I – O incidente de intervenção de terceiros visa fazer intervir (ou permitir que intervenha) na lide alguém que nela não está, mas deveria estar, poderia estar desde o início ou pode passar a estar (como autor ou como réu); II - No procedimento cautelar de embargo de obra nova, tem legitimidade passiva o dono da obra (alegadamente ofensiva do direito do embargante) e como tal é considerado quem decide levá-la a cabo e promove a sua execução: encomendando o projecto (se se tratar de uma obra de construção ou de alterações de um edifício, como é o caso), submetendo-o à apreciação da autoridade administrativa competente e pedindo o seu licenciamento e, obtido este, executando-a materialmente (directamente ou por intermédio de outrem) ou supervisionando a sua execução; III - Sendo o requerente do incidente de intervenção comproprietário do prédio onde decorre a obra a embargar e tendo ele subscrito o pedido, dirigido à autoridade administrativa competente, de licenciamento dessa obra, o caso é de litisconsórcio necessário passivo; IV – Não tendo o requerente qualquer direito que possa fazer valer na lide contra o autor, não é adequado o incidente de oposição espontânea que deduziu; V - Tendo o requerente um interesse igual ao do requerido, já que é, também, dono da obra a embargar, o que se ajusta à situação é o incidente de intervenção principal do lado passivo; VI – À luz do preceituado no artigo 193.º, n.º 3, do CPC, é pacífico o entendimento de que, em caso de erro de qualificação do instrumento jurídico apropriado, se for deduzido incidente de intervenção de terceiro que não se ajusta à situação concreta, o juiz não só pode como deve, oficiosamente, efectuar a convolação para o incidente adequado, verificados que estejam os respectivos requisitos.
Processo n.º 9372/21.2 T8PRT-A.P1 Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto (Juiz 1) Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório AA e “Condomínio ...”, sito na Rua ..., Porto, instauraram procedimento cautelar de embargo de obra nova contra BB, alegando que este iniciou obras de edificação no imóvel sito na rua ..., no Porto, de que é proprietário, o qual confronta e confina com o imóvel, em regime de propriedade horizontal, sito na referida morada, de que a primeira requerente é condómina, proprietária da fracção designada pela letra “I”, obras essas que ainda decorrem; o imóvel do requerido está onerado com uma servidão de vistas a favor da fracção autónoma da primeira requerente, que é um apartamento destinado a habitação/alojamento local, de tipologia T0, e que tem um único vão/abertura para o exterior, voltado para o imóvel daquele; a obra que o requerido está a realizar inclui a edificação de uma parede a uma distância inferior a 1,5 metros da fachada lateral do prédio, das janelas e do limite exterior da fracção da 1.ª Requerente e do prédio do 2.º Requerente, parede essa na qual o Requerido vai colocar janelas voltadas e que dão para o prédio e também para a parte exterior da fracção da 1.ª Requerente, assim ofendendo o seu direito propriedade e o direito de servidão de vistas. Regularmente citado[1], o requerido não deduziu oposição. Por isso que, em despacho proferido em 21.07.2021, foram considerados confessados os factos articulados no requerimento inicial e mandado cumprir o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC. Em 18.08.2021, o tribunal, considerando que era necessário concretizar o alegado nos artigos 4.º e 15.º do requerimento inicial, convidou os requerentes a fazê-lo, «alegando factualidade referente ao modo/título de constituição da servidão de vistas», designadamente se foi constituída por usucapião ou por outro título. Os requerentes, correspondendo ao convite que lhes foi dirigido, apresentaram articulado em que alegam factos tendentes a demonstrar a aquisição por usucapião. O requerido, por seu turno, veio arguir nulidades, alegando que o procedimento cautelar tem corrido à sua revelia, pois na sua citação não foi observado o formalismo legal. Por despacho de 10.09.2021, foi indeferida a arguição de nulidade. Sucederam-se os requerimentos e as respectivas respostas (cada uma das partes imputando à outra a prática de actos que a lei não admite). Um desses requerimentos (ref.ª 30754978) foi apresentado por CC. Nesse requerimento deduziu o incidente de oposição espontânea, alegando, em síntese: - que é comproprietário (juntamente com o requerido BB), na proporção de metade, do prédio onde está a ser realizada a obra que os requerentes pretendem ver embargada; - o projecto da obra foi submetido à aprovação da autoridade administrativa competente (que o aprovou, dando origem à emissão do alvará de averbamento n.º 2 e ao alvará de licenciamento de obras de construção NUD/.../CMP) por si e pelo requerido BB e a sua execução é da responsabilidade de ambos; -não foi citado para os termos deste procedimento cautelar. Os requerentes pronunciaram-se pela inadmissibilidade da pretensão. Por despacho de 23.05.2022 (ref.ª 436928424), foi indeferido o pedido de intervenção, por oposição espontânea, daquele CC. Inconformado com a decisão, veio o requerente do incidente dela interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões (reprodução integral): «1ª Vem o presente recurso interposto do despacho com referência Citius n.º 436928424, datado de 23 de maio de 2021, notificado ao aqui recorrente por ofício com referência Citius 437268353, elaborado em 31 de maio de 2022, na parte em que este Indefere “a requerida intervenção, por oposição espontânea, de CC”. 2ª Os requerentes, aqui recorridos, intentaram a presente ação única e exclusivamente contra o Requerido BB, peticionando o embargo da obra que está a ser realizada no imóvel sito na rua ..., no Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...... da respetiva freguesia .... 3ª Ao deduzir a oposição espontânea, o Recorrente demonstrou documentalmente que, (i) conjuntamente com BB é, desde 18 de junho de 2019, comproprietário, na proporção de metade do prédio vindo de descrever, sendo que (ii) foram ambos quem submeteram junto do Município do Porto o projeto de obras com a referência ......, que foi aprovado e resultou na emissão do alvará de licenciamento de obras de construção NUD/.../CMP processo n.º P/.../19/CMP e que (iii) após a emissão do Alvará, o recorrente CC, em conjunto com o Requerido BB iniciaram as obras no prédio cujo embargo é solicitado nos autos. 4ª Entende a decisão recorrida que o direito do requerido BB e do aqui recorrente, são paralelos; no entanto, a lei refere que a oposição serve para fazer valer um direito próprio, que seja incompatível com a pretensão deduzida pelo autor, nunca sendo mencionado que o direito não pode ser igual ou paralelo ao de uma das partes. 5ª No caso em apreço, estamos perante uma causa entre os requerentes e o requerido BB em que existe um direito próprio do recorrente (direito de propriedade e o direito a construir a obra que se encontra licenciada pelo município do Porto) que é totalmente incompatível com a pretensão dos requerentes de embargar a referida obra, pelo que estão preenchidos todos os requisitos para que possa existir uma oposição espontânea. 6ª A factualidade dos autos demonstra que existe um terreno com dois comproprietários, pelo que se duas pessoas são ambas possuidoras de um direito de propriedade sobre a mesma coisa, e, ambas são donas da obra que lá está a ser construída, não basta proceder à citação de apenas uma delas. 7ª Com efeito, ao contrário do que se diz no despacho recorrido, o recorrente é efetivamente sujeito passivo da relação jurídica material controvertida que serve de causa de pedir, sendo de postergar o entendimento perfilhado na decisão recorrida de que apenas se pode atender à relação controvertida tal como configurada pelo A. 8ª Tal como já é do conhecimento destes autos, os requerentes, aqui recorridos, após intentarem a presente providência cautelar em 7 de Junho de 2021, intentaram a 14 de Junho de 2021, a providência cautelar a que foi atribuído o número de Processo 1477/21.6 BEPRT, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 2, sendo, igualmente, quem já intentou a acção principal de que aquela é apensa. 9ª Tomando conhecimento da violação do litisconsórcio necessário passivo, foi proferido despacho, quer na lide cautelar administrativa, quer na lide conexa lide principal, que convidou “os Requerentes a, no prazo de 10 dias, aperfeiçoarem o seu articulado inicial, indicando como contrainteressado o coproprietário do terreno em causa, sob pena de absolvição da instância por preterição de litisconsórcio necessário.” 10ª Certo é que os ali Requerentes, conformaram-se com esse despacho e, subsequentemente, quer na providencia cautelar administrativa, quer na conexa acção principal, deram entrada de petição inicial aperfeiçoada e, em ambos indicaram (i) o aqui Recorrente e BB como co-proprietários do imóvel (ii) que os dois assumem a qualidade de requerentes, junto do município do Porto, do alvará de licenciamento da obra e (iii) mais alegaram que o Requerido e/ou o BB iniciaram as obras de edificação do imóvel, 11ª Como se demonstrou, os requerentes colocam até em questão se serão ambos os donos da obra ou se será apenas o aqui recorrente, do que em tudo resulta que os requerentes configuram a relação jurídica da forma que melhor lhes aprouver, visto que, descaradamente, dizem uma coisa nos autos civis e o seu contrário nas instâncias administrativas. 12ª Nos termos do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 1996, in BMJ, 454.º, 607, devem ser atendidos, no momento da decisão, factos supervenientes que tenham repercussão no pressuposto processual da legitimidade das partes, sendo que, também pela forma como os aqui recorrentes abordam a relação material controvertida noutras instâncias judiciais, se demonstra de que estes bem sabem que o aqui Recorrente é dono da obra, pelo que cabe admitir a sua intervenção nos autos. 13ª Ainda que o despacho recorrido considerasse que não se devia atender à oposição espontânea, tendo tomado conhecimento que de facto existia uma violação do litisconsórcio necessário, deveria reconhecê-lo oficiosamente, o que não fez, pelo que também nesta parte mal andou o despacho recorrido, o que, desta feita, igualmente se requer a este alto Tribunal. 14ª Atento o objecto do litígio, conclui-se que a intervenção do Recorrente nos autos destina-se a fazer valer um direito próprio, incompatível com a pretensão deduzida pelo autor, pelo que deve o despacho recorrido ser revogado, admitindo-se o pedido de oposição espontânea apresentado pelo recorrente.» Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo) por despacho de 06.09.2022. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo). Como decorre das conclusões do recurso, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão verificados no caso os pressupostos da oposição espontânea e, portanto, se esta deve ser admitida, como pretende o recorrente. II – Fundamentação 1. Fundamentos de facto Qualquer sentença ou despacho que não seja de mero expediente, para satisfazer a exigência legal de fundamentação, deve revelar o percurso lógico e racional seguido pelo juiz, de forma a apresentar-se como uma peça coerente, fundada, convincente e à margem do arbítrio, sem enfermar de contradições ou violar as regras da experiência e do bom senso, expondo, de forma transparente, as razões de facto e de direito da decisão proferida. Só assim a fundamentação cumpre, cabalmente, a dupla função que se lhe assinala: garantia do controlo crítico da lógica da decisão, permitindo, por um lado, aos sujeitos processuais, o recurso da mesma decisão com conhecimento da situação e ao tribunal de recurso aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação da 1.ª instância, promovendo a sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários directos (as partes) e perante a comunidade. Embora não seja uma sentença, à decisão do incidente de intervenção de terceiros aplica-se o disposto no artigo 607.º do CPC (cfr. artigos 295.º e 613.º, n.º 3, do CPC), pelo que deve conter a discriminação dos factos considerados provados e a respectiva motivação probatória (que pode ser mais ligeira do que na acção principal). Porém, a decisão recorrida omite completamente a especificação dos fundamentos de facto, omissão que a afecta de nulidade. O artigo 665.º, n.º 1, do CPC estabelece a regra da substituição do tribunal recorrido, é dizer, sendo nula a decisão, a Relação não deve limitar-se a reenviar o processo ao tribunal a quo, antes deve prosseguir apreciando as demais questões que constituem objecto da apelação. Só assim não será se a Relação não dispuser de todos os elementos necessários para conhecer do mérito do recurso. Ora, os factos que podem relevar para a decisão estão, cabalmente, demonstrados por documentos com força probatória plena, designadamente os que foram juntos com o requerimento de intervenção de terceiro e com a certidão proveniente do processo n.º 1477/21.6 BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Assim, além dos factos e vicissitudes processuais que constam do antecedente relatório, consideramos relevantes para a decisão e provados os seguintes factos: 1) CC e BB são comproprietários, na proporção de metade, do prédio urbano sito na rua ..., no Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...... da freguesia ..., no qual está a ser executada a obra cujo embargo aqui é pedido, prédio esse que confronta e é confinante com o prédio dos requerentes desta providência cautelar; 2) Os requeridos CC e BB submeteram à apreciação da Câmara Municipal ... um projecto de obra de ampliações e alterações a realizar naquele seu prédio, pedido que deu origem ao processo de licenciamento de edificação que ali corre termos sob o n.º P/.../19/CMP; 3) Nesse processo administrativo (n.º P/.../19/CMP), CC juntou declaração por si emitida em que autoriza BB a representá-lo em todos os atos no âmbito do processo; 4) O alvará de licenciamento da edificação pretendida (alvará n.º ......) foi emitido, exclusivamente, em nome de BB; 5) Licenciada a obra, iniciou-se a sua execução material, que ainda decorria à data da instauração deste procedimento cautelar; 6) Depois de, em 07.06.2021, terem instaurado este procedimento cautelar, os requerentes intentaram, a 14.06.2021, uma outra providência cautelar visando, também, obter o embargo da mesma obra, que deu origem ao processo n.º 1477/21.6 BEPRT, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 2; 7) Nesse processo, foi proferido despacho datado de 04.05.2022 pelo qual os requerentes foram convidados a «aperfeiçoarem o seu articulado inicial, indicando como contrainteressado o coproprietário do terreno em causa, sob pena de absolvição da instância por preterição de litisconsórcio necessário.»; 8) Decisão que os requerentes acataram, apresentando articulado aperfeiçoado em que, também o aqui recorrente CC, enquanto comproprietário do referido imóvel, surge como contra-interessado no processo. 2. Fundamentos de direito Na apreciação que fez do pedido deduzido pelo recorrente CC, o tribunal considerou que este, «segundo a relação controvertida apresentada pelo A.», não tinha qualquer interesse em contradizer a pretensão dos requerentes, rejeitando a verificação no caso de litisconsórcio necessário passivo, argumentando-se assim: «Os presentes autos configuram um procedimento cautelar. Tal procedimento tem natureza urgente, visando, de forma simples e rápida, acautelar, sem delongas, os prejuízos que lhe possam advir da demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 3ª edição revista e actualizada, Almedina, pág, 129). Face a essa natureza urgente, entendemos, tal como defendido por Abrantes Geraldes, (in op. cit., pág. 133), que, em regra, não serão admissíveis incidentes de intervenção de terceiros em sede de procedimento cautelar. Excepciona-se desta regra, além dos incidentes de embargos de terceiro e de habilitação, a possibilidade de dedução de incidente de intervenção provocada para assegurar a legitimidade litisconsorcial do requerente ou do requerido (cfr. op cit., pág. 133, nota 200). Ou seja, o incidente de intervenção de terceiro só deverá ser admitido, em procedimento cautelar, para assegurar a legitimidade de requerente ou requerido nos casos de litisconsórcio necessário. Assim decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2000, in “www.dgsi.pt: “Embora, em princípio, os incidentes de instância não tenham lugar nos procedimentos cautelares, eles devem aí ser admitidos quando interessem à fixação dos pressupostos processuais ou à sua regularização. Assim, o incidente de intervenção de terceiros só deve ser admitido em procedimento cautelar quando se destine a assegurar a legitimidade de uma ou de alguma das partes (caso do litisconsórcio necessário), mas já não nas hipóteses de litisconsórcio voluntário, enquanto não houver decisão”. No mesmo sentido segue o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-4-2017, in www.dgsi.pt.: “Em regra não devem ser admitidas alterações subjectivas da instância cautelar, a menos que essa intervenção se destine a assegurar o efeito útil da providência, nomeadamente em caso de preterição de litisconsórcio necessário.”. Ora, o caso dos autos não constitui uma situação de litisconsórcio necessário. Como vimos, pretende a requerente o embargo de uma obra. Conforme refere Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, pág, 249, a legitimidade passiva, no âmbito deste procedimento especificado, cabe ao dono da obra (e/ou ao seu executor material). Ora, dispõem os nºs. 1 e 2 do art. 30º do CPC que o autor e réu são partes legítimas quando, respectivamente, têm interesse directo em demandar ou em contradizer, sendo que aquele interesse exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e este pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Por seu turno, o nº 3 de tal preceito dispõe que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor. Adoptou, assim, a nossa lei processual civil um conceito estritamente formal de legitimidade: para aferir se uma parte é ou não legítima, não deve o juiz, perante os factos que lhe chegam ao conhecimento no decorrer da lide, perguntar-se quem devia propor e contra quem devia a acção ser proposta. Basta-lhe conferir, isso sim, se as partes em juízo têm interesse em demandar ou em contradizer tendo como exclusiva referência a relação controvertida tal como ela é descrita pelo autor na petição inicial, sem levar em consideração os factos que ao longo do processo foram alegados (e, eventualmente, provados) pelas partes, nomeadamente, pelos réus. Nessa sequência, o A. alegou, em sede de petição inicial, que a obra que pretende ver embargada encontra-se a ser levada a cabo, exclusivamente, pelo requerido BB. Tendo isto em conta, face à forma como a A. configurou a relação controvertida, resulta evidente que apenas o requerido BB tem interesse em contradizer a sua pretensão. Pelo exposto, de acordo com o critério estabelecido na nossa lei processual, será BB a parte legítima no lado passivo na presente acção; na mesma perspectiva, segundo a relação controvertida apresentada pela A., o ora requerente CC não tem interesse em contradizer essa pretensão. Assim sendo, rejeita-se a verificação, no caso em apreço, de uma situação de litisconsórcio passivo necessário. Nesta medida, atenta a natureza urgente destes autos e não estando em causa uma situação de litisconsórcio necessário, impõe-se a rejeição da intervenção do requerente CC.» Ressalvado o devido respeito pelo entendimento assim expresso, afigura-se-nos que não é correcta a apreciação efectuada e por isso dela dissentimos. O tribunal a quo fez a sua apreciação e formulou o seu juízo (concluindo que não é caso de litisconsórcio passivo, muito menos de litisconsórcio necessário, por falta de interesse de CC em contradizer a pretensão aqui formulada) atendendo à relação material controvertida tal como os requerentes a apresentaram. No entanto, o que se impunha é que, em apreciação sumária do requerimento de intervenção, por oposição espontânea, apresentado por CC, avaliasse se poderiam considerar-se verificados os pressupostos do incidente, designadamente os pressupostos processuais e, especificamente, a legitimidade do requerente; se concluísse pela negativa, estaria justificada a rejeição liminar da oposição. Como é bem sabido, o incidente de intervenção de terceiros visa fazer intervir (ou permitir que intervenha) na lide alguém que nela não está, mas deveria estar, poderia estar desde o início ou pode passar a estar (como autor ou como réu). A legitimidade no processo civil é (tal como no direito substantivo ou material) um conceito de relação: relação entre a parte no processo e o objecto deste e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o[2]. Tem legitimidade activa quem, juridicamente, pode fazer valer a pretensão em face do demandado; tem legitimidade passiva a pessoa que, juridicamente, pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida. Por outras palavras, «o autor é parte legítima se, atenta a relação jurídica que invoca[3], surgir nela como sujeito susceptível de beneficiar directamente do efeito jurídico pretendido; já o réu terá legitimidade passiva se for directamente prejudicado com a procedência da ação»[4]. No procedimento cautelar de embargo de obra nova, tem legitimidade passiva o dono da obra[5] (alegadamente ofensiva do direito do embargante) e como tal é considerado quem decide levá-la a cabo e promove a sua execução[6]: encomendando o projecto (se se tratar de uma obra de construção ou de alterações de um edifício, como é o caso), submetendo-o à apreciação da autoridade administrativa competente e pedindo o seu licenciamento e, obtido este, executando-a materialmente (directamente ou por intermédio de outrem) ou supervisionando a sua execução. Face à factualidade que se considerou provada, não pode haver a menor dúvida de que o recorrente é, também, dono da obra em causa. De resto, sendo uma obra a executar num prédio com dois comproprietários, seria impensável que um deles a levasse a cabo à margem ou à revelia do outro comproprietário, sem que este a assumisse como sua, como pretendem fazer crer os requerentes deste procedimento cautelar. Assim sendo, como é, fica bem patente a sua legitimidade passiva para este procedimento cautelar. Podemos ir mais longe e afirmar que é um caso de litisconsórcio necessário passivo (como bem se decidiu no procedimento cautelar que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), uma vez que a decisão que vier a ser proferida não lhe é oponível (e, portanto, não produzirá o seu efeito útil normal) se não for parte no processo. Concluindo, não pode fundamentar a rejeição da intervenção requerida pelo recorrente CC a suposta inverificação, no caso, de uma situação de litisconsórcio necessário passivo. Mas o tribunal rejeitou a intervenção com um segundo fundamento, assim explanado: «Não obstante, ainda que assim não se entendesse, sempre se diga que nunca se justificaria a admissão da intervenção por oposição espontânea por parte de CC. Neste âmbito, dispõe o art. 333º, nº 1, do CPC, que “Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro intervir nela como opoente para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.”. Assim, dispõe o nº 1 do art. 334º que “O opoente deduz a sua pretensão por meio de petição, à qual são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à petição inicial, inclusivamente no que respeita às custas processuais.” Nesta sequência, dispõe o art. 335º, nº 1, que “Se a oposição não for liminarmente rejeitada, o opoente fica tendo na instância a posição de parte principal, com os direitos e as responsabilidades inerentes, e é ordenada a notificação das partes primitivas para que contestem o seu pedido, em prazo igual ao concedido ao réu na acção principal”, seguindo-se, nos termos do nº 2, os articulados correspondentes à forma de processo aplicável à causa principal. Decorre destes preceitos que o terceiro opoente, apresentando-se numa acção em curso, invoca “a titularidade de um direito próprio (o que o distingue do interveniente acessório) incompatível, total ou parcialmente, com o direito do autor ou do réu reconvinte (o que o distingue do interveniente principal)” – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 407. Segundo estes autores, in op e loc cit, “Dada a postura do terceiro, arrogando-se titular de um direito, estamos perante uma pretensão que este poderia deduzir em acção autónoma”. Na pena expressiva de Alberto dos Reis, in “Código de Processo civil Anotado, 1º, pág. 145, “O opoente faz as vezes de autor, propõe realmente, através do mecanismo do incidente, uma verdadeira acção, dirigida contra os litigantes da causa principal, traduzindo-se a sua intervenção nisto: o direito que o A: pretende fazer valer contra o Réu pertence-me a mim exclusivamente, ou pertence-me também a mim”. Ou seja, o opoente não visa fazer valer um interesse igual ou paralelo ao do autor ou do réu (como sucede na intervenção principal); intervém para fazer valer um interesse próprio, que é incompatível (ou seja, não é igual, nem paralelo) com o interesse deduzido pelo A.. O opoente introduz, assim, uma nova relação jurídica na causa, que é juridicamente incompatível com a primeiramente introduzida pelo A.. Visto isto, forçoso é concluir que o requerente CC, ao defender a improcedência da providência peticionada pela A., pretende fazer valer um interesse igual ao do requerido BB. Tal situação remete-nos para o campo da intervenção principal (passiva) de terceiros, nos termos dos arts. 311º e 312º do CPC. Contudo, como vimos, a intervenção passiva de terceiros em sede de procedimento cautelar só é admissível, excepcionalmente, nos casos de litisconsórcio necessário; ora, nos termos já expostos, tal situação não se verifica no caso em apreço. Nesta medida, impõe-se o indeferimento da peticionada intervenção, por oposição espontânea, de CC. Pelo exposto, indefiro a requerida intervenção, por oposição espontânea, de CC.» O recorrente discorda desta análise e desta conclusão alegando que «é claro de perceber que a lei apenas refere que a oposição serve para fazer valer um direito próprio, que seja incompatível com a pretensão deduzida pelo autor, nunca sendo mencionado que o direito não pode ser igual ou paralelo ao de uma das partes» e que «estamos perante uma causa entre os requerentes e o requerido BB em que existe um direito próprio do recorrente (direito de propriedade e o direito a construir a obra que se encontra licenciada pelo município do porto) que é totalmente incompatível com a pretensão dos requerentes de embargar a referida obra.» Com todo o respeito devido, o recorrente não captou a verdadeira essência da oposição espontânea. Sobre esta figura processual, J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Almedina, 4.ª edição, pág. 661), explicam-na assim: «Enquanto na intervenção principal o terceiro se constitui autor ou réu litisconsorciado com o autor ou o réu primitivo ou coligado com o autor, na oposição o terceiro constitui-se como uma terceira parte, se ambas as partes primitivas impugnarem o seu direito, ou como autor ou réu, em substituição da parte primitiva que reconheça o seu direito. É que, na base da intervenção, está, como se vê no n.º 1, a afirmação, pelo terceiro, de um direito próprio, absoluto ou de crédito, incompatível, total ou parcialmente, com aquele que o autor (ou o réu reconvinte) pretende fazer valer: o terceiro arroga-se, por exemplo, o direito de propriedade ou de usufruto sobre a coisa que o autor reivindica (…). A intervenção do opoente traduz-se, assim, no exercício de uma acção própria em processo alheio, mediante a dedução de um pedido contra o réu (ou o autor reconvindo), equivalente, total ou parcialmente, ao formulado pelo autor (ou reconvinte) e, por isso, feito valer também no confronto deste.» E mais adiante (pág. 662): «Diversamente da intervenção principal, que se coaduna com o mero requerimento de adesão ao articulado da parte à qual o interveniente se associa (art. 312), a oposição postula sempre a apresentação de articulado próprio, que, fazendo valer o opoente um direito incompatível com o do autor, constitui uma petição.» Arrogando-se o terceiro titular de um direito, a sua pretensão tanto pode ser formulada na lide pendente como intentando a sua própria acção[7]. Ora, o recorrente não tem qualquer pretensão que possa deduzir contra os aqui requerentes/recorridos. Se, em vez intervir nesta lide, optasse por uma acção autónoma, não se vislumbra que pedido poderia, fundadamente, formular contra os requerentes. Como bem se decidiu na primeira instância, o recorrente tem nesta acção um interesse igual ao do requerido BB, pois é, juntamente com este, dono da obra que os requerentes pretendem embargar. Por isso não é adequado o incidente de oposição espontânea, mas antes o da intervenção principal do lado passivo. Na decisão recorrida entendeu-se que, em procedimento cautelar, só excepcionalmente é admitida a intervenção de terceiros; concretamente, apenas nos casos de litisconsórcio necessário seria admissível a intervenção principal e não é o caso. Conforme decorre do disposto no artigo 311.º do CPC, a intervenção principal é, necessariamente, litisconsorcial[8] e pode ocorrer pelo lado activo ou pelo lado passivo, ou seja, tanto pode ocorrer para chamar alguém a ocupar a posição de co-autor ou de co-réu. Exigindo um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, requer-se que o interveniente tenha um interesse igual ao da parte com a qual vai litisconsorciar-se. Ora, diversamente do que se entendeu na primeira instância, pelas razões já explicitadas, temos para nós que este é um caso de litisconsórcio necessário passivo. A questão que se coloca é, então, a de saber se pode o tribunal admitir a intervenção principal passiva do requerente CC por ser esse o incidente que se adequa à situação e não o que foi deduzido. Pela afirmativa se pronunciam A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (ob. cit., anotação ao artigo 311.º, pág. 362): «(…) se porventura subsistir alguma divergência relativamente ao instrumento jurídico apropriado, é agora mais claro que não deverão ser extraídas consequências do erro de qualificação, na medida em que seja possível, como é em geral, a correção do vício»[9]. O AUJ n.º 2/2010 uniformizou jurisprudência no sentido de que «fora dos casos previstos no art. 688.º (na redação anterior ao DL n.º 303/07, de 24 de Agosto), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá ser admitido como requerimento para a conferência prevista no art. 700.º, n.º 3, daquele Código». A invocação deste acórdão uniformizador tem uma razão de ser: é que a doutrina nele firmada foi acolhida na solução legal contida no artigo 193.º, n.º 3, do CPC: «O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se siga os termos processuais adequados». Pode dizer-se que, à luz do citado preceito legal, é pacífico o entendimento de que, se for deduzido incidente de intervenção de terceiro que não se ajusta à situação concreta, o juiz não só pode como deve, oficiosamente, efectuar a convolação para o incidente adequado, verificados que estejam os respectivos requisitos[10] e, no caso, já concluímos que ocorrem os pressupostos da intervenção principal passiva. Cabe, ainda, referir que as partes tiveram ampla oportunidade de discutir esta solução jurídica, pelo que não pode falar-se aqui em decisão surpresa. III – Dispositivo Pelas razões de facto e de direito que ficaram expostas, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em: 1) julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida; 2) admitir a intervenção neste procedimento cautelar de embargo de obra nova de CC, não como opoente, mas como interveniente principal, litisconsorciado com o réu. As custas serão suportadas pela parte vencida a final. (Processado e revisto pelo primeiro signatário). Porto, 28/11/2022. Joaquim Moura Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes _____________ [1] Pediram os requerentes que a providência fosse decretada sem a audição do requerido, mas a sua pretensão foi indeferida. [2] Cfr. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, Coimbra Editora, 2001, pág. 51. [3] A efectiva existência dessa relação e da pretensão deduzida diz já respeito ao mérito da acção. [4] A.S. Abrantes Geraldes e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2019, pág. 59. [5] Embora haja quem entenda (como no acórdão desta Relação de 11.11.2002, processo n.º 0251484) que também o executor material da obra pode ser demandado. Trata-se, no entanto, de uma opinião minoritária, sem grande expressão. [6] Assim, o acórdão desta Relação de 10.11.2005, processo n.º 0534966. [7] Cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, ob. cit., 387. [8] Com o novo Código de Processo Civil, deixou de ser possível a intervenção principal coligatória. [9] Os anotadores citam, em abono, os acórdãos da Relação de Lisboa de 19.02.2013 (processo n.º 185/11) e de 2010.2016 (processo n.º 5000/15). [10] Por todos, o Ac. da Relação de Lisboa de 24.10.2019 (processo n.º 4063/18.4T8LRA-A.L1-2: «Resultando do que é alegado no requerimento de intervenção principal provocada não ser admissível este incidente, estando, ao invés, configurado um caso de intervenção acessória provocada, o Tribunal pode oficiosamente, se necessário com a prévia audição das partes, convolar tal requerimento, assim corrigindo um erro na qualificação do meio processual – art. 193.º, n.º 3, do CPC.»
Processo n.º 9372/21.2 T8PRT-A.P1 Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto (Juiz 1) Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório AA e “Condomínio ...”, sito na Rua ..., Porto, instauraram procedimento cautelar de embargo de obra nova contra BB, alegando que este iniciou obras de edificação no imóvel sito na rua ..., no Porto, de que é proprietário, o qual confronta e confina com o imóvel, em regime de propriedade horizontal, sito na referida morada, de que a primeira requerente é condómina, proprietária da fracção designada pela letra “I”, obras essas que ainda decorrem; o imóvel do requerido está onerado com uma servidão de vistas a favor da fracção autónoma da primeira requerente, que é um apartamento destinado a habitação/alojamento local, de tipologia T0, e que tem um único vão/abertura para o exterior, voltado para o imóvel daquele; a obra que o requerido está a realizar inclui a edificação de uma parede a uma distância inferior a 1,5 metros da fachada lateral do prédio, das janelas e do limite exterior da fracção da 1.ª Requerente e do prédio do 2.º Requerente, parede essa na qual o Requerido vai colocar janelas voltadas e que dão para o prédio e também para a parte exterior da fracção da 1.ª Requerente, assim ofendendo o seu direito propriedade e o direito de servidão de vistas. Regularmente citado[1], o requerido não deduziu oposição. Por isso que, em despacho proferido em 21.07.2021, foram considerados confessados os factos articulados no requerimento inicial e mandado cumprir o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC. Em 18.08.2021, o tribunal, considerando que era necessário concretizar o alegado nos artigos 4.º e 15.º do requerimento inicial, convidou os requerentes a fazê-lo, «alegando factualidade referente ao modo/título de constituição da servidão de vistas», designadamente se foi constituída por usucapião ou por outro título. Os requerentes, correspondendo ao convite que lhes foi dirigido, apresentaram articulado em que alegam factos tendentes a demonstrar a aquisição por usucapião. O requerido, por seu turno, veio arguir nulidades, alegando que o procedimento cautelar tem corrido à sua revelia, pois na sua citação não foi observado o formalismo legal. Por despacho de 10.09.2021, foi indeferida a arguição de nulidade. Sucederam-se os requerimentos e as respectivas respostas (cada uma das partes imputando à outra a prática de actos que a lei não admite). Um desses requerimentos (ref.ª 30754978) foi apresentado por CC. Nesse requerimento deduziu o incidente de oposição espontânea, alegando, em síntese: - que é comproprietário (juntamente com o requerido BB), na proporção de metade, do prédio onde está a ser realizada a obra que os requerentes pretendem ver embargada; - o projecto da obra foi submetido à aprovação da autoridade administrativa competente (que o aprovou, dando origem à emissão do alvará de averbamento n.º 2 e ao alvará de licenciamento de obras de construção NUD/.../CMP) por si e pelo requerido BB e a sua execução é da responsabilidade de ambos; -não foi citado para os termos deste procedimento cautelar. Os requerentes pronunciaram-se pela inadmissibilidade da pretensão. Por despacho de 23.05.2022 (ref.ª 436928424), foi indeferido o pedido de intervenção, por oposição espontânea, daquele CC. Inconformado com a decisão, veio o requerente do incidente dela interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões (reprodução integral): «1ª Vem o presente recurso interposto do despacho com referência Citius n.º 436928424, datado de 23 de maio de 2021, notificado ao aqui recorrente por ofício com referência Citius 437268353, elaborado em 31 de maio de 2022, na parte em que este Indefere “a requerida intervenção, por oposição espontânea, de CC”. 2ª Os requerentes, aqui recorridos, intentaram a presente ação única e exclusivamente contra o Requerido BB, peticionando o embargo da obra que está a ser realizada no imóvel sito na rua ..., no Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...... da respetiva freguesia .... 3ª Ao deduzir a oposição espontânea, o Recorrente demonstrou documentalmente que, (i) conjuntamente com BB é, desde 18 de junho de 2019, comproprietário, na proporção de metade do prédio vindo de descrever, sendo que (ii) foram ambos quem submeteram junto do Município do Porto o projeto de obras com a referência ......, que foi aprovado e resultou na emissão do alvará de licenciamento de obras de construção NUD/.../CMP processo n.º P/.../19/CMP e que (iii) após a emissão do Alvará, o recorrente CC, em conjunto com o Requerido BB iniciaram as obras no prédio cujo embargo é solicitado nos autos. 4ª Entende a decisão recorrida que o direito do requerido BB e do aqui recorrente, são paralelos; no entanto, a lei refere que a oposição serve para fazer valer um direito próprio, que seja incompatível com a pretensão deduzida pelo autor, nunca sendo mencionado que o direito não pode ser igual ou paralelo ao de uma das partes. 5ª No caso em apreço, estamos perante uma causa entre os requerentes e o requerido BB em que existe um direito próprio do recorrente (direito de propriedade e o direito a construir a obra que se encontra licenciada pelo município do Porto) que é totalmente incompatível com a pretensão dos requerentes de embargar a referida obra, pelo que estão preenchidos todos os requisitos para que possa existir uma oposição espontânea. 6ª A factualidade dos autos demonstra que existe um terreno com dois comproprietários, pelo que se duas pessoas são ambas possuidoras de um direito de propriedade sobre a mesma coisa, e, ambas são donas da obra que lá está a ser construída, não basta proceder à citação de apenas uma delas. 7ª Com efeito, ao contrário do que se diz no despacho recorrido, o recorrente é efetivamente sujeito passivo da relação jurídica material controvertida que serve de causa de pedir, sendo de postergar o entendimento perfilhado na decisão recorrida de que apenas se pode atender à relação controvertida tal como configurada pelo A. 8ª Tal como já é do conhecimento destes autos, os requerentes, aqui recorridos, após intentarem a presente providência cautelar em 7 de Junho de 2021, intentaram a 14 de Junho de 2021, a providência cautelar a que foi atribuído o número de Processo 1477/21.6 BEPRT, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 2, sendo, igualmente, quem já intentou a acção principal de que aquela é apensa. 9ª Tomando conhecimento da violação do litisconsórcio necessário passivo, foi proferido despacho, quer na lide cautelar administrativa, quer na lide conexa lide principal, que convidou “os Requerentes a, no prazo de 10 dias, aperfeiçoarem o seu articulado inicial, indicando como contrainteressado o coproprietário do terreno em causa, sob pena de absolvição da instância por preterição de litisconsórcio necessário.” 10ª Certo é que os ali Requerentes, conformaram-se com esse despacho e, subsequentemente, quer na providencia cautelar administrativa, quer na conexa acção principal, deram entrada de petição inicial aperfeiçoada e, em ambos indicaram (i) o aqui Recorrente e BB como co-proprietários do imóvel (ii) que os dois assumem a qualidade de requerentes, junto do município do Porto, do alvará de licenciamento da obra e (iii) mais alegaram que o Requerido e/ou o BB iniciaram as obras de edificação do imóvel, 11ª Como se demonstrou, os requerentes colocam até em questão se serão ambos os donos da obra ou se será apenas o aqui recorrente, do que em tudo resulta que os requerentes configuram a relação jurídica da forma que melhor lhes aprouver, visto que, descaradamente, dizem uma coisa nos autos civis e o seu contrário nas instâncias administrativas. 12ª Nos termos do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 1996, in BMJ, 454.º, 607, devem ser atendidos, no momento da decisão, factos supervenientes que tenham repercussão no pressuposto processual da legitimidade das partes, sendo que, também pela forma como os aqui recorrentes abordam a relação material controvertida noutras instâncias judiciais, se demonstra de que estes bem sabem que o aqui Recorrente é dono da obra, pelo que cabe admitir a sua intervenção nos autos. 13ª Ainda que o despacho recorrido considerasse que não se devia atender à oposição espontânea, tendo tomado conhecimento que de facto existia uma violação do litisconsórcio necessário, deveria reconhecê-lo oficiosamente, o que não fez, pelo que também nesta parte mal andou o despacho recorrido, o que, desta feita, igualmente se requer a este alto Tribunal. 14ª Atento o objecto do litígio, conclui-se que a intervenção do Recorrente nos autos destina-se a fazer valer um direito próprio, incompatível com a pretensão deduzida pelo autor, pelo que deve o despacho recorrido ser revogado, admitindo-se o pedido de oposição espontânea apresentado pelo recorrente.» Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo) por despacho de 06.09.2022. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo). Como decorre das conclusões do recurso, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão verificados no caso os pressupostos da oposição espontânea e, portanto, se esta deve ser admitida, como pretende o recorrente. II – Fundamentação 1. Fundamentos de facto Qualquer sentença ou despacho que não seja de mero expediente, para satisfazer a exigência legal de fundamentação, deve revelar o percurso lógico e racional seguido pelo juiz, de forma a apresentar-se como uma peça coerente, fundada, convincente e à margem do arbítrio, sem enfermar de contradições ou violar as regras da experiência e do bom senso, expondo, de forma transparente, as razões de facto e de direito da decisão proferida. Só assim a fundamentação cumpre, cabalmente, a dupla função que se lhe assinala: garantia do controlo crítico da lógica da decisão, permitindo, por um lado, aos sujeitos processuais, o recurso da mesma decisão com conhecimento da situação e ao tribunal de recurso aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação da 1.ª instância, promovendo a sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários directos (as partes) e perante a comunidade. Embora não seja uma sentença, à decisão do incidente de intervenção de terceiros aplica-se o disposto no artigo 607.º do CPC (cfr. artigos 295.º e 613.º, n.º 3, do CPC), pelo que deve conter a discriminação dos factos considerados provados e a respectiva motivação probatória (que pode ser mais ligeira do que na acção principal). Porém, a decisão recorrida omite completamente a especificação dos fundamentos de facto, omissão que a afecta de nulidade. O artigo 665.º, n.º 1, do CPC estabelece a regra da substituição do tribunal recorrido, é dizer, sendo nula a decisão, a Relação não deve limitar-se a reenviar o processo ao tribunal a quo, antes deve prosseguir apreciando as demais questões que constituem objecto da apelação. Só assim não será se a Relação não dispuser de todos os elementos necessários para conhecer do mérito do recurso. Ora, os factos que podem relevar para a decisão estão, cabalmente, demonstrados por documentos com força probatória plena, designadamente os que foram juntos com o requerimento de intervenção de terceiro e com a certidão proveniente do processo n.º 1477/21.6 BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Assim, além dos factos e vicissitudes processuais que constam do antecedente relatório, consideramos relevantes para a decisão e provados os seguintes factos: 1) CC e BB são comproprietários, na proporção de metade, do prédio urbano sito na rua ..., no Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...... da freguesia ..., no qual está a ser executada a obra cujo embargo aqui é pedido, prédio esse que confronta e é confinante com o prédio dos requerentes desta providência cautelar; 2) Os requeridos CC e BB submeteram à apreciação da Câmara Municipal ... um projecto de obra de ampliações e alterações a realizar naquele seu prédio, pedido que deu origem ao processo de licenciamento de edificação que ali corre termos sob o n.º P/.../19/CMP; 3) Nesse processo administrativo (n.º P/.../19/CMP), CC juntou declaração por si emitida em que autoriza BB a representá-lo em todos os atos no âmbito do processo; 4) O alvará de licenciamento da edificação pretendida (alvará n.º ......) foi emitido, exclusivamente, em nome de BB; 5) Licenciada a obra, iniciou-se a sua execução material, que ainda decorria à data da instauração deste procedimento cautelar; 6) Depois de, em 07.06.2021, terem instaurado este procedimento cautelar, os requerentes intentaram, a 14.06.2021, uma outra providência cautelar visando, também, obter o embargo da mesma obra, que deu origem ao processo n.º 1477/21.6 BEPRT, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 2; 7) Nesse processo, foi proferido despacho datado de 04.05.2022 pelo qual os requerentes foram convidados a «aperfeiçoarem o seu articulado inicial, indicando como contrainteressado o coproprietário do terreno em causa, sob pena de absolvição da instância por preterição de litisconsórcio necessário.»; 8) Decisão que os requerentes acataram, apresentando articulado aperfeiçoado em que, também o aqui recorrente CC, enquanto comproprietário do referido imóvel, surge como contra-interessado no processo. 2. Fundamentos de direito Na apreciação que fez do pedido deduzido pelo recorrente CC, o tribunal considerou que este, «segundo a relação controvertida apresentada pelo A.», não tinha qualquer interesse em contradizer a pretensão dos requerentes, rejeitando a verificação no caso de litisconsórcio necessário passivo, argumentando-se assim: «Os presentes autos configuram um procedimento cautelar. Tal procedimento tem natureza urgente, visando, de forma simples e rápida, acautelar, sem delongas, os prejuízos que lhe possam advir da demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 3ª edição revista e actualizada, Almedina, pág, 129). Face a essa natureza urgente, entendemos, tal como defendido por Abrantes Geraldes, (in op. cit., pág. 133), que, em regra, não serão admissíveis incidentes de intervenção de terceiros em sede de procedimento cautelar. Excepciona-se desta regra, além dos incidentes de embargos de terceiro e de habilitação, a possibilidade de dedução de incidente de intervenção provocada para assegurar a legitimidade litisconsorcial do requerente ou do requerido (cfr. op cit., pág. 133, nota 200). Ou seja, o incidente de intervenção de terceiro só deverá ser admitido, em procedimento cautelar, para assegurar a legitimidade de requerente ou requerido nos casos de litisconsórcio necessário. Assim decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2000, in “www.dgsi.pt: “Embora, em princípio, os incidentes de instância não tenham lugar nos procedimentos cautelares, eles devem aí ser admitidos quando interessem à fixação dos pressupostos processuais ou à sua regularização. Assim, o incidente de intervenção de terceiros só deve ser admitido em procedimento cautelar quando se destine a assegurar a legitimidade de uma ou de alguma das partes (caso do litisconsórcio necessário), mas já não nas hipóteses de litisconsórcio voluntário, enquanto não houver decisão”. No mesmo sentido segue o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-4-2017, in www.dgsi.pt.: “Em regra não devem ser admitidas alterações subjectivas da instância cautelar, a menos que essa intervenção se destine a assegurar o efeito útil da providência, nomeadamente em caso de preterição de litisconsórcio necessário.”. Ora, o caso dos autos não constitui uma situação de litisconsórcio necessário. Como vimos, pretende a requerente o embargo de uma obra. Conforme refere Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, pág, 249, a legitimidade passiva, no âmbito deste procedimento especificado, cabe ao dono da obra (e/ou ao seu executor material). Ora, dispõem os nºs. 1 e 2 do art. 30º do CPC que o autor e réu são partes legítimas quando, respectivamente, têm interesse directo em demandar ou em contradizer, sendo que aquele interesse exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e este pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Por seu turno, o nº 3 de tal preceito dispõe que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor. Adoptou, assim, a nossa lei processual civil um conceito estritamente formal de legitimidade: para aferir se uma parte é ou não legítima, não deve o juiz, perante os factos que lhe chegam ao conhecimento no decorrer da lide, perguntar-se quem devia propor e contra quem devia a acção ser proposta. Basta-lhe conferir, isso sim, se as partes em juízo têm interesse em demandar ou em contradizer tendo como exclusiva referência a relação controvertida tal como ela é descrita pelo autor na petição inicial, sem levar em consideração os factos que ao longo do processo foram alegados (e, eventualmente, provados) pelas partes, nomeadamente, pelos réus. Nessa sequência, o A. alegou, em sede de petição inicial, que a obra que pretende ver embargada encontra-se a ser levada a cabo, exclusivamente, pelo requerido BB. Tendo isto em conta, face à forma como a A. configurou a relação controvertida, resulta evidente que apenas o requerido BB tem interesse em contradizer a sua pretensão. Pelo exposto, de acordo com o critério estabelecido na nossa lei processual, será BB a parte legítima no lado passivo na presente acção; na mesma perspectiva, segundo a relação controvertida apresentada pela A., o ora requerente CC não tem interesse em contradizer essa pretensão. Assim sendo, rejeita-se a verificação, no caso em apreço, de uma situação de litisconsórcio passivo necessário. Nesta medida, atenta a natureza urgente destes autos e não estando em causa uma situação de litisconsórcio necessário, impõe-se a rejeição da intervenção do requerente CC.» Ressalvado o devido respeito pelo entendimento assim expresso, afigura-se-nos que não é correcta a apreciação efectuada e por isso dela dissentimos. O tribunal a quo fez a sua apreciação e formulou o seu juízo (concluindo que não é caso de litisconsórcio passivo, muito menos de litisconsórcio necessário, por falta de interesse de CC em contradizer a pretensão aqui formulada) atendendo à relação material controvertida tal como os requerentes a apresentaram. No entanto, o que se impunha é que, em apreciação sumária do requerimento de intervenção, por oposição espontânea, apresentado por CC, avaliasse se poderiam considerar-se verificados os pressupostos do incidente, designadamente os pressupostos processuais e, especificamente, a legitimidade do requerente; se concluísse pela negativa, estaria justificada a rejeição liminar da oposição. Como é bem sabido, o incidente de intervenção de terceiros visa fazer intervir (ou permitir que intervenha) na lide alguém que nela não está, mas deveria estar, poderia estar desde o início ou pode passar a estar (como autor ou como réu). A legitimidade no processo civil é (tal como no direito substantivo ou material) um conceito de relação: relação entre a parte no processo e o objecto deste e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o[2]. Tem legitimidade activa quem, juridicamente, pode fazer valer a pretensão em face do demandado; tem legitimidade passiva a pessoa que, juridicamente, pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida. Por outras palavras, «o autor é parte legítima se, atenta a relação jurídica que invoca[3], surgir nela como sujeito susceptível de beneficiar directamente do efeito jurídico pretendido; já o réu terá legitimidade passiva se for directamente prejudicado com a procedência da ação»[4]. No procedimento cautelar de embargo de obra nova, tem legitimidade passiva o dono da obra[5] (alegadamente ofensiva do direito do embargante) e como tal é considerado quem decide levá-la a cabo e promove a sua execução[6]: encomendando o projecto (se se tratar de uma obra de construção ou de alterações de um edifício, como é o caso), submetendo-o à apreciação da autoridade administrativa competente e pedindo o seu licenciamento e, obtido este, executando-a materialmente (directamente ou por intermédio de outrem) ou supervisionando a sua execução. Face à factualidade que se considerou provada, não pode haver a menor dúvida de que o recorrente é, também, dono da obra em causa. De resto, sendo uma obra a executar num prédio com dois comproprietários, seria impensável que um deles a levasse a cabo à margem ou à revelia do outro comproprietário, sem que este a assumisse como sua, como pretendem fazer crer os requerentes deste procedimento cautelar. Assim sendo, como é, fica bem patente a sua legitimidade passiva para este procedimento cautelar. Podemos ir mais longe e afirmar que é um caso de litisconsórcio necessário passivo (como bem se decidiu no procedimento cautelar que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), uma vez que a decisão que vier a ser proferida não lhe é oponível (e, portanto, não produzirá o seu efeito útil normal) se não for parte no processo. Concluindo, não pode fundamentar a rejeição da intervenção requerida pelo recorrente CC a suposta inverificação, no caso, de uma situação de litisconsórcio necessário passivo. Mas o tribunal rejeitou a intervenção com um segundo fundamento, assim explanado: «Não obstante, ainda que assim não se entendesse, sempre se diga que nunca se justificaria a admissão da intervenção por oposição espontânea por parte de CC. Neste âmbito, dispõe o art. 333º, nº 1, do CPC, que “Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro intervir nela como opoente para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.”. Assim, dispõe o nº 1 do art. 334º que “O opoente deduz a sua pretensão por meio de petição, à qual são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à petição inicial, inclusivamente no que respeita às custas processuais.” Nesta sequência, dispõe o art. 335º, nº 1, que “Se a oposição não for liminarmente rejeitada, o opoente fica tendo na instância a posição de parte principal, com os direitos e as responsabilidades inerentes, e é ordenada a notificação das partes primitivas para que contestem o seu pedido, em prazo igual ao concedido ao réu na acção principal”, seguindo-se, nos termos do nº 2, os articulados correspondentes à forma de processo aplicável à causa principal. Decorre destes preceitos que o terceiro opoente, apresentando-se numa acção em curso, invoca “a titularidade de um direito próprio (o que o distingue do interveniente acessório) incompatível, total ou parcialmente, com o direito do autor ou do réu reconvinte (o que o distingue do interveniente principal)” – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 407. Segundo estes autores, in op e loc cit, “Dada a postura do terceiro, arrogando-se titular de um direito, estamos perante uma pretensão que este poderia deduzir em acção autónoma”. Na pena expressiva de Alberto dos Reis, in “Código de Processo civil Anotado, 1º, pág. 145, “O opoente faz as vezes de autor, propõe realmente, através do mecanismo do incidente, uma verdadeira acção, dirigida contra os litigantes da causa principal, traduzindo-se a sua intervenção nisto: o direito que o A: pretende fazer valer contra o Réu pertence-me a mim exclusivamente, ou pertence-me também a mim”. Ou seja, o opoente não visa fazer valer um interesse igual ou paralelo ao do autor ou do réu (como sucede na intervenção principal); intervém para fazer valer um interesse próprio, que é incompatível (ou seja, não é igual, nem paralelo) com o interesse deduzido pelo A.. O opoente introduz, assim, uma nova relação jurídica na causa, que é juridicamente incompatível com a primeiramente introduzida pelo A.. Visto isto, forçoso é concluir que o requerente CC, ao defender a improcedência da providência peticionada pela A., pretende fazer valer um interesse igual ao do requerido BB. Tal situação remete-nos para o campo da intervenção principal (passiva) de terceiros, nos termos dos arts. 311º e 312º do CPC. Contudo, como vimos, a intervenção passiva de terceiros em sede de procedimento cautelar só é admissível, excepcionalmente, nos casos de litisconsórcio necessário; ora, nos termos já expostos, tal situação não se verifica no caso em apreço. Nesta medida, impõe-se o indeferimento da peticionada intervenção, por oposição espontânea, de CC. Pelo exposto, indefiro a requerida intervenção, por oposição espontânea, de CC.» O recorrente discorda desta análise e desta conclusão alegando que «é claro de perceber que a lei apenas refere que a oposição serve para fazer valer um direito próprio, que seja incompatível com a pretensão deduzida pelo autor, nunca sendo mencionado que o direito não pode ser igual ou paralelo ao de uma das partes» e que «estamos perante uma causa entre os requerentes e o requerido BB em que existe um direito próprio do recorrente (direito de propriedade e o direito a construir a obra que se encontra licenciada pelo município do porto) que é totalmente incompatível com a pretensão dos requerentes de embargar a referida obra.» Com todo o respeito devido, o recorrente não captou a verdadeira essência da oposição espontânea. Sobre esta figura processual, J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Almedina, 4.ª edição, pág. 661), explicam-na assim: «Enquanto na intervenção principal o terceiro se constitui autor ou réu litisconsorciado com o autor ou o réu primitivo ou coligado com o autor, na oposição o terceiro constitui-se como uma terceira parte, se ambas as partes primitivas impugnarem o seu direito, ou como autor ou réu, em substituição da parte primitiva que reconheça o seu direito. É que, na base da intervenção, está, como se vê no n.º 1, a afirmação, pelo terceiro, de um direito próprio, absoluto ou de crédito, incompatível, total ou parcialmente, com aquele que o autor (ou o réu reconvinte) pretende fazer valer: o terceiro arroga-se, por exemplo, o direito de propriedade ou de usufruto sobre a coisa que o autor reivindica (…). A intervenção do opoente traduz-se, assim, no exercício de uma acção própria em processo alheio, mediante a dedução de um pedido contra o réu (ou o autor reconvindo), equivalente, total ou parcialmente, ao formulado pelo autor (ou reconvinte) e, por isso, feito valer também no confronto deste.» E mais adiante (pág. 662): «Diversamente da intervenção principal, que se coaduna com o mero requerimento de adesão ao articulado da parte à qual o interveniente se associa (art. 312), a oposição postula sempre a apresentação de articulado próprio, que, fazendo valer o opoente um direito incompatível com o do autor, constitui uma petição.» Arrogando-se o terceiro titular de um direito, a sua pretensão tanto pode ser formulada na lide pendente como intentando a sua própria acção[7]. Ora, o recorrente não tem qualquer pretensão que possa deduzir contra os aqui requerentes/recorridos. Se, em vez intervir nesta lide, optasse por uma acção autónoma, não se vislumbra que pedido poderia, fundadamente, formular contra os requerentes. Como bem se decidiu na primeira instância, o recorrente tem nesta acção um interesse igual ao do requerido BB, pois é, juntamente com este, dono da obra que os requerentes pretendem embargar. Por isso não é adequado o incidente de oposição espontânea, mas antes o da intervenção principal do lado passivo. Na decisão recorrida entendeu-se que, em procedimento cautelar, só excepcionalmente é admitida a intervenção de terceiros; concretamente, apenas nos casos de litisconsórcio necessário seria admissível a intervenção principal e não é o caso. Conforme decorre do disposto no artigo 311.º do CPC, a intervenção principal é, necessariamente, litisconsorcial[8] e pode ocorrer pelo lado activo ou pelo lado passivo, ou seja, tanto pode ocorrer para chamar alguém a ocupar a posição de co-autor ou de co-réu. Exigindo um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, requer-se que o interveniente tenha um interesse igual ao da parte com a qual vai litisconsorciar-se. Ora, diversamente do que se entendeu na primeira instância, pelas razões já explicitadas, temos para nós que este é um caso de litisconsórcio necessário passivo. A questão que se coloca é, então, a de saber se pode o tribunal admitir a intervenção principal passiva do requerente CC por ser esse o incidente que se adequa à situação e não o que foi deduzido. Pela afirmativa se pronunciam A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (ob. cit., anotação ao artigo 311.º, pág. 362): «(…) se porventura subsistir alguma divergência relativamente ao instrumento jurídico apropriado, é agora mais claro que não deverão ser extraídas consequências do erro de qualificação, na medida em que seja possível, como é em geral, a correção do vício»[9]. O AUJ n.º 2/2010 uniformizou jurisprudência no sentido de que «fora dos casos previstos no art. 688.º (na redação anterior ao DL n.º 303/07, de 24 de Agosto), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá ser admitido como requerimento para a conferência prevista no art. 700.º, n.º 3, daquele Código». A invocação deste acórdão uniformizador tem uma razão de ser: é que a doutrina nele firmada foi acolhida na solução legal contida no artigo 193.º, n.º 3, do CPC: «O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se siga os termos processuais adequados». Pode dizer-se que, à luz do citado preceito legal, é pacífico o entendimento de que, se for deduzido incidente de intervenção de terceiro que não se ajusta à situação concreta, o juiz não só pode como deve, oficiosamente, efectuar a convolação para o incidente adequado, verificados que estejam os respectivos requisitos[10] e, no caso, já concluímos que ocorrem os pressupostos da intervenção principal passiva. Cabe, ainda, referir que as partes tiveram ampla oportunidade de discutir esta solução jurídica, pelo que não pode falar-se aqui em decisão surpresa. III – Dispositivo Pelas razões de facto e de direito que ficaram expostas, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em: 1) julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida; 2) admitir a intervenção neste procedimento cautelar de embargo de obra nova de CC, não como opoente, mas como interveniente principal, litisconsorciado com o réu. As custas serão suportadas pela parte vencida a final. (Processado e revisto pelo primeiro signatário). Porto, 28/11/2022. Joaquim Moura Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes _____________ [1] Pediram os requerentes que a providência fosse decretada sem a audição do requerido, mas a sua pretensão foi indeferida. [2] Cfr. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, Coimbra Editora, 2001, pág. 51. [3] A efectiva existência dessa relação e da pretensão deduzida diz já respeito ao mérito da acção. [4] A.S. Abrantes Geraldes e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2019, pág. 59. [5] Embora haja quem entenda (como no acórdão desta Relação de 11.11.2002, processo n.º 0251484) que também o executor material da obra pode ser demandado. Trata-se, no entanto, de uma opinião minoritária, sem grande expressão. [6] Assim, o acórdão desta Relação de 10.11.2005, processo n.º 0534966. [7] Cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, ob. cit., 387. [8] Com o novo Código de Processo Civil, deixou de ser possível a intervenção principal coligatória. [9] Os anotadores citam, em abono, os acórdãos da Relação de Lisboa de 19.02.2013 (processo n.º 185/11) e de 2010.2016 (processo n.º 5000/15). [10] Por todos, o Ac. da Relação de Lisboa de 24.10.2019 (processo n.º 4063/18.4T8LRA-A.L1-2: «Resultando do que é alegado no requerimento de intervenção principal provocada não ser admissível este incidente, estando, ao invés, configurado um caso de intervenção acessória provocada, o Tribunal pode oficiosamente, se necessário com a prévia audição das partes, convolar tal requerimento, assim corrigindo um erro na qualificação do meio processual – art. 193.º, n.º 3, do CPC.»