O Tribunal da Relação do Porto analisou o recurso interposto pelo autor (AA) e pela ré (K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal) contra a sentença proferida no Juízo Central Cível de Penafiel. O autor sofreu lesões graves num acidente de viação em 20 de fevereiro de 2016, quando a condutora do outro veículo (HH) invadiu a sua faixa de circulação. O autor ficou com sequelas permanentes, tanto a nível ortopédico (fraturas, cicatrizes, limitações de movimentos) como psiquiátrico (quadro depressivo, irritabilidade, dificuldade em tomar decisões). Foi submetido a seis intervenções cirúrgicas e ficou com um défice funcional de 15 pontos. O Tribunal condenou a seguradora a pagar ao autor: a) €115.471,87 por danos patrimoniais futuros (perda de capacidade de ganho); b) €60.000 por danos não patrimoniais. O autor recorreu, considerando os valores insuficientes. A seguradora também recorreu, alegando que os valores eram excessivos. O Tribunal da Relação manteve o valor de €60.000 atribuído por danos não patrimoniais, por o considerar adequado e proporcional à gravidade das lesões sofridas pelo autor (traumatismos, intervenções cirúrgicas, sequelas permanentes, impacto na sua vida pessoal, familiar e social). Quanto aos danos patrimoniais futuros, o Tribunal anulou a decisão e determinou a realização de novo julgamento, por considerar necessário ampliar a matéria de facto, nomeadamente quanto à atual situação profissional do autor (que passou a exercer a profissão de motorista de longo curso, com um salário mensal de €1.800), informação que emergiu da discussão da causa mas não foi devidamente considerada. Assim, o Tribunal da Relação determinou a repetição do julgamento apenas nesta parte, para que seja apreciada a nova factualidade relevante para a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros.
No dia 20 de Fevereiro de 2016, pelas 18h45, ocorreu um embate na Avenida ..., na freguesia ..., concelho de Penafiel, na área desta comarca. O motociclo da marca Yamaha, conduzido pelo autor, embateu de frente com um veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-BM-.., conduzido por HH, que transpôs a linha longitudinal contínua e invadiu a faixa destinada ao sentido oposto, embatendo de frente no motociclo. Em consequência do embate, o autor foi projetado ao solo e sofreu lesões e ferimentos.
A ré foi condenada a pagar 115.471,87€ pelos danos patrimoniais e 60.000,00€ pelos danos não patrimoniais, além de 504,54€ ao Instituto da Segurança Social.
Apelação nº 3527/18.4T8PNF.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues Acordam no Tribunal da Relação do Porto * RELATÓRIOApelante (recurso independente) / apelado (recurso subordinado): AA. (autor) Apelante (recurso subordinado) / apelada (recurso independente): K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal (ré) Juízo central cível de Penafiel (lugar de provimento de Juiz 3) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.*Realizada a audiência de julgamento na acção interposta por AA contra a ré K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal, destinada ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil emergente de acidente de viação, foi proferida sentença que (além de julgar procedente o pedido de reembolso formulado pelo interveniente Instituto da Segurança Social, Centro Distrital do Porto, condenando a ré a pagar-lhe a quantia de 504,54€, acrescida de juros de mora), julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor: a) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia global de 115.471,87€ (cento e quinze mil quatrocentos e setenta e um euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos deste a citação da ré e até integral e efectivo pagamento, e b) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento. Não se conformando com o assim decidido, apelam ambas as partes – recurso independente o do autor, recurso subordinado o da ré. O autor – discordando dos montantes indemnizatórios arbitrados, por os considerar exíguos, pretendendo que seja fixado em 500.000,00€ o montante indemnizatório para o ressarcir pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade de que ficou afectado e que seja arbitrado o valor de 90.000,00€ para o compensar pelos danos não patrimoniais – termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões: 1ª- O montante fixado no douto acórdão (80.000,00€) como indemnização devida ao recorrente, a título de ressarcimento dos danos de natureza patrimonial decorrentes da Incapacidade Permanente Geral de que este ficou a padecer é manifestamente exíguo e insuficiente. 2ª- A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado. 3ª- Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma e até ao final da vida (78 anos, em média, atualmente). 4ª- É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares. 5ª- Sem perder de vista a equidade, será adequado, na esteira do que tem sido decidido em várias decisões dos nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II. 6ª- Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais. 7ª- Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade. 8ª- In casu, haverá, desde logo, que levar em conta que, talqualmente se provou, a IPG que afeta o recorrente, conquanto não seja de 100%, é total e absolutamente impeditiva do exercício da sua profissão habitual, implicando reconversão e que tenha de sujeitar-se a exercer outra profissão compatível com a suas limitações físicas, menos qualificada, menos exigente e com menor retribuição. 9ª- Nos cálculos, deverão ter-se em consideração os seguintes fatores relevantes: a idade do lesado, com 21 anos, apenas, a IPG de 15%, com IPATH, a remuneração auferida na data do acidente, de 1.719,70€ mensais, como carpinteiro de cofragem, a remuneração que passou a auferir no novo emprego de servente, para o qual foi reconvertido, de 771,33€ mensais. 10ª- Releva sobremaneira a circunstância de o recorrente, por virtude da incapacidade absoluta para a profissão habitual, ter sido “obrigado” a conformar-se com um emprego de categoria muito inferior (servente), com um salário também muito mais baixo e com uma perda efetiva de rendimento do trabalho de cerca de 11.500,00€ anuais (por arredondamento). 11ª- Através da mencionada fórmula, considerando os fatores relevantes (salário anual de 14.074,00€, idade de 21 anos e grau de incapacidade, que é absoluta para a profissão habitual - IPATH) e tendo em conta o período de vida laboral ativa até aos 70 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, é de 0%) e perda de rendimentos, encontramos um capital superior a 500.000,00€. 12ª- Será igualmente pertinente lançar mão do método de cálculo usado no douto acórdão do STJ, de 09/09/2015, proferido no proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, 3.ª Secção. 13ª- Mediante este método e utilizando os mesmos fatores, chegamos a um valor superior – ou seja, cerca de 550.000,00€ (por arredondamento). 14ª- Ademais, sempre haverá que sublinhar que a incapacidade que afeta o Autor é, em concreto, total e absoluta para a profissão habitual (IPAPH) e implicou a reconversão para a profissão de servente, com qualificação profissional e salário muito inferiores. 15ª- Tendo, pois, presentes as regras da equidade e da justa medida das coisas, afigura-se que será adequado compensar o Autor com o montante de 500.000,00€, como indemnização pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade permanente (IPATH) que o afeta. 16ª- Este montante não deverá ser alvo de qualquer desconto ou redução por suposto benefício económico e financeiro em razão do recebimento antecipado e de uma só vez, visto que, atualmente, as taxas de juro de depósitos bancários se cifram em 0% e não se vislumbram tendências para subida. 17ª- Ademais, caso esse benefício existisse, seria ele residual e não chegaria para cobrir o malefício inerente à erosão monetária, à inflação dos custos e à evolução dos salários, que a indemnização também deverá prever e compensar. 18.ª- Peca também por escassez, a indemnização (60.000.00€) fixada pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial. 19ª- Em relação ao valor destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, deve, no seu arbitramento, atender-se às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente. 20ª- A extensa factualidade apurada e que aqui damos por reproduzida fala por si e é esclarecedora quanto às gravíssimas consequências que do acidente advieram para o recorrente. 21ª- Valendo-nos, pois e uma vez mais, da equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço e a função ressarcitória e punitiva da indemnização, temos que a justa e equilibrada compensação pelos danos não patrimoniais sofridos deverá corresponder ao montante mínimo de 90.000,00€. 22ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil. A ré, impugnando a decisão da matéria de facto e defendendo a redução dos montantes arbitrados, que reputa como exagerados (entendendo que a indemnização pelo lucro cessante relativo ao período de ITA deve ser reduzida em atenção à alteração da matéria de facto que propõe, que, relativamente ao dano patrimonial futuro, a indemnização deve ser fixada entre os 30.000,00€ e os 60.000,00€ conforme se altere a factualidade dada como provada ou se mantenha a mesma e que a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 30.000,00€), formula as seguintes conclusões: 1ª- Nos termos do disposto nos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida. 2ª- Tendo em conta os depoimentos das testemunhas – BB, CC, DD, EE, FF e GG, depoimentos estes constantes do Sistema de Gravação Áudio do citius, concatenados com os documentos fiscais constantes dos autos e com as conclusões da perícia médico-legal, o Tribunal “a quo” podia e devia ter julgado de modo diverso a matéria dos pontos 47., 48., 49. e 51. da matéria de facto provada, bem como poderia ter assentado factualidade respeitante ao concreto emprego que o recorrido desempenha atualmente, bem como do salário que, em contrapartida, recebe. 3ª- A materialidade dos pontos 48. e 49. deverá dar-se por não provada. 4ª- No ponto 47. da Matéria de Facto Provada, deverá dar-se por apurado que o autor tinha uma retribuição anual de cerca de 7.200,00€. 5ª- E no ponto 51. da Matéria de Facto Provada deverá dar-se por assente que o autor no período de ITA perdeu salários no montante global de 12.000,00 (600x20) €. 6ª- Defende a recorrente o aditamento à matéria de facto dada como provada a respeito da atividade profissional atual do A. e salário auferido, no sentido de se acrescentar à mesma dois novos itens, com a seguinte redação: “i. Desde data não concretamente apurada, no ano 2019, o autor desempenha funções de motorista de longo curso. ii. Mediante o salário mensal de 1.800,00 €.” 7ª- Portanto, espera-se deste Colendo Tribunal, que, fazendo uma apreciação crítica e conjugada das provas, altere a factualidade apurada nos moldes que se deixam preconizados. 8ª - Procedendo-se à alteração da matéria factual provada (e não provada) nos moldes que se deixam preconizados, a indemnização fixada ao A., destinada a indemnizar a inexistente perda de rendimento, e os períodos de ITA, terá de ser proporcionalmente reduzida, tendo-se por referência os únicos rendimentos que a estes títulos provou auferir, os constantes dos seus recibos de vendimento como “retribuição base” à data do acidente, bem como o seu atual salário de 1.800,00€. 9ª- São manifestamente excessivas a indemnizações arbitradas pelo Tribunal a quo a título de ressarcimento do dano patrimonial consubstanciado no défice funcional permanente (dano biológico) que afeta o autor. 10ª- In casu, tendo presentes os factos provados quanto à incapacidade permanente, haverá que ressarcir a maior penosidade e esforço acrescido que o autor terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos resultados. 11ª- A indemnização atinente à incapacidade ou défice parcial permanente que afeta o autor, enquanto dano biológico de cariz patrimonial, deverá corresponder a um capital produtor dos rendimentos perdidos, que se extinga no final do período em que, previsivelmente, esses rendimentos seriam obtidos. 12ª- Será, se assim suceder, pertinente recorrer, como mero auxiliar de cálculo, às conhecidas “tabelas financeiras” comumente utilizadas no cômputo das indemnizações. 13ª- Nesse cálculo haverá que ponderar vários fatores, tais como a idade da vítima, a retribuição líquida auferida, a incapacidade provada e o período previsível duração da vida ativa. 14ª- Ao que acresce que, sob pena de injusto locupletamento, o rendimento a ter em conta deverá ser apenas o rendimento líquido. 15ª- No que se refere à indemnização pelos danos patrimoniais inerentes à IPG e seus efeitos, no âmbito da atividade por conta de outrem, deverá ter-se em conta o rendimento fiscalmente declarado, ou seja, o valor bruto de 7.200,00€. 16ª- Fazendo-se as contas através do uso das conhecidas “tabelas financeiras”, tendo em consideração a idade do autor à data do acidente (22 anos), o valor do rendimento anual líquido auferido (600,00 €), o défice funcional permanente 15 pontos) e o tempo previsível de vida ativa restante (cerca de 49 anos) atingimos um montante na casa dos 40.000,00€. 17ª- A esse valor haverá que deduzir o montante correspondente benefício correspondente ao recebimento antecipado e de uma só vez, do capital indemnizatório, estimando-se que tal benefício corresponde a cerca de ¼ daquele montante, ou seja, cerca de 10.000,00€. 18ª- De modo que o “dano biológico”, enquanto dano de natureza patrimonial, indexado à (teórica e ficcionada) perda de rendimentos do trabalho dependente, merecerá ser ressarcido com indemnização que não exceda os 30.000,00€. 19ª- No caso de se entender que é de manter inalterada a matéria de facto dada como provada na douta sentença em crise, levando em conta um (irrealista) montante bruto de 20.636,70€, a que corresponde o montante líquido máximo de 14.445,69€, fazendo-se uso das mesmas “tabelas financeiras”, atinge-se um montante na casa dos 80.000,00€. 20ª- E uma vez mais haverá que corrigir e temperar o resultado assim obtido à luz das regras da equidade, tendo presente que ao valor obtido sempre haverá que deduzir o benefício decorrente da antecipação do recebimento do capital indemnizatório, que é pago de uma só vez. 21ª- Será então adequado fixar esse benefício da antecipação em cerca de 20.000,00€. 22ª- E, assim, no que respeita ao “dano biológico”, como dano de natureza patrimonial, indexado à teórica perda (abstrata) de rendimentos salariais da atividade de trabalhador por conta de outrem do A., conforme se altere a factualidade dada como provada ou se mantenha a mesma inalterada, a justa indemnização por esse dano estará, respetivamente, entre os 30.000,00€ e os 60.000,00€. 23ª- Também o montante que o Tribunal a quo entendeu atribuir como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido (60.000,00€), afigura-se manifestamente excessivo. 24ª- Com efeito, apesar de se reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são relevantes e dignos de uma compensação pecuniária expressiva, entende a ora recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título é desajustado, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos. 25ª- Os nossos Tribunais Superiores, em casos idênticos e noutros até substancialmente mais graves do que o presente, vêm atribuindo montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo. 26ª- Na ausência de critérios matemáticos auxiliares, a indemnização dos danos não patrimoniais deverá ser calculada com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de fatores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano. 27ª- Considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 30.000,00€, sob pena de não se coadunar, por exorbitante, à gravidade e extensão dos danos morais sofridos. 28ª- Tal quantia traduz já de forma muito expressiva a gravidade das lesões do recorrido, sendo, ademais, certo que, os danos não patrimoniais se encontram já incluídos, em boa medida, no âmbito do dano biológico. 29ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artigos 495.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil. Em contra-alegações, defenderam as partes a improcedência do recurso da contraparte (invocando o autor não ter a ré cumprido os ónus impostos na 1ª parte da alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC).*Colhidos os vistos, cumpre decidir.*Do objecto do recurso Considerando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar (enunciadas por ordem lógico-jurídica): - da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto (recurso subordinado da ré), - dos montantes indemnizatórios fixados para ressarcir o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais – as partes insurgem-se contra os valores arbitrados na decisão recorrida, o autor considerando-os exíguos (o dano não patrimonial e o dano patrimonial futuro), a ré argumentando serem exagerados (quer o dano não patrimonial, quer o dano patrimonial futuro, quer o dano patrimonial relativo ao lucro cessante emergente da perda de rendimentos no período de ITA).*FUNDAMENTAÇÃO*Fundamentação de facto Na sentença recorrida consideraram-se, com interesse para a decisão da causa: Factos provados 1. No dia 20 de Fevereiro de 2016, pelas 18h45, ocorreu um embate na Avenida ..., na freguesia ..., concelho de Penafiel, na área desta comarca. 2. Nesse embate intervieram um motociclo da marca Yamaha, conduzido pelo autor, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-BM-.., conduzido por HH. 3. A faixa de rodagem da referida Avenida ..., naquele local, tem a largura total de 4,60m, estando dividida em duas metades, destinando-se uma delas ao sentido de trânsito .../... e outra ao sentido de trânsito oposto. 4. A divisória entre ambas as metades da via era estabelecida através de uma linha longitudinal contínua, pintada no pavimento da via com tinta de cor branca. 5. O autor tripulava o motociclo Yamaha e seguia pela Avenida ..., no sentido .../.... 6. Ia pela metade direita da faixa de rodagem, afecta ao seu sentido de marcha, e seguia atento ao trânsito e à condução. 7. Animado de velocidade moderada, não superior a 50 km/hora. 8. Também pela Avenida ..., mas no sentido de ... para ..., circulava o sobredito veículo ..-BM-.., conduzido pela HH. 9. Esta última, porém, seguia distraída, pois não prestava a devida atenção ao trânsito e à condução. 10. Por virtude da alegada distração que a possuía, fletiu à sua esquerda. 11. Transpôs a linha longitudinal contínua que divide ambas a metades da faixa de rodagem e invadiu a faixa destinada ao sentido .../.... 12. Nesta metade da via e, portanto, totalmente ‘fora de mão’, foi embater com a frente do ..-BM-.. na frente do motociclo tripulado pelo autor. 13. O autor, face à invasão da faixa de rodagem por onde circulava por parte do ..-BM-.., nada pode fazer para evitar o acidente. 14. Com o embate, o autor foi projectado ao solo. 15. E o motociclo foi, por sua vez, projectado para trás e foi ainda embater num outro veículo, de matrícula ..-DL-.., que, na ocasião, circulava atrás de si e no mesmo sentido. 16. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-BM-.. havia sido transferida para a K... S.A., ora demandada, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº .... 17. Em consequência do descrito embate, o autor foi projectado ao solo e sofreu lesões e ferimentos. 18. Foi assistido no local do embate pelos elementos do INEM e transportado, em plano duro e com colar cervical, ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em .... 19. Deu entrada nos serviços de urgência desta unidade hospitalar, politraumatizado e com queixas dolorosas. 20. Aí, após realização dos necessários exames, foram diagnosticadas as seguintes lesões: traumatismo facial; traumatismo do membro superior esquerdo; traumatismo do membro inferior direito; e escoriações e contusões múltiplas. 21. Ainda no serviço de urgência do mesmo hospital, constatou-se que o autor apresentava queixas dolorosas da mão esquerda, com deformidade do punho esquerdo, da região cervical e transição dorso-lombar. 22. O RX realizado ao punho esquerdo revelou a existência de fractura luxação. 23. Foi feita tentativa de redução manual da mencionada fractura, mas sem êxito. 24. O autor ficou internado, para ser submetido a cirurgia. 25. Cerca de 5 dias após o embate, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica, por ortopedia, em que foi realizada redução da aludida fractura com aplicação de material de osteossíntese. 26. E manteve-se ali internado até 26 de Fevereiro de 2016, data em que teve alta administrativa, não curado. 27. Passou a ser seguido na consulta externa de ortopedia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. 28. E passou também a ser tratado no Centro de Saúde ..., onde fez vários curativos. 29. A partir de 11/03/2016, o autor passou a ser seguido e tratado nos serviços clínicos da ré, no Hospital ..., na cidade do Porto. 30. Neste Hospital, o autor foi submetido a um total de cinco intervenções cirúrgicas. 31. Nomeadamente, foi submetido a uma intervenção cirúrgica, realizada em 14/03/2017, em que foi realizada EMOS de placa de Flower e artrodese do punho, com placa trimed de medcomtech. 32. E, em 05/09/2017, foi submetido a outra cirurgia a síndrome do túnel cárpico esquerdo. 33. Para além disso, o autor recebeu também acompanhamento médico, proporcionado pela ré na área da psiquiatria, em virtude de revelar um estado de irritabilidade, com comportamento socialmente instável e agressividade constante com terceiros, incluindo familiares. 34. Em 25/10/2017, o autor teve alta clínica dada pelos serviços clínicos da ré, que entenderam que as lesões sofridas estavam consolidadas. 35. Ficou, todavia, o autor afetado de sequelas irreversíveis, resultantes dessas lesões, quer do foro ortopédico, quer do foro psiquiátrico. 36. Designadamente, sob o ponto de vista ortopédico, ficou a sofrer de: ao nível da face, fractura dos ossos do nariz com perturbação na ventilação nasal; ao nível do membro superior esquerdo, cicatriz rosada na face externa do punho esquerdo com vestígios de pontos de sutura nacarados, oblíqua inferoanteriormente com 2,5 cm de comprimento total, cicatriz na face palmar da mão região tenar e na face anterior do punho linear ligeiramente rosada com 2 cm de comprimento, cicatriz rosada que se estende verticalmente pela face posterior do punho onde mede 9 cm de comprimento continuando-se pela face posterior do punho por mais 4 cm de comprimento, com largura máxima de 1 cm e mínima de 0,3 cm, cicatriz linear mediana na face palmar anterior do punho e palma da mão vertical nacarada com 1 cm de comprimento, ligeira deformidade generalizada da face posterior da região metacárpica da mão, sendo ligeiramente irregular, anquilose do punho esquerdo com prono-supinação conservada, ainda que limitada; rigidez dos dedos das mãos (esquerda e direita), sensação de hipostesia e limitação nos movimentos de pinça; e dor esporádica ao nível do punho e da mão. 37. Sob o prisma psiquiátrico, o autor iniciou um quadro depressivo, com ansiedade marcada, reativo às dores, tratamentos e à incapacidade funcional. 38. De modo que apresenta humor francamente depressivo, labilidade emocional, dificuldade para tomar decisões, tendência para o isolamento, tristeza, anedonia e irritabilidade fácil. 39. Vê o futuro com apreensão, face à manutenção das limitações e das dores, ainda que esporádicas, e perante as implicações negativas que o seu estado de saúde tem na sua vida pessoal, familiar e social. 40. As descritas sequelas psicológicas são subsumíveis a um transtorno de adaptação com humor depressivo. 41. Tais sequelas (ortopédicas e psiquiátricas) implicam que o autor esteja afetado de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 15 pontos. 42. Os serviços médicos da ré, na ocasião da alta, atribuíram ao autor uma IPG de 8 pontos, que implica esforços acrescidos na atividade profissional. 43. As mesmas sequelas são, em concreto, impeditivas do exercício pelo autor da sua profissão habitual, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, a exigirem a sua reconversão profissional. 44. O autor nasceu em .../.../1994. 45. Tinha a profissão de carpinteiro de cofragem, exercendo a respetiva actividade por conta e ao serviço da sociedade D... Unipessoal, Lda., sua entidade patronal. 46. Auferia, em contrapartida do seu trabalho, as seguintes remunerações: retribuição base: 600,00€ x 14 meses; ajudas de custo: 910,00€ x 12 meses; subsídio de alimentação: 119,70 € x 11 meses. 47. O autor tinha uma retribuição anual global de 20.636,70€ e mensal média de 1.719,70€ (20.636,70€ :12). 48. Sendo que as sobreditas ‘ajudas de custo’ não se destinavam a fazer face a despesas que o autor tivesse de suportar por virtude do seu trabalho, integrando, portanto, o seu salário. 49. A entidade patronal proporcionava, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições ao autor. 50. Durante o período de ITA (desde a data do embate e durante 614 dias), o autor deixou de receber salários da sua entidade patronal. 51. Nesse período, perdeu salários no montante global de cerca de 34.594,00€ (1.729,70€ x 20). 52. Por virtude das alegadas sequelas, o autor encontra-se impossibilitado de trabalhar na sua referida profissão habitual de carpinteiro de cofragem. 53. Profissão esta cujas funções exigem força, destreza e grandes esforços com os membros superiores, que o autor, por virtude das alegadas sequelas, não consegue executar. 54. De modo que, não dispondo a sua entidade patronal de possibilidade de o reconverter profissionalmente, o autor perdeu o emprego. 55. E, apesar de procurar ativamente ocupação profissional compatível com os seus conhecimentos, habilitações e limitações físicas, somente em 22 de Janeiro de 2018 logrou conseguir novo emprego. 56. Concretamente, foi admitido nessa data, ao serviço da sociedade M..., SA. 57. Com a categoria profissional de servente. 58. Mediante o salário mensal de 580,00€, acrescido de subsídio de alimentação no valor mensal de 127,82€. 59. Pelo menos, à data da propositura da acção, o autor continuava a exercer a profissão de servente na construção civil, sendo que a sobredita incapacidade implica esforços acrescidos para o respetivo exercício ou para qualquer outro. 60. A actividade profissional em causa exige resistência física e é muito cansativa, visto que exige constantes movimentação e manuseamento de objetos e cargas, com utilização dos membros superiores. 61. A sobredita desvalorização sempre será limitativa do desempenho da mencionada profissão de servente. 62. E implicará esforços acrescidos proporcionais à apurada desvalorização em qualquer outra actividade profissional compatível como as habilitações e conhecimentos do autor, que também implique esforços físicos. 63. O autor padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas. 64. Foi submetido a seis intervenções cirúrgicas, com anestesia geral. 65. Esteve internado durante vários dias. 66. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, que se prolongaram até à data da alta, durante cerca de 20 meses. 67. Sendo o quantum doloris graduável em 5, numa escala de 1 a 7, o que foi reconhecido pelos serviços clínicos da ré. 68. O autor tem dificuldades, em razão das dores que o acometem, em fazer esforços com o membro inferior esquerdo. 69. As apuradas sequelas sofridas pelo autor têm uma repercussão nas actividades de desporto e de lazer graduável em 3, numa escala de 1 a 7. 70. As cicatrizes que o autor ostenta desfeiam-no, de modo que o autor sente complexos e vergonha, sendo esta desvalorização graduável em 3, numa escala de 1 a 7. 71. Antes do embate, o autor era uma pessoa alegre e extrovertida, sendo que hoje tem tendência para isolar-se e mostra-se desgostoso, triste, ansioso e revoltado. 72. Durante boa parte do período de ITA, o autor careceu de auxílio de terceira pessoa, mormente para o ajudar nas tarefas diárias, bem como o acompanhar aos tratamentos, visto não ter condições para o fazer sozinho, necessidade esta que foi causa de perturbação e transtorno. 73. Com o embate ficaram destruídos: umas calças de valor em concreto não apurado, mas não inferior a 60,00€; uma camisola, de valor em concreto não apurado, mas não inferior a 30,00€; um casaco de valor em concreto não apurado, mas não inferior a 50,00€; umas botas de valor e concreto não apurado, mas não inferior a 50,00 €; umas luvas, no valor de 48,78€; um capacete, no valor de 356,91€; um telemóvel Huawei, no valor de 144,98€. 74. Na avaliação do dano corporal realizada consulta médica pelo autor para intentar a presente acção, o mesmo gastou a quantia de 200,00€. 75. Em transportes, para acorrer a tratamentos, despendeu, pelo menos, a quantia de 137,20€. 76. Em virtude das lesões sofridas no acidente, o autor ficou, durante cerca de metade do período de ITA, impossibilitado de realizar as suas tarefas pessoais, tendo tido a necessidade de recorrer aos serviços de terceira pessoa, nomeadamente para o ajudar a despir, vestir, tratar da sua higiene diária e, ainda, para o acompanhar aos tratamentos. 77. Tais serviços foram desempenhados pela mãe do autor, a qual, para esse fim, deixou de executar as suas próprias atividades. 78. Por força do acidente nos autos o Instituto de solidariedade e Segurança Social, IP pagou ao autor a título de subsídio de doença respeitante a esse período, o montante de 504,54€ (quinhentos e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), sendo o valor subsídio diário pago nos primeiros 30 dias de 11,71€ (onze euros e setenta e um cêntimos) e o valor diário pago entre o dia 31.º dia e o 90.º dia foi de 12,77€ (doze euros e setenta e sete cêntimos). 79. O pagamento do Instituto de Segurança Social, IP, foi feito em consequência das lesões e incapacidade para o trabalho sofridos pelo autor em consequência do acidente em causa nos autos. Factos não provados 1. que as apuradas sequelas sofridas pelo autor fossem impeditivas do exercício pelo autor de qualquer outra actividade profissional, diferente da sua habitual, compatível com os seus conhecimentos e habilitações. 2. que as apuradas dores no membro inferior esquerdo, impeçam o autor de praticar desportos que impliquem o uso do membro inferior esquerdo. 3. que em transportes o autor tivesse gasto quantia não inferior a 1.000,00€. 4. que em refeições o autor tivesse despendido quantia não inferior a 500,00€.*Fundamentação de direito A.1. Da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto. Importa começar a apreciação das apelações pela suscitada impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto – questão que se apresenta como precedendo lógico-juridicamente as demais (questões jurídicas, que pressupõem a estabilização da matéria de facto a valorizar). Defende a ré apelante que a valorização da prova produzida nos autos (prova testemunhal e, concatenada com esta, prova documental desprovida de força probatória plena quanto à matéria em questão) impõe julgamento diverso dos pontos 47, 48, 49 e 51 da matéria provada, além de permitir adquirir matéria relevante à decisão, resultante da discussão da causa, descurada pela sentença apelada, pretendendo, em concreto: - se julgue não provada a materialidade dos pontos 48 e 49 dos factos provados, - se julgue provado, relativamente ao ponto 47 dos factos provados, que o autor tinha uma retribuição anual de cerca de 7.200,00€ e, quanto ao ponto 51 dos factos provados, que o autor, no período de ITA, perdeu salários no montante global de 12.000,00€, - se aditem à matéria de facto, por resultarem da discussão da causa, outros dois factos (concernentes à actividade profissional actual do autor), a saber, i) que desde data não concretamente apurada, no ano de 2019, o autor desempenha funções de motorista de longo curso, ii) mediante o salário mensal de 1.800,00€. Ao contrário do que invoca o autor nas suas contra-alegações, constata-se ter a ré apelante observado todos os ónus impostos no art. 640º do CPC ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto (mormente o estabelecido na alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC): i) indica, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640, nº 1, a) do CPC), tomando clara posição sobre o resultado pretendido relativamente a cada um deles (art. 640º, nº 1, c) do CPC), ii) indica os concretos meios probatórios que em seu entender sustentam decisão diversa (art. 640, nº 1, b) do CPC), aludindo na motivação[1] aos elementos probatórios que entende sustentarem a sua posição, indicando, relativamente aos depoimentos testemunhais, as passagens da gravação em que funda o recurso (transcrevendo mesmo os excertos dos depoimentos que considera relevantes (art. 640º, nº 2, a) do CPC). Cumpre, pois, apreciar da impugnação. A.2. Da impugnação dirigida aos factos provados. Preliminarmente, cumpre centrar a apreciação da impugnação na vertente da discussão em que ela deve ser situada – ou seja, no âmbito da matéria de facto, abstraindo de discutir, neste segmento, os juízos conclusivos vazados na factualidade provada (que são apresentados na sequência e enquanto mera concretização da realidade objectiva tida por provada e na qual assentam). Não se rejeita o entendimento de que o nosso ordenamento jurídico se afastou da matriz assente na clássica distinção entre matéria de facto/matéria conclusiva e/ou de direito, não excluindo nem rejeitando o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo (sem prejuízo de se buscar uma descrição factual e não juízos conclusivos[2]), desde que as mesmas permitam percepcionar a realidade invocada e estejam concretizadas e substanciadas nos demais factos que as contêm ou que a elas se reportam em ordem à concretização da realidade subjacente ao litígio[3] (acautelado o exercício do contraditório e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material) – estando a realidade a retratar exposta nos factos a que os ‘factos conclusivos’ ou ‘jurídicos’ se reportam, e não resolvendo o ‘facto conclusivo’, atento o objecto do litígio, a questão jurídica (a sorte da acção) senão com a consideração da realidade a que se reporta e acompanha (e que se limita a adjectivar, qualificar e valorizar, sem substituir ou prescindir da enunciação daquela realidade objectiva que, assim, conclusivamente, concretiza), permitindo-se sobre a matéria o integral e efectivo cumprimento do contraditório (respeitando-se, pois, os limites materiais da acção e da defesa) e alcançando-se a circunscrição/delimitação da realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material, não poderá censurar-se o uso de juízos conclusivos/valorativos no estrito âmbito da matéria de facto. Tal não significa, todavia, que a impugnação da decisão da matéria de facto não deva ser circunscrita aos factos que aqueles factos conclusivos têm por pressupostos e nos quais assentam – modificados estes, alteram-se as premissas da ‘factualidade conclusiva’, que, por arrasto, tem de ser modificada; diversamente, a manutenção dos primeiros significará a permanência das premissas em que assenta a factualidade conclusiva. Na situação dos autos, a discussão suscitada pela impugnação centra-se nos factos 48 (excluída a parte conclusiva final) e 49, pois que a matéria constante dos factos 47 e 51 é matéria conclusiva (traduzem, exclusivamente, resultado de cálculo aritmético que assenta nos valores de retribuição e tempo de ITA expostos nos demais factos – o facto 47 tem por premissa os factos 46, 48 e 49, a eles se reportando, e o facto 51 tem por premissa o tempo de ITA sofrida pelo autor, dado por provado no facto 50, e o valor da retribuição tido por provado nos factos 46, 48 e 49). Assim que, por ser essa (exclusivamente) a matéria relevante e pertinente, interessa tão só focar a análise na apreciação da impugnação dirigida pela ré apelante aos factos 48 e 49 – é a matéria neles exposta que interessará para concluir depois, no segmento da estrita ponderação jurídica, ponderando os preceitos aplicáveis (os arts. 258º e 260º, nº 1, a) e nº 2 do Código do Trabalho), os valores que, recebidos pelo autor, integram o conceito normativo de retribuição. Provado (sem censura de qualquer das partes) que o autor, à data do evento, exercia a profissão de carpinteiro, exercendo a actividade por conta de outrem (facto 45) e que auferia, como contrapartida, o valor de 600,00€ a título de retribuição base (14 meses por ano), o valor de 910,00€ a título de ajudas de custo (12 meses por ano) e o montante de 119,70€ a título de subsídio de alimentação (11 meses por ano), a discussão suscitada na impugnação da decisão sobre a matéria de facto centra-se nos factos 48 e 49 – ou seja, em apurar se a entidade patronal proporcionava ao autor, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições e se, assim, as ‘ajudas de custo’ pagas (apenas a esse segmento se refere o facto 48, ainda que o facto 49 tenha também relevo para o subsídio de refeição) não se destinavam a fazer face a despesas que o autor tivesse de suportar por virtude do seu trabalho (como julgado provado no facto 49). A reapreciação e reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, em vista de, com total autonomia[4], formar uma convicção autónoma, conduz-nos a solução idêntica à do tribunal a quo relativamente à matéria impugnada. Efectivamente, as testemunhas que a propósito da questão em análise se pronunciaram[5], foram unânimes na afirmação de que a entidade patronal do autor lhe proporcionava alojamento, viagens e alimentação – o BB, irmão do autor, referiu que ao tempo do evento lesivo o autor trabalhava em França e que o valor global recebido mensalmente correspondia ao seu ordenado (era o correspectivo pelo trabalho prestado), sendo da responsabilidade da empresa o alojamento e os transportes; o DD, amigo do autor, que privava com ele (e que tinha trabalhado com o autor antes deste ter ido trabalhar para França), também afirmou que o autor lhe referia auferir um vencimento de cerca de 1.500,00€ e que a entidade patronal lhe pagava o alojamento; por fim, o EE, pai do autor, referiu que este, à data do evento, trabalhava em França, e auferia um vencimento global superior a 1.500,00€, proporcionando-lhe a entidade patronal alojamento, transporte e alimentação, o que permitia ao autor poupar, mensalmente, cerca de 1300,00€, como a testemunha podia constatar por lhe administrar a conta de depósitos (referiu-se também a testemunha à prática das empresas - que censurou - de qualificarem uma parte dos valores pagos aos seus funcionários como ajudas de custo, quando na verdade constituem vencimento, tendo alertado o autor para os inconvenientes dessa prática). As demais testemunhas – a CC, tia do autor, o FF, primo do autor, e o GG, irmão do autor –, não referindo, expressamente, que a entidade patronal lhe proporcionava o alojamento, transporte e alimentação, afirmaram que à data do evento, o autor trabalhava em França e que lhes referia auferir mensalmente valor superior a 1.500,00€ (que foi para França por lá ganhar mais do que cá; que o vencimento auferido por ele lhe permitia até ‘vestir roupa de marca’). Conjugando estes depoimentos com o facto das quantias percebidas pelo autor a título de ajudas de custo e subsídio de alimentação terem um valor fixo (não variável), idêntico todos os meses (as ajudas de custo pagas os 12 meses do ano, o subsídio de alimentação pago 11 vezes por ano) – o que não se coaduna com a finalidade de visarem, tais valores, compensar despesas de transporte, alojamento e outras relacionadas com a prestação de trabalho, variáveis por natureza – e com a circunstância do trabalho ser prestado em França (país onde o salário mínimo, no ano de 2015 ascendia a 1.457,5€, subindo, já no ano de 2016, ao montante de 1.466,6€[6]), tem de concluir-se pela demonstração (com o grau de probabilidade bastante às necessidades práticas da vida, ponderando as circunstâncias do caso e as regras da experiência da vida[7]) da factualidade em questão. Improcede, pois, a impugnação dirigida pela ré apelante à factualidade julgada provada. A.3. Da pretensão da ré apelante de ver julgada provada matéria resultante da discussão da causa. O nosso ordenamento processual admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes desde que não consubstancie factualidade essencial (que identifique ou individualize a causa de pedir e/ou a excepção alegadas). Na decisão da causa, para lá de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções, deve o juiz ‘ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al.b))’[8]. Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou excepção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão, factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo já ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – alínea c) do nº 2 do art. 5º do CPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou excepção alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da acção ou da excepção, por também constitutivos do direito invocado ou excepção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção)[9]. Podem assim ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais[10] – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar (art. 5º, nº 2, b) do CPC). A consideração dos novos (novos no sentido de não alegados nos articulados) factos complementares ou concretizadores exige, face ao disposto na parte final do art. 5º, nº 2, b) do CPC, que o ‘tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto’ com o facto em causa, ‘disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão’: não basta que o facto novo aflore na discussão da causa, onde o contraditório é observado, para que se possa concluir que às partes foi dada a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem – a exigência de observância do princípio da audiência contraditória na produção do meio de prova (donde emerge o facto novo a considerar) vale, em geral, para a produção de qualquer meio prova e, ‘portanto, é pressuposto que se coloca a montante do aproveitamento do facto’ que resulte do meio de prova, seja tal facto instrumental, complementar ou concretizador; admitir-se que o ‘juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado’, sendo por isso de entender que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, b) do CPC exige para que tais factos sejam considerados (independentemente de requerimento das partes nesse sentido) que o tribunal expressamente advirta as partes, antes do encerramento da discussão de facto, sobre a possibilidade de tais factos serem considerados[11], pois importa cumprir o contraditório quanto ao próprio aproveitamento do facto pelo tribunal[12] (sendo sempre possível às partes, então, além de se pronunciarem sobre a admissibilidade da aquisição do facto novo à luz do preceito, requerer ‘novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam’[13]). É esta a solução que se nos afigura respeitadora do processo justo e equitativo e a que resulta da ponderação do princípio da cooperação na obtenção da justa composição do litígio (art. 7º do CPC), sendo a mais consentânea com a proibição de decisões-surpresa[14]. Sendo a factualidade que o recorrente pretende ver incluída na decisão, a coberto da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, relevante à decisão da causa, a não observância de tal necessário pressuposto para a sua aquisição oficiosa imporá a anulação da decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC – pressupondo tal anulação que a factualidade em causa haja emergido da discussão da causa com a consistência suficiente e necessária para a sua demonstração em juízo (ou seja, que a discussão da causa os tenha tornado patentes). Na situação dos autos, a factualidade que a apelante pretende ver adquirida para a decisão e incluída na factualidade provada, por (como alega) ter emergido da discussão da causa (que o autor, desde 2019, desempenha funções de motorista de longo curso, mediante salário mensal de 1.800,00€), constitui factualidade complementar ou concretizadora da que individualiza a causa de pedir – deve ser qualificada como factualidade complementar, relevante para a apreciação do dano futuro resultante do défice funcional da integridade física de 5 pontos de que ficou a padecer, como sequela das lesões sofridas no embate (facto provado 41), pois que no cálculo da indemnização devida por tal dano, tendo por critério a teoria da diferença (art. 566º, nº 2 do CC), tem o tribunal de atender à data mais recente que puder ser atendida (que corresponderá ao momento do encerramento da discussão). Nas acções destinadas ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil extracontratual (em que a causa de pedir é complexa), como é a dos autos, os factos essenciais nucleares, identificadores ou individualizadores da causa de pedir, circunscrevem-se aos que individualizam a origem do direito invocado – os factos destinados a assegurar a concludência da pretensão (em toda a sua extensão) integram já a qualidade de factos complementares, como são os factos necessários ao apuramento dos valores indemnizatórios. A factualidade que a ré apelante pretende ver considerada desenvolve-se no âmbito da matéria de facto que individualiza a pretensão (que identifica a pretensão material que é feita valer em juízo), mas não a integra, antes a complementa, pois que releva à concludência da pretensão. Matéria que pode, assim, ser adquirida (ainda que não alegada pelas partes) nos termos do art. 5º, nº 2, b) do CPC, e que é relevante à decisão – o montante indemnizatório do dano patrimonial futuro, a apurar (por não ser possível averiguar do seu exacto valor) com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC), segundo juízos de verosimilhança e probabilidade, tem como ponto de apoio (um deles), a situação patrimonial em que o lesado se encontra (na data mais recente que puder atendida) e aquela em que se encontraria não fora a lesão, e assim que o capital produtor do rendimento perdido (ou cujo ganho tenha como correspectivo o esforço suplementar implicado pelo défice funcional resultante, com nexo de causalidade adequado, das lesões sofridas no evento lesivo) tem como ponto de apoio os rendimentos auferidos pelo lesado no momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal; a decisão apelada atendeu à situação patrimonial do lesado à data da propositura da acção, defendendo a ré apelante que deve ser considerada a situação patrimonial (diversa daqueloutra) verificada no momento da audiência da discussão e julgamento. Factualidade relevante à decisão da causa, que a discussão da causa tornou patente (isto é, que resultou com consistência necessária e suficiente para se ter por demonstrada a respectiva demonstração em juízo) – as testemunhas, de modo espontâneo (e sem que quanto a matéria existisse entre os inquiridos qualquer dissenso), afirmaram que o autor, tendo conseguido para tanto a necessária habilitação (carta de condução de veículos pesados), exerce desde há um par de anos actividade como motorista de longo curso [a CC afirmou ser essa a actual profissão/actividade do autor, não sabendo o valor do salário; o DD referiu que o autor é, actualmente, camionista, não sabendo precisar o vencimento, ainda que referisse superior a mil euros; o EE afirmou que o autor é, actualmente (depois de conseguir a carta de condução de veículos pesados), motorista, auferindo 1.800,00€; o FF, referiu que o autor é motorista de longo curso (conseguiu, depois do embate, tirar a carta de condução de veículos pesados), não sabendo qual o seu salário; o GG afirmou que desde há ‘cerca de ano e meio/dois anos’ (por referência à data da audiência de julgamento) o autor arranjara emprego como motorista da veículos pesados (longo curso), no que auferiria vencimento entre os 1.600,00€ os 1.700,00€]. Trata-se, pois, de factualidade complementar, relevante à decisão da causa, que da discussão da causa resultou patente (ou com suficiente consistência para ser tida por demonstrada), não resultando dos autos, todavia, que as partes tenham sido expressamente advertidas, antes do encerramento da discussão de facto, sobre a possibilidade da mesma ser adquirida e considerada pelo tribunal (tal não foi feito constar da acta da audiência de discussão e julgamento e ouvida a gravação de tal diligência não se descortina que tal advertência tivesse ocorrido). Impõe-se, assim, anular a sentença no segmento relativo à apreciação e fixação do montante indemnizatório quanto ao dano patrimonial futuro, nos termos do art. 662º, nº 2, c) e nº 3, c) do CPC, pois que se mostra indispensável ampliar a matéria de facto – impõe-se decidir da factualidade que a ré apelante pretende ver considerada, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, e a que alude na conclusão 6ª das suas alegações, o que demanda o necessário prévio cumprimento do contraditório (nos termos que se deixam referidos – não só possibilitar pronúncia sobre a admissibilidade da aquisição do facto novo à luz do preceito, como também sobre a realidade de tal factualidade, facultando-se a possibilidade das partes requererem novos meios de prova em relação à factualidade em questão), estando a repetição do julgamento limitada a tal matéria nova (sem prejuízo de incidir sobre outros pontos em vista de evitar contradições – art. 662º, nº 3, c) do CPC). B. Dos montantes indemnizatórios para ressarcimento dos danos patrimoniais. B.1. Do montante indemnizatório do dano patrimonial futuro. A apreciação deste segmento da apelação (quer da apelação independente do autor, quer da apelação subordinada da ré) mostra-se prejudicado em razão da anulação da sentença (parcial) em vista da ampliação da matéria de facto, como acaba de ser decidido (arts. 608º, nº 2 e 663º, nº 2 do CPC) – anulação cujo âmbito se circunscreve ao dano patrimonial futuro (a matéria de facto exclusivamente respeitante a esse dano), não afectando a apreciação dos demais danos e estabelecimento dos respectivos montantes (dano não patrimonial e dano patrimonial pelo lucro cessante resultante de perdas salariais). B.2. Do montante indemnizatório fixado para ressarcir o autor pelo dano patrimonial consistente nas perdas salarias no período da ITA – apelação subordinada da ré. Censura a ré apelante o montante fixado na decisão recorrida para indemnizar o autor pelo dano patrimonial relativo ao lucro cessante – perdas salariais no período em que o autor, em consequência das lesões sofridas no embate, se viu impedido de exercer a sua actividade profissional. Não questiona a apelante a existência do referido dano patrimonial (e a obrigação de os indemnizar que sobre si impende), apenas o montante arbitrado, sustentando que, modificada a decisão da primeira instância nos termos por si propugnados, a indemnização tem de ser reduzida, reportando-a aos rendimentos auferidos (à retribuição base auferida) à data do embate (veja-se a conclusão 8ª) – ou seja, excluindo, no cálculo, os valores recebidos a outros títulos que não retribuição (como ajudas de custo e subsídios de alimentação). Pretensão improcedente. Apurado que (ao tempo do evento lesivo) a entidade patronal do autor lhe proporcionava, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições e que nenhum dos valores recebidos como contrapartida da prestação do trabalho se destinava a fazer face a despesas que tivesse de suportar por virtude da prestação do trabalho (factos provados 48 e 49), têm todos os valores recebidos de ser havidos como retribuição (sejam os valores recebidos como ajudas de custo, sejam os montantes percebidos como subsídio de alimentação). A regra (art. 260º, nº 1, a) e nº2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, com as posteriores alterações) é a de que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo e de subsídio de alimentação refeição não devem ser consideradas como retribuição. Serão, todavia, havidas como retribuição quando o seu pagamento for frequente e o seu valor exceder largamente o gasto que se destinam a compensar – o carácter não retributivo de despesas feitas em serviço merece a ressalva de que ‘se tais despesas forem frequentes e o seu valor exceder largamente o gasto que pretende compensar’, serão ‘consideradas retribuição, na parte que exceda os respectivos montantes normais, quando tal resultar do contrato ou dos usos.’[15] Na situação dos autos, constata-se não só a frequência mensal (a regularidade e permanência) do pagamento de tais valores (12 vezes por ano o valor designado como ajudas de custo; 11 vezes por ano o valor do subsídio de alimentação) como a evidência de que excedem, por completo (na sua totalidade), o gasto a que, usualmente, tais subsídios se destinam, pois que a entidade patronal proporcionava ao autor, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições. Factos que permitem presumir (presunção judicial – arts. 349º e 351º do CC) que tais valores haviam sido contratualmente previstos (por autor e entidade patronal) como integrando a retribuição – ponderando que a entidade patronal se obrigara a proporcionar ao autor alojamento, transporte e alimentação, da circunstância de pagar também aqueles subsídio e ajudas de custo retira-se, com segurança (em atenção a regras de lógica e razoabilidade), a ilação de que os mesmos se destinavam, directamente, a retribuir a prestação de trabalho e não já a compensar eventuais despesas ou gastos suportados pelo autor em função e por causa da prestação laboral. Conclui-se, assim, que, ao tempo do evento lesivo, a retribuição auferida pelo autor era integrada pelos valores referidos no facto provado número 46 e, assim, que a sua retribuição média mensal ascendia a 1.719,70€. Estando provado que o autor se viu impossibilitado, em resultado das lesões sofridas no embate, de exercer, durante cerca de 20 meses, a actividade profissional a que se vinha dedicando ao tempo do evento lesivo (facto provado número 50), fácil é concluir que não auferiu, no referido período, os rendimentos que, com toda a probabilidade e verosimilhança, teria auferido – de acordo com juízos de probabilidade, verosimilhança e normalidade, não fora o embate e consequências dele resultantes (consequências ao nível da sua integridade física), o autor teria continuado a exercer a sua actividade profissional sem qualquer hiato e sem qualquer limitação, auferindo os correspondentes rendimentos. Ou seja, deixou o autor de auferir, de acordo com os referidos juízos de probabilidade e verosimilhança, os rendimentos correspondentes ao período de tempo em que se viu impossibilitado de exercer a sua actividade como consequência directa e necessária das lesões sofridas no embate – o rendimento global (ponderando o valor da retribuição média mensal referida e os cerca de vinte meses de incapacidade absoluta para o trabalho), de 34.594,00€. Improcede, pois, a apelação subordinada da ré quanto a este segmento relativo ao montante do dano patrimonial concernente às perdas salariais. C. Do montante arbitrado para compensar o autor pelo dano não patrimonial. Insurgem-se os apelantes contra o montante fixado para compensar o autor pelos danos não patrimoniais (a decisão recorrida entendeu justo e equitativo o montante de 60.000,00€) – o autor reputa-o como exíguo, entendendo como justo e equilibrado o montante mínimo de 90.000,00€; a ré considera-o excessivo e desajustado, sustentando que o montante de 30.000,0€ se coaduna com o dano sofrido e com os critérios jurisprudenciais atendíveis. A indemnização por danos não patrimoniais, justificada nas situações em que a sua gravidade mereça a tutela do direito (art. 496º, nº 1 do CC), não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido ou até uma satisfação (tal dano, porque relativo a bens que não integram o património do lesado, apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização)[16]. Na responsabilidade civil por factos ilícitos, como é o caso dos autos, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza mista: se por um lado visa compensar o lesado (função essencialmente reparatória), não lhe é alheio o propósito (acessório) de reprovar, sancionar ou castigar o lesante pela conduta causadora do dano[17]. O montante da reparação pecuniária dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente em atenção ao grau de culpa do lesante, sua situação económica e demais circunstâncias relevantes (arts. 496º, nº 3 e 494º do CC). A equidade (que neste âmbito funciona como único recurso) convoca as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo este um dos domínios onde mais necessário se torna o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir[18] - exige-se juízo que, ponderando os critérios jurisprudenciais, atenda o curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar. O critério legal a atender para a fixação do montante indemnizatório do dano não patrimonial é o da sua gravidade, nos termos do art. 496º, nº 1 do CC e deve ser adequado e suficiente para compensar o lesado pelo dano sofrido e para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado (para lá de proporcionado à reprovação ou castigo pela conduta causadora do dano). Constata-se presentemente a tendência para alargar o círculo de danos ressarcíveis, conformando o ordenamento à compreensão abrangente do ser humano – o ‘homo faber ou homo economicus da época industrial dá lugar ao homo ludicus ou homo aestheticus da época do lazer, da cultura e da informação’, e a pessoa humana corporeamente encarnada ‘dá-se a conhecer em todas as suas concretas dimensões (v. g., trabalhador, pai de família, amigo, ser lúdico e relacional) e interioriza e vivencia como todas elas são decisivas no seu estado de equilíbrio físico-psíquico, em que a saúde se consubstancia’, erigindo-se um conceito de dano que questiona e repudia a concepção puramente economicista do ser humano, reconhecendo antes uma intrínseca dignidade e uma ‘essencialidade ontológica da pessoa que está muito para além (antes, durante e depois) do chamado homo faber, radicando em sólidos princípios civilizacionais que os ordenamentos normativos foram erigindo à categoria de direitos fundamentais de personalidade’[19]. Componentes relevantes do dano não patrimonial, ao lado do dano biológico – aqui visto na sua vertente de alteração morfológica, enquanto privação da capacidade de utilizar o corpo da forma como antes do evento lesivo o lesado fazia, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida –, surgem[20] o dano estético – o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o ‘pretium doloris’ – as dores físicas e psíquicas (desgostos, inibições, frustração, revolta, etc.) –, o prejuízo de afirmação pessoal e social – dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica) –, o prejuízo da saúde geral e da longevidade – o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida –, o ‘pretium juventutis’ ou prejuízo da distracção ou passatempo – que põe em evidencia a especificidade da frustração do viver a vida na plenitude das funções do corpo e espírito – e a perda de qualidade de vida. No caso concreto, emergem as seguintes circunstâncias: - o autor (nascido em .../.../1994 – ao tempo do evento lesivo estava a três semanas de completar 22 anos) foi embatido (sem que para tanto haja minimamente contribuído) quando conduzia motociclo e projectado ao solo, sofrendo lesões, sendo assistido e transportado ao hospital, apresentando traumatismo facial, traumatismo do membro superior esquerdo, traumatismo do membro inferior direito e escoriações e contusões múltiplas, - apresentava também queixas dolorosas na mão esquerda, com deformidade do punho, da região cervical e transição dorso lombar, - detectada, no punho esquerdo, a existência de fractura luxação, foi tentada manualmente a sua redução, o que se revelou infrutífero, - manteve-se internado para se submeter a cirurgia – e cinco dias após o embate foi submetido a intervenção cirúrgica (por ortopedia), realizando-se a redução da referida fractura com aplicação de material de osteossíntese, - manteve-se internado até 26 de Fevereiro de 2016, data em que teve alta administrativa, não curado, passando a ser seguido na consulta externa de ortopedia do hospital e a ser tratado no Centro de Saúde, aí fazendo curativos, passando entretanto a ser seguido e tratado nos serviços clínicos da ré, no Hospital ..., na cidade do Porto, - no Hospital ... foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas – uma delas, realizada sem 14/03/2017, em que foi realizada EMOS de placa de Flower e artrodese do punho, com placa trimed de medcomtech e outra, em 5/09/2017, em que foi submetido a cirurgia a síndrome do túnel cárpico esquerdo, - recebeu acompanhamento médico, proporcionado pela ré na área da psiquiatria, por revelar um estado de irritabilidade, com comportamento socialmente instável e agressividade constante com terceiros, incluindo familiares, - em 25/10/2017 os serviços clínicos da ré deram-lhe teve alta clínica, ficando afectado de sequelas (resultantes das lesões sofridas) ortopédicas e psiquiátricas, designadamente: - sob o ponto de vista ortopédico: ao nível da face, fractura dos ossos do nariz com perturbação na ventilação nasal; ao nível do membro superior esquerdo, cicatriz rosada na face externa do punho esquerdo com vestígios de pontos de sutura nacarados, oblíqua inferoanteriormente com 2,5 cm de comprimento total, cicatriz na face palmar da mão região tenar e na face anterior do punho linear ligeiramente rosada com 2 cm de comprimento, cicatriz rosada que se estende verticalmente pela face posterior do punho onde mede 9 cm de comprimento continuando-se pela face posterior do punho por mais 4 cm de comprimento, com largura máxima de 1 cm e mínima de 0,3 cm, cicatriz linear mediana na face palmar anterior do punho e palma da mão vertical nacarada com 1 cm de comprimento, ligeira deformidade generalizada da face posterior da região metacárpica da mão, sendo ligeiramente irregular, anquilose do punho esquerdo com prono-supinação conservada, ainda que limitada; rigidez dos dedos das mãos (esquerda e direita), sensação de hipostesia e limitação nos movimentos de pinça; dor esporádica ao nível do punho e da mão, - sob o prisma psiquiátrico, o autor iniciou um quadro depressivo, com ansiedade marcada, reativo às dores, tratamentos e à incapacidade funcional - apresenta humor francamente depressivo, labilidade emocional, dificuldade para tomar decisões, tendência para o isolamento, tristeza, anedonia e irritabilidade fácil, mostrando-se apreensivo quanto ao futuro, face à manutenção das limitações e das dores, ainda que esporádicas, e perante as implicações negativas que o seu estado de saúde tem na sua vida pessoal, familiar e social, sequelas subsumíveis a um transtorno de adaptação com humor depressivo, - tais sequelas (ortopédicas e psiquiátricas) determinam ao autor um défice funcional da integridade físico-psíquica de 15 pontos, - submetido a seis intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o autor padeceu dores decorrentes das lesões sofridas e sujeitou-se a tratamentos dolorosos, que se prolongaram durante cerca de 20 meses, até à data da alta, sendo o quantum doloris graduável em 5, numa escala de 1 a 7, - tem dificuldade, em razão das dores que o acometem, em fazer esforços com o membro inferior esquerdo, - as sequelas de ficou a padecer têm uma repercussão nas actividades de desporto e de lazer graduável em 3, numa escala de 1 a 7. - as cicatrizes que ostenta desfeiam o autor, que por isso se sente complexado e com vergonha, desvalorização graduável em 3, numa escala de 1 a 7. - antes do embate, o autor era uma pessoa alegre e extrovertida, tendo actualmente tendência para se isolar, mostrando-se desgostoso, triste, ansioso e revoltado. - durante parte do período de incapacidade temporária absoluta careceu de auxílio de terceira pessoa, mormente para o ajudar nas tarefas diárias (a vestir, despir, tratar da higiene), bem como o acompanhar aos tratamentos, visto não ter condições para o fazer sozinho, necessidade esta que foi causa de perturbação e transtorno. A matéria de facto espelha a considerável gravidade dos danos sofridos – para lá da necessidade de se submeter a seis intervenções cirúrgicas e tratamentos dolorosos ao longo do período de vinte meses até à data da alta (tendo de recorrer, durante parte do período da incapacidade absoluta, à ajuda de terceira pessoa para a realização da higiene, para se vestir e despir, o que foi causa de perturbação e transtorno), releva o quantum doloris, quantificado no quinto grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade, merecendo também sublinhado e realce o dano estético permanente (quantificado no terceiro grau de escala crescente de sete graus) e a repercussão permanente sentida pelo autor nas actividades desportivas de lazer (quantificada no terceiro grau de escala crescente de sete graus), para lá da perda da qualidade de vida de um jovem que ao tempo do evento lesivo se aprestava a completar 22 anos, considerando as sequelas definitivas de que ficou a padecer e reveladas no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 15 pontos que o afecta (que impedem o pleno fruir da vida – as sequelas psicológicas são patentes e por isso o autor se mostra desgostoso, triste, ansioso e revoltado – e até implicam, em termos de previsibilidade, uma diminuição da esperança de vida). O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para a justa medida do montante compensatório é encontrado nos padrões jurisprudenciais atinentes à indemnização destes danos. A decisão recorrida entendeu justa e adequada, como referimos, para compensar tai danos, a quantia de sessenta mil euros (60.000,00€), que se não nos afigura merecedora de censura por aproximada e conforme à sensibilidade que se extrai dos padrões jurisprudenciais a atender, ponderando as seguintes decisões do STJ: – de 19/04/2018[21], que fixou em 45.000,00€ o dano não patrimonial de lesada que, com 45 anos de idade, se viu sujeita a duas intervenções cirúrgicas, a longo período de clausura hospitalar, que ficou a padecer de extensas sequelas anátomo-funcionais, traduzidas em défice funcional permanente de 26 pontos, correspondente a uma IPP de 42,2495%, sofreu um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, padeceu de quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, além do desgosto de se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras em termos laborais, - de 12/06/2018[22], que manteve em 60.000,00€ o montante da indemnização por danos não patrimoniais (julgando improcedente a revista da seguradora, que pretendia a sua redução para 40.000,00€, entendendo que o valor encontrado na decisão recorrida se não afastava significativamente dos padrões jurisprudenciais seguidos em casos equiparáveis) de lesado que, com 45 anos à data do evento lesivo, sofreu quatum doloris fixável no grau 6/7, ficou (como sequela) com um dano estético fixável no grau 3/7, uma repercussão permanente nas atividade desportivas e de lazer fixável em 3/7, uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3/7, necessitando no futuro de ajudas medicamentosas, ajudas técnicas e tratamentos médicos regulares, e ficando afectado de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 39 pontos, - de 10/12/2019[23], que não viu razão para divergir do montante de 60.000,00€ arbitrado para compensar lesada com 21 anos ao tempo do evento que ficou afectada por défice funcional permanente de 19 pontos (que não impossibilitando a lesada de exercer a actividade profissional de enfermeira, para que cursava, comporta limitações para actos que exijam maior esforço físico e que impede o desempenho de actividades anteste exercidas), que sofreu período de internamento hospitalar de 35 dias (dez deles em coma induzido), que apresenta lesões/cicatrizes no crânio, na face, no tórax e nos membros inferiores, que sofreu quantum doloris de grau 6/7, que padece de dano estético permanente de 5/7 e que necessita de ajuda de terceiros para actividades da vida diária que impliquem esforços maiores (e que viu esfumada a possibilidade de fazer trabalhos de modelo fotográfico, que realizava antes do evento), - de 10/02/2022[24], que teve como equilibrada (não vendo razões para dela divergir, negando a revista à responsável pela indemnização) a quantia de 60.000,00€ para compensar lesado com 21 anos que (tendo sofrido traumatismo e fracturas ao nível craniano, da face, mandibular, orbital, do ombro, úmero, clavícula, antebraço esquerdo e estrutura pélvica e que foi submetido a duas operações cirúrgicas do foro ortopédico e maxilo-facial) esteve internado durante o mês seguinte ao evento (tendo registado outros internamentos), vindo a ser sujeito a mais três operações (à mandíbula, ao nariz e à coluna vertebral, clavícula e antebraço), que ficou afectado de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 14 pontos, sendo fixado o quantum doloris de 7/7, o grau 5 de 7 na afectação da imagem do lesado em relação a si e aos outros e o grau 5 de 7 para a repercussão nas actividades desportivas e de lazer, e - de 11/05/2022[25] que entendeu ser de fixar em 60.000,00€ (concedendo total procedência à pretensão do autor recorrente a esse propósito) a indemnização por danos não patrimoniais a lesado com 17 anos ao tempo do embate, ponderando o dano estético (4/7), o “quantum doloris”(6/7), o período de incapacidade (período de défice funcional temporário parcial fixável de 1987, período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 80 dias e um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 1954 dias), a dimensão dos danos crâneo-encefálicos, na face, vertebral e de membros, a repercussão permanente em atividades de lazer e desportivas avaliada em 4/7 e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica/dano biológico de 18 pontos. Ponderando, assim, o longo período de recuperação até à consolidação das lesões (vinte meses) – com sujeição a seis intervenções cirúrgicas – , o quantum doloris (5/7), o dano estético (3/7), a repercussão nas actividades desportivas e de lazer (3/7), o défice funcional de 15 pontos, tudo a repercutir-se na perda de qualidade de vida do autor (que ao tempo do embate estava a semanas de completar os vinte e dois anos – e por isso que se impõe relevar adequadamente o pretium juventutis), conclui-se que se apresenta como equilibrado, justo, ponderado e conforme aos padrões jurisprudenciais atendíveis o montante de 60.000,00€ encontrado na decisão apelada para indemnizar o autor pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do evento lesivo, improcedendo, neste segmento, as pretensões recursórias dos apelantes (apelação independente do autor e apelação subordinada da ré). D. Síntese conclusiva Do que vem de se expor resulta a improcedência das apelações (independente e subordinada) quanto ao montante do dano não patrimonial e a improcedência da apelação subordinada da ré quanto ao dano patrimonial relativo às perdas salarias, impondo-se a anulação da sentença na parte concernente ao dano patrimonial futuro (segmento impugnado por ambas as partes), por se considerar indispensável a ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, c) e nº 3, c) do CPC), podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições: .............................................. ………………………………………………………….. …………………………………………………………..*DECISÃO *Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível: - em manter a sentença apelada quanto aos valores fixados a título de danos não patrimoniais e dano patrimonial referente às perdas salariais, julgando improcedentes a apelação independente do autor e a apelação subordinada da ré a propósito, - em anular a sentença apelada (no segmento concernente à determinação do dano futuro, decorrente do défice funcional da integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer) em vista da ampliação da matéria de facto, nos termos referidos – apreciar e decidir (cumprindo o necessário contraditório, nos termos que se expressaram – e facultando-se a possibilidade de serem produzidos novos meios de prova em relação à factualidade em questão) da factualidade que a ré apelante pretende ver considerada, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC (matéria de facto a que alude na conclusão 6ª das suas alegações). A repetição do julgamento está limitada a tal matéria nova (sem prejuízo de incidir sobre outros pontos em vista de evitar contradições – art. 662º, nº 3, c) do CPC). Autor e ré suportarão as custas as respectivas apelações quanto aos segmentos já apreciados (dano não patrimonial, relativamente a ambas as apelações; dano patrimonial pelas perdas salariais, relativamente ao recurso subordinado); relativamente ao restante segmento, as custas das apelações são da responsabilidade de quem por elas for responsável (e na mesma proporção) a final.* Porto, 11/10/2022 (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues _________________________ [1] A especificação dos meios probatórios que, no entender do recorrente, determinam decisão diversa quanto aos factos impugnados e, bem assim, a indicação, relativamente aos meios de prova gravada que constituam fundamento da impugnação, das passagens da gravação relevantes, deve ser feita na motivação (não sendo necessário constarem das conclusões) – p. ex., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 165/166 e 168/169. [2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2014, 2ª edição, p. 587. [3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (citando, a propósito, Teixeira da Sousa), Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração), 2018, pp. 26 e 21 e 721 a 723. [4] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 290. [5] Consigna-se ter-se procedido à integral audição da audiência de discussão e julgamento. [6] Dados retirados de página que apresenta dados demográficos, de comércio, de mercado, laborais e outros indicadores variados (https://pt.countryeconomy.com/), como os valores de salário mínimo praticados nos diferentes países do mundo (https://pt.countryeconomy.com/mercado-laboral/salario-minimo-nacional) – aí é apresentada a evolução do salário mínimo em França desde o ano de 1999 até ao presente (https://pt.countryeconomy.com/mercado-laboral/salario-minimo-nacional/franca). [7] A demonstração da realidade dos factos em juízo não exige a certeza absoluta da realidade dos ‘factos, antes o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’ - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 191/192. [8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 27. [9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, pp. 27 e 29. [10] Teixeira de Sousa, in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397 (na sequência do que ensina já nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pp. 71 a 74), nota que deve distinguir-se a factualidade necessária ‘para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo’, que constitui a causa de pedir, daquela que constitui factualidade complementar ou instrumental: - os factos complementares ‘concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir (cf. art. 5.º, n.º 2, al. b))’ e ‘asseguram a concludência da alegação da parte’; não ‘esgotam uma previsão legal, mas, como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte’ e ‘realizam, por isso, uma função de fundamentação desta pretensão’; - os ‘factos instrumentais (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a)) são os factos que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cf. art. 349.º a 351.º CC), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares; os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos; portanto, os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa.’ [11] Acórdão do STJ de 7/02/2017 (Pinto de Almeida), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, e com o mesmo relator, os acórdãos do STJ de 23/02/2021 e de 10/04/2018, e bem assim o acórdão desta Relação (e deste colectivo, relatado pelo relator do presente – cuja argumentação se vem seguindo) de 13/07/2022, todos no sítio www.dgsi.pt. [12] Citado acórdão do STJ de 10/04/2018. [13] Citado acórdão do STJ de 7/02/2017. [14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 29. [15] Acórdãos do STJ de 9/03/2022 (Maria Clara Sottomayor) - citando Joana Vasconcelos, in Código de Trabalho Anotado, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013 - e de 12/11/2020 (Nuno Pinto Oliveira), no sítio www.dgsi.pt. [16] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, revista e actualizada (7ª reimpressão da edição de 2000), p. 601. [17] Cfr., p. ex., acentuando este carácter repressivo e sancionatório, A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), p. 608 e Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481, que dá nota do carácter punitivo da indemnização (o seu papel retributivo e carácter preventivo). [18] A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), p. 605, nota 4. [19] João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e aspectos resarcitórios, Almedida, 2001, pp. 13 e 14 e 100. [20] Acórdãos do STJ de 5/07/2007 (Nuno Cameira), de 18/06/2009 (Raúl Borges), de 14/09/2010 (Sousa Leite) e de 18/10/2018 (Hélder Almeida), todos no sítio www.dgsi.pt. [21] Acórdão proferido no processo nº 196/11.6TCGMR.G2.S1 (António Piçarra), no sítio www.dgsi.pt. [22] Acórdão proferido no processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1 (Rosa Tching), no sítio www.dgsi.pt. [23] Acórdão proferido no processo nº 32714.1TBMTR.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado), no sítio www.dgsi.pt. [24] Acórdão proferido no processo nº 12213/15.6T8LSB.L1.S1 (Vieira e Cunha), no sítio www.dgsi.pt. [25] Acórdão proferido no processo nº 33/14.0T8MCN.P1.S1 (Maria Clara Sottomayor), no sítio www.dgsi.pt.
Apelação nº 3527/18.4T8PNF.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues Acordam no Tribunal da Relação do Porto * RELATÓRIOApelante (recurso independente) / apelado (recurso subordinado): AA. (autor) Apelante (recurso subordinado) / apelada (recurso independente): K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal (ré) Juízo central cível de Penafiel (lugar de provimento de Juiz 3) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.*Realizada a audiência de julgamento na acção interposta por AA contra a ré K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal, destinada ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil emergente de acidente de viação, foi proferida sentença que (além de julgar procedente o pedido de reembolso formulado pelo interveniente Instituto da Segurança Social, Centro Distrital do Porto, condenando a ré a pagar-lhe a quantia de 504,54€, acrescida de juros de mora), julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor: a) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia global de 115.471,87€ (cento e quinze mil quatrocentos e setenta e um euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos deste a citação da ré e até integral e efectivo pagamento, e b) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento. Não se conformando com o assim decidido, apelam ambas as partes – recurso independente o do autor, recurso subordinado o da ré. O autor – discordando dos montantes indemnizatórios arbitrados, por os considerar exíguos, pretendendo que seja fixado em 500.000,00€ o montante indemnizatório para o ressarcir pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade de que ficou afectado e que seja arbitrado o valor de 90.000,00€ para o compensar pelos danos não patrimoniais – termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões: 1ª- O montante fixado no douto acórdão (80.000,00€) como indemnização devida ao recorrente, a título de ressarcimento dos danos de natureza patrimonial decorrentes da Incapacidade Permanente Geral de que este ficou a padecer é manifestamente exíguo e insuficiente. 2ª- A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado. 3ª- Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma e até ao final da vida (78 anos, em média, atualmente). 4ª- É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares. 5ª- Sem perder de vista a equidade, será adequado, na esteira do que tem sido decidido em várias decisões dos nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II. 6ª- Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais. 7ª- Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade. 8ª- In casu, haverá, desde logo, que levar em conta que, talqualmente se provou, a IPG que afeta o recorrente, conquanto não seja de 100%, é total e absolutamente impeditiva do exercício da sua profissão habitual, implicando reconversão e que tenha de sujeitar-se a exercer outra profissão compatível com a suas limitações físicas, menos qualificada, menos exigente e com menor retribuição. 9ª- Nos cálculos, deverão ter-se em consideração os seguintes fatores relevantes: a idade do lesado, com 21 anos, apenas, a IPG de 15%, com IPATH, a remuneração auferida na data do acidente, de 1.719,70€ mensais, como carpinteiro de cofragem, a remuneração que passou a auferir no novo emprego de servente, para o qual foi reconvertido, de 771,33€ mensais. 10ª- Releva sobremaneira a circunstância de o recorrente, por virtude da incapacidade absoluta para a profissão habitual, ter sido “obrigado” a conformar-se com um emprego de categoria muito inferior (servente), com um salário também muito mais baixo e com uma perda efetiva de rendimento do trabalho de cerca de 11.500,00€ anuais (por arredondamento). 11ª- Através da mencionada fórmula, considerando os fatores relevantes (salário anual de 14.074,00€, idade de 21 anos e grau de incapacidade, que é absoluta para a profissão habitual - IPATH) e tendo em conta o período de vida laboral ativa até aos 70 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, é de 0%) e perda de rendimentos, encontramos um capital superior a 500.000,00€. 12ª- Será igualmente pertinente lançar mão do método de cálculo usado no douto acórdão do STJ, de 09/09/2015, proferido no proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, 3.ª Secção. 13ª- Mediante este método e utilizando os mesmos fatores, chegamos a um valor superior – ou seja, cerca de 550.000,00€ (por arredondamento). 14ª- Ademais, sempre haverá que sublinhar que a incapacidade que afeta o Autor é, em concreto, total e absoluta para a profissão habitual (IPAPH) e implicou a reconversão para a profissão de servente, com qualificação profissional e salário muito inferiores. 15ª- Tendo, pois, presentes as regras da equidade e da justa medida das coisas, afigura-se que será adequado compensar o Autor com o montante de 500.000,00€, como indemnização pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade permanente (IPATH) que o afeta. 16ª- Este montante não deverá ser alvo de qualquer desconto ou redução por suposto benefício económico e financeiro em razão do recebimento antecipado e de uma só vez, visto que, atualmente, as taxas de juro de depósitos bancários se cifram em 0% e não se vislumbram tendências para subida. 17ª- Ademais, caso esse benefício existisse, seria ele residual e não chegaria para cobrir o malefício inerente à erosão monetária, à inflação dos custos e à evolução dos salários, que a indemnização também deverá prever e compensar. 18.ª- Peca também por escassez, a indemnização (60.000.00€) fixada pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial. 19ª- Em relação ao valor destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, deve, no seu arbitramento, atender-se às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente. 20ª- A extensa factualidade apurada e que aqui damos por reproduzida fala por si e é esclarecedora quanto às gravíssimas consequências que do acidente advieram para o recorrente. 21ª- Valendo-nos, pois e uma vez mais, da equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço e a função ressarcitória e punitiva da indemnização, temos que a justa e equilibrada compensação pelos danos não patrimoniais sofridos deverá corresponder ao montante mínimo de 90.000,00€. 22ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil. A ré, impugnando a decisão da matéria de facto e defendendo a redução dos montantes arbitrados, que reputa como exagerados (entendendo que a indemnização pelo lucro cessante relativo ao período de ITA deve ser reduzida em atenção à alteração da matéria de facto que propõe, que, relativamente ao dano patrimonial futuro, a indemnização deve ser fixada entre os 30.000,00€ e os 60.000,00€ conforme se altere a factualidade dada como provada ou se mantenha a mesma e que a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 30.000,00€), formula as seguintes conclusões: 1ª- Nos termos do disposto nos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida. 2ª- Tendo em conta os depoimentos das testemunhas – BB, CC, DD, EE, FF e GG, depoimentos estes constantes do Sistema de Gravação Áudio do citius, concatenados com os documentos fiscais constantes dos autos e com as conclusões da perícia médico-legal, o Tribunal “a quo” podia e devia ter julgado de modo diverso a matéria dos pontos 47., 48., 49. e 51. da matéria de facto provada, bem como poderia ter assentado factualidade respeitante ao concreto emprego que o recorrido desempenha atualmente, bem como do salário que, em contrapartida, recebe. 3ª- A materialidade dos pontos 48. e 49. deverá dar-se por não provada. 4ª- No ponto 47. da Matéria de Facto Provada, deverá dar-se por apurado que o autor tinha uma retribuição anual de cerca de 7.200,00€. 5ª- E no ponto 51. da Matéria de Facto Provada deverá dar-se por assente que o autor no período de ITA perdeu salários no montante global de 12.000,00 (600x20) €. 6ª- Defende a recorrente o aditamento à matéria de facto dada como provada a respeito da atividade profissional atual do A. e salário auferido, no sentido de se acrescentar à mesma dois novos itens, com a seguinte redação: “i. Desde data não concretamente apurada, no ano 2019, o autor desempenha funções de motorista de longo curso. ii. Mediante o salário mensal de 1.800,00 €.” 7ª- Portanto, espera-se deste Colendo Tribunal, que, fazendo uma apreciação crítica e conjugada das provas, altere a factualidade apurada nos moldes que se deixam preconizados. 8ª - Procedendo-se à alteração da matéria factual provada (e não provada) nos moldes que se deixam preconizados, a indemnização fixada ao A., destinada a indemnizar a inexistente perda de rendimento, e os períodos de ITA, terá de ser proporcionalmente reduzida, tendo-se por referência os únicos rendimentos que a estes títulos provou auferir, os constantes dos seus recibos de vendimento como “retribuição base” à data do acidente, bem como o seu atual salário de 1.800,00€. 9ª- São manifestamente excessivas a indemnizações arbitradas pelo Tribunal a quo a título de ressarcimento do dano patrimonial consubstanciado no défice funcional permanente (dano biológico) que afeta o autor. 10ª- In casu, tendo presentes os factos provados quanto à incapacidade permanente, haverá que ressarcir a maior penosidade e esforço acrescido que o autor terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos resultados. 11ª- A indemnização atinente à incapacidade ou défice parcial permanente que afeta o autor, enquanto dano biológico de cariz patrimonial, deverá corresponder a um capital produtor dos rendimentos perdidos, que se extinga no final do período em que, previsivelmente, esses rendimentos seriam obtidos. 12ª- Será, se assim suceder, pertinente recorrer, como mero auxiliar de cálculo, às conhecidas “tabelas financeiras” comumente utilizadas no cômputo das indemnizações. 13ª- Nesse cálculo haverá que ponderar vários fatores, tais como a idade da vítima, a retribuição líquida auferida, a incapacidade provada e o período previsível duração da vida ativa. 14ª- Ao que acresce que, sob pena de injusto locupletamento, o rendimento a ter em conta deverá ser apenas o rendimento líquido. 15ª- No que se refere à indemnização pelos danos patrimoniais inerentes à IPG e seus efeitos, no âmbito da atividade por conta de outrem, deverá ter-se em conta o rendimento fiscalmente declarado, ou seja, o valor bruto de 7.200,00€. 16ª- Fazendo-se as contas através do uso das conhecidas “tabelas financeiras”, tendo em consideração a idade do autor à data do acidente (22 anos), o valor do rendimento anual líquido auferido (600,00 €), o défice funcional permanente 15 pontos) e o tempo previsível de vida ativa restante (cerca de 49 anos) atingimos um montante na casa dos 40.000,00€. 17ª- A esse valor haverá que deduzir o montante correspondente benefício correspondente ao recebimento antecipado e de uma só vez, do capital indemnizatório, estimando-se que tal benefício corresponde a cerca de ¼ daquele montante, ou seja, cerca de 10.000,00€. 18ª- De modo que o “dano biológico”, enquanto dano de natureza patrimonial, indexado à (teórica e ficcionada) perda de rendimentos do trabalho dependente, merecerá ser ressarcido com indemnização que não exceda os 30.000,00€. 19ª- No caso de se entender que é de manter inalterada a matéria de facto dada como provada na douta sentença em crise, levando em conta um (irrealista) montante bruto de 20.636,70€, a que corresponde o montante líquido máximo de 14.445,69€, fazendo-se uso das mesmas “tabelas financeiras”, atinge-se um montante na casa dos 80.000,00€. 20ª- E uma vez mais haverá que corrigir e temperar o resultado assim obtido à luz das regras da equidade, tendo presente que ao valor obtido sempre haverá que deduzir o benefício decorrente da antecipação do recebimento do capital indemnizatório, que é pago de uma só vez. 21ª- Será então adequado fixar esse benefício da antecipação em cerca de 20.000,00€. 22ª- E, assim, no que respeita ao “dano biológico”, como dano de natureza patrimonial, indexado à teórica perda (abstrata) de rendimentos salariais da atividade de trabalhador por conta de outrem do A., conforme se altere a factualidade dada como provada ou se mantenha a mesma inalterada, a justa indemnização por esse dano estará, respetivamente, entre os 30.000,00€ e os 60.000,00€. 23ª- Também o montante que o Tribunal a quo entendeu atribuir como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido (60.000,00€), afigura-se manifestamente excessivo. 24ª- Com efeito, apesar de se reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são relevantes e dignos de uma compensação pecuniária expressiva, entende a ora recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título é desajustado, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos. 25ª- Os nossos Tribunais Superiores, em casos idênticos e noutros até substancialmente mais graves do que o presente, vêm atribuindo montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo. 26ª- Na ausência de critérios matemáticos auxiliares, a indemnização dos danos não patrimoniais deverá ser calculada com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de fatores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano. 27ª- Considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 30.000,00€, sob pena de não se coadunar, por exorbitante, à gravidade e extensão dos danos morais sofridos. 28ª- Tal quantia traduz já de forma muito expressiva a gravidade das lesões do recorrido, sendo, ademais, certo que, os danos não patrimoniais se encontram já incluídos, em boa medida, no âmbito do dano biológico. 29ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artigos 495.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil. Em contra-alegações, defenderam as partes a improcedência do recurso da contraparte (invocando o autor não ter a ré cumprido os ónus impostos na 1ª parte da alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC).*Colhidos os vistos, cumpre decidir.*Do objecto do recurso Considerando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar (enunciadas por ordem lógico-jurídica): - da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto (recurso subordinado da ré), - dos montantes indemnizatórios fixados para ressarcir o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais – as partes insurgem-se contra os valores arbitrados na decisão recorrida, o autor considerando-os exíguos (o dano não patrimonial e o dano patrimonial futuro), a ré argumentando serem exagerados (quer o dano não patrimonial, quer o dano patrimonial futuro, quer o dano patrimonial relativo ao lucro cessante emergente da perda de rendimentos no período de ITA).*FUNDAMENTAÇÃO*Fundamentação de facto Na sentença recorrida consideraram-se, com interesse para a decisão da causa: Factos provados 1. No dia 20 de Fevereiro de 2016, pelas 18h45, ocorreu um embate na Avenida ..., na freguesia ..., concelho de Penafiel, na área desta comarca. 2. Nesse embate intervieram um motociclo da marca Yamaha, conduzido pelo autor, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-BM-.., conduzido por HH. 3. A faixa de rodagem da referida Avenida ..., naquele local, tem a largura total de 4,60m, estando dividida em duas metades, destinando-se uma delas ao sentido de trânsito .../... e outra ao sentido de trânsito oposto. 4. A divisória entre ambas as metades da via era estabelecida através de uma linha longitudinal contínua, pintada no pavimento da via com tinta de cor branca. 5. O autor tripulava o motociclo Yamaha e seguia pela Avenida ..., no sentido .../.... 6. Ia pela metade direita da faixa de rodagem, afecta ao seu sentido de marcha, e seguia atento ao trânsito e à condução. 7. Animado de velocidade moderada, não superior a 50 km/hora. 8. Também pela Avenida ..., mas no sentido de ... para ..., circulava o sobredito veículo ..-BM-.., conduzido pela HH. 9. Esta última, porém, seguia distraída, pois não prestava a devida atenção ao trânsito e à condução. 10. Por virtude da alegada distração que a possuía, fletiu à sua esquerda. 11. Transpôs a linha longitudinal contínua que divide ambas a metades da faixa de rodagem e invadiu a faixa destinada ao sentido .../.... 12. Nesta metade da via e, portanto, totalmente ‘fora de mão’, foi embater com a frente do ..-BM-.. na frente do motociclo tripulado pelo autor. 13. O autor, face à invasão da faixa de rodagem por onde circulava por parte do ..-BM-.., nada pode fazer para evitar o acidente. 14. Com o embate, o autor foi projectado ao solo. 15. E o motociclo foi, por sua vez, projectado para trás e foi ainda embater num outro veículo, de matrícula ..-DL-.., que, na ocasião, circulava atrás de si e no mesmo sentido. 16. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-BM-.. havia sido transferida para a K... S.A., ora demandada, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº .... 17. Em consequência do descrito embate, o autor foi projectado ao solo e sofreu lesões e ferimentos. 18. Foi assistido no local do embate pelos elementos do INEM e transportado, em plano duro e com colar cervical, ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em .... 19. Deu entrada nos serviços de urgência desta unidade hospitalar, politraumatizado e com queixas dolorosas. 20. Aí, após realização dos necessários exames, foram diagnosticadas as seguintes lesões: traumatismo facial; traumatismo do membro superior esquerdo; traumatismo do membro inferior direito; e escoriações e contusões múltiplas. 21. Ainda no serviço de urgência do mesmo hospital, constatou-se que o autor apresentava queixas dolorosas da mão esquerda, com deformidade do punho esquerdo, da região cervical e transição dorso-lombar. 22. O RX realizado ao punho esquerdo revelou a existência de fractura luxação. 23. Foi feita tentativa de redução manual da mencionada fractura, mas sem êxito. 24. O autor ficou internado, para ser submetido a cirurgia. 25. Cerca de 5 dias após o embate, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica, por ortopedia, em que foi realizada redução da aludida fractura com aplicação de material de osteossíntese. 26. E manteve-se ali internado até 26 de Fevereiro de 2016, data em que teve alta administrativa, não curado. 27. Passou a ser seguido na consulta externa de ortopedia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. 28. E passou também a ser tratado no Centro de Saúde ..., onde fez vários curativos. 29. A partir de 11/03/2016, o autor passou a ser seguido e tratado nos serviços clínicos da ré, no Hospital ..., na cidade do Porto. 30. Neste Hospital, o autor foi submetido a um total de cinco intervenções cirúrgicas. 31. Nomeadamente, foi submetido a uma intervenção cirúrgica, realizada em 14/03/2017, em que foi realizada EMOS de placa de Flower e artrodese do punho, com placa trimed de medcomtech. 32. E, em 05/09/2017, foi submetido a outra cirurgia a síndrome do túnel cárpico esquerdo. 33. Para além disso, o autor recebeu também acompanhamento médico, proporcionado pela ré na área da psiquiatria, em virtude de revelar um estado de irritabilidade, com comportamento socialmente instável e agressividade constante com terceiros, incluindo familiares. 34. Em 25/10/2017, o autor teve alta clínica dada pelos serviços clínicos da ré, que entenderam que as lesões sofridas estavam consolidadas. 35. Ficou, todavia, o autor afetado de sequelas irreversíveis, resultantes dessas lesões, quer do foro ortopédico, quer do foro psiquiátrico. 36. Designadamente, sob o ponto de vista ortopédico, ficou a sofrer de: ao nível da face, fractura dos ossos do nariz com perturbação na ventilação nasal; ao nível do membro superior esquerdo, cicatriz rosada na face externa do punho esquerdo com vestígios de pontos de sutura nacarados, oblíqua inferoanteriormente com 2,5 cm de comprimento total, cicatriz na face palmar da mão região tenar e na face anterior do punho linear ligeiramente rosada com 2 cm de comprimento, cicatriz rosada que se estende verticalmente pela face posterior do punho onde mede 9 cm de comprimento continuando-se pela face posterior do punho por mais 4 cm de comprimento, com largura máxima de 1 cm e mínima de 0,3 cm, cicatriz linear mediana na face palmar anterior do punho e palma da mão vertical nacarada com 1 cm de comprimento, ligeira deformidade generalizada da face posterior da região metacárpica da mão, sendo ligeiramente irregular, anquilose do punho esquerdo com prono-supinação conservada, ainda que limitada; rigidez dos dedos das mãos (esquerda e direita), sensação de hipostesia e limitação nos movimentos de pinça; e dor esporádica ao nível do punho e da mão. 37. Sob o prisma psiquiátrico, o autor iniciou um quadro depressivo, com ansiedade marcada, reativo às dores, tratamentos e à incapacidade funcional. 38. De modo que apresenta humor francamente depressivo, labilidade emocional, dificuldade para tomar decisões, tendência para o isolamento, tristeza, anedonia e irritabilidade fácil. 39. Vê o futuro com apreensão, face à manutenção das limitações e das dores, ainda que esporádicas, e perante as implicações negativas que o seu estado de saúde tem na sua vida pessoal, familiar e social. 40. As descritas sequelas psicológicas são subsumíveis a um transtorno de adaptação com humor depressivo. 41. Tais sequelas (ortopédicas e psiquiátricas) implicam que o autor esteja afetado de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 15 pontos. 42. Os serviços médicos da ré, na ocasião da alta, atribuíram ao autor uma IPG de 8 pontos, que implica esforços acrescidos na atividade profissional. 43. As mesmas sequelas são, em concreto, impeditivas do exercício pelo autor da sua profissão habitual, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, a exigirem a sua reconversão profissional. 44. O autor nasceu em .../.../1994. 45. Tinha a profissão de carpinteiro de cofragem, exercendo a respetiva actividade por conta e ao serviço da sociedade D... Unipessoal, Lda., sua entidade patronal. 46. Auferia, em contrapartida do seu trabalho, as seguintes remunerações: retribuição base: 600,00€ x 14 meses; ajudas de custo: 910,00€ x 12 meses; subsídio de alimentação: 119,70 € x 11 meses. 47. O autor tinha uma retribuição anual global de 20.636,70€ e mensal média de 1.719,70€ (20.636,70€ :12). 48. Sendo que as sobreditas ‘ajudas de custo’ não se destinavam a fazer face a despesas que o autor tivesse de suportar por virtude do seu trabalho, integrando, portanto, o seu salário. 49. A entidade patronal proporcionava, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições ao autor. 50. Durante o período de ITA (desde a data do embate e durante 614 dias), o autor deixou de receber salários da sua entidade patronal. 51. Nesse período, perdeu salários no montante global de cerca de 34.594,00€ (1.729,70€ x 20). 52. Por virtude das alegadas sequelas, o autor encontra-se impossibilitado de trabalhar na sua referida profissão habitual de carpinteiro de cofragem. 53. Profissão esta cujas funções exigem força, destreza e grandes esforços com os membros superiores, que o autor, por virtude das alegadas sequelas, não consegue executar. 54. De modo que, não dispondo a sua entidade patronal de possibilidade de o reconverter profissionalmente, o autor perdeu o emprego. 55. E, apesar de procurar ativamente ocupação profissional compatível com os seus conhecimentos, habilitações e limitações físicas, somente em 22 de Janeiro de 2018 logrou conseguir novo emprego. 56. Concretamente, foi admitido nessa data, ao serviço da sociedade M..., SA. 57. Com a categoria profissional de servente. 58. Mediante o salário mensal de 580,00€, acrescido de subsídio de alimentação no valor mensal de 127,82€. 59. Pelo menos, à data da propositura da acção, o autor continuava a exercer a profissão de servente na construção civil, sendo que a sobredita incapacidade implica esforços acrescidos para o respetivo exercício ou para qualquer outro. 60. A actividade profissional em causa exige resistência física e é muito cansativa, visto que exige constantes movimentação e manuseamento de objetos e cargas, com utilização dos membros superiores. 61. A sobredita desvalorização sempre será limitativa do desempenho da mencionada profissão de servente. 62. E implicará esforços acrescidos proporcionais à apurada desvalorização em qualquer outra actividade profissional compatível como as habilitações e conhecimentos do autor, que também implique esforços físicos. 63. O autor padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas. 64. Foi submetido a seis intervenções cirúrgicas, com anestesia geral. 65. Esteve internado durante vários dias. 66. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, que se prolongaram até à data da alta, durante cerca de 20 meses. 67. Sendo o quantum doloris graduável em 5, numa escala de 1 a 7, o que foi reconhecido pelos serviços clínicos da ré. 68. O autor tem dificuldades, em razão das dores que o acometem, em fazer esforços com o membro inferior esquerdo. 69. As apuradas sequelas sofridas pelo autor têm uma repercussão nas actividades de desporto e de lazer graduável em 3, numa escala de 1 a 7. 70. As cicatrizes que o autor ostenta desfeiam-no, de modo que o autor sente complexos e vergonha, sendo esta desvalorização graduável em 3, numa escala de 1 a 7. 71. Antes do embate, o autor era uma pessoa alegre e extrovertida, sendo que hoje tem tendência para isolar-se e mostra-se desgostoso, triste, ansioso e revoltado. 72. Durante boa parte do período de ITA, o autor careceu de auxílio de terceira pessoa, mormente para o ajudar nas tarefas diárias, bem como o acompanhar aos tratamentos, visto não ter condições para o fazer sozinho, necessidade esta que foi causa de perturbação e transtorno. 73. Com o embate ficaram destruídos: umas calças de valor em concreto não apurado, mas não inferior a 60,00€; uma camisola, de valor em concreto não apurado, mas não inferior a 30,00€; um casaco de valor em concreto não apurado, mas não inferior a 50,00€; umas botas de valor e concreto não apurado, mas não inferior a 50,00 €; umas luvas, no valor de 48,78€; um capacete, no valor de 356,91€; um telemóvel Huawei, no valor de 144,98€. 74. Na avaliação do dano corporal realizada consulta médica pelo autor para intentar a presente acção, o mesmo gastou a quantia de 200,00€. 75. Em transportes, para acorrer a tratamentos, despendeu, pelo menos, a quantia de 137,20€. 76. Em virtude das lesões sofridas no acidente, o autor ficou, durante cerca de metade do período de ITA, impossibilitado de realizar as suas tarefas pessoais, tendo tido a necessidade de recorrer aos serviços de terceira pessoa, nomeadamente para o ajudar a despir, vestir, tratar da sua higiene diária e, ainda, para o acompanhar aos tratamentos. 77. Tais serviços foram desempenhados pela mãe do autor, a qual, para esse fim, deixou de executar as suas próprias atividades. 78. Por força do acidente nos autos o Instituto de solidariedade e Segurança Social, IP pagou ao autor a título de subsídio de doença respeitante a esse período, o montante de 504,54€ (quinhentos e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), sendo o valor subsídio diário pago nos primeiros 30 dias de 11,71€ (onze euros e setenta e um cêntimos) e o valor diário pago entre o dia 31.º dia e o 90.º dia foi de 12,77€ (doze euros e setenta e sete cêntimos). 79. O pagamento do Instituto de Segurança Social, IP, foi feito em consequência das lesões e incapacidade para o trabalho sofridos pelo autor em consequência do acidente em causa nos autos. Factos não provados 1. que as apuradas sequelas sofridas pelo autor fossem impeditivas do exercício pelo autor de qualquer outra actividade profissional, diferente da sua habitual, compatível com os seus conhecimentos e habilitações. 2. que as apuradas dores no membro inferior esquerdo, impeçam o autor de praticar desportos que impliquem o uso do membro inferior esquerdo. 3. que em transportes o autor tivesse gasto quantia não inferior a 1.000,00€. 4. que em refeições o autor tivesse despendido quantia não inferior a 500,00€.*Fundamentação de direito A.1. Da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto. Importa começar a apreciação das apelações pela suscitada impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto – questão que se apresenta como precedendo lógico-juridicamente as demais (questões jurídicas, que pressupõem a estabilização da matéria de facto a valorizar). Defende a ré apelante que a valorização da prova produzida nos autos (prova testemunhal e, concatenada com esta, prova documental desprovida de força probatória plena quanto à matéria em questão) impõe julgamento diverso dos pontos 47, 48, 49 e 51 da matéria provada, além de permitir adquirir matéria relevante à decisão, resultante da discussão da causa, descurada pela sentença apelada, pretendendo, em concreto: - se julgue não provada a materialidade dos pontos 48 e 49 dos factos provados, - se julgue provado, relativamente ao ponto 47 dos factos provados, que o autor tinha uma retribuição anual de cerca de 7.200,00€ e, quanto ao ponto 51 dos factos provados, que o autor, no período de ITA, perdeu salários no montante global de 12.000,00€, - se aditem à matéria de facto, por resultarem da discussão da causa, outros dois factos (concernentes à actividade profissional actual do autor), a saber, i) que desde data não concretamente apurada, no ano de 2019, o autor desempenha funções de motorista de longo curso, ii) mediante o salário mensal de 1.800,00€. Ao contrário do que invoca o autor nas suas contra-alegações, constata-se ter a ré apelante observado todos os ónus impostos no art. 640º do CPC ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto (mormente o estabelecido na alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC): i) indica, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640, nº 1, a) do CPC), tomando clara posição sobre o resultado pretendido relativamente a cada um deles (art. 640º, nº 1, c) do CPC), ii) indica os concretos meios probatórios que em seu entender sustentam decisão diversa (art. 640, nº 1, b) do CPC), aludindo na motivação[1] aos elementos probatórios que entende sustentarem a sua posição, indicando, relativamente aos depoimentos testemunhais, as passagens da gravação em que funda o recurso (transcrevendo mesmo os excertos dos depoimentos que considera relevantes (art. 640º, nº 2, a) do CPC). Cumpre, pois, apreciar da impugnação. A.2. Da impugnação dirigida aos factos provados. Preliminarmente, cumpre centrar a apreciação da impugnação na vertente da discussão em que ela deve ser situada – ou seja, no âmbito da matéria de facto, abstraindo de discutir, neste segmento, os juízos conclusivos vazados na factualidade provada (que são apresentados na sequência e enquanto mera concretização da realidade objectiva tida por provada e na qual assentam). Não se rejeita o entendimento de que o nosso ordenamento jurídico se afastou da matriz assente na clássica distinção entre matéria de facto/matéria conclusiva e/ou de direito, não excluindo nem rejeitando o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo (sem prejuízo de se buscar uma descrição factual e não juízos conclusivos[2]), desde que as mesmas permitam percepcionar a realidade invocada e estejam concretizadas e substanciadas nos demais factos que as contêm ou que a elas se reportam em ordem à concretização da realidade subjacente ao litígio[3] (acautelado o exercício do contraditório e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material) – estando a realidade a retratar exposta nos factos a que os ‘factos conclusivos’ ou ‘jurídicos’ se reportam, e não resolvendo o ‘facto conclusivo’, atento o objecto do litígio, a questão jurídica (a sorte da acção) senão com a consideração da realidade a que se reporta e acompanha (e que se limita a adjectivar, qualificar e valorizar, sem substituir ou prescindir da enunciação daquela realidade objectiva que, assim, conclusivamente, concretiza), permitindo-se sobre a matéria o integral e efectivo cumprimento do contraditório (respeitando-se, pois, os limites materiais da acção e da defesa) e alcançando-se a circunscrição/delimitação da realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material, não poderá censurar-se o uso de juízos conclusivos/valorativos no estrito âmbito da matéria de facto. Tal não significa, todavia, que a impugnação da decisão da matéria de facto não deva ser circunscrita aos factos que aqueles factos conclusivos têm por pressupostos e nos quais assentam – modificados estes, alteram-se as premissas da ‘factualidade conclusiva’, que, por arrasto, tem de ser modificada; diversamente, a manutenção dos primeiros significará a permanência das premissas em que assenta a factualidade conclusiva. Na situação dos autos, a discussão suscitada pela impugnação centra-se nos factos 48 (excluída a parte conclusiva final) e 49, pois que a matéria constante dos factos 47 e 51 é matéria conclusiva (traduzem, exclusivamente, resultado de cálculo aritmético que assenta nos valores de retribuição e tempo de ITA expostos nos demais factos – o facto 47 tem por premissa os factos 46, 48 e 49, a eles se reportando, e o facto 51 tem por premissa o tempo de ITA sofrida pelo autor, dado por provado no facto 50, e o valor da retribuição tido por provado nos factos 46, 48 e 49). Assim que, por ser essa (exclusivamente) a matéria relevante e pertinente, interessa tão só focar a análise na apreciação da impugnação dirigida pela ré apelante aos factos 48 e 49 – é a matéria neles exposta que interessará para concluir depois, no segmento da estrita ponderação jurídica, ponderando os preceitos aplicáveis (os arts. 258º e 260º, nº 1, a) e nº 2 do Código do Trabalho), os valores que, recebidos pelo autor, integram o conceito normativo de retribuição. Provado (sem censura de qualquer das partes) que o autor, à data do evento, exercia a profissão de carpinteiro, exercendo a actividade por conta de outrem (facto 45) e que auferia, como contrapartida, o valor de 600,00€ a título de retribuição base (14 meses por ano), o valor de 910,00€ a título de ajudas de custo (12 meses por ano) e o montante de 119,70€ a título de subsídio de alimentação (11 meses por ano), a discussão suscitada na impugnação da decisão sobre a matéria de facto centra-se nos factos 48 e 49 – ou seja, em apurar se a entidade patronal proporcionava ao autor, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições e se, assim, as ‘ajudas de custo’ pagas (apenas a esse segmento se refere o facto 48, ainda que o facto 49 tenha também relevo para o subsídio de refeição) não se destinavam a fazer face a despesas que o autor tivesse de suportar por virtude do seu trabalho (como julgado provado no facto 49). A reapreciação e reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, em vista de, com total autonomia[4], formar uma convicção autónoma, conduz-nos a solução idêntica à do tribunal a quo relativamente à matéria impugnada. Efectivamente, as testemunhas que a propósito da questão em análise se pronunciaram[5], foram unânimes na afirmação de que a entidade patronal do autor lhe proporcionava alojamento, viagens e alimentação – o BB, irmão do autor, referiu que ao tempo do evento lesivo o autor trabalhava em França e que o valor global recebido mensalmente correspondia ao seu ordenado (era o correspectivo pelo trabalho prestado), sendo da responsabilidade da empresa o alojamento e os transportes; o DD, amigo do autor, que privava com ele (e que tinha trabalhado com o autor antes deste ter ido trabalhar para França), também afirmou que o autor lhe referia auferir um vencimento de cerca de 1.500,00€ e que a entidade patronal lhe pagava o alojamento; por fim, o EE, pai do autor, referiu que este, à data do evento, trabalhava em França, e auferia um vencimento global superior a 1.500,00€, proporcionando-lhe a entidade patronal alojamento, transporte e alimentação, o que permitia ao autor poupar, mensalmente, cerca de 1300,00€, como a testemunha podia constatar por lhe administrar a conta de depósitos (referiu-se também a testemunha à prática das empresas - que censurou - de qualificarem uma parte dos valores pagos aos seus funcionários como ajudas de custo, quando na verdade constituem vencimento, tendo alertado o autor para os inconvenientes dessa prática). As demais testemunhas – a CC, tia do autor, o FF, primo do autor, e o GG, irmão do autor –, não referindo, expressamente, que a entidade patronal lhe proporcionava o alojamento, transporte e alimentação, afirmaram que à data do evento, o autor trabalhava em França e que lhes referia auferir mensalmente valor superior a 1.500,00€ (que foi para França por lá ganhar mais do que cá; que o vencimento auferido por ele lhe permitia até ‘vestir roupa de marca’). Conjugando estes depoimentos com o facto das quantias percebidas pelo autor a título de ajudas de custo e subsídio de alimentação terem um valor fixo (não variável), idêntico todos os meses (as ajudas de custo pagas os 12 meses do ano, o subsídio de alimentação pago 11 vezes por ano) – o que não se coaduna com a finalidade de visarem, tais valores, compensar despesas de transporte, alojamento e outras relacionadas com a prestação de trabalho, variáveis por natureza – e com a circunstância do trabalho ser prestado em França (país onde o salário mínimo, no ano de 2015 ascendia a 1.457,5€, subindo, já no ano de 2016, ao montante de 1.466,6€[6]), tem de concluir-se pela demonstração (com o grau de probabilidade bastante às necessidades práticas da vida, ponderando as circunstâncias do caso e as regras da experiência da vida[7]) da factualidade em questão. Improcede, pois, a impugnação dirigida pela ré apelante à factualidade julgada provada. A.3. Da pretensão da ré apelante de ver julgada provada matéria resultante da discussão da causa. O nosso ordenamento processual admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes desde que não consubstancie factualidade essencial (que identifique ou individualize a causa de pedir e/ou a excepção alegadas). Na decisão da causa, para lá de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções, deve o juiz ‘ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al.b))’[8]. Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou excepção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão, factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo já ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – alínea c) do nº 2 do art. 5º do CPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou excepção alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da acção ou da excepção, por também constitutivos do direito invocado ou excepção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção)[9]. Podem assim ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais[10] – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar (art. 5º, nº 2, b) do CPC). A consideração dos novos (novos no sentido de não alegados nos articulados) factos complementares ou concretizadores exige, face ao disposto na parte final do art. 5º, nº 2, b) do CPC, que o ‘tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto’ com o facto em causa, ‘disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão’: não basta que o facto novo aflore na discussão da causa, onde o contraditório é observado, para que se possa concluir que às partes foi dada a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem – a exigência de observância do princípio da audiência contraditória na produção do meio de prova (donde emerge o facto novo a considerar) vale, em geral, para a produção de qualquer meio prova e, ‘portanto, é pressuposto que se coloca a montante do aproveitamento do facto’ que resulte do meio de prova, seja tal facto instrumental, complementar ou concretizador; admitir-se que o ‘juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado’, sendo por isso de entender que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, b) do CPC exige para que tais factos sejam considerados (independentemente de requerimento das partes nesse sentido) que o tribunal expressamente advirta as partes, antes do encerramento da discussão de facto, sobre a possibilidade de tais factos serem considerados[11], pois importa cumprir o contraditório quanto ao próprio aproveitamento do facto pelo tribunal[12] (sendo sempre possível às partes, então, além de se pronunciarem sobre a admissibilidade da aquisição do facto novo à luz do preceito, requerer ‘novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam’[13]). É esta a solução que se nos afigura respeitadora do processo justo e equitativo e a que resulta da ponderação do princípio da cooperação na obtenção da justa composição do litígio (art. 7º do CPC), sendo a mais consentânea com a proibição de decisões-surpresa[14]. Sendo a factualidade que o recorrente pretende ver incluída na decisão, a coberto da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, relevante à decisão da causa, a não observância de tal necessário pressuposto para a sua aquisição oficiosa imporá a anulação da decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC – pressupondo tal anulação que a factualidade em causa haja emergido da discussão da causa com a consistência suficiente e necessária para a sua demonstração em juízo (ou seja, que a discussão da causa os tenha tornado patentes). Na situação dos autos, a factualidade que a apelante pretende ver adquirida para a decisão e incluída na factualidade provada, por (como alega) ter emergido da discussão da causa (que o autor, desde 2019, desempenha funções de motorista de longo curso, mediante salário mensal de 1.800,00€), constitui factualidade complementar ou concretizadora da que individualiza a causa de pedir – deve ser qualificada como factualidade complementar, relevante para a apreciação do dano futuro resultante do défice funcional da integridade física de 5 pontos de que ficou a padecer, como sequela das lesões sofridas no embate (facto provado 41), pois que no cálculo da indemnização devida por tal dano, tendo por critério a teoria da diferença (art. 566º, nº 2 do CC), tem o tribunal de atender à data mais recente que puder ser atendida (que corresponderá ao momento do encerramento da discussão). Nas acções destinadas ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil extracontratual (em que a causa de pedir é complexa), como é a dos autos, os factos essenciais nucleares, identificadores ou individualizadores da causa de pedir, circunscrevem-se aos que individualizam a origem do direito invocado – os factos destinados a assegurar a concludência da pretensão (em toda a sua extensão) integram já a qualidade de factos complementares, como são os factos necessários ao apuramento dos valores indemnizatórios. A factualidade que a ré apelante pretende ver considerada desenvolve-se no âmbito da matéria de facto que individualiza a pretensão (que identifica a pretensão material que é feita valer em juízo), mas não a integra, antes a complementa, pois que releva à concludência da pretensão. Matéria que pode, assim, ser adquirida (ainda que não alegada pelas partes) nos termos do art. 5º, nº 2, b) do CPC, e que é relevante à decisão – o montante indemnizatório do dano patrimonial futuro, a apurar (por não ser possível averiguar do seu exacto valor) com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC), segundo juízos de verosimilhança e probabilidade, tem como ponto de apoio (um deles), a situação patrimonial em que o lesado se encontra (na data mais recente que puder atendida) e aquela em que se encontraria não fora a lesão, e assim que o capital produtor do rendimento perdido (ou cujo ganho tenha como correspectivo o esforço suplementar implicado pelo défice funcional resultante, com nexo de causalidade adequado, das lesões sofridas no evento lesivo) tem como ponto de apoio os rendimentos auferidos pelo lesado no momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal; a decisão apelada atendeu à situação patrimonial do lesado à data da propositura da acção, defendendo a ré apelante que deve ser considerada a situação patrimonial (diversa daqueloutra) verificada no momento da audiência da discussão e julgamento. Factualidade relevante à decisão da causa, que a discussão da causa tornou patente (isto é, que resultou com consistência necessária e suficiente para se ter por demonstrada a respectiva demonstração em juízo) – as testemunhas, de modo espontâneo (e sem que quanto a matéria existisse entre os inquiridos qualquer dissenso), afirmaram que o autor, tendo conseguido para tanto a necessária habilitação (carta de condução de veículos pesados), exerce desde há um par de anos actividade como motorista de longo curso [a CC afirmou ser essa a actual profissão/actividade do autor, não sabendo o valor do salário; o DD referiu que o autor é, actualmente, camionista, não sabendo precisar o vencimento, ainda que referisse superior a mil euros; o EE afirmou que o autor é, actualmente (depois de conseguir a carta de condução de veículos pesados), motorista, auferindo 1.800,00€; o FF, referiu que o autor é motorista de longo curso (conseguiu, depois do embate, tirar a carta de condução de veículos pesados), não sabendo qual o seu salário; o GG afirmou que desde há ‘cerca de ano e meio/dois anos’ (por referência à data da audiência de julgamento) o autor arranjara emprego como motorista da veículos pesados (longo curso), no que auferiria vencimento entre os 1.600,00€ os 1.700,00€]. Trata-se, pois, de factualidade complementar, relevante à decisão da causa, que da discussão da causa resultou patente (ou com suficiente consistência para ser tida por demonstrada), não resultando dos autos, todavia, que as partes tenham sido expressamente advertidas, antes do encerramento da discussão de facto, sobre a possibilidade da mesma ser adquirida e considerada pelo tribunal (tal não foi feito constar da acta da audiência de discussão e julgamento e ouvida a gravação de tal diligência não se descortina que tal advertência tivesse ocorrido). Impõe-se, assim, anular a sentença no segmento relativo à apreciação e fixação do montante indemnizatório quanto ao dano patrimonial futuro, nos termos do art. 662º, nº 2, c) e nº 3, c) do CPC, pois que se mostra indispensável ampliar a matéria de facto – impõe-se decidir da factualidade que a ré apelante pretende ver considerada, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, e a que alude na conclusão 6ª das suas alegações, o que demanda o necessário prévio cumprimento do contraditório (nos termos que se deixam referidos – não só possibilitar pronúncia sobre a admissibilidade da aquisição do facto novo à luz do preceito, como também sobre a realidade de tal factualidade, facultando-se a possibilidade das partes requererem novos meios de prova em relação à factualidade em questão), estando a repetição do julgamento limitada a tal matéria nova (sem prejuízo de incidir sobre outros pontos em vista de evitar contradições – art. 662º, nº 3, c) do CPC). B. Dos montantes indemnizatórios para ressarcimento dos danos patrimoniais. B.1. Do montante indemnizatório do dano patrimonial futuro. A apreciação deste segmento da apelação (quer da apelação independente do autor, quer da apelação subordinada da ré) mostra-se prejudicado em razão da anulação da sentença (parcial) em vista da ampliação da matéria de facto, como acaba de ser decidido (arts. 608º, nº 2 e 663º, nº 2 do CPC) – anulação cujo âmbito se circunscreve ao dano patrimonial futuro (a matéria de facto exclusivamente respeitante a esse dano), não afectando a apreciação dos demais danos e estabelecimento dos respectivos montantes (dano não patrimonial e dano patrimonial pelo lucro cessante resultante de perdas salariais). B.2. Do montante indemnizatório fixado para ressarcir o autor pelo dano patrimonial consistente nas perdas salarias no período da ITA – apelação subordinada da ré. Censura a ré apelante o montante fixado na decisão recorrida para indemnizar o autor pelo dano patrimonial relativo ao lucro cessante – perdas salariais no período em que o autor, em consequência das lesões sofridas no embate, se viu impedido de exercer a sua actividade profissional. Não questiona a apelante a existência do referido dano patrimonial (e a obrigação de os indemnizar que sobre si impende), apenas o montante arbitrado, sustentando que, modificada a decisão da primeira instância nos termos por si propugnados, a indemnização tem de ser reduzida, reportando-a aos rendimentos auferidos (à retribuição base auferida) à data do embate (veja-se a conclusão 8ª) – ou seja, excluindo, no cálculo, os valores recebidos a outros títulos que não retribuição (como ajudas de custo e subsídios de alimentação). Pretensão improcedente. Apurado que (ao tempo do evento lesivo) a entidade patronal do autor lhe proporcionava, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições e que nenhum dos valores recebidos como contrapartida da prestação do trabalho se destinava a fazer face a despesas que tivesse de suportar por virtude da prestação do trabalho (factos provados 48 e 49), têm todos os valores recebidos de ser havidos como retribuição (sejam os valores recebidos como ajudas de custo, sejam os montantes percebidos como subsídio de alimentação). A regra (art. 260º, nº 1, a) e nº2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, com as posteriores alterações) é a de que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo e de subsídio de alimentação refeição não devem ser consideradas como retribuição. Serão, todavia, havidas como retribuição quando o seu pagamento for frequente e o seu valor exceder largamente o gasto que se destinam a compensar – o carácter não retributivo de despesas feitas em serviço merece a ressalva de que ‘se tais despesas forem frequentes e o seu valor exceder largamente o gasto que pretende compensar’, serão ‘consideradas retribuição, na parte que exceda os respectivos montantes normais, quando tal resultar do contrato ou dos usos.’[15] Na situação dos autos, constata-se não só a frequência mensal (a regularidade e permanência) do pagamento de tais valores (12 vezes por ano o valor designado como ajudas de custo; 11 vezes por ano o valor do subsídio de alimentação) como a evidência de que excedem, por completo (na sua totalidade), o gasto a que, usualmente, tais subsídios se destinam, pois que a entidade patronal proporcionava ao autor, gratuitamente, alojamento, transportes e refeições. Factos que permitem presumir (presunção judicial – arts. 349º e 351º do CC) que tais valores haviam sido contratualmente previstos (por autor e entidade patronal) como integrando a retribuição – ponderando que a entidade patronal se obrigara a proporcionar ao autor alojamento, transporte e alimentação, da circunstância de pagar também aqueles subsídio e ajudas de custo retira-se, com segurança (em atenção a regras de lógica e razoabilidade), a ilação de que os mesmos se destinavam, directamente, a retribuir a prestação de trabalho e não já a compensar eventuais despesas ou gastos suportados pelo autor em função e por causa da prestação laboral. Conclui-se, assim, que, ao tempo do evento lesivo, a retribuição auferida pelo autor era integrada pelos valores referidos no facto provado número 46 e, assim, que a sua retribuição média mensal ascendia a 1.719,70€. Estando provado que o autor se viu impossibilitado, em resultado das lesões sofridas no embate, de exercer, durante cerca de 20 meses, a actividade profissional a que se vinha dedicando ao tempo do evento lesivo (facto provado número 50), fácil é concluir que não auferiu, no referido período, os rendimentos que, com toda a probabilidade e verosimilhança, teria auferido – de acordo com juízos de probabilidade, verosimilhança e normalidade, não fora o embate e consequências dele resultantes (consequências ao nível da sua integridade física), o autor teria continuado a exercer a sua actividade profissional sem qualquer hiato e sem qualquer limitação, auferindo os correspondentes rendimentos. Ou seja, deixou o autor de auferir, de acordo com os referidos juízos de probabilidade e verosimilhança, os rendimentos correspondentes ao período de tempo em que se viu impossibilitado de exercer a sua actividade como consequência directa e necessária das lesões sofridas no embate – o rendimento global (ponderando o valor da retribuição média mensal referida e os cerca de vinte meses de incapacidade absoluta para o trabalho), de 34.594,00€. Improcede, pois, a apelação subordinada da ré quanto a este segmento relativo ao montante do dano patrimonial concernente às perdas salariais. C. Do montante arbitrado para compensar o autor pelo dano não patrimonial. Insurgem-se os apelantes contra o montante fixado para compensar o autor pelos danos não patrimoniais (a decisão recorrida entendeu justo e equitativo o montante de 60.000,00€) – o autor reputa-o como exíguo, entendendo como justo e equilibrado o montante mínimo de 90.000,00€; a ré considera-o excessivo e desajustado, sustentando que o montante de 30.000,0€ se coaduna com o dano sofrido e com os critérios jurisprudenciais atendíveis. A indemnização por danos não patrimoniais, justificada nas situações em que a sua gravidade mereça a tutela do direito (art. 496º, nº 1 do CC), não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido ou até uma satisfação (tal dano, porque relativo a bens que não integram o património do lesado, apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização)[16]. Na responsabilidade civil por factos ilícitos, como é o caso dos autos, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza mista: se por um lado visa compensar o lesado (função essencialmente reparatória), não lhe é alheio o propósito (acessório) de reprovar, sancionar ou castigar o lesante pela conduta causadora do dano[17]. O montante da reparação pecuniária dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente em atenção ao grau de culpa do lesante, sua situação económica e demais circunstâncias relevantes (arts. 496º, nº 3 e 494º do CC). A equidade (que neste âmbito funciona como único recurso) convoca as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo este um dos domínios onde mais necessário se torna o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir[18] - exige-se juízo que, ponderando os critérios jurisprudenciais, atenda o curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar. O critério legal a atender para a fixação do montante indemnizatório do dano não patrimonial é o da sua gravidade, nos termos do art. 496º, nº 1 do CC e deve ser adequado e suficiente para compensar o lesado pelo dano sofrido e para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado (para lá de proporcionado à reprovação ou castigo pela conduta causadora do dano). Constata-se presentemente a tendência para alargar o círculo de danos ressarcíveis, conformando o ordenamento à compreensão abrangente do ser humano – o ‘homo faber ou homo economicus da época industrial dá lugar ao homo ludicus ou homo aestheticus da época do lazer, da cultura e da informação’, e a pessoa humana corporeamente encarnada ‘dá-se a conhecer em todas as suas concretas dimensões (v. g., trabalhador, pai de família, amigo, ser lúdico e relacional) e interioriza e vivencia como todas elas são decisivas no seu estado de equilíbrio físico-psíquico, em que a saúde se consubstancia’, erigindo-se um conceito de dano que questiona e repudia a concepção puramente economicista do ser humano, reconhecendo antes uma intrínseca dignidade e uma ‘essencialidade ontológica da pessoa que está muito para além (antes, durante e depois) do chamado homo faber, radicando em sólidos princípios civilizacionais que os ordenamentos normativos foram erigindo à categoria de direitos fundamentais de personalidade’[19]. Componentes relevantes do dano não patrimonial, ao lado do dano biológico – aqui visto na sua vertente de alteração morfológica, enquanto privação da capacidade de utilizar o corpo da forma como antes do evento lesivo o lesado fazia, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida –, surgem[20] o dano estético – o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o ‘pretium doloris’ – as dores físicas e psíquicas (desgostos, inibições, frustração, revolta, etc.) –, o prejuízo de afirmação pessoal e social – dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica) –, o prejuízo da saúde geral e da longevidade – o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida –, o ‘pretium juventutis’ ou prejuízo da distracção ou passatempo – que põe em evidencia a especificidade da frustração do viver a vida na plenitude das funções do corpo e espírito – e a perda de qualidade de vida. No caso concreto, emergem as seguintes circunstâncias: - o autor (nascido em .../.../1994 – ao tempo do evento lesivo estava a três semanas de completar 22 anos) foi embatido (sem que para tanto haja minimamente contribuído) quando conduzia motociclo e projectado ao solo, sofrendo lesões, sendo assistido e transportado ao hospital, apresentando traumatismo facial, traumatismo do membro superior esquerdo, traumatismo do membro inferior direito e escoriações e contusões múltiplas, - apresentava também queixas dolorosas na mão esquerda, com deformidade do punho, da região cervical e transição dorso lombar, - detectada, no punho esquerdo, a existência de fractura luxação, foi tentada manualmente a sua redução, o que se revelou infrutífero, - manteve-se internado para se submeter a cirurgia – e cinco dias após o embate foi submetido a intervenção cirúrgica (por ortopedia), realizando-se a redução da referida fractura com aplicação de material de osteossíntese, - manteve-se internado até 26 de Fevereiro de 2016, data em que teve alta administrativa, não curado, passando a ser seguido na consulta externa de ortopedia do hospital e a ser tratado no Centro de Saúde, aí fazendo curativos, passando entretanto a ser seguido e tratado nos serviços clínicos da ré, no Hospital ..., na cidade do Porto, - no Hospital ... foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas – uma delas, realizada sem 14/03/2017, em que foi realizada EMOS de placa de Flower e artrodese do punho, com placa trimed de medcomtech e outra, em 5/09/2017, em que foi submetido a cirurgia a síndrome do túnel cárpico esquerdo, - recebeu acompanhamento médico, proporcionado pela ré na área da psiquiatria, por revelar um estado de irritabilidade, com comportamento socialmente instável e agressividade constante com terceiros, incluindo familiares, - em 25/10/2017 os serviços clínicos da ré deram-lhe teve alta clínica, ficando afectado de sequelas (resultantes das lesões sofridas) ortopédicas e psiquiátricas, designadamente: - sob o ponto de vista ortopédico: ao nível da face, fractura dos ossos do nariz com perturbação na ventilação nasal; ao nível do membro superior esquerdo, cicatriz rosada na face externa do punho esquerdo com vestígios de pontos de sutura nacarados, oblíqua inferoanteriormente com 2,5 cm de comprimento total, cicatriz na face palmar da mão região tenar e na face anterior do punho linear ligeiramente rosada com 2 cm de comprimento, cicatriz rosada que se estende verticalmente pela face posterior do punho onde mede 9 cm de comprimento continuando-se pela face posterior do punho por mais 4 cm de comprimento, com largura máxima de 1 cm e mínima de 0,3 cm, cicatriz linear mediana na face palmar anterior do punho e palma da mão vertical nacarada com 1 cm de comprimento, ligeira deformidade generalizada da face posterior da região metacárpica da mão, sendo ligeiramente irregular, anquilose do punho esquerdo com prono-supinação conservada, ainda que limitada; rigidez dos dedos das mãos (esquerda e direita), sensação de hipostesia e limitação nos movimentos de pinça; dor esporádica ao nível do punho e da mão, - sob o prisma psiquiátrico, o autor iniciou um quadro depressivo, com ansiedade marcada, reativo às dores, tratamentos e à incapacidade funcional - apresenta humor francamente depressivo, labilidade emocional, dificuldade para tomar decisões, tendência para o isolamento, tristeza, anedonia e irritabilidade fácil, mostrando-se apreensivo quanto ao futuro, face à manutenção das limitações e das dores, ainda que esporádicas, e perante as implicações negativas que o seu estado de saúde tem na sua vida pessoal, familiar e social, sequelas subsumíveis a um transtorno de adaptação com humor depressivo, - tais sequelas (ortopédicas e psiquiátricas) determinam ao autor um défice funcional da integridade físico-psíquica de 15 pontos, - submetido a seis intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o autor padeceu dores decorrentes das lesões sofridas e sujeitou-se a tratamentos dolorosos, que se prolongaram durante cerca de 20 meses, até à data da alta, sendo o quantum doloris graduável em 5, numa escala de 1 a 7, - tem dificuldade, em razão das dores que o acometem, em fazer esforços com o membro inferior esquerdo, - as sequelas de ficou a padecer têm uma repercussão nas actividades de desporto e de lazer graduável em 3, numa escala de 1 a 7. - as cicatrizes que ostenta desfeiam o autor, que por isso se sente complexado e com vergonha, desvalorização graduável em 3, numa escala de 1 a 7. - antes do embate, o autor era uma pessoa alegre e extrovertida, tendo actualmente tendência para se isolar, mostrando-se desgostoso, triste, ansioso e revoltado. - durante parte do período de incapacidade temporária absoluta careceu de auxílio de terceira pessoa, mormente para o ajudar nas tarefas diárias (a vestir, despir, tratar da higiene), bem como o acompanhar aos tratamentos, visto não ter condições para o fazer sozinho, necessidade esta que foi causa de perturbação e transtorno. A matéria de facto espelha a considerável gravidade dos danos sofridos – para lá da necessidade de se submeter a seis intervenções cirúrgicas e tratamentos dolorosos ao longo do período de vinte meses até à data da alta (tendo de recorrer, durante parte do período da incapacidade absoluta, à ajuda de terceira pessoa para a realização da higiene, para se vestir e despir, o que foi causa de perturbação e transtorno), releva o quantum doloris, quantificado no quinto grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade, merecendo também sublinhado e realce o dano estético permanente (quantificado no terceiro grau de escala crescente de sete graus) e a repercussão permanente sentida pelo autor nas actividades desportivas de lazer (quantificada no terceiro grau de escala crescente de sete graus), para lá da perda da qualidade de vida de um jovem que ao tempo do evento lesivo se aprestava a completar 22 anos, considerando as sequelas definitivas de que ficou a padecer e reveladas no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 15 pontos que o afecta (que impedem o pleno fruir da vida – as sequelas psicológicas são patentes e por isso o autor se mostra desgostoso, triste, ansioso e revoltado – e até implicam, em termos de previsibilidade, uma diminuição da esperança de vida). O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para a justa medida do montante compensatório é encontrado nos padrões jurisprudenciais atinentes à indemnização destes danos. A decisão recorrida entendeu justa e adequada, como referimos, para compensar tai danos, a quantia de sessenta mil euros (60.000,00€), que se não nos afigura merecedora de censura por aproximada e conforme à sensibilidade que se extrai dos padrões jurisprudenciais a atender, ponderando as seguintes decisões do STJ: – de 19/04/2018[21], que fixou em 45.000,00€ o dano não patrimonial de lesada que, com 45 anos de idade, se viu sujeita a duas intervenções cirúrgicas, a longo período de clausura hospitalar, que ficou a padecer de extensas sequelas anátomo-funcionais, traduzidas em défice funcional permanente de 26 pontos, correspondente a uma IPP de 42,2495%, sofreu um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, padeceu de quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, além do desgosto de se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras em termos laborais, - de 12/06/2018[22], que manteve em 60.000,00€ o montante da indemnização por danos não patrimoniais (julgando improcedente a revista da seguradora, que pretendia a sua redução para 40.000,00€, entendendo que o valor encontrado na decisão recorrida se não afastava significativamente dos padrões jurisprudenciais seguidos em casos equiparáveis) de lesado que, com 45 anos à data do evento lesivo, sofreu quatum doloris fixável no grau 6/7, ficou (como sequela) com um dano estético fixável no grau 3/7, uma repercussão permanente nas atividade desportivas e de lazer fixável em 3/7, uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3/7, necessitando no futuro de ajudas medicamentosas, ajudas técnicas e tratamentos médicos regulares, e ficando afectado de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 39 pontos, - de 10/12/2019[23], que não viu razão para divergir do montante de 60.000,00€ arbitrado para compensar lesada com 21 anos ao tempo do evento que ficou afectada por défice funcional permanente de 19 pontos (que não impossibilitando a lesada de exercer a actividade profissional de enfermeira, para que cursava, comporta limitações para actos que exijam maior esforço físico e que impede o desempenho de actividades anteste exercidas), que sofreu período de internamento hospitalar de 35 dias (dez deles em coma induzido), que apresenta lesões/cicatrizes no crânio, na face, no tórax e nos membros inferiores, que sofreu quantum doloris de grau 6/7, que padece de dano estético permanente de 5/7 e que necessita de ajuda de terceiros para actividades da vida diária que impliquem esforços maiores (e que viu esfumada a possibilidade de fazer trabalhos de modelo fotográfico, que realizava antes do evento), - de 10/02/2022[24], que teve como equilibrada (não vendo razões para dela divergir, negando a revista à responsável pela indemnização) a quantia de 60.000,00€ para compensar lesado com 21 anos que (tendo sofrido traumatismo e fracturas ao nível craniano, da face, mandibular, orbital, do ombro, úmero, clavícula, antebraço esquerdo e estrutura pélvica e que foi submetido a duas operações cirúrgicas do foro ortopédico e maxilo-facial) esteve internado durante o mês seguinte ao evento (tendo registado outros internamentos), vindo a ser sujeito a mais três operações (à mandíbula, ao nariz e à coluna vertebral, clavícula e antebraço), que ficou afectado de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 14 pontos, sendo fixado o quantum doloris de 7/7, o grau 5 de 7 na afectação da imagem do lesado em relação a si e aos outros e o grau 5 de 7 para a repercussão nas actividades desportivas e de lazer, e - de 11/05/2022[25] que entendeu ser de fixar em 60.000,00€ (concedendo total procedência à pretensão do autor recorrente a esse propósito) a indemnização por danos não patrimoniais a lesado com 17 anos ao tempo do embate, ponderando o dano estético (4/7), o “quantum doloris”(6/7), o período de incapacidade (período de défice funcional temporário parcial fixável de 1987, período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 80 dias e um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 1954 dias), a dimensão dos danos crâneo-encefálicos, na face, vertebral e de membros, a repercussão permanente em atividades de lazer e desportivas avaliada em 4/7 e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica/dano biológico de 18 pontos. Ponderando, assim, o longo período de recuperação até à consolidação das lesões (vinte meses) – com sujeição a seis intervenções cirúrgicas – , o quantum doloris (5/7), o dano estético (3/7), a repercussão nas actividades desportivas e de lazer (3/7), o défice funcional de 15 pontos, tudo a repercutir-se na perda de qualidade de vida do autor (que ao tempo do embate estava a semanas de completar os vinte e dois anos – e por isso que se impõe relevar adequadamente o pretium juventutis), conclui-se que se apresenta como equilibrado, justo, ponderado e conforme aos padrões jurisprudenciais atendíveis o montante de 60.000,00€ encontrado na decisão apelada para indemnizar o autor pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do evento lesivo, improcedendo, neste segmento, as pretensões recursórias dos apelantes (apelação independente do autor e apelação subordinada da ré). D. Síntese conclusiva Do que vem de se expor resulta a improcedência das apelações (independente e subordinada) quanto ao montante do dano não patrimonial e a improcedência da apelação subordinada da ré quanto ao dano patrimonial relativo às perdas salarias, impondo-se a anulação da sentença na parte concernente ao dano patrimonial futuro (segmento impugnado por ambas as partes), por se considerar indispensável a ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, c) e nº 3, c) do CPC), podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições: .............................................. ………………………………………………………….. …………………………………………………………..*DECISÃO *Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível: - em manter a sentença apelada quanto aos valores fixados a título de danos não patrimoniais e dano patrimonial referente às perdas salariais, julgando improcedentes a apelação independente do autor e a apelação subordinada da ré a propósito, - em anular a sentença apelada (no segmento concernente à determinação do dano futuro, decorrente do défice funcional da integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer) em vista da ampliação da matéria de facto, nos termos referidos – apreciar e decidir (cumprindo o necessário contraditório, nos termos que se expressaram – e facultando-se a possibilidade de serem produzidos novos meios de prova em relação à factualidade em questão) da factualidade que a ré apelante pretende ver considerada, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC (matéria de facto a que alude na conclusão 6ª das suas alegações). A repetição do julgamento está limitada a tal matéria nova (sem prejuízo de incidir sobre outros pontos em vista de evitar contradições – art. 662º, nº 3, c) do CPC). Autor e ré suportarão as custas as respectivas apelações quanto aos segmentos já apreciados (dano não patrimonial, relativamente a ambas as apelações; dano patrimonial pelas perdas salariais, relativamente ao recurso subordinado); relativamente ao restante segmento, as custas das apelações são da responsabilidade de quem por elas for responsável (e na mesma proporção) a final.* Porto, 11/10/2022 (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues _________________________ [1] A especificação dos meios probatórios que, no entender do recorrente, determinam decisão diversa quanto aos factos impugnados e, bem assim, a indicação, relativamente aos meios de prova gravada que constituam fundamento da impugnação, das passagens da gravação relevantes, deve ser feita na motivação (não sendo necessário constarem das conclusões) – p. ex., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 165/166 e 168/169. [2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2014, 2ª edição, p. 587. [3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (citando, a propósito, Teixeira da Sousa), Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração), 2018, pp. 26 e 21 e 721 a 723. [4] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 290. [5] Consigna-se ter-se procedido à integral audição da audiência de discussão e julgamento. [6] Dados retirados de página que apresenta dados demográficos, de comércio, de mercado, laborais e outros indicadores variados (https://pt.countryeconomy.com/), como os valores de salário mínimo praticados nos diferentes países do mundo (https://pt.countryeconomy.com/mercado-laboral/salario-minimo-nacional) – aí é apresentada a evolução do salário mínimo em França desde o ano de 1999 até ao presente (https://pt.countryeconomy.com/mercado-laboral/salario-minimo-nacional/franca). [7] A demonstração da realidade dos factos em juízo não exige a certeza absoluta da realidade dos ‘factos, antes o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’ - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 191/192. [8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 27. [9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, pp. 27 e 29. [10] Teixeira de Sousa, in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397 (na sequência do que ensina já nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pp. 71 a 74), nota que deve distinguir-se a factualidade necessária ‘para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo’, que constitui a causa de pedir, daquela que constitui factualidade complementar ou instrumental: - os factos complementares ‘concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir (cf. art. 5.º, n.º 2, al. b))’ e ‘asseguram a concludência da alegação da parte’; não ‘esgotam uma previsão legal, mas, como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte’ e ‘realizam, por isso, uma função de fundamentação desta pretensão’; - os ‘factos instrumentais (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a)) são os factos que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cf. art. 349.º a 351.º CC), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares; os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos; portanto, os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa.’ [11] Acórdão do STJ de 7/02/2017 (Pinto de Almeida), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, e com o mesmo relator, os acórdãos do STJ de 23/02/2021 e de 10/04/2018, e bem assim o acórdão desta Relação (e deste colectivo, relatado pelo relator do presente – cuja argumentação se vem seguindo) de 13/07/2022, todos no sítio www.dgsi.pt. [12] Citado acórdão do STJ de 10/04/2018. [13] Citado acórdão do STJ de 7/02/2017. [14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 29. [15] Acórdãos do STJ de 9/03/2022 (Maria Clara Sottomayor) - citando Joana Vasconcelos, in Código de Trabalho Anotado, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013 - e de 12/11/2020 (Nuno Pinto Oliveira), no sítio www.dgsi.pt. [16] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, revista e actualizada (7ª reimpressão da edição de 2000), p. 601. [17] Cfr., p. ex., acentuando este carácter repressivo e sancionatório, A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), p. 608 e Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481, que dá nota do carácter punitivo da indemnização (o seu papel retributivo e carácter preventivo). [18] A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), p. 605, nota 4. [19] João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e aspectos resarcitórios, Almedida, 2001, pp. 13 e 14 e 100. [20] Acórdãos do STJ de 5/07/2007 (Nuno Cameira), de 18/06/2009 (Raúl Borges), de 14/09/2010 (Sousa Leite) e de 18/10/2018 (Hélder Almeida), todos no sítio www.dgsi.pt. [21] Acórdão proferido no processo nº 196/11.6TCGMR.G2.S1 (António Piçarra), no sítio www.dgsi.pt. [22] Acórdão proferido no processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1 (Rosa Tching), no sítio www.dgsi.pt. [23] Acórdão proferido no processo nº 32714.1TBMTR.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado), no sítio www.dgsi.pt. [24] Acórdão proferido no processo nº 12213/15.6T8LSB.L1.S1 (Vieira e Cunha), no sítio www.dgsi.pt. [25] Acórdão proferido no processo nº 33/14.0T8MCN.P1.S1 (Maria Clara Sottomayor), no sítio www.dgsi.pt.