a matéria de facto, ocorreu efetivamente, diversamente do que agora defende no presente recurso que apresentou dirigido à sentença, confissão da sua parte aquando da realização da tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, como transparece do respetivo auto. Melhor se esclarecendo, importa ter presente o regime estabelecido no artigo 131.º do CPT, do qual resulta, no que aqui importa, que “Findos os articulados, o juiz profere, no prazo de 15 dias, despacho saneador destinado a: (...) Considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”, ou seja, daí decorre expressamente que o saneamento se dirige a factos e não a meros juízos de valor. Aliás, importa relembrar que, resultando do disposto no artigo 111.º do CPT que “dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações”, bem como, agora do n.º 1 do artigo 112.º, que “Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”, de tais normativos resulta que “no auto de tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na fase conciliatória do processo devem constar os factos sobre que tenha havido acordo ou divergência e não juízos de valor, conclusões ou conceitos jurídicos, e apenas os factos em que tenha havido acordo devem ser considerados assentes no despacho saneador, nos termos do art. 131º, nº 1, al. c) do CPT.”[19] Ora, importando verificar, entrando já na análise da invocação da Recorrente, se teria ou não ocorrido confissão da sua parte aquando da realização do auto de (não) conciliação ocorrida na fase anterior do processo, constata-se que do respetivo auto constam em concreto, invocados pelo Sinistrado, para além dos relacionados com o evento que se invoca ter ocorrido e que se quer qualificado como acidente de trabalho, os factos relacionados com a retribuição que auferia – “…quando exercia as funções de condutor de máquinas, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora C... Lda, mediante a retribuição anual de €1.593,81 x 14, cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora” –, sendo que, em face de tal invocação, aí consta que pelo legal representante da Entidade Empregadora foi dito que aceita, no que agora aqui importa, “a retribuição do sinistrado”, apenas dizendo de seguida que “nada aceita pagar de pensão e/ou indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade infortunística transferida para a seguradora”. Ou seja, podendo concluir-se, como o Tribunal recorrido o fez, que ocorreu então confissão daquele específico facto, bem andou o mesmo Tribunal ao considerar tal factualidade confessada pela aqui Recorrente, aquando do saneamento dos autos, na fase controvertida do processo, em cumprimento do que se dispõe no artigo 131.º, nº 1, do CPT. De resto, ainda que assim não fosse, em face da posição que veio a assumir no articulado de contestação, mais uma vez como o Tribunal a quo o afirmou no despacho que proferiu e em que apreciou, indeferindo-a, a retificação de lapso que veio a ser apresentada pela Ré / aqui Recorrente, considerações que, diga-se, fizemos constar do relatório deste acórdão e que acompanhamos, assim quando se fez constar o seguinte: “Nos presentes autos, e como resulta do auto de conciliação de fls. 81 e 82, o sinistrado declarou auferir a retribuição mensal de €1593,81 x 14. A 1.ª Ré declarou aceitar a retribuição transferida de €600,00x14. A 2.ª Ré declarou aceitar, além de mais, a retribuição do sinistrado. Ora, como resulta do teor de tal auto, a retribuição que o sinistrado declarou auferir foi de €1.593,81 x 14, posição essa que manteve no art.º 6 da P.I. (fls. 93 dos autos). Em sede de contestação, a 2.ª Ré, para além de apenas impugnar no art.º 20.º o alegado nos artigos 22.º, 23.º, 25.º e 27.º da Petição Inicial, aceitando assim, o alegado no art.º 6.º, confirma tal remuneração no art.º 43.º da respectiva contestação. (…) Atento o exposto, e a aceitação por todas as partes que a remuneração transferida pela 2.ª Ré para a 1.ª Ré referente ao autor corresponde apenas à quantia de €600,00x14, é ainda entendimento do Tribunal que a impugnação do alegado no art.º 6 da Petição Inicial, pela 1.ª Ré, é irrelevante e insusceptível de produzir efeitos, na medida em que a responsabilidade desta perante o sinistrado se encontra limitada ao valor transferido de €600,00x14.” Em face de todo o exposto, carece em absoluto de fundamento, por não se demonstrarem os pressupostos de que dependeria a sua afirmação, o pretendido pela Recorrente no presente recurso, pois que, aceitando-se que possa como que arrepender-se da posição processual que assumiu expressamente nos referidos atos, tal não tem a virtualidade de, com salvaguarda do devido respeito, permitindo-se-nos o uso da expressão, legitimar que pudesse depois dar o dito por não dito, ou seja, afastando afinal a aplicação das normas processuais que definem as consequências que decorrem para o processo da posição que as partes assumam quer nos atos. Por decorrência, claudicando na totalidade os argumentos apresentados pela Recorrente, improcede necessariamente o presente recurso. 3. Questão da eventual litigância de má-fé Na sua conclusão 14.ª, sustenta o Ministério Público que “a posição da Recorrente nestes autos poderá consubstanciar “litigância de mé fé” (artºs 542º, nºs 1 e 2, als. a), b) e d) CPC)”. A noção de litigância de má-fé resulta do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, em cujas alíneas se encontram tipificadas as condutas que constituem violação do dever de agir de boa-fé processual a que as partes estão vinculadas (art.º 8.º, do CPC), dizendo-se “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: [a] Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; [b] Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; [c] Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; [d] Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Como sabemos corresponde esta norma ao artigo 456.º, n.º 2, do pretérito CPC e foi alterada relativamente à noção anterior na reforma operada àquele diploma pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro. Na sua formulação anterior, dizia-se litigante de má-fé “(..) não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável , com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade”. Entendendo-se então, quer na doutrina quer na jurisprudência, que era necessário existir dolo para que houvesse litigância de má-fé, como o elucida, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 17.11.1972[20] em cujo sumário se lê: - “Só a lide essencialmente dolosa, e não meramente temerária ou ousada, justifica a condenação como litigante de má fé (artigo 456.º do citado Código)”. No preâmbulo daquele diploma, a propósito da norma em causa e das alterações introduzidas na reforma operada pelo mesmo, encontra-se esta breve explicação: - “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (..)”. Ou seja, entendeu o legislador alargar a litigância de má fé às condutas processuais gravemente negligentes, não oferecendo tal qualquer dúvida, já que a norma o expressa claramente ao dizer que litiga de má-fé “quem com dolo ou negligência grave (..)”. Parafraseando o Ac. do STJ de 6.12.2001, “Há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”[21]. Distinguindo-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial – que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 542º, supra transcrito – e a má fé instrumental (als. c) e d) do apontado normativo), está no entanto presente em ambas uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reação punitiva[22]. Importando no entanto ter presente que a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não será bastante para se concluir pela existência de má-fé[23], no que ao caso importa, a verdade é que apenas se poderá dizer que é este o caso, pois que, sendo patente, como antes o dissemos, a falta de fundamento da pretensão da Recorrente no presente recurso, o certo é que está afinal em conformidade com aquela que assumiu nos autos, assim em 1.ª instância, antes da prolação da sentença, sendo que, aí, sequer a questão da má fé foi levantada ou equacionada. Ou seja, tratando-se é certo de construção ousada, como ainda infundada, ainda assim não é na nossa ótica bastante para se poder afirmar que se trate de caso em que se imponha a condenação como litigante de má-fé, o que, pois, consideramos. * Decaindo, a Apelante é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC). *Sumário, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, da responsabilidade exclusiva do relator: ……………………………………………………. ……………………………………………………. ……………………………………………………. *** IV. Decisão: Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Porto, 12 de setembro de 2022 (acórdão assinado digitalmente) Nelson Fernandes Rita Romeira Teresa Sá Lopes _________________ [1] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93 [2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387 [3] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507 [4] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183) quando escreveu: “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Ainda: - Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393), referindo que “Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”; - Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134): “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º)”. Porém, depois de algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no art.º 666.º a todas as decisões, acrescentou que aquela construção “não tem sequer sentido quanto àquelas nulidades de que o juiz não pode conhecer oficiosamente (todas as nulidades secundárias e as principais a partir do saneador”. Veja-se, o Ac. desta Relação e Secção de 10 de Outubro de 2016, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt. [5] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [6] Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391), “Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [7] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC [8] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. Cit., pág. 10. [10] In www.dgsi.pt [11] In www.dgsi.pt [12] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56. [13] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal. [14] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143. [15] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143 [16] In www.dgsi.pt. [17] Processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/132373" target="_blank">257/19.3T8STS.P1</a>, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt. [18] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55 [19] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de maio de 2017, in www.dgsi.pt, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso. [20] BMJ 221.º, 164. [21] Proc.º 01A3692, Conselheiro Afonso de Melo, disponível em http://www.dgsi.pt. [22] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012, processo 1052/07.8TTVNG-D.P1, acessível em www.dgsi.pt [23] Cfr. Ac. STJ de 11 de dezembro de 2003, Proc.º 03B3893, Quirino Soares; e, 17 de maio de 2011, Proc.º 3813/07.9TVLSB.L1.S1, Gregório Silva Jesus, igualmente disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj
Apelação n.º 1661/19.2T8PNF.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho de Penafiel Autor: AA Rés: A... - Companhia de Seguros, S.A. C... Lda._______Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. Nos presentes autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, realizada a tentativa de conciliação na sua fase conciliatória, do respetivo auto consta o seguinte (transcrição): «(…) Iniciada a diligência pelo: SINISTRADO foi dito: - Que no dia 23 de Fevereiro de 2019, cerca das 06:30 horas, em Belgica, foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de condutor de máquinas, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora C... Lda, mediante a retribuição anual de €1.593,81 x 14, cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora. (…) Reclama o capital de remição da pensão anual de €306,17 devida a partir de 23 de Maio de 2019, calculada com base na retribuição anual líquida de €22.313,34 x 70% x 1,9602%, nos termos do disposto no artº 48º, nº 3, alínea c), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, bem como a quantia de €20,00 relativa a despesas deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal. Reclama ainda a quantia de €2.321,43 a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária. Pelo legal representante da Companhia de Seguros foi dito: Aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição transferida de €600,00 x 14 e o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico do gabinete médico-legal, pelo que aceita pagar o capital de remição da pensão anual de € 115,26 devida a partir de 23 de Maio de 2019, bem como a quantia despendida pelo sinistrado a título de transportes. Informa que se encontra a pagar pensões provisórias ao sinistrado. Pelo legal representante da Entidade Empregadora foi dito: Aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição do sinistrado e a IPP. Nada aceita pagar de pensão e/ou indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade infortunística transferida para a seguradora. PELO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, FOI DITO: Dada a posição assumida pela seguradora e pela entidade empregadora, dava as partes por não conciliadas e ordenava que se extraia e me seja entregue certidão de fls. 2 a 5, 8, 23 a 25, 70 e do presente auto. (…)» 2. AA deu início à fase contenciosa do processo contra A... - Companhia de Seguros, S.A. (1.ª Ré), e C... Lda. (2.ª Ré), peticionando: a) que o acidente descrito nos autos e por si sofrido seja qualificado como de trabalho e, consequentemente; b) seja reconhecido o nexo de causalidade entre as lesões que o A. sofreu e o acidente destes autos, bem como o grau de desvalorização que das mesmas para aquele decorre (IPP), isto é, 1,9062%; c) seja reconhecido que teve uma ITA por um período de 88 dias (desde 24/02/2019 a 22/05/2019), data a partir da qual se encontra curado; e que as RR. sejam condenadas ao pagamento de: 1) Capital de remição correspondente a uma pensão anual de € 306,17 (artº 48º, nº 3, al. c) RJAT) devido desde 22/05/2019 (artº 67º, nº 1 RJAT); d) indemnização devida, na parte ainda não liquidada, pelo período de incapacidade suprarreferido que o A. sofreu em função da ITA que lhe foi fixada, no valor de €2.321,43; e) quantia de €20,00, a título de compensação pelas despesas de deslocação ao GML e a este Tribunal para a realização de atos médicos e judiciais (artº 39º, nºs 1 e 2 da Lei nº 98/2009, de 04/09); f) o pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos e até integral pagamento (artºs 559º, 804º a 806º do Código Civil e 135º do CPT). Para tanto, em síntese, alegou que: a 23/02/2019 sofreu um acidente de trabalho quando exercia funções de condutor de máquinas ao serviço da 2.ª Ré, na Bélgica, mediante a retribuição mensal de €1.593,81 x 14 meses; em consequência do acidente sofreu traumatismo do 3.º dedo da mão direita, o que determinou uma ITA e 88 dias, alta clínica em 22/05/2019 e uma IPP de 1,9602%; despendeu em transportes nas deslocações ao GML e a tribunal a quantia de € 20,00; à data do acidente a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho encontrava-se parcialmente transferida para a 1.ª Ré; não lhe foram liquidadas todas as indemnizações e demais despesas acessórias. Regularmente citada, a 2.ª Ré deduziu contestação, na qual, designadamente, para além de impugnar o valor atribuído à causa do Autor, impugnou o por este alegado quanto à transferência parcial da responsabilidade para a 1.ª Ré, valores liquidados, alegando que a responsabilidade se encontrava totalmente transferida para essa, sendo que foi à mesma comunicado que aquele prestava trabalho na Bélgica, pelo que a responsabilidade pelas alegadas prestações devidas se encontra totalmente transferida. Conclui pela procedência da contestação, por provada e, em consequência, a improcedência da ação e sua absolvição. Por sua vez, na contestação que apresentou, a 1.ª Ré, confirmando a existência do contrato de seguro, sustento, porém, que o salário anual transferido foi apenas o de €600,00 x 14, mantendo a posição que já assumira na tentativa de conciliação. Mais referiu que já pagou ao Autor a quantia de €1.697,55 como decorrência do sinistro, para concluir, a final, no sentido de que a presente ação deveria ser julgada de acordo com a prova a produzir no que diz respeito ao teor da apólice de seguro e à responsabilidade transferida para si. 2.1. Com data de 10 de março de 2022 o Tribunal recorrido proferiu despacho com o teor seguinte (transcrição): “Em sede de contestação, alega a 2ª R. que a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho em que fosse o A. interveniente se encontrava integralmente transferida para a 1ª R., invocando para o efeito o contrato de seguro sob a modalidade de prémio variável e cláusulas gerais da apólice. Conforme resulta do teor da apólice junta a fls. ... dos autos, o contrato de seguro celebrado entre as RR. iniciou efeitos a 12/09/2018, sendo que, resulta aí expresso, quanto às pessoas e remunerações seguras, “Conforme folhas de férias a enviar à A... Portugal até ao dia 15 de cada mês”. Mais consta de tal apólice que “O tomador obriga-se a remeter previamente à A... a elação dos trabalhadores a deslocar e respectivas remunerações, destino, meio de transporte, finalidade e duração da estadia”. Junta a 1ª R., com a sua contestação, folha de férias da 2ª R. referente ao mês de Fevereiro de 2019, em que ocorreu o acidente, na qual consta o ora A. com um vencimento de €600,00, acrescido de férias, subsídios de férias e de Natal, num total de €780,00, documento este que não foi impugnado pelas demais partes. Por outro lado, em sede de tentativa de conciliação, a 2ª R. aceitou a remuneração anual indicada pelo A., de €1.593,81 x 14 meses, referente ao salário mínimo na Bélgica, onde o A. se encontrava a trabalhar e sofreu o acidente de trabalho aceite pelas partes. Face ao supra exposto, de acordo com o estipulado entre as RR., a responsabilidade da 1ª R. encontrava-se limitada à remuneração que mensalmente lhe fosse comunicada pela 2ª R.. Pelo exposto, considera o Tribunal que existe a possibilidade de se proferir sentença em sede de despacho saneador, pelo que, de modo a permitir a pronúncia das partes e, até, uma eventual transacção, se decide designar, para tentativa de conciliação, o próximo dia 21 de Março de 2022, pelas 13h45m, face à natureza urgente do processo que, assim, assume prioridade sobre o demais serviço.” 2.2. Realizada a tentativa de conciliação a que se alude em “2.1.”, da respetiva ata consta designadamente o seguinte: “(…) PRESENTES: Digno Magistrado do Ministério Público: Dr. BB, em representação /patrocínio do Autor/sinistrado. Mandatária da Ré/Entidade Responsável/Seguradora: Dr.ª CC que neste acto apresentou substabelecimento com reserva que a Mm. ª Juiz após examinar e rubricar ordenou a sua junção aos autos. Mandatária da Ré/Entidade Patronal: Dr.ª DD, com substabelecimento com reserva a fls. 175 verso dos autos. (…) Declarada aberta a tentativa de conciliação, pelas 14h20mn, a Mm. ª Juiz procurou conciliar as partes, conciliação essa que não foi possível. Após, cumpridas as formalidades legais, pela Ilustre Mandatária da 2.ª Ré foi pedida a palavra, e tendo-lhe sido concedida, no seu uso disse: C... Lda. 2.ª Ré nos presentes autos e aí melhor identificada, tendo sido notificada do despacho proferido por este douto Tribunal no dia 10 de Março de 2022, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte: 1.º O despacho referido supra, identifica que a 2.ª Ré em sede de tentativa de conciliação aceitou o montante de remuneração anual indicada pelo autor equivalente a €1.593,81x14. 2.º No entanto, na verdade, em sede de tentativa de conciliação a 2.ª Ré não aceitou esse montante de remuneração indicado pelo autor, antes aceitou a remuneração efectivamente vertida nos recibos de vencimento do autor daí devido em conciliação das partes. 3.º Sucede que a 2.ª Ré no art.º 43.º da sua contestação datada de 24 de Janeiro de 2022 lamentavelmente cometeu um lapso de escrita pelo qual muito se penitencia ao apontar que o Autor auferia uma remuneração anual equivalente a €1.593,81. 4.º Assim, onde se lê “Assim, como se alegou durante a fase conciliatória, e conforme aceite pelos intervenientes, à data do acidente, o Autor auferia o valor anual de €1.593,81x 14”, deve ler-se “Assim, como se alegou durante a fase conciliatória, e conforme aceite pelos intervenientes, à data do acidente, o Autor auferia o valor anual de €600,00 x 14”. 5.º Tendo em conta a inconciliação das partes é notório que o valor de €1.593,81x 14 originalmente apontado na contestação da 2.ª Ré trata-se meramente de um lapso de escrita e não de uma aceitação do valor de remuneração indicado pelo Autor. Nestes termos, requer-se muito respeitosamente a V. Ex.ª o deferimento da ora mencionada retificação nos termos supra expostos. * Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito: O Ministério Público opõe-se, frontalmente, à reescrição do processo que a entidade patronal empreende agora após confrontada com o douto despacho proferido em 10 de Março de 2022. Efectivamente, o art.º 43.º da contestação da 2.ª Ré tem a amplitude de aceitar o valor anual de retribuição de €1.593,81 x 14 meses em consonância - como expressamente decorre do auto de conciliação - com o que se defendeu na fase conciliatória do processo. Um lapso manifesto é perceptível a olho nu e por qualquer leitor atento e não assume tal natureza. O art.º 43.º da contestação da 2.ª Ré faz absoluto sentido como o pela mesma aceite no auto de não conciliação quando refere “aceita (…) a retribuição do sinistrado e a IPP”. Nesse mesmo auto ninguém contestou que a retribuição do sinistrado fosse a supra aludida - €1.593,81 x 14 - apenas a 1.ª Ré referindo que, não obstante tal facto, “a retribuição transferida de €600,00 x 14”. Salvo o devido respeito, não se pode tratar como lapso o que não é, ainda para mais quando o suposto lapso está em consonância com a posição assumida pela mesma na fase conciliatória do processo, onde nos exatos termos previstos no art.º 111.º do C.P.T., tem de realizar “a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhe são atribuídos”, o que foi feito assumindo a retribuição que reafirma a 2.ª Ré no art.º 43.º da respetiva contestação. Como assim, e nos termos expostos, está expressamente aceite pela 2.ª Ré e impugnado pela 1.ª Ré o art.º 6.º da Petição Inicial, não concebendo nem aceitando o autor a possibilidade de agora a requerente reescrever a sua posição processual e aquela que assumiu na contestação sobre a capa intempestiva de um alegado lapso, defendendo-se após a contestação o contrário do que naquela apresentada em devido tempo foi expressamente assumido. * Por ordem da Mm. ª Juiz faz-se constar da presente acta que pela Ilustre Mandatária da 2.ª Ré/Entidade Patronal foi referido que: A 2.ª Ré aceita que o valor remuneratório referente ao Autor transferido para a 1.ª Ré é o indicado por este, por €600,00 x 14. * Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO A rectificação pretendida pela 2.ª Ré apenas pode ocorrer em casos de manifesto lapso de escrita ou cálculo. Nos presentes autos, e como resulta do auto de conciliação de fls. 81 e 82, o sinistrado declarou auferir a retribuição mensal de €1593,81 x 14. A 1.ª Ré declarou aceitar a retribuição transferida de €600,00x14. A 2.ª Ré declarou aceitar, além de mais, a retribuição do sinistrado. Ora, como resulta do teor de tal auto, a retribuição que o sinistrado declarou auferir foi de €1.593,81 x 14, posição essa que manteve no art.º 6 da P.I. (fls. 93 dos autos). Em sede de contestação, a 2.ª Ré, para além de apenas impugnar no art.º 20.º o alegado nos artigos 22.º, 23.º, 25.º e 27.º da Petição Inicial, aceitando assim, o alegado no art.º 6.º, confirma tal remuneração no art.º 43.º da respectiva contestação. Do teor do auto de tentativa de conciliação e destes dois articulados, não consegue o Tribunal identificar qualquer lapso manifesto nos termos ora requeridos pela 2.ª Ré, que também não impugnou os documentos juntos pelo autor. Entende assim o Tribunal não estarem preenchidos os pressupostos exigidos para a requerida rectificação, que assim se indefere. Atento o exposto, e a aceitação por todas as partes que a remuneração transferida pela 2.ª Ré para a 1.ª Ré referente ao autor corresponde apenas à quantia de €600,00x14, é ainda entendimento do Tribunal que a impugnação do alegado no art.º 6 da Petição Inicial, pela 1.ª Ré ,é irrelevante e insusceptível de produzir efeitos, na medida em que a responsabilidade desta perante o sinistrado se encontra limitada ao valor transferido de €600,00x14 . Consequentemente, concede o Tribunal a palavra às partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador. * Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito: Nada a opor. * Dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré/Entidade Responsável/Seguradora pela mesma foi dito: Nada a opor. * Dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré/Entidade Patronal pela mesma foi dito: Opõe-se à prolação de sentença, pugnando pela produção de prova em sede de audiência de julgamento. * Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO Resulta do supra exposto, a impossibilidade de conciliação entre as partes, pelo que se determina que sejam os autos conclusos. Notifique. * Do referido despacho foram os presentes devidamente notificados do que disseram ficar cientes. (…)” 3. Com data de 5 de abril de 2022 veio a ser proferida sentença, em cujo dispositivo se fez constar (transcrição): “Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condeno as RR. a pagar ao A. EE, as seguintes quantias: 1) a 1ª R., A... - Companhia de Seguros, S.A.: a) €20,00 (vinte euros) de reembolso de despesas de transporte, acrescido de juros de mora desde 15/12/2017 até efectivo e integral pagamento; b) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 23/05/2019, no montante de €115,26 (cento e quinze euros e vinte e seis cêntimos), acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT; 2) a 2ª R. C... Lda.: a) €2.348,12 (dois mil trezentos e quarenta e oito euros e doze cêntimos) referente a indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT; b) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 23/05/2019, no montante de €190,91 (cento e noventa euros e noventa e um cêntimo), acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT. Custas a cargo das RR., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC. Valor da acção – € 6.970,47 (cfr. artigo 120º do CPT). Uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, cumpra o disposto nos artigos 148º nºs. 3 e 4 e 149º do CPT. Registe e notifique.” 3.1. Dizendo-se inconformada, interpôs a 2.ª Ré requerimento de interposição de recurso, arguindo a nulidade da sentença. Formulou no final as seguintes conclusões: “I. O Saneador-Sentença datado de 5 de abril de 2022, proferido pelo Tribunal a quo, objeto do presente recurso, padece de nulidade, consubstancia erro sobre os factos e apreciação da prova e consubstancia uma errada interpretação e aplicação da Lei. II. O Tribunal a quo julgou erradamente provado o facto alegado pelo Autor que alegou que, ao tempo da ocorrência do acidente de trabalho, auferia a retribuição anual correspondente ao valor de €1.593,81 x 14 meses, equivalente a um alegado salário mínimo do estado da Bélgica. III. Sucede que é falso que o Autor auferia aquele montante de retribuição anual, conforme assim o comprova os recibos de vencimento que o Autor juntou aos autos com a sua petição inicial. IV. E é falso que o Autor auferia o valor de €1.593,81/mês, a título de um alegado salário mínimo belga, dado que, no ano da ocorrência do acidente de trabalho, no estado da Bélgica, o salário definido para um trabalhador, no setor da construção, era, no mínimo, o montante mensal de €2.284,16 (€14276 x 40 horas x 4 semanas) V.O Saneador-Sentença recorrido afirma que o facto alegado pelo Autor (de que recebia ao serviço da Recorrente o salário “mínimo” de €1.593,81) foi provado por confissão. VI. Sucede que a Recorrente, conforme respetivo requerimento de retificação, cometeu um lapso de escrita, na sua contestação datada de 24 de janeiro de 2022, ao mencionar, no artigo 43.º da mesma, que o Autor auferia a retribuição anual de €1.593,81x14, quando, na verdade, pretendia referir que o Autor auferia a retribuição anual de €600,00 x 14. VII. Sem prejuízo do indeferimento do requerimento de retificação, dada a prova documental constante nos autos e a prova, eventualmente, a produzir-se em sede de audiência de julgamento, ao Tribunal a quo não restaria alternativa que não a de julgar como não provado o facto alegado pelo Autor (de que recebia ao serviço da Recorrente o salário “mínimo” de €1.593,81). VIII. Sucede que, o Tribunal a quo, sem prejuízo da controvérsia em torno da matéria de facto, com a oposição da Recorrente, sem se pronunciar porque desacompanha o entendimento da Recorrente, sobre a necessidade de realização de audiência de julgamento, e sem enunciar os concretos fundamentos de facto e de direito que justificaram a prolação do Saneador Sentença, não designou data para realização de audiência de julgamento e proferiu, antes, um Saneador-Sentença, dando como provado o alegado pelo Autor, julgando totalmente procedente o seu pedido, ainda que este se encontre absolutamente infundado, tendo em conta a prova documental oferecida aos autos pelo próprio Autor. IX. O Saneador-Sentença padece, por isso de nulidade nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. b e al. d) do CPC aplicável ex vi do artigo l.º, n.º 2, al. a) do CPT). X. Note que para o cumprimento do dever de fundamentação, ínsito no artigo 154.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, não basta alegar-se que o caso concreto se encontra subsumido à lei, sem se densificar, pelo meio de fundamentação fática e de direito concreta, de que forma se encontram preenchidos os pressupostos abstratamente fixados pela lei. XI. A realização da audiência de julgamento era essencial à descoberta da verdade e justa composição do litígio, em respeito do princípio do inquisitório, dado que a Recorrente colocou em crise o facto alegado pelo Autor, podendo o Tribunal a quo, de acordo com o estatuído no artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2 do CPT ampliar os temas da prova se a prova produzida em audiência de julgamento assim o determinasse. XII. Em face do exposto, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, deverá o Saneador-Sentença ser anulado, por preterição de formalidades legais, e ser proferido despacho para designação de data de realização de audiência de julgamento. XIII. Ora, o facto alegado pelo Autor e julgado erradamente como provado pelo Tribunal a quo redundou na condenação da Recorrente ao pagamento de uma indemnização e de uma pensão anual vitalícia ao Autor pelo acidente de trabalho, quando essa responsabilidade se encontrava totalmente transferida para a 1ª Ré, Entidade Seguradora, mediante apólice de seguro n.º ..., havendo a 1.ª Ré, Entidade Seguradora, já afirmado, nos presentes autos, que se responsabiliza pelo pagamento do que é devido ao Autor em virtude do mesmo acidente de trabalho. XIV. Tendo em conta que a 1ª Ré, Entidade Seguradora, se responsabiliza pela indemnização e pensão devida ao Autor, em virtude do acidente de trabalho, calculada por referência à retribuição anual correspondente ao valor de €600,00 x 14 e, sendo essa a efetiva remuneração auferida pelo Autor, dúvidas não podiam subsistir em relação à não responsabilidade da Recorrente por qualquer quantia devida ao Autor, dado que a mesma responsabilidade se encontra totalmente transferida para a 1 a Ré, Entidade Seguradora. XV.A Recorrente pagava ao Autor a) pela respetiva prestação do trabalho, a retribuição base, e b) pelas despesas que o Autor incorria em deslocações, alojamento e alimentação, quando prestava trabalho para a Recorrente no estrangeiro, as compensações devidas sob a forma de ajudas de custo, não tendo as mesmas natureza retributiva, mas apenas compensatória pelas despesas / custos aleatórios a que o Autor incorria pela prestação do trabalho no estrangeiro. XVI. Pelo que as ajudas de custo não se subsumem aos conceitos de retribuição plasmados no n.º 2 e n.º 3 do artigo 71º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais. XVII. O Autor não foi contratado pela Recorrente para prestar apenas trabalho na Bélgica ou num outro qualquer país estrangeiro. XVIII. O vínculo laboral entre a Recorrente e o Autor é regulado pela lei portuguesa, sendo as respetivas obrigações tributárias e contributivas cumpridas em Portugal. XIX. A Recorrente e o Autor convencionaram a possibilidade de este prestar o trabalho para a Recorrente em território estrangeiro, encontrando-se a Recorrente legalmente obrigada a pagar ao Autor as devidas compensações pelas despesas a que este incorre com deslocações, alojamento e alimentação enquanto presta o trabalho no estrangeiro, nos termos e para os efeitos do Contrato Coletivo de Trabalho em vigor à data do acidente de trabalho. XX. A recorrente não paga as referidas compensações ao Autor nos dias de falta, ainda que justificadas, nos dias de férias, e, naturalmente, nos dias em que o Autor presta trabalho no território nacional, ao contrário do que ocorre com a retribuição que a Recorrente paga ao Autor que não sofre flutuações decorrentes destes enunciados fatores (faltas justificadas, férias, trabalho em território nacional ou no estrangeiro). XXI. De acordo com o artigo 71º, n.º 1 e n.º 2 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, para o cálculo das indemnizações/pensões devidas em virtude de acidente de trabalho são atendíveis os rendimentos a que tem o Autor a legitima expectativa de auferir sempre e enquanto se mantém em exercício de funções na Recorrente, não cabendo nessa expectativa eventuais rendimentos que o Autor receba irregular e aleatoriamente, nomeadamente não poderá ser expectativa do Autor serem-lhe sempre pagas ajudas de custo, porque estas não têm natureza retributiva pela prestação do trabalho, mas antes compensatória em virtude de despesas e custos e porque são apenas devidas quando o Autor se encontra a prestar o trabalho no estrangeiro. XXII. O Autor não pode ter na expectativa que receberá sempre ajudas de custo enquanto mantiver funções na Recorrente uma vez que esta não o contratou apenas para trabalhar no estrangeiro, nem lhe poderá assegurar que prestará sempre o trabalho no estrangeiro. XXIII. In casu, aquando do acidente de trabalho, a Recorrente liquidava, com caráter de regularidade, ao Autor o valor anua’ de €600,00x14. XXIV. Pelo que ao Autor é apenas legitimo perspetivar que, enquanto se mantém ao serviço da Recorrente, auferirá asseguradamente a retribuição anual de €600,00 x 14, sem prejuízo das atualizações de salário mínimo nacional. XXV. A 1ª Ré, Entidade Seguradora, afirmou, nos presentes autos, ser responsável pelo pagamento ao Autor da devida indemnização e pensão pelo acidente de trabalho calculados com referência à retribuição de €600,00 x 14, pelo que não sendo devido nada mais ao Autor a titulo de rendimentos lhe regularmente pagos pela Recorrente, é notório que a responsabilidade da Recorrente encontra-se totalmente transferida para a 1ª Ré, não sendo devido ao Autor qualquer quantia a ser paga pela Recorrente, em virtude do acidente de trabalho, ao contrário do determinado pelo Tribunal a quo. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve: a) O presente recurso ser julgado procedente por provado, b) Revogando-se o Saneador-Sentença recorrido c) E substituindo-o por um outro que determine a realização de audiência de julgamento para produção de prova sobre os factos enunciados supra erradamente julgados como provados pelo Tribunal a quo, d) Ou que determine a absolvição da 2ª Ré, ora Recorrente, do pedido, dada prova documental constante nos autos que comprova que o pedido do Autor é infundado, nada devendo a 2ª Ré, ora Recorrente ao Autor, além das quantias de que é responsável a 1ª Ré, Entidade Seguradora.” 3.2. A Autor contra-alegou, concluindo do modo seguinte: “1– Não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, aquando do seu saneamento, tendo-a condenado com base em factos expressamente confessados pela Ré entidade empregadora, veio esta interpor o recurso a que se responde alegando, entre o mais, falta de fundamentação da não designação da requerida audiência de discussão e julgamento. 2– No ponto 8 do documento sob referência 42044344, alega a Recorrente, de forma que se nos afigura divergente da realidade, que o Tribunal afirmara em 21/03/2022, face à sua oposição à prolação de despacho saneador sentença, que “não se encontravam reunidos os pressupostos para (o) proferir”, mas tal facto não parece ter adesão à realidade (cfr. ata da diligência pessoal em causa, a fls. 179 a 183). 3– Perante a oposição única da Ré C... à prolação de despacho saneador-sentença, decidiu a Mmª. Juíza: “Resulta do supra exposto a impossibilidade de conciliação entre as partes, pelo que se determina que sejam os autos conclusos” - fls. 183. 4– O Tribunal fundamentou, de forma consistente e, mais uma vez, ao invés do alegado, a desnecessidade de produção de prova pessoal em audiência de discussão e julgamento no âmbito dos doutos despachos de 10/03/2022, de 21/03/3022 e da 1ª parte do douto despacho saneador-sentença. 5- Explicitando, de forma pormenorizada e contextual, a exata medida em que a admissão -“confissão” - de factos alegados na PI por parte das Rés, conjugada com a prova documental junta aos autos, não só justificava como impunha a imediata prolação de sentença, em absoluto respeito pelo definido nos artº 131º, nº 1, al. b) CPT e 130º do CPC (aplicável por força do disposto no artº 1º, nºs 1 e 2, al. a) CPT). 6- No âmbito do auto de tentativa de conciliação, as partes são obrigadas, sob pena de incorrerem na condenação como litigantes de má fé (artº 112º, nº 2 CPT, in fine), “a tomar posição sobre cada um desses factos”, designadamente, “existência e caraterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, (d)a retribuição do sinistrado…”. 7- Na tentativa de conciliação realizada nos autos a 14/07/2021, o ora A., como lhe competia, reclamou “a retribuição anual de “1.593,81x14, cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora. Por seu turno, a entidade seguradora tomou, de seguida, posição, apenas assumindo “a retribuição transferida de €. 600,00 x 14 …“, ao passo que a entidade ora Recorrente, que esteve devidamente representada por ilustre advogado, tomou posição nos seguintes moldes: “Aceita a existência e caraterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição do sinistrado e a IPP. Nada aceita pagar de pensão e/ou indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade infortunística transferida para a seguradora” (fls. 82). 8– No articulado da contestação, através do mesmo ilustre mandatário que ora subscreve a peça recursória, coincidentemente com a aceitação do salário reclamado pelo A. no auto de conciliação e na PI, a Recorrente não impugnou o facto articulado sob o nº 6º onde se refere: “Mediante a retribuição mensal de €1.593,81 x 14 meses, no valor total anual de €22.313,34”, como bem constara a Mmª. Juíza a quo no douto despacho de 21/03/2022 (fls. 142). 9- Ou seja, no articulado que baliza todo o objeto da intervenção processual da Ré – a contestação – a “C....” não impugnou o salário que o A. invoca auferir aquando do sinistro e, concordantemente (até com a posição exposta no auto de tentativa de conciliação), assumiu, de forma expressa, a sua aceitação de tal facto no artº 43º, onde refere: “Assim, como se alegou durante a fase conciliatória, e conforme aceite pelos intervenientes, à data do acidente, o Autor auferia o valor anual de €1.593,81 x 14 meses”. 10- A posição da Recorrente no processo sobre o salário do A. - auto de tentativa de conciliação e contestação – é tão clara quanto se acaba de expor, sendo certo que toda a defesa da Ré patronal expressa nesta peça processual (contestação) é de exclusivo cariz jurídico, contestando a posição do A. sobre a abrangência do seguro que subscreveu com a Ré seguradora (cfr. artºs 15º e 31º da contestação): 11- A tentativa de conciliação nos autos ocorreu em 14/07/2021 (fls. 81 e 82) e a Ré aceitou o facto de o A. auferir o salário que nessa diligência reclamou, posição que reiterou expressamente, por diversas formas, na sua contestação datada de 24/01/2022, isto é, mais de 5 meses despois (fls. 117 e ss.). 12- Só depois de notificada do teor do douto despacho de 10/03/2022, isto é, 7 meses após ter assumido, pela primeira vez, que o salário reclamado pelo A. era efetivamente o que este auferia, é que a “C....” expõe nos autos, a 21/03/2022, no âmbito da tentativa de conciliação (fls. 140) que “a 2ª Ré no artº 43º da sua contestação de 24/01/2022 lamentavelmente cometeu um lapso de escrita pelo qual muito se penitencia ao apontar que o A. auferia uma remuneração anual equivalente a €1.593,81”. 13– Reitera o MP, no patrocínio oficioso do A., tudo quanto alegou na diligência de 21/03/2022 e constante de fls. 141 dos autos, já que a posição da ora Recorrente nos autos sempre foi, até àquela data e de forma expressa, a de aceitar a retribuição reclamada pelo Autor. 14- Cremos, face ao descrito, que a posição da Recorrente nestes autos poderá consubstanciar “litigância de mé fé” (artºs 542º, nºs 1 e 2, als. a), b) e d) CPC) sendo certo que, quer sob o ponto de vista material quer processual, nenhuma censura nos parece poder apontar-se à douta sentença proferida, a qual se justificou integralmente por estar assumida pelas Rés, na parte que a cada uma respeitava, a factualidade alegada pelo A., sendo ato inútil e, consequentemente, proibido por lei – artº 130º CPC -, a designação de data para audiência de discussão e julgamento. 15- Consequentemente, o MP, atuando no âmbito do patrocínio oficioso do A., é de parecer que o recurso apresentado deverá soçobrar integralmente, confirmando-se a douta sentença proferida nos autos nos seus precisos termos. Porém, Vªs. Exªs., farão, como sempre, a devida JUSTIÇA” 3.3. Previamente à subida dos autos, o Tribunal recorrido proferiu despacho com o teor seguinte (transcrição): “Fls. 194: Constata-se que, de facto, na sentença proferida sob refª 88359682, se verifica um mero lapso de escrita na parte IV – Dispositivo, quanto à identificação do sinistrado. Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 614º nºs. 1 e 2 do CPC, determina-se a rectificação de tal lapso, nos seguintes termos: onde se lê “IV - Dispositivo: Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condeno as RR. a pagar ao A. EE, as seguintes quantias:”, deve ler-se “IV - Dispositivo: Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condeno as RR. a pagar ao A. AA, as seguintes quantias:”. Notifique.” Mais se pronunciou, de seguida, sobre as nulidades invocadas, nos termos seguintes: “A fls. 196 vem a 2ª R./Recorrente arguir a nulidade da sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 77º do CPT. Considera o Recorrente que a sentença padece de nulidade em virtude de não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificaram a prolação de despacho saneador e pela omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal deveria ter apreciado. Respondeu o Ministério Público, em representação oficiosa do A./Recorrido, no sentido de não se verificarem as invocadas nulidades, com explicitação dos actos processuais em que se fundamenta para o efeito. Ora, analisados os autos constata-se ser evidente do despacho de designação da diligência de tentativa de conciliação os fundamentos para a prolação de sentença em sede de despacho saneador, fundamentos esses devida e extensivamente expostos em tal despacho (cfr. fls. 170). Por outro lado, na diligência realizada, a 2ª R./Recorrente requereu logo de início a palavra, no uso da qual invocou a alegada existência de um lapso de escrita na contestação quanto à aceitação do valor de remuneração incdicado pelo A./Recorrido, aceitação essa expressamente mencionada no despacho de fls. 170 para fundamentar a prolação de sentença em sede de despacho saneador. Tal requerimento de rectificação, após pronúncia das demais partes, foi objecto de despacho específico a fls. 182 dos autos, no sentido de ser indeferida a requerida rectificação por se considerar que a 2ª R. aceitou de facto a remuneração invocada pelo A. e, consequentemente, o não preenchimento dos pressupostos exigidos para uma rectificação e, face a tal decisão, referido ainda em sede de tal despacho que, para além disso, face à considerada aceitação por todas as partes da remuneração transferida pela 2ª R. para a 1ª R. e irrelevância da impugnação da remuneração efectiva por parte da 1ª R. em virtude da limitação da sua responsabilidade pelo valor transferido, foi dada a palavra às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador. Face ao exposto, afigura-se incorrecto o referido pela 2ª R./Recorrente na resposta às contra-alegações quanto à mera interpelação das partes para se pronunciarem sobre tal possibilidade, face ao cuidado do Tribunal em, anteriormente, justificar a sua posição para tal possibilidade. A 2ª R. é que optou por responder apenas no sentido de opor a tal prolação, pugnando pela produção de prova em sede de audiência de julgamento sem sequer fundamentar que factos considerava controvertidos para tal efeito. Saliente-se, aliás, que a 2ª R./Recorrente não interpôs recurso do despacho que indeferiu a rectificação de um alegado lapso e considerou tal facto aceite, pelo que o mesmo se mostra transitado em julgado. Por outro lado, em sede de despacho saneador-sentença, refere o Tribunal de modo expresso que considera que o processo permite a apreciação imediata do mérito da causa atendendo às posições assumidas pelas partes nos articulados (que obviamente inclui a aceitação da retribuição pela 2ª R., face ao anterior despacho supra mencionado) e limitação da responsabilidade da 1ª R. ao valor para si transferido. Acresce ainda que a sentença se pronuncia expressamente, em sede de motivação da decisão de facto, quanto aos factos provados por acordo das partes e aceitação da retribuição alegada pelo A. por parte da 2ª R.. Salienta-se, ainda, a falsidade do alegado pela 2ª R./Recorrente no ponto 8. das alegações de recurso, como se pode constatar da própria acta da diligência realizada. Face ao supra exposto, considera o Tribunal que não existem as invocadas nulidades, julgando-se as mesmas improcedentes.” 3.4. O recurso foi de seguida admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. *** Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635., n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: saber se ocorreram as nulidades invocadas pela Recorrente; saber se ocorre má-fé. III - Fundamentação A) Fundamentação de facto Da decisão recorrida, no que se refere à factualidade considerada provada, consta: “Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: A) O A. nasceu no dia .../.../1976; B) No dia 23 de fevereiro de 2019, pelas 6.30 horas, na Bélgica, o A., que nasceu no dia .../.../1976, sofreu um acidente quando exercia as funções de condutor de máquinas ao serviço da 2ª R., sob cujas ordens, direcção e fiscalização desempenhava a respectiva actividade profissional; C) À data indicada em B) o A. auferia a retribuição mensal de € 1.593,81 x 14 meses; D) O acidente ocorreu na altura em que o A. exercia as suas descritas funções e, ao subir a uma grua, colocou a mão direita na respetiva porta para se apoiar e esta abriu ligeiramente, ficando o A. com o dedo preso na mesma porta; E) Em consequência dos factos descritos, o A. sofreu traumatismo do terceiro dedo da mão direita, nos termos constantes de fls. 33 a 35, 45 a 47 e 63 a 67 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, que lhe determinaram um período de ITA de 24/02 a 22/05/2019, data de alta médica; F) Das lesões descritas em E) resultou para o A. uma IPP de 1,9602%; G) Por força do acidente descrito o A. despendeu a quantia de € 20,00 em transportes nas suas deslocações obrigatórias ao GML, para ser submetido a exame médico, e a este Tribunal, para a realização da tentativa de conciliação; H) À data do acidente a entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho em que o A. fosse interveniente parcialmente transferida para a 1ª R., pelo salário mensal de €600,00 x 14 meses, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., nos termos constantes de fls. 9 a 16, 129 a 139 e 147 a 166 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas; I) A 1ª R. liquidou ao A., como decorrência do acidente indicado em B), a quantia total de €1.697,55.”*B) - Discussão 1. Introito Em face das conclusões que apresentou, que como é sabido delimitam o objeto do recurso, percebe-se que a Recorrente invoca a ocorrência de nulidades da sentença, assim as previstas nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, bem como, ainda, nulidade processual, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 195.º do mesmo Código. Sendo assim, introduziremos de seguida algumas considerações a respeito das nulidades processuais e da sentença, no sentido de distinguirmos os dois tipos de nulidade. Avançando então com tal objetivo, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto – nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[1] Sendo pois esse o objetivo perseguido pela sentença, pode no entanto essa estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo. Já diversamente, quanto às nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[2] –, dessas, em princípio, como é consabido, cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava já o Professor Alberto dos Reis[3], com a autoridade que por todos lhe foi sempre reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[4] Importa ainda esclarecer que, distinguindo a lei entre duas modalidades distintas de nulidades processuais, na terminologia da doutrina as principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas), as primeiras configuram-se como as mais graves pelas suas consequências, estando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[5], enquanto as segundas, por sua vez, serão todas aquelas que caiam na fórmula genérica do n.º 1 d o artigo 195.º do mesmo Código: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”[6]. Importa ainda ter presente que, neste último caso, tratando-se pois de nulidade secundária, o seu conhecimento depende de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[7], regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º), o prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º) e as consequências/modo do seu suprimento (artigo 195.º, n.ºs 2 e 3, e 200.º, n.º 3). 2. Apreciação 2.1. Da nulidade processual por preterição de ato No caso dos autos, face à posição assumida no recurso pela Ré, se bem a percebemos, o vício de nulidade invocado é pela mesma vislumbrado na circunstância de o tribunal de 1.ª instância ter proferido saneador-sentença, não designando assim data para realização de audiência de julgamento. Pois bem, por decorrência do regime que antes sinteticamente se expôs, estaríamos então, a ocorrer o vício que é avançado, como o dissemos já, perante nulidade processual, ocorrida não na sentença propriamente dita e sim, diversamente, em momento prévio, nulidade essa que, a verificar-se, chamando à colação o que se referiu anteriormente, não integraria o núcleo das nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas), as quais estão especificamente previstas na lei e de que pode o Tribunal conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[8], assumindo antes, diversamente, a natureza de nulidade secundária (ou, de 2.º grau, atípica ou inominada), caindo assim na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC – omitindo o juiz injustificadamente o ato de realização da audiência de julgamento, daí poderia resultar nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º [9], caindo na previsão do referido artigo 195.º, pois que a omissão daquele ato, salvos os casos de desnecessidade, poderia influir no exame ou na decisão da causa –, razão pela qual, como desse resulta, sempre o seu conhecimento, pela sua afirmada natureza, dependeria de arguição, regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-la (artigo 197.º) e o momento/prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º, n.º 1: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”). Acontece, porém, que, no caso, como resulta dos autos, a pretensa nulidade está afinal a coberto de despacho, sendo assim o meio de reação adequado o recurso e não, pois, a reclamação. É que, anunciando o Tribunal a quo, por despacho proferido nos autos, a possibilidade de vir a ser proferida sentença em sede de despacho saneador, para o que designou dada para tentativa de conciliação e ainda para permitir a pronúncia das partes, nesse ato, realizado em 21 de março de 2022, em que esteve também devidamente representada a agora Recorrente, no seguimento precisamente de requerimento apresentado então pela sua Ilustre Mandatária, a mesma requereu retificação que não foi atendida, por despacho de seguida proferido, despacho esse no qual, de seguida, se concedeu às partes a palavra para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador. Ora, sendo verdade que consta da mesma ata que, dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré/Entidade Patronal, pela mesma foi dito “opõe-se à prolação de sentença, pugnando pela produção de prova em sede de audiência de julgamento”, no entanto, salvo o devido respeito, tal declaração de mera “oposição” não se traduz em meio processualmente idóneo de reação contra o despacho que havia sido antes proferido, pois que, diversamente, tal meio teria de ser requerimento de interposição de recurso, nos termos legalmente previstos, o que, afinal, mesmo que se pudesse entender que a Recorrente, no recurso que veio a interpor depois de notificada mais tarde da sentença e que agora se aprecia, pretendesse dirigir este recurso também àquele despacho que havia sido proferido antes na ata de tentativa de conciliação – e assim não o consideramos, pois que o não refere expressamente –, ainda nessa eventualidade o seria para além do prazo legal previsto para o efeito (senda deste modo adequada a afirmação do Tribunal recorrido, na pronúncia sobre as nulidades invocas, no sentido de que “a 2ª R./Recorrente não interpôs recurso do despacho que indeferiu a rectificação de um alegado lapso e considerou tal facto aceite, pelo que o mesmo se mostra transitado em julgado”. Não obstante o que se referiu anteriormente, sempre se dirá que, diversamente do que agora defende, carece de fundamento o invocado a respeito da nulidade processual em causa, pois que, salvo o devido respeito, tal como de resto o preceitua a lei, assim no artigo 131.º, n.º 1, alínea b), do CPT (ainda artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC), pelas razões que melhor explicaremos de seguida, assim no momento em que iremos apreciar a questão das nulidades da sentença invocadas, o Tribunal recorrido estava em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, já que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total, dos pedidos deduzidos. Em face do exposto, carece de fundamento a ocorrência da invocada nulidade processual que se analisou. 2.2. Demais questões: Invoca, ainda, a Recorrente a ocorrência das nulidades da sentença a que aludem as alíneas b) e d) do CPC. Em jeito de adequado enquadramento prévio das referidas nulidades, diremos desde já o seguinte: Fazendo uma breve abordagem aos vícios invocados, poderemos dizer que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[10] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito». No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[11], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[12]. Por sua vez, referente à alínea d) – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, trata-se de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[13], sendo que, a seu propósito continuam plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis, quando ensinava que “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[14] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[15] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[16], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. Em traços mais uma vez breves, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[17], diremos também que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[18] Feito este enquadramento, constata-se que a Recorrente invoca no caso designadamente o seguinte: - O Tribunal a quo julgou erradamente provado o facto alegado pelo Autor que alegou que, ao tempo da ocorrência do acidente de trabalho, auferia a retribuição anual correspondente ao valor de €1.593,81 x 14 meses, equivalente a um alegado salário mínimo do estado da Bélgica, pois que, diz, afirmando a sentença que se provou tal facto por confissão, tal é falso, conforme o comprovam os recibos de vencimento juntos com a petição inicial, sendo que, acrescenta ainda, sem prejuízo de ter sido indeferida a retificação que ela Recorrente requereu do lapso de escrita que cometeu na sua contestação – ao mencionar, no artigo 43. da mesma, que o Autor auferia a retribuição anual de €1.593,81x14, quando, na verdade, pretendia referir que o Autor auferia a retribuição anual de €600,00 x 14 –, dada aquela prova documental constante nos autos e a prova, eventualmente, a produzir-se em sede de audiência de julgamento, ao Tribunal a quo não restaria alternativa que não a de julgar como não provado o facto alegado pelo Autor (de que recebia ao serviço da Recorrente o salário “mínimo” de €1.593,81) – o Tribunal a quo, “sem prejuízo da controvérsia em torno da matéria de facto, com a oposição da Recorrente, sem se pronunciar porque desacompanha o entendimento da Recorrente, sobre a necessidade de realização de audiência de julgamento, e sem enunciar os concretos fundamentos de facto e de direito que justificaram a prolação do Saneador Sentença, não designou data para realização de audiência de julgamento e proferiu, antes, um Saneador-Sentença, dando como provado o alegado pelo Autor, julgando totalmente procedente o seu pedido, ainda que este se encontre absolutamente infundado, tendo em conta a prova documental oferecida aos autos pelo próprio Autor”; - Para o cumprimento do dever de fundamentação, ínsito no artigo 154.º do CPC aplicável ex vido artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, não basta alegar-se que o caso concreto se encontra subsumido à lei, sem se densificar, pelo meio de fundamentação fática e de direito concreta, de que forma se encontram preenchidos os pressupostos abstratamente fixados pela lei, sendo que, diz, “a realização da audiência de julgamento era essencial à descoberta da verdade e justa composição do litígio, em respeito do princípio do inquisitório, dado que a Recorrente colocou em crise o facto alegado pelo Autor, podendo o Tribunal a quo, de acordo com o estatuído no artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2 do CPT ampliar os temas da prova se a prova produzida em audiência de julgamento assim o determinasse”; - O facto alegado pelo Autor e julgado erradamente como provado pelo Tribunal a quo redundou na condenação da Recorrente ao pagamento de uma indemnização e de uma pensão anual vitalícia ao Autor pelo acidente de trabalho, quando essa responsabilidade se encontrava totalmente transferida para a 1ª Ré, Entidade Seguradora, mediante apólice de seguro n.º ..., havendo a 1.ª Ré, Entidade Seguradora, já afirmado, nos presentes autos, que se responsabiliza pelo pagamento do que é devido ao Autor em virtude do mesmo acidente de trabalho – tendo em conta que a 1ª Ré, Entidade Seguradora, se responsabiliza pela indemnização e pensão devida ao Autor, em virtude do acidente de trabalho, calculada por referência à retribuição anual correspondente ao valor de €600,00 x 14 e, sendo essa a efetiva remuneração auferida pelo Autor, dúvidas não podiam subsistir em relação à não responsabilidade da Recorrente por qualquer quantia devida ao Autor, dado que a mesma responsabilidade se encontra totalmente transferida para a 1 a Ré, Entidade Seguradora; - A Recorrente pagava ao Autor a) pela respetiva prestação do trabalho, a retribuição base, e b) pelas despesas que o Autor incorria em deslocações, alojamento e alimentação, quando prestava trabalho para a Recorrente no estrangeiro, as compensações devidas sob a forma de ajudas de custo, não tendo as mesmas natureza retributiva, mas apenas compensatória pelas despesas / custos aleatórios a que o Autor incorria pela prestação do trabalho no estrangeiro – pelo que as ajudas de custo não se subsumem aos conceitos de retribuição plasmados no n.º 2 e n.º 3 do artigo 71º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais; - In casu, aquando do acidente de trabalho, a Recorrente liquidava, com caráter de regularidade, ao Autor o valor anual de €600,00x14, pelo que àquele é apenas legitimo perspetivar que, enquanto se mantém ao serviço da Recorrente, auferirá asseguradamente tal retribuição. Pugnado o Apelado pela não ocorrência das invocadas nulidades e pela consequente manutenção do julgado, cumprindo-nos apreciar, chamando apenas à aplicação o regime que antes enunciámos a respeito das nulidades da sentença invocadas, não temos dúvidas em afirmar que essas não ocorrem no caso. Na verdade, sobre a pretensa falta de fundamentação, importa ter presente que, para além, aliás, do que o Tribunal já afirmara antes no despacho que proferiu na tentativa de conciliação, em que se pronunciou nesse âmbito, na própria sentença, assim na motivação da matéria de facto, fez constar expressamente que “no que se refere à retribuição auferida pelo A., a 2ª R., tanto em sede de tentativa de conciliação como de contestação, aceitou expressamente a quantia de €1.593,81 x 14 meses”, fundamentação esta que, mesmo que não tivesse ocorrido antes aquela pronúncia em despacho (mas ocorreu), seria bastante para afastarmos o vício invocado de falta de fundamentação – citando-se de novo o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016, “uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas”. Do mesmo modo, não pode dizer-se que ocorreu excesso de pronúncia, desde logo porque, como antes o vimos, o Tribunal a quo justificou, previamente aliás, a possibilidade de vir a conhecer desde logo do mérito, resultando do despacho que proferiu as razões para tais efeitos, em que se inclui, diga-se, também a pronúncia sobre o requerimento da Ré aqui recorrente em que invocara a ocorrência de um pretenso lapso de escrita e a intenção de que esse fosse corrigido, o que foi então indeferido. Não obstante o que referimos anteriormente, importa porém que esclareçamos, em face do modo como a questão nos é colocada e ainda os objetivos perseguidos, que em bom rigor o que a Recorrente pretende é atacar no presente recurso a pronúncia do Tribunal recorrido em sede de matéria de facto, assim o facto dado como provado na sentença sob a alínea C), assim que “À data indicada em B) o A. auferia a retribuição mensal de €1.593,81 x 14 meses”. Porém, sendo este o caso, sem prejuízo de se exigir ainda o cumprimento dos ónus legais de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC, a eventual nulidade que poderia ocorrer cairia já no âmbito da previsão do artigo 662.º do CPC, em particular a previsão das suas alíneas c) e d) do seu n.º 2, em que se estabelece que “a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. (…)”. Já, pois, neste enquadramento, diremos desde já que não tem razão a Recorrente, desde logo porque, como antes o dissemos, não tendo sequer interposto recurso do despacho que indeferiu a retificação que requerera, de modo claro transparece que, tal como o Tribunal recorrido o afirmou na sentença aquando da motivação sobre a matéria de facto, ocorreu efetivamente, diversamente do que agora defende no presente recurso que apresentou dirigido à sentença, confissão da sua parte aquando da realização da tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, como transparece do respetivo auto. Melhor se esclarecendo, importa ter presente o regime estabelecido no artigo 131.º do CPT, do qual resulta, no que aqui importa, que “Findos os articulados, o juiz profere, no prazo de 15 dias, despacho saneador destinado a: (...) Considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”, ou seja, daí decorre expressamente que o saneamento se dirige a factos e não a meros juízos de valor. Aliás, importa relembrar que, resultando do disposto no artigo 111.º do CPT que “dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações”, bem como, agora do n.º 1 do artigo 112.º, que “Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”, de tais normativos resulta que “no auto de tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na fase conciliatória do processo devem constar os factos sobre que tenha havido acordo ou divergência e não juízos de valor, conclusões ou conceitos jurídicos, e apenas os factos em que tenha havido acordo devem ser considerados assentes no despacho saneador, nos termos do art. 131º, nº 1, al. c) do CPT.”[19] Ora, importando verificar, entrando já na análise da invocação da Recorrente, se teria ou não ocorrido confissão da sua parte aquando da realização do auto de (não) conciliação ocorrida na fase anterior do processo, constata-se que do respetivo auto constam em concreto, invocados pelo Sinistrado, para além dos relacionados com o evento que se invoca ter ocorrido e que se quer qualificado como acidente de trabalho, os factos relacionados com a retribuição que auferia – “…quando exercia as funções de condutor de máquinas, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora C... Lda, mediante a retribuição anual de €1.593,81 x 14, cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora” –, sendo que, em face de tal invocação, aí consta que pelo legal representante da Entidade Empregadora foi dito que aceita, no que agora aqui importa, “a retribuição do sinistrado”, apenas dizendo de seguida que “nada aceita pagar de pensão e/ou indemnização uma vez que tem toda a responsabilidade infortunística transferida para a seguradora”. Ou seja, podendo concluir-se, como o Tribunal recorrido o fez, que ocorreu então confissão daquele específico facto, bem andou o mesmo Tribunal ao considerar tal factualidade confessada pela aqui Recorrente, aquando do saneamento dos autos, na fase controvertida do processo, em cumprimento do que se dispõe no artigo 131.º, nº 1, do CPT. De resto, ainda que assim não fosse, em face da posição que veio a assumir no articulado de contestação, mais uma vez como o Tribunal a quo o afirmou no despacho que proferiu e em que apreciou, indeferindo-a, a retificação de lapso que veio a ser apresentada pela Ré / aqui Recorrente, considerações que, diga-se, fizemos constar do relatório deste acórdão e que acompanhamos, assim quando se fez constar o seguinte: “Nos presentes autos, e como resulta do auto de conciliação de fls. 81 e 82, o sinistrado declarou auferir a retribuição mensal de €1593,81 x 14. A 1.ª Ré declarou aceitar a retribuição transferida de €600,00x14. A 2.ª Ré declarou aceitar, além de mais, a retribuição do sinistrado. Ora, como resulta do teor de tal auto, a retribuição que o sinistrado declarou auferir foi de €1.593,81 x 14, posição essa que manteve no art.º 6 da P.I. (fls. 93 dos autos). Em sede de contestação, a 2.ª Ré, para além de apenas impugnar no art.º 20.º o alegado nos artigos 22.º, 23.º, 25.º e 27.º da Petição Inicial, aceitando assim, o alegado no art.º 6.º, confirma tal remuneração no art.º 43.º da respectiva contestação. (…) Atento o exposto, e a aceitação por todas as partes que a remuneração transferida pela 2.ª Ré para a 1.ª Ré referente ao autor corresponde apenas à quantia de €600,00x14, é ainda entendimento do Tribunal que a impugnação do alegado no art.º 6 da Petição Inicial, pela 1.ª Ré, é irrelevante e insusceptível de produzir efeitos, na medida em que a responsabilidade desta perante o sinistrado se encontra limitada ao valor transferido de €600,00x14.” Em face de todo o exposto, carece em absoluto de fundamento, por não se demonstrarem os pressupostos de que dependeria a sua afirmação, o pretendido pela Recorrente no presente recurso, pois que, aceitando-se que possa como que arrepender-se da posição processual que assumiu expressamente nos referidos atos, tal não tem a virtualidade de, com salvaguarda do devido respeito, permitindo-se-nos o uso da expressão, legitimar que pudesse depois dar o dito por não dito, ou seja, afastando afinal a aplicação das normas processuais que definem as consequências que decorrem para o processo da posição que as partes assumam quer nos atos. Por decorrência, claudicando na totalidade os argumentos apresentados pela Recorrente, improcede necessariamente o presente recurso. 3. Questão da eventual litigância de má-fé Na sua conclusão 14.ª, sustenta o Ministério Público que “a posição da Recorrente nestes autos poderá consubstanciar “litigância de mé fé” (artºs 542º, nºs 1 e 2, als. a), b) e d) CPC)”. A noção de litigância de má-fé resulta do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, em cujas alíneas se encontram tipificadas as condutas que constituem violação do dever de agir de boa-fé processual a que as partes estão vinculadas (art.º 8.º, do CPC), dizendo-se “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: [a] Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; [b] Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; [c] Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; [d] Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Como sabemos corresponde esta norma ao artigo 456.º, n.º 2, do pretérito CPC e foi alterada relativamente à noção anterior na reforma operada àquele diploma pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro. Na sua formulação anterior, dizia-se litigante de má-fé “(..) não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável , com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade”. Entendendo-se então, quer na doutrina quer na jurisprudência, que era necessário existir dolo para que houvesse litigância de má-fé, como o elucida, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 17.11.1972[20] em cujo sumário se lê: - “Só a lide essencialmente dolosa, e não meramente temerária ou ousada, justifica a condenação como litigante de má fé (artigo 456.º do citado Código)”. No preâmbulo daquele diploma, a propósito da norma em causa e das alterações introduzidas na reforma operada pelo mesmo, encontra-se esta breve explicação: - “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (..)”. Ou seja, entendeu o legislador alargar a litigância de má fé às condutas processuais gravemente negligentes, não oferecendo tal qualquer dúvida, já que a norma o expressa claramente ao dizer que litiga de má-fé “quem com dolo ou negligência grave (..)”. Parafraseando o Ac. do STJ de 6.12.2001, “Há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”[21]. Distinguindo-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial – que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 542º, supra transcrito – e a má fé instrumental (als. c) e d) do apontado normativo), está no entanto presente em ambas uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reação punitiva[22]. Importando no entanto ter presente que a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não será bastante para se concluir pela existência de má-fé[23], no que ao caso importa, a verdade é que apenas se poderá dizer que é este o caso, pois que, sendo patente, como antes o dissemos, a falta de fundamento da pretensão da Recorrente no presente recurso, o certo é que está afinal em conformidade com aquela que assumiu nos autos, assim em 1.ª instância, antes da prolação da sentença, sendo que, aí, sequer a questão da má fé foi levantada ou equacionada. Ou seja, tratando-se é certo de construção ousada, como ainda infundada, ainda assim não é na nossa ótica bastante para se poder afirmar que se trate de caso em que se imponha a condenação como litigante de má-fé, o que, pois, consideramos. * Decaindo, a Apelante é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC). *Sumário, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, da responsabilidade exclusiva do relator: ……………………………………………………. ……………………………………………………. ……………………………………………………. *** IV. Decisão: Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Porto, 12 de setembro de 2022 (acórdão assinado digitalmente) Nelson Fernandes Rita Romeira Teresa Sá Lopes _________________ [1] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93 [2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387 [3] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507 [4] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183) quando escreveu: “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Ainda: - Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393), referindo que “Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”; - Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134): “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º)”. Porém, depois de algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no art.º 666.º a todas as decisões, acrescentou que aquela construção “não tem sequer sentido quanto àquelas nulidades de que o juiz não pode conhecer oficiosamente (todas as nulidades secundárias e as principais a partir do saneador”. Veja-se, o Ac. desta Relação e Secção de 10 de Outubro de 2016, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt. [5] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [6] Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391), “Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [7] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC [8] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. Cit., pág. 10. [10] In www.dgsi.pt [11] In www.dgsi.pt [12] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56. [13] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal. [14] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143. [15] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143 [16] In www.dgsi.pt. [17] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt. [18] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55 [19] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de maio de 2017, in www.dgsi.pt, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso. [20] BMJ 221.º, 164. [21] Proc.º 01A3692, Conselheiro Afonso de Melo, disponível em http://www.dgsi.pt. [22] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012, processo 1052/07.8TTVNG-D.P1, acessível em www.dgsi.pt [23] Cfr. Ac. STJ de 11 de dezembro de 2003, Proc.º 03B3893, Quirino Soares; e, 17 de maio de 2011, Proc.º 3813/07.9TVLSB.L1.S1, Gregório Silva Jesus, igualmente disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj