I - Por serem graves para o cabeça-de-casal as consequências da sua remoção do cargo, tal resultado só deverá ocorrer quando a falta cometida revista uma a gravidade que não possa deixar de ser considerada. II - O prejuízo causado à herança ou a potencialidade desse prejuízo são factores primaciais a atender para a procedência de tal pedido. III - A remoção do cabeça-de-casal depende, assim, da alegação e prova por parte do interessado que suscita o incidente de qualquer das situações elencadas no art.º 2086º do Código Civil.
Apelação nº828/20.5T8LOU-A.P1 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Lousada Palácio da Justiça Relator: Carlos Portela Adjuntos: António Paulo Vasconcelos Judite Pires Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: Nos presentes autos de inventário veio o interessado AA requerer a remoção de BB do cargo de cabeça-de-casal, invocando a prática de actos que representariam, de acordo com a sua versão, a manifestação de incompetência para o exercício dessas funções. Concretiza tal alegação na abertura de conta bancária a título pessoal onde se encontrariam depositados fundos integrantes do acervo hereditário, alguns provenientes de rendas geradas por imóveis da herança, e cujas despesas de manutenção estariam a ser suportadas pelo património a partilhar, e onde procedeu à aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando mais de 50 mil euros à ordem, e na deficiente gestão de uma propriedade de produção vitivinícola, integrada na região demarcada do Douro, cuja gestão a cabeça-de-casal teria descurado quando em 2020 essa gestão deixou de estar nas mãos da sociedade que até então a administrava, a sociedade A..., Unipessoal, Lda., deixando-a por tratar, com degradação das suas culturas e decorrentes prejuízos, ponderados os ditames de produção próprios daquela região, sob fiscalização do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. Respondeu a requerida e cabeça-de-casal, impugnando a factualidade que lhe vem imputada e referindo ter desempenhado as funções sob escrutínio com seriedade, consciência, negando a ocultação de bens, e apodando a sua administração de prudente e zelosa, sendo assim competente para a sua prossecução. Os autos prosseguiram os seus termos com a realização da audiência no âmbito dos incidentes suscitados no culminar da qual foi proferida decisão na qual se julgaram os mesmos incidentes improcedentes. Inconformados com o teor desta decisão dela vieram recorrer em conjunto os interessados AA e CC, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações. A cabeça de casal BB contra alegou. Perante a nulidade por omissão de pronúncia arguida pelos apelantes no âmbito do seu recurso, o Tribunal proferiu decisão na qual supriu tal vício. Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso interposto como tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata em separado e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. Enquadramento de facto e de direito: Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho. É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões: 1.- Durante a audiência de discussão e julgamento que culminou com a prolação da sentença a quo, foi produzida prova respeitante a dois incidentes - o do Apelante AA, datado de 30.07.2020 e o da Apelante CC datado de 09.06.2021, apesar de a sentença a quo apenas decidir o incidente deduzido pelo Apelante AA. 2.- O resumo da factualidade descrita na sentença pelo Mm.º Juiz a quo não está inteiramente correta, uma vez que se impõe referir que essa factualidade, como se vê em 8.º, 9.º, 10., 45.º e 46.º da petição de incidente de remoção, consiste entre outros factos, na abertura de conta bancária na Banco 1... a título pessoal pela cabeça de casal onde se encontram depositados fundos integrantes do acervo hereditário, alguns provenientes de rendas geradas por imóveis da herança, e cujas despesas de manutenção estão a ser suportadas pelo património a partilhar, apesar de a herança ter já uma conta própria e qual o fundamento da aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando mais de 50 mil euros à ordem na conta da herança do Banco 2... e não na abertura de conta bancária a título pessoal onde se encontrariam depositados fundos integrantes do acervo hereditário, alguns provenientes de rendas geradas por imóveis da herança, e cujas despesas de manutenção estariam a ser suportadas pelo património a partilhar, e onde procedeu à aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando mais de 50 mil euros à ordem, como refere a sentença. 3.- A sentença a quo absolve a Apelada de um objecto diverso do pedido, devendo ser considerada por tal nula, por aplicação do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. 4.- Refere a sentença a quo que a Apelada cabeça-de-casal respondeu impugnando a factualidade que lhe vem imputada e referindo ter desempenhado as funções sob escrutínio com seriedade, consciência, negando a ocultação de bens, e apodando a sua administração de prudente e zelosa, sendo assim competente para a sua prossecução, o que na verdade não sucedeu já que a Apelada cabeça de casal não verteu para os autos qualquer resposta/contestação/oposição ao pedido de remoção efectuado pelo Apelante AA como a sentença pronunciar-se quanto ao pedido de remoção por requerimento de 13/11/2020, com a ref.ª Citius 6698548. 5.- Tendo o incidente de remoção de cabeça-de-casal sido deduzido contra a Apelada e não contra os interessados, atenta a falta de resposta, deveria o Tribunal a quo, sem necessidade de produção de qualquer prova, ter considerado confessados os factos articulados pela Apelante e ter ordenado a remoção da cabeça-de-casal em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 567.º do C.P.C., aplicável por força do disposto no n.º 3 do art.º 1103.º, 1091.º, n.º1 e 293.º, n.º 3, todos também do CPC. 6.- Tal como decorre também do decidido por esta Relação, Processo 9421156, de 7 de Março de 1995, Relator Pelayo Gonçalves, www.direitoemdia.pt, quando refere que “A remoção do cabeça-de-casal só se deve verificar se este, em resposta, não justifica as faltas que lhe são imputadas” 7.- Sem prescindir, sempre da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não resultou a fixação da matéria de facto nos termos em que a sentença a quo a julgou. 8.- Considerou a sentença a quo provado que, “A requerida BB foi investida para exercer as funções de cabeça-de-casal em 27 de Abril de 2020.”, quando resulta do alegado em 1 e 2 da petição inicial, da pronúncia dos Interessados DD e EE por requerimento de 13/11/2020, com a ref.ª Citius 6698548, da inquirição da testemunha da Apelada, FF, constante do ficheiro 20220317113336_3673598_2871659, 00:04:00, que a cabeça de casal exercia o cargo desde Outubro de 2017 9.- Pelo que deverá ser modificado o facto 1 que deverá passar a ser: a Requerida BB apesar de formalmente investida na qualidade de cabeça de casal em 27 de Abril de 2020, é cabeça-de-casal de facto desde Outubro de 2017 10.- Considerou a sentença a quo provado que, “2.No exercício dessas funções, abriu uma conta bancária na Banco 1..., com o com o número ...30, sendo cobradas à herança as despesas de manutenção dessa conta.”, resultando do documento 12 junto pela Apelada cabeça-de-casal com a relação de bens e indicado como documento de prova na petição inicial, que a Requerida abriu uma conta bancária na Banco 1... com o número ...30 em seu nome pessoal, quando a herança tinha já uma conta bancária no Banco 2..., resultando também do referido documento que a Apelada colocou à sua disposição uma determinada quantia de dinheiro nessa conta, sem que o Apelante e/ou demais interessados saibam sequer de que quantia se trata. 11.- O que se encontra confessado pelas declarações de parte da própria Apelada cabeça-de-casal constantes do ficheiro 20220422110756_3673598_2871659 quanto a esta matéria aos minutos 1:21:00, onde refere que abriu a conta para ter um cartão porque na conta do Banco 2... não tem cartão. 12.- Pelo que se impõe a modificação do facto 2, que deverá passar a ser: 2.- No exercício dessas funções, a Requerida abriu na Banco 1... com o número ...30 em seu nome pessoal apesar de haver já uma conta da herança no Banco 2... 13.- Devendo ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto: 2A- As despesas de manutenção da conta aberta pela cabeça de casal em nome próprio supra referida, são cobradas à herança. 14.- Considerou erradamente a sentença a quo provado que “3. Fez nessa conta uma aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando 50 mil euros à ordem para evitar a cobrança de despesas de manutenção da conta.” quando não resultou da inquirição das testemunhas, nem nomeadamente das declarações de parte da Cabeça de Casal constantes do ficheiro 20220422110756_3673598_2871659,1:18:00, onde a Apelada confessa tal aplicação de 10 mil euros na conta aberta em nome da herança no Banco 2..., nem do alegado pelo Apelante em 11 e 12 do incidente de remoção. 15.- Pelo que deverá ser modificado o facto 3 da matéria de facto dada como provada e passar a ser “3.- A Requerida fez uma aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando 50 mil à ordem na conta da herança do Banco 2..., para evitar a cobrança de despesas de manutenção de conta, sem no entanto informar os herdeiros de que aplicação a prazo se tratava e/ou por quanto tempo foi feita. 16.-Considerou erradamente a sentença a quo provado que “4. E nessa conta foram depositados os valores das rendas pagas pela inquilina da herança Clínica Dentária ....”, facto que em resultado da modificação que se impõe da matéria de facto constante do facto 3, também terá de ser retificado, já que o que resultou provado, e é evidente no documento 12 junto com a relação de bens, é que as rendas pagas pela Clínica Dentária ..., são pagas por meio de transferência bancária para a conta pessoal da cabeça de casal e não para a conta da Herança. 17.- O que resulta também claro das declarações de parte da cabeça-de-casal, ora Apelada, constantes do ficheiro 20220422110756_3673598_2871659,1:22:30, onde a Apelada confessa que indicou a sua conta pessoal à inquilina Clínica Dentária ... para que ali depositasse a renda devida à herança. 18.- Pelo que se impõe que o facto 4 seja modificado e passe a ter a seguinte redacção: “4.- As rendas pagas pela Clínica Dentária ..., inquilina da herança, vêm sendo pagas por meio de transferência bancária para a conta pessoal da cabeça de casal e não para a conta da Herança por indicação da cabeça de casal”. 19.- Considerou a sentença a quo erradamente não provado que no início do ano de 2020 a sociedade A... Unipessoal, Lda. quis entregar à cabeça-de-casal os prédios, pois não iria retirar qualquer rendimento desses trabalhos, já que resulta claro das declarações de parte da Cabeça-de-Casal, que esta confessa que no início do ano de 2020 a sociedade A... Unipessoal, Lda. lhe quis entregar os prédios exactamente porque se os entregasse em Abril teria de os trabalhar e não iria retirar qualquer rendimento desses trabalhos, o que se mostra totalmente coerente com o mencionado na sentença a quo quando diz que “O requerente AA veio apontar à ação da cabeça-de-casal o descuido da vinha, com os seus inerentes prejuízos, referindo ter esta sido atempadamente contactada no final do ano de 2019 para definir um rumo a dar à exploração: ou a sociedade referida em 6 assumia toda a campanha agrícola de 2020, até às vindimas, recebendo os frutos do seu trabalho, ou até à data da transferência a sociedade fazia os trabalhos necessários, sendo paga depois por aqueles” e com as declarações de parte do Apelante AA, registadas no ficheiro 20220422100527_3673598_2871659, 00:08:02. 20.- Pelo que não podia o Mm.º Juiz a quo ter dado como não provado o facto “A.”, já que o mesmo resulta de confissão expressa da cabeça de casal, corroborado pelas declarações de parte do Apelante, não se entendendo como pode referir na escassa motivação da matéria de facto que rejeita o descrito em A por ausência de prova idónea à sua comprovação 21.- Assim, errou o Tribunal a quo no julgamento de tal facto, tendo de se considerar provado e aditar à matéria de facto provada que: “A sociedade A... Unipessoal, Lda. quis entregar os prédios à cabeça de casal no início de 2020 em virtude de ter de os trabalhar até Abril de 2020 e depois dos mesmos não poder recolher os seus frutos.” 22.- Considerou o Tribunal a quo também erradamente não provado “Que até ao presente as vinhas permanecem por cuidar.” 23.- Olvidou o Mm.º Juiz a quo que esse facto foi alegado pelo Apelante em 30 de Julho de 2020, pelo que, no máximo, o Tribunal a quo poderia ter considerado não provado que até 30 de Julho de 2020 as vinhas permaneceram por cuidar, mas na verdade, nem sequer é isso que resulta das declarações da cabeça de casal, que confessou não ter efectuado qualquer trabalho na vinha durante o ano de 2020, pelo que terá de ser aditado à matéria de facto dada como provada que durante o ano de 2020 a Apelada não cuidou das vinhas. 24- Resulta tal da inquirição da testemunha GG, arrolada pela Apelada, que foi com aquela à quinta em Maio, para ver o “estado da casa” e que depois disso ela esperou pelas “tais papeladas que não estavam.” 25.- Sendo a exploração agrícola na Quinta ..., em ..., Lamego, onde aliás é também a sede da sociedade A... Unipessoal, Ldª, a transição da exploração teria de ser ali, ao que acresce resultar das suas declarações de parte, com valor de confissão, que as vinhas lhe foram entregues em bom estado, já que acaba por confessar que nas mesmas se encontravam realizados os trabalhos agrícolas. 26.- Como é de senso comum, se a Apelada deixou as vinhas ao abandono, muitos bacelos morreram, provavelmente por falta de água na Primavera e no Verão e muitos paus de suporte terão apodrecido durante o Outono e o Inverno devido à chuva. 27.- A Apelada e as testemunhas por si arroladas tentaram ao longo de todo o julgamento justificar o abandono das vinhas no ano de 2020 com a falsa questão de não ter as cartas do IVDP respeitantes ao benefício, o que não pode colher uma vez que, como a mesma confessa, costumam ser enviadas em fins de Maio/inícios de Junho, ao que acresce ter sido ela quem não tratou de junto do IVDP alterar a titularidade 28.- Não tendo qualquer lógica que a Apelada, tendo tomado conta da exploração em fins de Abril de 2020, a deixe ao abandono porque já sabia que as cartas do benefício (que usualmente chegam no fim Maio/Junho) não lhe iam chegar, 29- Revelando falta de zelo o facto de saber da existência/necessidade das referidas cartas de benefício e não se inteirar do motivo de não as receber, nem tratar de alterar a sua titularidade junto da entidade oficial emitente, tendo sido o Apelante quem a alertou para a necessidade de proceder à alteração da titularidade dos direitos, remetendo-lhe de imediato as cartas de benefício quando erradamente as recebeu em fins de Junho de 2020, o que foi confessadamente recebido pela Apelada em 24 de Junho, que nas suas declarações de parte refere que o Apelante lhe comunicou estarem erradas as cartas de benefício por não ter sido alterada a titularidade da exploração junto do IVDP. 30.- Perpassando das suas declarações que, na verdade, o que Apelada a pretendia era passar ela a ser a gestora das vinhas, mas que o trabalho relacionado com a gestão continuasse a ser efectuado pelos outros, nomeadamente pela sociedade da qual o Apelante é gerente, e a custo zero. 31.- Aliás, é o próprio FF, irmão de Apelante e Apelada, e que está de relações cortadas com o Apelante, que no ficheiro de áudio 20220317113336_3673598_2871659, 00:23:00, a propósito das aptidões da cabeça de casal, refere que a “irmã não é uma pessoa predestinada para fazer a gestão de prédios. Isto é, foi sempre uma pessoa que cresceu numa família numa perspectiva de que alguém fizesse a gestão de bens. Portanto, uma família tradicional (…)” e que “não é uma pessoa predestinada para tratar de vinha”. 32.- Acresce, que resultava já claro do facto erradamente julgado não provado sob a letra A, que a Apelada cabeça-de-casal pelo menos desde Dezembro de 2019 sabia que o comodato terminava em 27de Abril de 2020, pelo que qualquer pessoa minimamente diligente que tenha tal cargo de cabeça-de-casal e sabe que vai receber uma quinta que produz uvas na região demarcada do Douro, se preparasse para tal com antecedência, cuidando de arranjar pessoal para tratar das vinhas, até porque é público que há falta de mão de obra agrícola, sendo facto notório e que nem sequer carece de alegação, que em finais de Abril qualquer vinha está na altura da rebentação, precisa de muitos cuidados e não pode ser abandonada a longo de uma, duas ou três semanas 33.-Sendo forçoso concluir-se que qualquer pessoa capaz teria atempadamente diligenciado inteirar-se de tudo o que seria necessário para cuidar da exploração agrícola, que sabia antecipadamente ir receber, ainda para mais por sua exigência expressa, já que resultou amplamente provado e confessado pela própria cabeça-de-casal que a sociedade da qual o Apelante é gerente lhe propôs em Dezembro de 2019 proceder à entrega da exploração só após as colheitas de 2020, 34.- E que, qualquer pessoa consciente e zelosa, se não soubesse o que fazer, no que não se concede atentas as obrigações do cargo que exercesse por vontade própria, perguntava a quem sabe, nomeadamente a quem cuidou da exploração até então - o que não fez, entendendo ao invés, e como aliás é seu timbre, que toda a gente tem obrigação de lhe fazer as coisas sem sequer ela ter de as pedir, tentando justificar-se também com as suas testemunhas no facto de ter sido um ano de pandemia, o que não poderá colher uma vez que é consabido que durante esse período todas as actividades ao ar livre, nomeadamente as agrícolas eram permitidas atento o baixo risco de contágio existente em tais ambientes. 35.- Resultou também das declarações do Apelante que a Apelada nas contas que apresentou respeitantes ano de 2020 não apresentou uma única despesa com a exploração agrícola, sendo também por tal forçoso concluir-se que tal implica não ter efectuado um único trabalho, e que o montante arrecadado com as colheitas sempre rondou os 40 mil euros. 36.- O que, em conjugação com o documento n.º 6 junto com o incidente de remoção, impõe que se considere provado que, apesar de para tal avisada pelo Apelante por carta de 25 de maio de 2020, a cabeça-de-casal deixou as vinhas ao abandono até ao final do ano de 2020, comprometendo toda a colheita de 2020 e causando um prejuízo à herança de pelo menos 40 mil euros. 37.- As declarações de parte como meio de prova são, ao mesmo tempo, tarifadas e livres, tudo variando segundo o sentido das declarações que a parte vier a fazer sobre os mesmos factos. Se as declarações forem confessórias, será tarifado ou legal; não sendo confessórias, será de apreciação livre, tal como decorre do disposto no art.º 466.º do CPC, pelo que o valor confessório das declarações feitas pela Apelada na audiência de discussão e julgamento não pode ser retirado por imposição do n.º 3 do art.º 466.º do CPC. - o que a sentença a quo erradamente fez, preceito que assim violou, 38.- Pelo que andou mal o Mm.º Juiz a quo ao não considerar as confissões da Apelada, que impõem um diferente julgamento da matéria de facto. 39.- Não se entende a fundamentação do Mm.º Juiz a quo, quando refere que “Da matéria que ultrapassou com sucesso o crivo deste tribunal não se infere a existência de qualquer comportamento da cabeça-de-casal apto a sustentar a sua remoção, compreendendo o tribunal que a transição para a exploração de uma propriedade agrícola por quem não tinha experiência, no âmbito de uma transferência como a que acima se descreve, admite a necessidade de um período de adaptação, de transição, que pode, evidentemente, implicar algumas perdas de rendimento. Todavia, tornando-se tais perdas temporárias com a retoma do cultivo e tratamento das vinhas, descobre-se na actuação da cabeça-de-casal o suficiente empenho para afastar a aplicação de qualquer das situações elencadas no artigo 2086.ºdo Código Civil. Verificam-se, é certo, falhas, designadamente na titularidade pessoal da conta provida de fundos hereditários e na formulação das contas prestadas, mas estas são de correcção escorreita, não justificando, assim, neste momento, a remoção da cabeça-de-casal.”, pois resultou provado, pelo menos desde Dezembro de 2019 que a cabeça-de-casal sabia que em Abril receberia a exploração e que conforme resultou provado também, foi proposto à cabeça-de-casal entregar-lhe a exploração no fim da colheita, o que esta não aceitou. 40.- A cabeça-de-casal, que não deixou que a sociedade que explorava as vinhas colhesse a produção, mas também não as tratou de modo a colhê-la, vê erradamente a sua conduta justificada pelo Tribunal a quo com a sua necessidade de adaptação e de um período de transição, que assim legitima o prejuízo efetivo de pelo menos 40 mil euros por ela causado à herança, que o Mm.º Juiz a quo qualifica como “perdas temporárias”, pela sua “falta de experiência”, o que não pode servir de fundamentação porque tais perdas não são recuperáveis e constituem um prejuízo efectivo e definitivo para a herança e se a cabeça-de-casal era inexperiente e necessitava de um maior período de transição, tinha aceite como lhe foi proposto, receber a exploração apenas no fim das colheitas (o fim do ano agrícola), ficando assim com a exploração das vinhas a seu cargo desde o início dos trabalhos agrícolas para o ano seguinte, o que, isso sim demonstraria uma administração cuidadosa. 41.- Era exigível à cabeça-de-casal, como qualquer pessoa de bom senso, ter antecipadamente contratado alguém que assumisse os trabalhos da exploração, já que há muito tempo sabia que as vinhas lhe seriam entregues em Abril. 42.- Do que resulta da prova produzida em audiência, a cabeça-de-casal pretendia aquilo que vulgarmente se designa como o melhor de dois mundos: ser a administradora da quinta mas não ter qualquer trabalho com a administração, até porque esteve, inexplicavelmente, de Junho a Setembro (segundo a sua versão) para conseguir alterar a titularidade dos direitos de produção, para o que basta entregar prova da propriedade das vinhas e caso tivesse necessidade disso, por estarem até então atribuídos à sociedade, tinha prova da sua entrega à herança pela carta que a sociedade comodatária lhe enviou em Abril de 2020 para formalmente proceder à entrega das vinhas, o que fez apenas porque o Apelante a alertou. 43.- A administração das vinhas pela cabeça-de-casal pressupõe uma boa e corrente gestão, como o pressupõe qualquer empresa e resultou provado que pelo menos no ano de 2020 (desde Abril) essa boa administração não foi efetuada, causando um prejuízo aos herdeiros que podiam ter percebido o rendimento da colheita das uvas de pelo menos 40 mil euros e não receberam. 44.- Só através do incidente de remoção do cabeça-de-casal pode ser atacada a administração dos bens, nos termos do art.º 2086º do Código Civil. 45.- Fundamenta a sentença a quo a absolvição da Apelada com o facto de entender “na actuação da cabeça-de-casal o suficiente empenho para afastar a aplicação de qualquer das situações elencadas no artigo 2086.º do Código Civil.”, quando as perdas respeitantes ao ano de 2020 são irrecuperáveis e a retoma de 2021 não foi também a de boas práticas agrícolas, tal como consta do documento número 8 junto com o incidente de remoção de cabeça-de-casal apresentado pela Apelante CC em 09.06.2021, que foi também julgado, não obstante não ter sido objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo, e se trata de um email enviado por um dos herdeiros à cabeça-de-casal no dia 1 de Abril de 2021, seja, cerca de um ano depois, onde lhe pedia justificação para o facto de 1/3 dos trabalhos agrícolas necessários estarem ainda por fazer, ao qual a cabeça-de-casal, ora Apelada respondeu no dia 15 de Abril de 2021 e constitui documento 9, não impugnado, onde não apresenta qualquer justificação para tal facto, sendo do mais elementar bom senso que ninguém deixa uma vinha no fim de Abril, em plena época de crescimento, um mês sem qualquer intervenção, como a cabeça-de-casal ali confessa. 46.- Não considerou também o Tribunal a quo os documentos 10, 11 e 12 do incidente de remoção deduzido pela Apelante CC em 09.06.2021, e que não foram impugnados pela Apelada, que se trata de emails enviados pelo Interessado HH à cabeça-de-casal questionando a má administração das vinhas, sem que sequer tivesse qualquer resposta. 47.- Os documentos particulares não impugnados têm o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e tendo força probatória plena não é admissível a prova testemunhal visando a demonstração da inveracidade da declaração com base em quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento com força probatória plena, não tendo a sentença a quo valorado os documentos juntos pelos Apelantes que por falta de impugnação adquiriram força probatória plena. 48.- De igual modo não pode colher a justificação do Mm.º Juiz a quo quanto à conta que a cabeça de casal decidiu abrir em nome pessoal, já que aquilo que o Tribunal a quo entendeu ser uma falha é na verdade um fundamento da requerida remoção, uma vez que se provou claramente que, apesar de haver uma conta no Banco 2... em nome da herança, a cabeça-de-casal abriu uma conta bancária em seu nome próprio e indicou-a para que o inquilino da herança Clínica Dentária ... para ali transferisse as rendas.( factos 2 e 2 A), sendo que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (n.º1 do art.º 2091ºC.C.) e a administração pelo cabeça-de-casal existe apenas ao serviço do património hereditário, devendo ser exercida com zelo e prudência (alínea b) do n.º 1 do art. 2086º do CC). 49.- Como decidido pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, Pr. 2075/05, de 5 de Julho de 2005, Relator: Ferreira de Barros, www.dgsi.pt, “Exorbita dos seus poderes o cabeça-de-casal que procede ao levantamento das quantias em dinheiro depositadas em instituição bancária em nome do inventariado, e, de seguida, as deposita em seu nome, muito embora as tenha incluído na relação de bens.”, e não obstante a cabeça-de-casal não tenha procedido ao levantamento de quantias, procedeu à indicação ao inquilino para pagar a renda para a sua conta pessoal, ao invés de lhe indicar a conta herança, o que por si só constitui objectivamente fundamento para a sua remoção. 50.- Resulta das gravações dos depoimentos/declarações de parte que foi efectuada a audiência de discussão e julgamento não só do incidente de remoção de cabeça-de-casal intentado pelo Apelante AA, mas também do incidente deduzido pela Apelante CC em 09.06.2021, onde, para além de ter como causa de pedir a má administração do património pela cabeça-de-casal, tem também como causa de pedir a falta de entrega por esta dos rendimentos da herança, em violação do disposto do art.º 2092.º do Código Civil, o que para além de resultar provado pelos documentos juntos pela Apelante com o referido incidente, uma vez que a cabeça-de-casal incumpre com tal obrigação não obstante tenha sido instada a cumpri-la, se encontra também provado pelos depoimentos da testemunha FF, no ficheiro 20220317113336_3673598_2871659, 00:49:55, onde afirma que os seus filhos, herdeiros, declaram rendas e pagam IRS e que não recebem o dinheiro, 51.- E das declarações da própria cabeça-de-casal às 1:21:11 do ficheiro de áudio 20220422110756_3673598_2871659, quando tenta justificar tal falta com o facto de entender que os restantes herdeiros, naquela que é a sua opinião, não estarem assim tão aflitos, ao que o Mm.º Juiz a quo até respondeu dizendo-lhe que estava a fazer um juízo do que desconhece. 52.- A sentença a quo, para além de não fazer qualquer referência aos factos elencados pela Apelante CC no incidente deduzido em 09.06.2021, nem sequer menciona que esta intentou um incidente, não obstante os factos daquele terem sido debatidos na mesma audiência de discussão e julgamento sobre a qual é proferida a decisão a quo, padecendo da nulidade elencada no art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por violar o disposto no n.º 2 do artigo 660.º do C.P.C. 53.- Em resultado da prova já produzida quanto a tais factos impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dado tal incidente também por provado, já que resulta do documento n.º 1 junto com o incidente deduzido pela Apelante CC, que em 11 de Novembro de 2020 lhe pediu que desse cumprimento ao disposto no art.º 2092.º do Código Civil que lhe impõe que distribua por todos até metade dos rendimentos que lhe caibam, ao qual a cabeça-de-casal respondeu apenas em 28.11.2020, como se vê do documento junto sob o n.º2, e a Apelante respondeu novamente naquele que constitui o documento 3 do incidente de 09.06.2021, de onde se vê que a Apelada não nega que haja rendimentos para distribuir, e se percebe que como nunca o fez, vem tentar misturar com assuntos que nada se relacionam com essa obrigação que sobre si impende e que não obstante o incidente deduzido continua ainda hoje por cumprir. 54.- Não mais a cabeça-de-casal deu qualquer justificação à Apelante, limitando-se a enviar-lhe os montantes que esta teria de declarar em sede de IRS respeitante às rendas e outros rendimentos que lhe imputou e constam dos documentos 4, 5, 6 e 7 que a Apelante juntou com o incidente, faltando à verdade a Apelada quando quanto a tal matéria e a instâncias do Mm.º Juiz a quo pretende dar a entender que os rendimentos da herança não chegam para as despesas, já que tal não resulta daquilo que posteriormente comunicou e veio apelidar de contas, e só veio com essa nova versão para a audiência de julgamento, estando a mesma em completa oposição com os documentos juntos, onde ela confessa haver rendimento e notoriamente tenta empatar a entrega com uma reformulação das contas, como se as contas pudessem hoje ser umas e amanhã outras quando respeitantes a anos transactos. 55.- Tal como refere Lopes Cardoso, a norma do art.º 2092º CC foi estabelecida contra o cabeça-de-casal – sujeito passivo da obrigação – jamais, em seu favor e visou a impedir que este, dilatando-se o inventário, colocasse os interessados na triste situação de não receberem coisa alguma enquanto não findasse o processo e a obrigação de entrega de parte dos rendimentos é independente da obrigação de prestação anual de contas, de que trata o artº2093º do CC, que a Apelada como confessa no documento n.º 2, também incumpre ou cumpre deficientemente ou não teria de fazer reformulações de contas. 56.- Segundo Lopes Cardoso, a harmonia entre os preceitos estabelece-se facilmente da seguinte forma: - requerido e decidido que o cabeça-de-casal deve distribuir os rendimentos, e cumprida esta obrigação por sua parte, ele fará constar essas entregas como despesas nas contas que venha a prestar, espontânea ou forçadamente (citado art.º 2093º, nº 2) e havendo saldo positivo das contas prestadas pelo cabeça-de-casal, este é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quota necessária para os encargos do novo ano (nº 3 do art.º 2093º do CC), pelo que se o herdeiro não tem direito ao rendimento de bens da herança certos e determinados, tem, no entanto, direito a receber uma quota-parte dos rendimentos da herança, até ao limite máximo de metade, nos termos do art.º 2092º do CC. 57.- Devia o Tribunal a quo ter também trazido à colação todo o comportamento processual da Apelada, patente da descrição feita agora pelos Apelantes em I e que se traduziu em mais de catorze meses para juntar uma relação de bens aos autos, em arrepio total do prazo que o Tribunal lhe havia concedido para o fazer e que se traduz em mais um facto a acrescer aos fundamentos da remoção que o Mm.º Juiz a quo deveria ter conhecido oficiosamente e decretado a remoção da cabeça-de-casal, até por ser contemporâneo dos incidentes deduzidos. 58.- Resultou claramente provado, quer num quer noutro incidente, sendo evidente e factual que a Cabeça-de-Casal, ora Apelada, não cumpre com o dever que o art.º 2092.º do C.C. lhe impõe, não obstante ter sido já várias vezes instada a fazê-lo e que revela absoluta incompetência para o exercício do cargo quer por em 2020 ter causado um prejuízo à herança de pelo menos 40 mil euros, quer por não ter competência para realizar a exploração vitivinícola que tem a seu cargo e quer por não ter sequer competência para apresentar contas, como por si confessado. 59.- Termos em que deverá ser revogada a sentença a quo e ser substituída por outra que considere os incidentes de remoção totalmente procedentes e que, por via dos mesmos, ordene a remoção da Apelada do cargo de cabeça-de-casal e a sua substituição pelo Apelante AA.* Quanto às contra alegações da cabeça de casal é o seguinte o teor das suas conclusões: 1ª - A sentença é clara e concisa ao demonstrar que a Cabeça de casal tem exercido as suas funções com toda a seriedade e de forma conscienciosa, não ocultou a existência de quaisquer bens pertencentes à herança, tem administrado o património hereditário com prudência e zelo, tem cumprido no inventário todo os deveres que a lei lhe impõe e mostra-se competente para o exercício do cargo, não sendo merecedora de reparo, nem padece de qualquer vício, pois que aplicou correctamente o direito aos factos. 2ª - A abertura da conta bancária na Banco 1... (Ponto 2 da factualidade dada como provada), de acordo com as declarações da própria Cabeça de Casal em audiência de julgamento, ficou explícito que a abertura da conta em nome pessoal não foi para utilização própria, mas sim, foi a forma encontrada pela Cabeça de casal para realizar pagamentos de forma expedita. 3ª - Por outro lado, ficou evidenciado que o depósito a prazo com o valor mínimo de 10.000,00€ visou evitar o pagamento de taxas de manutenção da conta à ordem da herança indivisa no Banco 2.... 4ª- O Tribunal a quo faz uma correta apreciação da prova produzida, afirmando, inclusive que, a matéria referente à conta bancária foi assumida em grande parte, pela Cabeça de Casal desde logo nas contas que apresentou aos demais herdeiros, acrescentando-se a justificação pela aplicação a prazo, ela própria referida nessas contas e invocadas em juízo pela Cabeça de casal. 5ª- No concernente ao ponto 5 da factualidade dada como provada e ponto B da factualidade dada como não provada pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo os Recorrentes sustentaram o pedido de remoção de Cabeça de Casal, em virtude da alegada falta de cuidado na manutenção da vinha. 6ª - Resultou cristalino do depoimento da Cabeça de casal prestado na audiência de julgamento que forneceu toda a informação relativa à administração das vinhas, estas que têm sido alvo de tratamento e cuidados desde o ano de 2021, designadamente com a contratação de pessoal e aquisição de alfaias. 7ª- Sobre esta matéria, importa realçar que as testemunhas II, JJ, KK, LL e MM, trabalhadores que laboravam nas ditas propriedades por conta da sociedade A..., Unipessoal, Lda., caracterizaram a exploração realizada pela sociedade daquelas terras, aludindo, aliás, JJ e MM à prossecução dos trabalhos por terceiros desde 2021. 8ª- A testemunha FF, que foi o anterior cabeça-de-casal, tendo acompanhado a actual cabeça-de-casal, sua irmã ao local, na época da transferência dos prédios, secundou a sua versão no respeitante às dificuldades na transmissão da exploração da propriedade e a falha da sociedade ao não advertir da urgência na remessa da ficha de exploração que havia recebido, com a sequente superação dessas dificuldades, obtendo-se o “benefício” e mantendo-se a exploração vitivinícola desde 2021, o que denota os esforços desenvolvidos pela Cabeça de casal da administração e cuidado da vinha. 9ª- A testemunha NN, filha da Cabeça-de-casal, que corroborou o relato trazido por sua mãe, aludindo aos esforços encetados pela sua progenitora para manter a exploração da vinha e às dificuldades sentidas aquando da passagem da exploração. 10ª - A decisão do Tribunal a quo refere que os testemunhos de FF, GG e de NN: “conjugados com o descrito pela cabeça-de-casal, permitiu assim conformar a convicção do tribunal sobre o alegado nos termos supra expostos. 11ª- Assim, ponderou ainda o Tribunal a quo os demais documentos juntos: as missivas remetidas e trocadas, as contas prestadas e as fotografias juntas”, o que suportou a boa administração e cuidado da vinha. 12ª - Ora, a prova produzida em julgamento foi clara quanto ao facto de a cabeça de casal neste inventário, BB, ter vindo a exercer as suas funções com toda a seriedade e de forma conscienciosa, não ocultando a existência de quaisquer bens pertencentes à herança, e administrado o património hereditário com prudência e zelo, 13ª - A douta sentença proferida pelo tribunal a quo apreciou correctamente os meios de prova documental apresentados, e com clareza e rigor técnico, a prova testemunhal produzida durante a audiência de julgamento; e em função daquela abundante e esclarecedora prova, aplicou rigorosamente o direito, fundamentando devidamente a decisão, não merecendo, por isso, aquela Douta sentença qualquer censura ou reparo. 14ª - Não assiste assim, qualquer razão de facto ou de direito aos Recorrentes na apelação que interpuseram como reacção à decisão do Tribunal a quo de não remoção da Cabeça de Casal face à prova produzida em audiência que foi clara quanto à ausência de fundamento legal para que tal remoção pudesse ocorrer, pelo que o recurso de apelação interposto deverá ser julgado totalmente improcedente. 15ª - Dos elementos probatórios reproduzidos nestes autos, ficou evidente que inexiste, na presente acção, qualquer fundamento para a remoção da Cabeça-de-casal, pelo que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não é merecedora de reparo. 16ª - Por conseguinte, não há razão válida para a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, não existindo contradição entre a fundamentação e a decisão, nem qualquer outra nulidade ou irregularidade que possa invalidar ou afectar de alguma forma a douta sentença proferida. 17ª - A tese dos Recorrentes não tem qualquer sustentação lógica ou jurídica e baseia-se apenas numa interpretação desajustada de excertos de diversos depoimentos, que transcreve em catadupa. 18ª - Face à prova produzida, designadamente da prova testemunhal e documental, justifica-se plenamente a douta decisão proferida, de julgar improcedentes os incidentes de remoção da Cabeça de Casal de BB. 19ª - Nos termos acima expostos, conclui-se, portanto, que a douta sentença proferida faz um correto julgamento dos factos e uma perfeita aplicação do direito, pelo que, não tanto pelo alegado, como pelo doutamente suprido, Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, julgando totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Requerentes ora Recorrentes e confirmando a Douta Sentença recorrida, Farão, como de costume, a mais perfeita e sã JUSTIÇA.* Verificando-se que nulidade por omissão de pronúncia da decisão arguida pelos apelantes AA e CC foi já suprida pelo Tribunal “a quo” ao proferir a decisão antes melhor referida, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso: 1ª) A nulidade da sentença por absolvição de objecto diverso do pedido (cf. art.º 615º, nº1, alínea e) do CPC); 2ª) A aplicação ao caso da previsão legal do nº1 do art.º 567º do CPC; 3ª) A impugnação da decisão da matéria de facto; 4ª) A procedência dos incidentes de remoção do cargo de cabeça de casal.* É o seguinte o teor da decisão de facto que agora vem impugnada: “Após realização da audiência, considera o tribunal demonstrados os seguintes factos: 1. A requerida BB foi investida para exercer as funções da cabeça-de-casal em 27 de Abril de 2020. 2. No exercício dessas funções, abriu uma conta bancária na Banco 1..., com o número ...30, sendo cobradas à herança as despesas de manutenção dessa conta. 3. Fez nessa conta uma aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando 50 mil euros à ordem, para evitar a cobrança de despesas de manutenção da conta. 4. E nessa conta foram depositados os valores das rendas pagas pela inquilina da herança Clínica Dentária .... 5. A cabeça-de-casal administra vários prédios rústicos onde estão implantadas vinhas na região demarcada do Douro. 6. Os prédios estiveram comodatados à sociedade A..., Unipessoal, Lda. até ao dia 27 de Abril de 2020. 7. A referida sociedade enviou carta registada com as chaves para acesso às propriedades e discriminação dos trabalhos efectuados e respectivo preço. 8. Por carta de 25 de Maio de 2020 o interessado interpelou a cabeça-de-casal advertindo-a, em suma, que a ausência de cuidados da vinha conduziria à sua degradação e comprometimento da colheita. 9. De Abril de 2020 até final do ano de 2020 as vinhas existentes nas propriedades não foram tratadas. 10. Em 11 de Novembro de 2020 CC enviou à cabeça-de-casal um e-mail onde exigia que, em 10 dias, a Cabeça de Casal cumprisse o disposto no art.º 2092.º do CC, indicando para o efeito o seu IBAN. 11. A cabeça de casal respondeu ao email passados 17 dias, justificando o seu incumprimento com a pandemia e assim acrescentando: “Contudo, isso também me deu ensejo a levar este assunto à reunião que convoquei e anunciei previamente para dia 20 de Novembro, às 20 h 30 m, na Rua ..., a que não esteve presente. Nessa reunião, no último ponto da Agenda previamente anunciada, foi apresentado e discutido este assunto, sobre o qual foi deliberado o seguinte: 1. Apresentar uma versão reformulada das Contas de 2019, em que resulte claro quais os rendimentos que caiba distribuir; 2. Neste exercício integrar também as provisões que é necessário prever para fazer face a despesas emergentes no ano de 2020 em curso; 3. Perante o desejo que manifesta de ver reforçada a sua liquidez, apresentar-lhe a disponibilidade dos presentes nessa reunião para repartir os saldos das contas existentes na Banco 1..., relativamente aos quais não há qualquer vantagem de os ver integrados na lista de bens do processo de inventário em curso. Fico a aguardar a sua resposta a esta proposta, e, entretanto, prepararei a versão reformulada das Contas de 2019.” 12. CC enviou em 15 de Dezembro de 2020 novo emais à cabeça-de-casal, onde se pode ler: “Labora V.ª Ex.ª num errado pressuposto - não pretendo ver reforçada qualquer liquidez, mas apenas pretendo que V.ª Ex.ª cumpra com aquilo a que está legalmente obrigada. O valor do depósito da Banco 1... está relacionado no processo de inventário e lá continuará, aproveitando V.ª Ex.ª para misturar aquilo que não se mistura- uma coisa são os rendimentos da herança e outra são os bens da herança, onde se inclui o referido depósito. Como cabeça de casal é sua obrigação distribuir os rendimentos da herança, o que nunca fez, e uma vez mais vem tentar misturar com assuntos que nada se relacionam com essa obrigação que sobre si impende. Refere no S/email que prepararia uma versão reformulada das contas de 2019, o que passados 17 dias ainda não fez. Assim, tem até ao final do ano em curso para efectuar a distribuição a que está obrigada, sendo este o derradeiro prazo que lhe concedo para tal, findo o qual serei forçada a recorrer à via judicial.” 13. Em 28 de Janeiro de 2021 a cabeça-de-casal remeteu à requerente a relação dos montantes respeitantes às rendas percebidas pela herança. 14. Em 28 de Março de 2021 a cabeça-de-casal remeteu documento que chamou de “relatório e contas de 2018, 2019 e 2020”. 15. Em 7 de Junho, a cabeça-de-casal enviou nova declaração de rendimentos da herança onde imputa rendimentos a cada um dos herdeiros que não foram recebidos.* Não considera o tribunal demonstrado: A. Que no início do ano de 2020 a sociedade acima referida em 6 quis entregar à cabeça-de-casal os prédios, pois não iria retirar qualquer rendimento desses trabalhos. B. Que até ao presente as vinhas permanecem por cuidar. C. Que desde Outubro de 2018 que a cabeça-de-casal age como se exercesse as funções de cabeça-de-casal.* O tribunal sustentou as suas conclusões sobre a matéria controvertida na apreciação da prova apresentada, na sua singularidade e no modo como se conjugaram os diferentes elementos probatórios entre si. Se a matéria referente à conta bancária acima mencionada foi assumida, em grande parte, pela cabeça-de-casal desde logo nas contas que apresentou aos demais herdeiros, acrescentando-se a justificação pela aplicação a prazo, ela própria referida nessas contas e invocada em juízo pela cabeça-de-casal, já a substância atinente às vinhas foi objecto de discussão, com posições antagónicas quanto ao modo de actuação dos respectivos participantes. O requerente AA veio apontar à acção da cabeça-de-casal o descuido da vinha, com os seus inerentes prejuízos, referindo ter esta sido atempadamente contactada no final do ano de 2019 para definir um rumo a dar à exploração: ou a sociedade referida em 6 assumia toda a campanha agrícola de 2020, até às vindimas, recebendo os frutos do seu trabalho, ou até à data da transferência a sociedade fazia os trabalhos necessários, sendo paga depois por aqueles. Todavia, de acordo com o requerente, mesmo após duas outras missivas, a cabeça-de-casal nada fez, não recebendo as terras no dia 27 de Abril e não cuidando das vinhas em seguida, com prejuízo para o seu estado fitossanitário e capacidade produtiva. Admitiu, contudo, que a partir de 2021 as vinhas começaram a ser tratadas. Ora, a cabeça-de-casal trouxe aos autos uma versão distinta, referindo ter respondido à dita sociedade, afirmando que a vinha devia ser deixada no estado em que foi recebida, referindo os preços exagerados que a sociedade pretendia cobrar pelos ditos trabalhos. E não teria a vinha sido entregue como deveria, com a entrega das chaves e com o envio pela sociedade das comunicações necessárias à concessão dos “benefícios” pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, inexistindo até a advertência da necessidade de envio dessas comunicações. Contudo, teria a cabeça-de-casal mais tarde providenciado pelo envio dessas comunicações, e provido pelo reinício da exploração e cuidado das vinhas, com a contratação de pessoal, a aquisição de alfaias. Percebendo o tribunal a existência de uma convivência difícil dos interessados no âmbito deste processo, descobre-se no seio dessa dificuldade as razões para os árduos contactos descritos. As testemunhas II, JJ, KK, LL e MM, trabalhadores que laboraram nas propriedades em causa por conta da sociedade A..., Unipessoal, Lda., caracterizaram unicamente a exploração realizada pela sociedade daquelas terras, aludindo JJ e MM à prossecução dos trabalhos por terceiros desde 2021. FF, anterior cabeça-de-casal, tendo acompanhado a actual cabeça-de-casal, sua irmã ao local, na época da transferência dos prédios, secundou a sua versão no respeitante às dificuldades na transmissão da exploração da propriedade e a falha da sociedade ao não advertir da urgência na remessa da ficha de exploração que havia recebido, com a sequente superação dessas dificuldades, obtendo-se o “benefício” e mantendo-se a exploração vitivinícola desde 2021. Negou ainda qualquer acto premeditado de ocultação de bens pela sua irmã. Este relato foi ainda apoiado pelo testemunho de GG, esposa da testemunha FF, que acompanhou o seu marido ao local, juntamente com a cabeça-de-casal, tomando posteriormente conhecimento dos esforços desta. Também NN, filha da cabeça-de-casal, corroborou o relato trazido por sua mãe, aludindo aos esforços encetados pela sua progenitora para manter a exploração da vinha e às dificuldades sentidas a quando da passagem da exploração. Estes últimos depoimentos, conjugados com o descrito pela cabeça-de-casal, permitiu assim conformar a convicção do tribunal sobre o alegado nos termos supra expostos. Ponderou ainda o tribunal os demais documentos juntos: as missivas remetidas e trocadas, as contas prestadas e as fotografias juntas. Consequentemente, sopesados os contributos recebidos nos autos, considerou o tribunal verificados os factos acima referidos como tal, rejeitando o descrito em A e C por ausência de prova idónea à sua comprovação, e B por informação pela prova recebida nos autos. A restante matéria alegada e não mencionada representa substância irrelevante, conclusiva ou de argumentação jurídica, insusceptível de aproveitamento como facto.”* Como antes já vimos, os requerentes/apelantes começam por dizer que a sentença é nula por que nela o Tribunal “a quo” condenou em objecto diverso do pedido. Vejamos, pois, se com fundamento. Ao propor a acção, o autor há-de formular a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expor as razões de facto e de direito em que a fundamenta. Cabe, assim, ao titular do direito violado requerer do tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado à reparação do seu direito. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a acção (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 1985, pp. 243-245). Mediante o pedido, as partes circunscrevem e balizam o "thema decidendum", isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa (Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", I vol., 2ª ed., 1999, p. 53). E, como se sabe, só a ele, autor, cabe solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (artigo 3º, nº 1, do CPC). O autor há-de, pois, formular na petição inicial um pedido, o qual se apresenta duplamente determinado: por um lado, o autor afirma ou nega uma situação jurídica subjectiva, ou um facto jurídico, de direito material, por outro, requer ao tribunal a providência processual adequada à tutela do seu interesse - o pedido do autor, conformando o objecto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito com que o tribunal lhe responderá (José Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, 2001, p. 223). Na verdade, "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação", não podendo "ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes" (artigo 608º, nº 2), sendo nula a sentença que, não observando os limites impostos pelo nº 1 do artigo 609º, condene "em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir" Não poder condenar em objecto diverso do que se pediu, significa não poder modificar a qualidade do pedido - não pode, pois, ultrapassar-se, nem em quantidade (2), nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes (Alberto dos Reis, "CPC Anotado", vol. V, 1952, p. 68). Ou seja, limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode deles extravasar, não podendo a sentença pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida - o objecto da sentença coincide, assim, com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido (José Lebre de Freitas, ob. e loc. cits., p. 648). "Trata-se de um mero corolário do princípio dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contencioso, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes" (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 675). Por respeito ao princípio dispositivo, a decisão tem de conter-se, em substância e quantidade, dentro do pedido formulado (Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", vol. III, p. 231). Face ao exposto, deve resultar evidente para todos que na decisão recorrida não se violaram tais regras. E isto porque acabou por se apreciar e decidir o que foi pedido pelos interessados/apelantes nos incidentes que suscitaram. Assim, na mesma decisão fez-se constar o seguinte: “Perante as condutas apuradas, poderá cogitar-se a aplicação da alínea a) à criação de uma conta bancária titulada pela cabeça de casal para a colocação de fundos hereditários. Todavia, essa criação foi comunicada aos herdeiros, não se vislumbrando dolo na sua actuação, nem uma vontade de por esse modo obter qualquer benefício próprio, não sendo também claro o prejuízo para o património hereditário.” Em suma, ao decidir como decidiu e independentemente do acerto ou não de tal decisão, não deixou o Tribunal “a quo” de apreciar o pedido formulado pelos interessados ora apelantes. Por isso, também aqui não padece a decisão recorrida do vício que agora lhe vem apontado. Quanto à aplicação do efeito cominatório previsto no art.º 567º, nº1 do CPC, o que importa dizer é o seguinte: É consabido que estando no âmbito de processo especial de inventário, ao mesmo são aplicáveis, por força do disposto no art.º 549º, nº1 do CPC, as disposições que lhe são próprias e as disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo comum. Daí que, constituindo a remoção do cargo de cabeça de casal um incidente, lhe devam ser aplicáveis as regras gerais e comuns próprias dos incidentes, constantes dos artigos 292º a 294º. Rege do seguinte modo o art.º 293º, nº3: “a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”. Assim, não se prevendo nas normas próprias do inventário, em que o incidente se inscreve, qualquer efeito cominatório para a falta de contestação, há que aplicar no seu âmbito e como manda o citado artigo 549º, nº1, as regras próprias do processo ordinário. Estamos pois perante a disciplina dos artigos 567º, nº1 e 574º, nº2, pelo que, caso nada tenha sido dito pelo cabeça-de-casal quanto ao pedido de remoção do cargo, teria em princípio que se concluir pela confissão dos factos alegados pelos interessados que requereram tal incidente, mais concretamente pelo interessado AA no incidente que deduziu. No entanto, no caso concreto não pode ser este o procedimento a adoptar. Isto porque mesmo admitindo que a cabeça de casal não tenha respondido ao incidente suscitado pelo mesmo interessado, a verdade é que não deixou de responder aos factos alegados pela interessada CC os quais como se pode verificar, são praticamente os mesmos que alegou o interessado AA. E a ser deste modo, resulta clara a incongruência da pretensão recursiva dos interessados ora apelantes em ver considerados confessados os factos alegados no incidente por este último interessado. Nestes termos, também aqui não merece provimento o presente recurso. Quanto à impugnação da decisão de facto, o que cabe fazer notar é o seguinte: Está visto que se questiona a decisão proferida no que toca aos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos provados. Verifica-se, também, que se impugna o que ficou decidido relativamente aos pontos A, B e C dos factos não provados. Vejamos, pois do fundamento de tal pretensão. Em relação ao ponto 1 dos factos provados merece provimento a pretensão recursiva dos apelantes. E isto porque da prova produzida nos autos o que resulta, sem dúvidas, é que a requerida BB, tendo sido investida para exercer as funções de casal em 27 de Abril, já exercia de facto tais funções desde Outubro de 2017 (cf., entre o mais o depoimento prestado pela testemunha FF). Cumpre no entanto dizer que a alteração a que se procederá na resposta a dar a tal matéria, não coincidirá totalmente com aquela que sugerem os apelantes. Assim, consideramos que a nova redacção de tal ponto de facto deve passar a ser a seguinte: “1. A requerida BB foi investida para exercer as funções de cabeça de casal em 27 de Abril de 2020, mas já exercia tais funções, de facto, desde Outubro de 2017.” E o mesmo ocorre quanto ao ponto 2 dos factos provados. Tudo isto tendo em conta o que decorre das declarações de parte prestadas pela cabeça de casal e aqui apelada, cuja gravação também se ouviu. Nestes termos passar a ser a seguinte a redacção do mesmo ponto de facto: “2. No exercício das suas funções e apesar de já existir uma conta da herança no Banco 2..., a cabeça de casal abriu uma conta na Banco 1... com o nº ...30 em seu nome pessoal, sendo cobradas à herança as despesas de manutenção desta última conta.” Em relação ao ponto 3 dos factos provados, o nosso entendimento é o seguinte: Da prova produzida (documental e testemunhal), resultou confirmado que a cabeça de casal fez nessa conta aberta na Banco 1... uma aplicação a prazo de 10 mil euros. Ficou igualmente provado que na supra identificada conta do Banco 2... e para evitar a cobrança de despesas de manutenção da mesma, a cabeça de casal deixou à ordem a quantia de 50 mil euros. O que ficou por provar com suficiente certeza foi a alegação dos interessados aqui apelantes de que não foi dada conta aos herdeiros quanto à natureza de tal aplicação nem quanto ao prazo da mesma. Isto porque para além de uma referência episódica da cabeça de casal nas suas declarações de parte nenhuma outra prova foi feita que corroborasse tal alegação. E a ser assim, não vemos fundamento para neste ponto acolher a pretensão dos interessados agora apelantes de ver alterada a redacção dada ao mesmo na decisão recorrida. Quanto ao ponto 4 dos factos provados, também não se provou que foi a cabeça de casal que sugeriu à Clínica Dentária ..., inquilina da herança, que procedesse à transferência das rendas para a sua conta pessoal na Banco 1... e não para a conta da herança no Banco 2.... Tudo porque, contrariamente ao que defendem os apelantes neste seu recurso, não foi produzida prova cabal e suficiente que confirmasse tal versão dos factos, ficando pois a dúvida quanto à razão pela qual, tais montantes foram transferidos para a identificada conta na Banco 1.... Sendo assim, também aqui não vemos razões para proceder a qualquer alteração à redacção do mesmo ponto de facto. Em relação aos pontos A) e B) dos factos não provados já todos vimos qual foi a razão pela qual se optou por uma resposta negativa, a saber a “ausência de prova idónea à sua comprovação”. Vejamos, pois se assim é. Em relação ao ponto A) os apelantes justificam a sua pretensão no que resultou das declarações de parte da cabeça de casal e do apelante AA. Perante tal alegação e como nos era imposto, procedemos à audição das gravações onde ficaram registadas tais declarações de parte. Como não podia deixar de ser procedemos também à análise da restante prova produzida da qual se destacam a correspondência trocada entre a cabeça de casal e a sociedade A... Unipessoal Ld.ª (cf. as cartas datadas respectivamente de 11.12.2019, a que corresponde o registo ... e as cartas datadas de 9.01.2020 com registo ... e de 11.02.2020 com registo ...). Ora sendo verdade que o apelante AA nas suas declarações de parte vinca a ideia de que logo no início de 2020 a referida sociedade quis entregar à cabeça de casal os prédios rústicos da herança identificados em 5., porque não iria retirar quaisquer rendimentos dos trabalhos antes realizados, o certo é que tal versão dos factos não foi de todo confirmada nem pelas declarações prestadas pela cabeça de casal nem pelo teor das cartas antes melhor referidas. Assim nas declarações de parte que prestou a cabeça de casal defendeu a ideia de que a sociedade em questão mudou a posição inicialmente manifestada na carta datada de 11.12.2019 e que era a de entregar os prédios à cabeça de casal. E isto porque nas cartas emitidas posteriormente, em 9.01.2020 e 11.02.2020, faz transparecer a sua vontade de fazer a manutenção das vinhas e a intenção de recolher os respectivos frutos, aludindo expressamente ao seu direito de se ressarcida das benfeitorias realizadas nos identificados prédios até ao fim do prazo do contrato de comodato (27.04.2020). Perante tal alegação verificamos que o conteúdo da correspondência trocada entre a cabeça de casal e a referida sociedade não é de todo coincidente no que toca à vontade desta última de entregar os prédios em apreço à cabeça de casal. Por isso, impõe-se concluir que não existem nos autos elementos de prova suficientes para dará como provada a matéria inscrita no supra identificado ponto A). Agora quanto ao ponto B): Segundo os interessados ora apelantes a apontada resposta afirmativa a tal facto resulta dos seguintes meios de prova: das declarações de parte da cabeça de casal, do depoimento prestado pelas testemunhas GG e FF e do que resulta do documento nº6 junto com o incidente de remoção. Perante tal alegação, salientamos desde já que a propósito do valor probatório das declarações de parte, sufragamos o entendimento segundo o qual as mesmas, para terem relevo, necessitam de estar acompanhadas de outros meios de prova. De qualquer forma, da audição da gravação onde ficaram registadas as declarações de parte prestadas a este propósito pela cabeça de casal, não retiramos elementos que permitam concluir no sentido indicado pelos apelantes, ou seja, a confissão daquela de que não efectuou qualquer trabalho na vinha durante o ano de 2020. E isto porque a mesma justifica o seu comportamento durante o ano de 2020 com a atitude “dúbia” da sociedade A... Unipessoal Lda. e com a questão relativa à alteração da titularidade da exploração das quintas junto do IVPD e ao recebimento das cartas do benefício. Por outro lado a resposta afirmativa a tal matéria de facto também não resulta com suficiente certeza e rigor dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas antes melhor identificadas, já que as mesmas não confirmaram a tese dos apelantes segundo a qual as vinhas estavam à data votadas ao abandono. Finalmente e no que toca ao conteúdo do documento a que antes se alude, do mesmo e por respeitar à prestação de contas, também não se pode retirar, como querem os interessados/apelantes, que “a cabeça de casal deixou as vinhas ao abandono até ao final do ano de 2020, comprometendo toda a colheira desse ano e causando à herança de pelo menos 40 mil euros.” Improcede assim quanto a estes pontos de facto o recurso aqui interposto. Por fim e no que toca ao ponto C) impõe-se dizer o seguinte: Mesmo não tendo sido impugnada a decisão proferida relativamente a tal ponto a verdade é que face à alteração agora decidida relativamente ao ponto 1 dos factos provados, a manutenção de tal factualidade nos factos não provados se revela manifestamente contraditória. Por isso elimina-se tal matéria dos factos não provados. Em suma, procede parcialmente e nos termos sobreditos, o recurso da decisão de facto interposto pelos apelantes AA e CC. Cabe agora apurar se tal alteração justifica ou não a procedência do incidente de remoção de cabeça de casal suscitado nos autos. É consabido que de acordo com a legislação aplicável (O Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março), nos termos do seu art.º 22º, nº3, a remoção de cabeça casal constitui um incidente do processo de inventário, sendo, no âmbito substantivo, aplicável o artigo 2086º do Código Civil, agora com a alteração do art.º 3º da supra citada Lei nº 23/2013. São assim, causas de remoção de cabeça de casal (cf. art.º 2086º do C.C.), a ocultação dolosa da “existência de bens pertencentes à herança, ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes” [nº1, al. a)]; a não administração do “património hereditário com prudência e zelo” [nº1, al. b)]; se não cumprir “no inventário os deveres que a lei lhe impuser” [nº1, al. c)]; “revelar incompetência para o exercício do cargo” [nº 1, al. d)]. Recorde-se que tais causas de remoção foram já divididas em seis grandes grupos: “sonegação e declarações dolosamente inexactas”; “má administração do património hereditário”; “falta de cumprimento dos deveres processuais”; “revelação de incompetência para o exercício do cargo”; “falta de idoneidade física ou moral”; “falta de distribuição dos rendimentos pelos interessados” (neste sentido cf. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. III, 4ª ed., a págs. 15 e seguintes). Como antes já vimos, na decisão recorrida entendeu o Tribunal “a quo” que não estavam preenchidos os pressupostos previstos nestas quatro alíneas do nº1 do art.º 2086º do Código Civil, julgando por isso improcedente o incidente deduzido. Apesar da alteração a que procedemos na decisão de facto, continuam a não estar verificados tais pressupostos. Assim e citando o Acórdão desta Relação do Porto de 07-10.2021, proferido no processo 1450/12.5TJPRT-J.P1, relatado pelo Desembargador Filipe Carroço e publicado em www.dgsi.pt: “Por serem graves as consequências da remoção e a afectação do prestígio e do bom nome daquele que é removido das funções, a pena só terá aplicação quando a falta cometida revista gravidade e, raras vezes, resultará em consequência da involuntária omissão ou demora no cumprimento dos deveres. A lei exemplifica os casos em que a pena de remoção pode ser imposta e na apreciação deles e na interpretação dos fundamentos legais, ainda fica margem para um grande arbítrio do julgador. Como se refere também no citado acórdão da Relação de Lisboa, “o prejuízo causado à herança ou a potencialidade desse prejuízo são factores primaciais a atender na aplicação da referida pena”. […] A remoção do cabeça-de-casal depende, assim, da alegação e prova de qualquer das situações elencadas no art.º 2086º do Código Civil. Por se tratar de um incidente no processo de inventário, é-lhe aplicável o conjunto de normas previstas nos art.ºs 292º e segs. do Código de Processo Civil (cf. art.º 1103º, nº 2, do actual Código de Processo Civil e art.º 1334º do Código de Processo Civil de 1962, então com referência os art.ºs 302º a 304º do mesmo código), sendo o ónus da prova do requerente da remoção.” Sopesando tais orientações de acordo com os elementos de facto que nos autos relevam, o que se deve concluir é o seguinte: A criação da conta bancária melhor identificada em 2 dos factos provados não traduz uma actuação dolosa da cabeça de casal tendente a ocultar da herança os montantes ali depositados. Por outro lado a actuação referida nos pontos 2 e 3 também não traduz a vontade de com tal procedimento obter algum benefício próprio nem a de causar ao património hereditário qualquer prejuízo considerável. Em relação à forma como desde Outubro de 2017 foi gerindo, primeiro de facto e depois de direito, o património hereditário, também esta não traduz qualquer comportamento que no momento possa e deva ser subsumido nas supra citadas alíneas b) e d) do nº1 do art.º 2086º do Código Civil. Estamos pois perante um comportamento da cabeça de casal que pode ser quando muito ser classificado de descuidado ou de pouco diligente e que a mesma deve no futuro corrigir, mas nunca em face de uma actuação que possa levar à sua remoção do cargo. Sendo assim bem decidiu o Tribunal “a quo” quando julgou improcedente o incidente de remoção de cabeça de casal aqui suscitado. Mais, não relevando para tal efeito a operada alteração da decisão da matéria de facto, só resta negar provimento ao recurso aqui interposto, confirmado sem mais o que foi decidido.* Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC): ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… *III. Decisão: Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão proferida. *Custas a cargo dos interessados ora apelantes (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC). *Notifique. Porto, 1 de Junho de 2023 Carlos Portela António Paulo Vasconcelos Judite Pires
Apelação nº828/20.5T8LOU-A.P1 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Lousada Palácio da Justiça Relator: Carlos Portela Adjuntos: António Paulo Vasconcelos Judite Pires Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: Nos presentes autos de inventário veio o interessado AA requerer a remoção de BB do cargo de cabeça-de-casal, invocando a prática de actos que representariam, de acordo com a sua versão, a manifestação de incompetência para o exercício dessas funções. Concretiza tal alegação na abertura de conta bancária a título pessoal onde se encontrariam depositados fundos integrantes do acervo hereditário, alguns provenientes de rendas geradas por imóveis da herança, e cujas despesas de manutenção estariam a ser suportadas pelo património a partilhar, e onde procedeu à aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando mais de 50 mil euros à ordem, e na deficiente gestão de uma propriedade de produção vitivinícola, integrada na região demarcada do Douro, cuja gestão a cabeça-de-casal teria descurado quando em 2020 essa gestão deixou de estar nas mãos da sociedade que até então a administrava, a sociedade A..., Unipessoal, Lda., deixando-a por tratar, com degradação das suas culturas e decorrentes prejuízos, ponderados os ditames de produção próprios daquela região, sob fiscalização do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. Respondeu a requerida e cabeça-de-casal, impugnando a factualidade que lhe vem imputada e referindo ter desempenhado as funções sob escrutínio com seriedade, consciência, negando a ocultação de bens, e apodando a sua administração de prudente e zelosa, sendo assim competente para a sua prossecução. Os autos prosseguiram os seus termos com a realização da audiência no âmbito dos incidentes suscitados no culminar da qual foi proferida decisão na qual se julgaram os mesmos incidentes improcedentes. Inconformados com o teor desta decisão dela vieram recorrer em conjunto os interessados AA e CC, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações. A cabeça de casal BB contra alegou. Perante a nulidade por omissão de pronúncia arguida pelos apelantes no âmbito do seu recurso, o Tribunal proferiu decisão na qual supriu tal vício. Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso interposto como tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata em separado e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. Enquadramento de facto e de direito: Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho. É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões: 1.- Durante a audiência de discussão e julgamento que culminou com a prolação da sentença a quo, foi produzida prova respeitante a dois incidentes - o do Apelante AA, datado de 30.07.2020 e o da Apelante CC datado de 09.06.2021, apesar de a sentença a quo apenas decidir o incidente deduzido pelo Apelante AA. 2.- O resumo da factualidade descrita na sentença pelo Mm.º Juiz a quo não está inteiramente correta, uma vez que se impõe referir que essa factualidade, como se vê em 8.º, 9.º, 10., 45.º e 46.º da petição de incidente de remoção, consiste entre outros factos, na abertura de conta bancária na Banco 1... a título pessoal pela cabeça de casal onde se encontram depositados fundos integrantes do acervo hereditário, alguns provenientes de rendas geradas por imóveis da herança, e cujas despesas de manutenção estão a ser suportadas pelo património a partilhar, apesar de a herança ter já uma conta própria e qual o fundamento da aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando mais de 50 mil euros à ordem na conta da herança do Banco 2... e não na abertura de conta bancária a título pessoal onde se encontrariam depositados fundos integrantes do acervo hereditário, alguns provenientes de rendas geradas por imóveis da herança, e cujas despesas de manutenção estariam a ser suportadas pelo património a partilhar, e onde procedeu à aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando mais de 50 mil euros à ordem, como refere a sentença. 3.- A sentença a quo absolve a Apelada de um objecto diverso do pedido, devendo ser considerada por tal nula, por aplicação do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. 4.- Refere a sentença a quo que a Apelada cabeça-de-casal respondeu impugnando a factualidade que lhe vem imputada e referindo ter desempenhado as funções sob escrutínio com seriedade, consciência, negando a ocultação de bens, e apodando a sua administração de prudente e zelosa, sendo assim competente para a sua prossecução, o que na verdade não sucedeu já que a Apelada cabeça de casal não verteu para os autos qualquer resposta/contestação/oposição ao pedido de remoção efectuado pelo Apelante AA como a sentença pronunciar-se quanto ao pedido de remoção por requerimento de 13/11/2020, com a ref.ª Citius 6698548. 5.- Tendo o incidente de remoção de cabeça-de-casal sido deduzido contra a Apelada e não contra os interessados, atenta a falta de resposta, deveria o Tribunal a quo, sem necessidade de produção de qualquer prova, ter considerado confessados os factos articulados pela Apelante e ter ordenado a remoção da cabeça-de-casal em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 567.º do C.P.C., aplicável por força do disposto no n.º 3 do art.º 1103.º, 1091.º, n.º1 e 293.º, n.º 3, todos também do CPC. 6.- Tal como decorre também do decidido por esta Relação, Processo 9421156, de 7 de Março de 1995, Relator Pelayo Gonçalves, www.direitoemdia.pt, quando refere que “A remoção do cabeça-de-casal só se deve verificar se este, em resposta, não justifica as faltas que lhe são imputadas” 7.- Sem prescindir, sempre da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não resultou a fixação da matéria de facto nos termos em que a sentença a quo a julgou. 8.- Considerou a sentença a quo provado que, “A requerida BB foi investida para exercer as funções de cabeça-de-casal em 27 de Abril de 2020.”, quando resulta do alegado em 1 e 2 da petição inicial, da pronúncia dos Interessados DD e EE por requerimento de 13/11/2020, com a ref.ª Citius 6698548, da inquirição da testemunha da Apelada, FF, constante do ficheiro 20220317113336_3673598_2871659, 00:04:00, que a cabeça de casal exercia o cargo desde Outubro de 2017 9.- Pelo que deverá ser modificado o facto 1 que deverá passar a ser: a Requerida BB apesar de formalmente investida na qualidade de cabeça de casal em 27 de Abril de 2020, é cabeça-de-casal de facto desde Outubro de 2017 10.- Considerou a sentença a quo provado que, “2.No exercício dessas funções, abriu uma conta bancária na Banco 1..., com o com o número ...30, sendo cobradas à herança as despesas de manutenção dessa conta.”, resultando do documento 12 junto pela Apelada cabeça-de-casal com a relação de bens e indicado como documento de prova na petição inicial, que a Requerida abriu uma conta bancária na Banco 1... com o número ...30 em seu nome pessoal, quando a herança tinha já uma conta bancária no Banco 2..., resultando também do referido documento que a Apelada colocou à sua disposição uma determinada quantia de dinheiro nessa conta, sem que o Apelante e/ou demais interessados saibam sequer de que quantia se trata. 11.- O que se encontra confessado pelas declarações de parte da própria Apelada cabeça-de-casal constantes do ficheiro 20220422110756_3673598_2871659 quanto a esta matéria aos minutos 1:21:00, onde refere que abriu a conta para ter um cartão porque na conta do Banco 2... não tem cartão. 12.- Pelo que se impõe a modificação do facto 2, que deverá passar a ser: 2.- No exercício dessas funções, a Requerida abriu na Banco 1... com o número ...30 em seu nome pessoal apesar de haver já uma conta da herança no Banco 2... 13.- Devendo ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto: 2A- As despesas de manutenção da conta aberta pela cabeça de casal em nome próprio supra referida, são cobradas à herança. 14.- Considerou erradamente a sentença a quo provado que “3. Fez nessa conta uma aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando 50 mil euros à ordem para evitar a cobrança de despesas de manutenção da conta.” quando não resultou da inquirição das testemunhas, nem nomeadamente das declarações de parte da Cabeça de Casal constantes do ficheiro 20220422110756_3673598_2871659,1:18:00, onde a Apelada confessa tal aplicação de 10 mil euros na conta aberta em nome da herança no Banco 2..., nem do alegado pelo Apelante em 11 e 12 do incidente de remoção. 15.- Pelo que deverá ser modificado o facto 3 da matéria de facto dada como provada e passar a ser “3.- A Requerida fez uma aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando 50 mil à ordem na conta da herança do Banco 2..., para evitar a cobrança de despesas de manutenção de conta, sem no entanto informar os herdeiros de que aplicação a prazo se tratava e/ou por quanto tempo foi feita. 16.-Considerou erradamente a sentença a quo provado que “4. E nessa conta foram depositados os valores das rendas pagas pela inquilina da herança Clínica Dentária ....”, facto que em resultado da modificação que se impõe da matéria de facto constante do facto 3, também terá de ser retificado, já que o que resultou provado, e é evidente no documento 12 junto com a relação de bens, é que as rendas pagas pela Clínica Dentária ..., são pagas por meio de transferência bancária para a conta pessoal da cabeça de casal e não para a conta da Herança. 17.- O que resulta também claro das declarações de parte da cabeça-de-casal, ora Apelada, constantes do ficheiro 20220422110756_3673598_2871659,1:22:30, onde a Apelada confessa que indicou a sua conta pessoal à inquilina Clínica Dentária ... para que ali depositasse a renda devida à herança. 18.- Pelo que se impõe que o facto 4 seja modificado e passe a ter a seguinte redacção: “4.- As rendas pagas pela Clínica Dentária ..., inquilina da herança, vêm sendo pagas por meio de transferência bancária para a conta pessoal da cabeça de casal e não para a conta da Herança por indicação da cabeça de casal”. 19.- Considerou a sentença a quo erradamente não provado que no início do ano de 2020 a sociedade A... Unipessoal, Lda. quis entregar à cabeça-de-casal os prédios, pois não iria retirar qualquer rendimento desses trabalhos, já que resulta claro das declarações de parte da Cabeça-de-Casal, que esta confessa que no início do ano de 2020 a sociedade A... Unipessoal, Lda. lhe quis entregar os prédios exactamente porque se os entregasse em Abril teria de os trabalhar e não iria retirar qualquer rendimento desses trabalhos, o que se mostra totalmente coerente com o mencionado na sentença a quo quando diz que “O requerente AA veio apontar à ação da cabeça-de-casal o descuido da vinha, com os seus inerentes prejuízos, referindo ter esta sido atempadamente contactada no final do ano de 2019 para definir um rumo a dar à exploração: ou a sociedade referida em 6 assumia toda a campanha agrícola de 2020, até às vindimas, recebendo os frutos do seu trabalho, ou até à data da transferência a sociedade fazia os trabalhos necessários, sendo paga depois por aqueles” e com as declarações de parte do Apelante AA, registadas no ficheiro 20220422100527_3673598_2871659, 00:08:02. 20.- Pelo que não podia o Mm.º Juiz a quo ter dado como não provado o facto “A.”, já que o mesmo resulta de confissão expressa da cabeça de casal, corroborado pelas declarações de parte do Apelante, não se entendendo como pode referir na escassa motivação da matéria de facto que rejeita o descrito em A por ausência de prova idónea à sua comprovação 21.- Assim, errou o Tribunal a quo no julgamento de tal facto, tendo de se considerar provado e aditar à matéria de facto provada que: “A sociedade A... Unipessoal, Lda. quis entregar os prédios à cabeça de casal no início de 2020 em virtude de ter de os trabalhar até Abril de 2020 e depois dos mesmos não poder recolher os seus frutos.” 22.- Considerou o Tribunal a quo também erradamente não provado “Que até ao presente as vinhas permanecem por cuidar.” 23.- Olvidou o Mm.º Juiz a quo que esse facto foi alegado pelo Apelante em 30 de Julho de 2020, pelo que, no máximo, o Tribunal a quo poderia ter considerado não provado que até 30 de Julho de 2020 as vinhas permaneceram por cuidar, mas na verdade, nem sequer é isso que resulta das declarações da cabeça de casal, que confessou não ter efectuado qualquer trabalho na vinha durante o ano de 2020, pelo que terá de ser aditado à matéria de facto dada como provada que durante o ano de 2020 a Apelada não cuidou das vinhas. 24- Resulta tal da inquirição da testemunha GG, arrolada pela Apelada, que foi com aquela à quinta em Maio, para ver o “estado da casa” e que depois disso ela esperou pelas “tais papeladas que não estavam.” 25.- Sendo a exploração agrícola na Quinta ..., em ..., Lamego, onde aliás é também a sede da sociedade A... Unipessoal, Ldª, a transição da exploração teria de ser ali, ao que acresce resultar das suas declarações de parte, com valor de confissão, que as vinhas lhe foram entregues em bom estado, já que acaba por confessar que nas mesmas se encontravam realizados os trabalhos agrícolas. 26.- Como é de senso comum, se a Apelada deixou as vinhas ao abandono, muitos bacelos morreram, provavelmente por falta de água na Primavera e no Verão e muitos paus de suporte terão apodrecido durante o Outono e o Inverno devido à chuva. 27.- A Apelada e as testemunhas por si arroladas tentaram ao longo de todo o julgamento justificar o abandono das vinhas no ano de 2020 com a falsa questão de não ter as cartas do IVDP respeitantes ao benefício, o que não pode colher uma vez que, como a mesma confessa, costumam ser enviadas em fins de Maio/inícios de Junho, ao que acresce ter sido ela quem não tratou de junto do IVDP alterar a titularidade 28.- Não tendo qualquer lógica que a Apelada, tendo tomado conta da exploração em fins de Abril de 2020, a deixe ao abandono porque já sabia que as cartas do benefício (que usualmente chegam no fim Maio/Junho) não lhe iam chegar, 29- Revelando falta de zelo o facto de saber da existência/necessidade das referidas cartas de benefício e não se inteirar do motivo de não as receber, nem tratar de alterar a sua titularidade junto da entidade oficial emitente, tendo sido o Apelante quem a alertou para a necessidade de proceder à alteração da titularidade dos direitos, remetendo-lhe de imediato as cartas de benefício quando erradamente as recebeu em fins de Junho de 2020, o que foi confessadamente recebido pela Apelada em 24 de Junho, que nas suas declarações de parte refere que o Apelante lhe comunicou estarem erradas as cartas de benefício por não ter sido alterada a titularidade da exploração junto do IVDP. 30.- Perpassando das suas declarações que, na verdade, o que Apelada a pretendia era passar ela a ser a gestora das vinhas, mas que o trabalho relacionado com a gestão continuasse a ser efectuado pelos outros, nomeadamente pela sociedade da qual o Apelante é gerente, e a custo zero. 31.- Aliás, é o próprio FF, irmão de Apelante e Apelada, e que está de relações cortadas com o Apelante, que no ficheiro de áudio 20220317113336_3673598_2871659, 00:23:00, a propósito das aptidões da cabeça de casal, refere que a “irmã não é uma pessoa predestinada para fazer a gestão de prédios. Isto é, foi sempre uma pessoa que cresceu numa família numa perspectiva de que alguém fizesse a gestão de bens. Portanto, uma família tradicional (…)” e que “não é uma pessoa predestinada para tratar de vinha”. 32.- Acresce, que resultava já claro do facto erradamente julgado não provado sob a letra A, que a Apelada cabeça-de-casal pelo menos desde Dezembro de 2019 sabia que o comodato terminava em 27de Abril de 2020, pelo que qualquer pessoa minimamente diligente que tenha tal cargo de cabeça-de-casal e sabe que vai receber uma quinta que produz uvas na região demarcada do Douro, se preparasse para tal com antecedência, cuidando de arranjar pessoal para tratar das vinhas, até porque é público que há falta de mão de obra agrícola, sendo facto notório e que nem sequer carece de alegação, que em finais de Abril qualquer vinha está na altura da rebentação, precisa de muitos cuidados e não pode ser abandonada a longo de uma, duas ou três semanas 33.-Sendo forçoso concluir-se que qualquer pessoa capaz teria atempadamente diligenciado inteirar-se de tudo o que seria necessário para cuidar da exploração agrícola, que sabia antecipadamente ir receber, ainda para mais por sua exigência expressa, já que resultou amplamente provado e confessado pela própria cabeça-de-casal que a sociedade da qual o Apelante é gerente lhe propôs em Dezembro de 2019 proceder à entrega da exploração só após as colheitas de 2020, 34.- E que, qualquer pessoa consciente e zelosa, se não soubesse o que fazer, no que não se concede atentas as obrigações do cargo que exercesse por vontade própria, perguntava a quem sabe, nomeadamente a quem cuidou da exploração até então - o que não fez, entendendo ao invés, e como aliás é seu timbre, que toda a gente tem obrigação de lhe fazer as coisas sem sequer ela ter de as pedir, tentando justificar-se também com as suas testemunhas no facto de ter sido um ano de pandemia, o que não poderá colher uma vez que é consabido que durante esse período todas as actividades ao ar livre, nomeadamente as agrícolas eram permitidas atento o baixo risco de contágio existente em tais ambientes. 35.- Resultou também das declarações do Apelante que a Apelada nas contas que apresentou respeitantes ano de 2020 não apresentou uma única despesa com a exploração agrícola, sendo também por tal forçoso concluir-se que tal implica não ter efectuado um único trabalho, e que o montante arrecadado com as colheitas sempre rondou os 40 mil euros. 36.- O que, em conjugação com o documento n.º 6 junto com o incidente de remoção, impõe que se considere provado que, apesar de para tal avisada pelo Apelante por carta de 25 de maio de 2020, a cabeça-de-casal deixou as vinhas ao abandono até ao final do ano de 2020, comprometendo toda a colheita de 2020 e causando um prejuízo à herança de pelo menos 40 mil euros. 37.- As declarações de parte como meio de prova são, ao mesmo tempo, tarifadas e livres, tudo variando segundo o sentido das declarações que a parte vier a fazer sobre os mesmos factos. Se as declarações forem confessórias, será tarifado ou legal; não sendo confessórias, será de apreciação livre, tal como decorre do disposto no art.º 466.º do CPC, pelo que o valor confessório das declarações feitas pela Apelada na audiência de discussão e julgamento não pode ser retirado por imposição do n.º 3 do art.º 466.º do CPC. - o que a sentença a quo erradamente fez, preceito que assim violou, 38.- Pelo que andou mal o Mm.º Juiz a quo ao não considerar as confissões da Apelada, que impõem um diferente julgamento da matéria de facto. 39.- Não se entende a fundamentação do Mm.º Juiz a quo, quando refere que “Da matéria que ultrapassou com sucesso o crivo deste tribunal não se infere a existência de qualquer comportamento da cabeça-de-casal apto a sustentar a sua remoção, compreendendo o tribunal que a transição para a exploração de uma propriedade agrícola por quem não tinha experiência, no âmbito de uma transferência como a que acima se descreve, admite a necessidade de um período de adaptação, de transição, que pode, evidentemente, implicar algumas perdas de rendimento. Todavia, tornando-se tais perdas temporárias com a retoma do cultivo e tratamento das vinhas, descobre-se na actuação da cabeça-de-casal o suficiente empenho para afastar a aplicação de qualquer das situações elencadas no artigo 2086.ºdo Código Civil. Verificam-se, é certo, falhas, designadamente na titularidade pessoal da conta provida de fundos hereditários e na formulação das contas prestadas, mas estas são de correcção escorreita, não justificando, assim, neste momento, a remoção da cabeça-de-casal.”, pois resultou provado, pelo menos desde Dezembro de 2019 que a cabeça-de-casal sabia que em Abril receberia a exploração e que conforme resultou provado também, foi proposto à cabeça-de-casal entregar-lhe a exploração no fim da colheita, o que esta não aceitou. 40.- A cabeça-de-casal, que não deixou que a sociedade que explorava as vinhas colhesse a produção, mas também não as tratou de modo a colhê-la, vê erradamente a sua conduta justificada pelo Tribunal a quo com a sua necessidade de adaptação e de um período de transição, que assim legitima o prejuízo efetivo de pelo menos 40 mil euros por ela causado à herança, que o Mm.º Juiz a quo qualifica como “perdas temporárias”, pela sua “falta de experiência”, o que não pode servir de fundamentação porque tais perdas não são recuperáveis e constituem um prejuízo efectivo e definitivo para a herança e se a cabeça-de-casal era inexperiente e necessitava de um maior período de transição, tinha aceite como lhe foi proposto, receber a exploração apenas no fim das colheitas (o fim do ano agrícola), ficando assim com a exploração das vinhas a seu cargo desde o início dos trabalhos agrícolas para o ano seguinte, o que, isso sim demonstraria uma administração cuidadosa. 41.- Era exigível à cabeça-de-casal, como qualquer pessoa de bom senso, ter antecipadamente contratado alguém que assumisse os trabalhos da exploração, já que há muito tempo sabia que as vinhas lhe seriam entregues em Abril. 42.- Do que resulta da prova produzida em audiência, a cabeça-de-casal pretendia aquilo que vulgarmente se designa como o melhor de dois mundos: ser a administradora da quinta mas não ter qualquer trabalho com a administração, até porque esteve, inexplicavelmente, de Junho a Setembro (segundo a sua versão) para conseguir alterar a titularidade dos direitos de produção, para o que basta entregar prova da propriedade das vinhas e caso tivesse necessidade disso, por estarem até então atribuídos à sociedade, tinha prova da sua entrega à herança pela carta que a sociedade comodatária lhe enviou em Abril de 2020 para formalmente proceder à entrega das vinhas, o que fez apenas porque o Apelante a alertou. 43.- A administração das vinhas pela cabeça-de-casal pressupõe uma boa e corrente gestão, como o pressupõe qualquer empresa e resultou provado que pelo menos no ano de 2020 (desde Abril) essa boa administração não foi efetuada, causando um prejuízo aos herdeiros que podiam ter percebido o rendimento da colheita das uvas de pelo menos 40 mil euros e não receberam. 44.- Só através do incidente de remoção do cabeça-de-casal pode ser atacada a administração dos bens, nos termos do art.º 2086º do Código Civil. 45.- Fundamenta a sentença a quo a absolvição da Apelada com o facto de entender “na actuação da cabeça-de-casal o suficiente empenho para afastar a aplicação de qualquer das situações elencadas no artigo 2086.º do Código Civil.”, quando as perdas respeitantes ao ano de 2020 são irrecuperáveis e a retoma de 2021 não foi também a de boas práticas agrícolas, tal como consta do documento número 8 junto com o incidente de remoção de cabeça-de-casal apresentado pela Apelante CC em 09.06.2021, que foi também julgado, não obstante não ter sido objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo, e se trata de um email enviado por um dos herdeiros à cabeça-de-casal no dia 1 de Abril de 2021, seja, cerca de um ano depois, onde lhe pedia justificação para o facto de 1/3 dos trabalhos agrícolas necessários estarem ainda por fazer, ao qual a cabeça-de-casal, ora Apelada respondeu no dia 15 de Abril de 2021 e constitui documento 9, não impugnado, onde não apresenta qualquer justificação para tal facto, sendo do mais elementar bom senso que ninguém deixa uma vinha no fim de Abril, em plena época de crescimento, um mês sem qualquer intervenção, como a cabeça-de-casal ali confessa. 46.- Não considerou também o Tribunal a quo os documentos 10, 11 e 12 do incidente de remoção deduzido pela Apelante CC em 09.06.2021, e que não foram impugnados pela Apelada, que se trata de emails enviados pelo Interessado HH à cabeça-de-casal questionando a má administração das vinhas, sem que sequer tivesse qualquer resposta. 47.- Os documentos particulares não impugnados têm o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e tendo força probatória plena não é admissível a prova testemunhal visando a demonstração da inveracidade da declaração com base em quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento com força probatória plena, não tendo a sentença a quo valorado os documentos juntos pelos Apelantes que por falta de impugnação adquiriram força probatória plena. 48.- De igual modo não pode colher a justificação do Mm.º Juiz a quo quanto à conta que a cabeça de casal decidiu abrir em nome pessoal, já que aquilo que o Tribunal a quo entendeu ser uma falha é na verdade um fundamento da requerida remoção, uma vez que se provou claramente que, apesar de haver uma conta no Banco 2... em nome da herança, a cabeça-de-casal abriu uma conta bancária em seu nome próprio e indicou-a para que o inquilino da herança Clínica Dentária ... para ali transferisse as rendas.( factos 2 e 2 A), sendo que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (n.º1 do art.º 2091ºC.C.) e a administração pelo cabeça-de-casal existe apenas ao serviço do património hereditário, devendo ser exercida com zelo e prudência (alínea b) do n.º 1 do art. 2086º do CC). 49.- Como decidido pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, Pr. 2075/05, de 5 de Julho de 2005, Relator: Ferreira de Barros, www.dgsi.pt, “Exorbita dos seus poderes o cabeça-de-casal que procede ao levantamento das quantias em dinheiro depositadas em instituição bancária em nome do inventariado, e, de seguida, as deposita em seu nome, muito embora as tenha incluído na relação de bens.”, e não obstante a cabeça-de-casal não tenha procedido ao levantamento de quantias, procedeu à indicação ao inquilino para pagar a renda para a sua conta pessoal, ao invés de lhe indicar a conta herança, o que por si só constitui objectivamente fundamento para a sua remoção. 50.- Resulta das gravações dos depoimentos/declarações de parte que foi efectuada a audiência de discussão e julgamento não só do incidente de remoção de cabeça-de-casal intentado pelo Apelante AA, mas também do incidente deduzido pela Apelante CC em 09.06.2021, onde, para além de ter como causa de pedir a má administração do património pela cabeça-de-casal, tem também como causa de pedir a falta de entrega por esta dos rendimentos da herança, em violação do disposto do art.º 2092.º do Código Civil, o que para além de resultar provado pelos documentos juntos pela Apelante com o referido incidente, uma vez que a cabeça-de-casal incumpre com tal obrigação não obstante tenha sido instada a cumpri-la, se encontra também provado pelos depoimentos da testemunha FF, no ficheiro 20220317113336_3673598_2871659, 00:49:55, onde afirma que os seus filhos, herdeiros, declaram rendas e pagam IRS e que não recebem o dinheiro, 51.- E das declarações da própria cabeça-de-casal às 1:21:11 do ficheiro de áudio 20220422110756_3673598_2871659, quando tenta justificar tal falta com o facto de entender que os restantes herdeiros, naquela que é a sua opinião, não estarem assim tão aflitos, ao que o Mm.º Juiz a quo até respondeu dizendo-lhe que estava a fazer um juízo do que desconhece. 52.- A sentença a quo, para além de não fazer qualquer referência aos factos elencados pela Apelante CC no incidente deduzido em 09.06.2021, nem sequer menciona que esta intentou um incidente, não obstante os factos daquele terem sido debatidos na mesma audiência de discussão e julgamento sobre a qual é proferida a decisão a quo, padecendo da nulidade elencada no art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por violar o disposto no n.º 2 do artigo 660.º do C.P.C. 53.- Em resultado da prova já produzida quanto a tais factos impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dado tal incidente também por provado, já que resulta do documento n.º 1 junto com o incidente deduzido pela Apelante CC, que em 11 de Novembro de 2020 lhe pediu que desse cumprimento ao disposto no art.º 2092.º do Código Civil que lhe impõe que distribua por todos até metade dos rendimentos que lhe caibam, ao qual a cabeça-de-casal respondeu apenas em 28.11.2020, como se vê do documento junto sob o n.º2, e a Apelante respondeu novamente naquele que constitui o documento 3 do incidente de 09.06.2021, de onde se vê que a Apelada não nega que haja rendimentos para distribuir, e se percebe que como nunca o fez, vem tentar misturar com assuntos que nada se relacionam com essa obrigação que sobre si impende e que não obstante o incidente deduzido continua ainda hoje por cumprir. 54.- Não mais a cabeça-de-casal deu qualquer justificação à Apelante, limitando-se a enviar-lhe os montantes que esta teria de declarar em sede de IRS respeitante às rendas e outros rendimentos que lhe imputou e constam dos documentos 4, 5, 6 e 7 que a Apelante juntou com o incidente, faltando à verdade a Apelada quando quanto a tal matéria e a instâncias do Mm.º Juiz a quo pretende dar a entender que os rendimentos da herança não chegam para as despesas, já que tal não resulta daquilo que posteriormente comunicou e veio apelidar de contas, e só veio com essa nova versão para a audiência de julgamento, estando a mesma em completa oposição com os documentos juntos, onde ela confessa haver rendimento e notoriamente tenta empatar a entrega com uma reformulação das contas, como se as contas pudessem hoje ser umas e amanhã outras quando respeitantes a anos transactos. 55.- Tal como refere Lopes Cardoso, a norma do art.º 2092º CC foi estabelecida contra o cabeça-de-casal – sujeito passivo da obrigação – jamais, em seu favor e visou a impedir que este, dilatando-se o inventário, colocasse os interessados na triste situação de não receberem coisa alguma enquanto não findasse o processo e a obrigação de entrega de parte dos rendimentos é independente da obrigação de prestação anual de contas, de que trata o artº2093º do CC, que a Apelada como confessa no documento n.º 2, também incumpre ou cumpre deficientemente ou não teria de fazer reformulações de contas. 56.- Segundo Lopes Cardoso, a harmonia entre os preceitos estabelece-se facilmente da seguinte forma: - requerido e decidido que o cabeça-de-casal deve distribuir os rendimentos, e cumprida esta obrigação por sua parte, ele fará constar essas entregas como despesas nas contas que venha a prestar, espontânea ou forçadamente (citado art.º 2093º, nº 2) e havendo saldo positivo das contas prestadas pelo cabeça-de-casal, este é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quota necessária para os encargos do novo ano (nº 3 do art.º 2093º do CC), pelo que se o herdeiro não tem direito ao rendimento de bens da herança certos e determinados, tem, no entanto, direito a receber uma quota-parte dos rendimentos da herança, até ao limite máximo de metade, nos termos do art.º 2092º do CC. 57.- Devia o Tribunal a quo ter também trazido à colação todo o comportamento processual da Apelada, patente da descrição feita agora pelos Apelantes em I e que se traduziu em mais de catorze meses para juntar uma relação de bens aos autos, em arrepio total do prazo que o Tribunal lhe havia concedido para o fazer e que se traduz em mais um facto a acrescer aos fundamentos da remoção que o Mm.º Juiz a quo deveria ter conhecido oficiosamente e decretado a remoção da cabeça-de-casal, até por ser contemporâneo dos incidentes deduzidos. 58.- Resultou claramente provado, quer num quer noutro incidente, sendo evidente e factual que a Cabeça-de-Casal, ora Apelada, não cumpre com o dever que o art.º 2092.º do C.C. lhe impõe, não obstante ter sido já várias vezes instada a fazê-lo e que revela absoluta incompetência para o exercício do cargo quer por em 2020 ter causado um prejuízo à herança de pelo menos 40 mil euros, quer por não ter competência para realizar a exploração vitivinícola que tem a seu cargo e quer por não ter sequer competência para apresentar contas, como por si confessado. 59.- Termos em que deverá ser revogada a sentença a quo e ser substituída por outra que considere os incidentes de remoção totalmente procedentes e que, por via dos mesmos, ordene a remoção da Apelada do cargo de cabeça-de-casal e a sua substituição pelo Apelante AA.* Quanto às contra alegações da cabeça de casal é o seguinte o teor das suas conclusões: 1ª - A sentença é clara e concisa ao demonstrar que a Cabeça de casal tem exercido as suas funções com toda a seriedade e de forma conscienciosa, não ocultou a existência de quaisquer bens pertencentes à herança, tem administrado o património hereditário com prudência e zelo, tem cumprido no inventário todo os deveres que a lei lhe impõe e mostra-se competente para o exercício do cargo, não sendo merecedora de reparo, nem padece de qualquer vício, pois que aplicou correctamente o direito aos factos. 2ª - A abertura da conta bancária na Banco 1... (Ponto 2 da factualidade dada como provada), de acordo com as declarações da própria Cabeça de Casal em audiência de julgamento, ficou explícito que a abertura da conta em nome pessoal não foi para utilização própria, mas sim, foi a forma encontrada pela Cabeça de casal para realizar pagamentos de forma expedita. 3ª - Por outro lado, ficou evidenciado que o depósito a prazo com o valor mínimo de 10.000,00€ visou evitar o pagamento de taxas de manutenção da conta à ordem da herança indivisa no Banco 2.... 4ª- O Tribunal a quo faz uma correta apreciação da prova produzida, afirmando, inclusive que, a matéria referente à conta bancária foi assumida em grande parte, pela Cabeça de Casal desde logo nas contas que apresentou aos demais herdeiros, acrescentando-se a justificação pela aplicação a prazo, ela própria referida nessas contas e invocadas em juízo pela Cabeça de casal. 5ª- No concernente ao ponto 5 da factualidade dada como provada e ponto B da factualidade dada como não provada pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo os Recorrentes sustentaram o pedido de remoção de Cabeça de Casal, em virtude da alegada falta de cuidado na manutenção da vinha. 6ª - Resultou cristalino do depoimento da Cabeça de casal prestado na audiência de julgamento que forneceu toda a informação relativa à administração das vinhas, estas que têm sido alvo de tratamento e cuidados desde o ano de 2021, designadamente com a contratação de pessoal e aquisição de alfaias. 7ª- Sobre esta matéria, importa realçar que as testemunhas II, JJ, KK, LL e MM, trabalhadores que laboravam nas ditas propriedades por conta da sociedade A..., Unipessoal, Lda., caracterizaram a exploração realizada pela sociedade daquelas terras, aludindo, aliás, JJ e MM à prossecução dos trabalhos por terceiros desde 2021. 8ª- A testemunha FF, que foi o anterior cabeça-de-casal, tendo acompanhado a actual cabeça-de-casal, sua irmã ao local, na época da transferência dos prédios, secundou a sua versão no respeitante às dificuldades na transmissão da exploração da propriedade e a falha da sociedade ao não advertir da urgência na remessa da ficha de exploração que havia recebido, com a sequente superação dessas dificuldades, obtendo-se o “benefício” e mantendo-se a exploração vitivinícola desde 2021, o que denota os esforços desenvolvidos pela Cabeça de casal da administração e cuidado da vinha. 9ª- A testemunha NN, filha da Cabeça-de-casal, que corroborou o relato trazido por sua mãe, aludindo aos esforços encetados pela sua progenitora para manter a exploração da vinha e às dificuldades sentidas aquando da passagem da exploração. 10ª - A decisão do Tribunal a quo refere que os testemunhos de FF, GG e de NN: “conjugados com o descrito pela cabeça-de-casal, permitiu assim conformar a convicção do tribunal sobre o alegado nos termos supra expostos. 11ª- Assim, ponderou ainda o Tribunal a quo os demais documentos juntos: as missivas remetidas e trocadas, as contas prestadas e as fotografias juntas”, o que suportou a boa administração e cuidado da vinha. 12ª - Ora, a prova produzida em julgamento foi clara quanto ao facto de a cabeça de casal neste inventário, BB, ter vindo a exercer as suas funções com toda a seriedade e de forma conscienciosa, não ocultando a existência de quaisquer bens pertencentes à herança, e administrado o património hereditário com prudência e zelo, 13ª - A douta sentença proferida pelo tribunal a quo apreciou correctamente os meios de prova documental apresentados, e com clareza e rigor técnico, a prova testemunhal produzida durante a audiência de julgamento; e em função daquela abundante e esclarecedora prova, aplicou rigorosamente o direito, fundamentando devidamente a decisão, não merecendo, por isso, aquela Douta sentença qualquer censura ou reparo. 14ª - Não assiste assim, qualquer razão de facto ou de direito aos Recorrentes na apelação que interpuseram como reacção à decisão do Tribunal a quo de não remoção da Cabeça de Casal face à prova produzida em audiência que foi clara quanto à ausência de fundamento legal para que tal remoção pudesse ocorrer, pelo que o recurso de apelação interposto deverá ser julgado totalmente improcedente. 15ª - Dos elementos probatórios reproduzidos nestes autos, ficou evidente que inexiste, na presente acção, qualquer fundamento para a remoção da Cabeça-de-casal, pelo que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não é merecedora de reparo. 16ª - Por conseguinte, não há razão válida para a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, não existindo contradição entre a fundamentação e a decisão, nem qualquer outra nulidade ou irregularidade que possa invalidar ou afectar de alguma forma a douta sentença proferida. 17ª - A tese dos Recorrentes não tem qualquer sustentação lógica ou jurídica e baseia-se apenas numa interpretação desajustada de excertos de diversos depoimentos, que transcreve em catadupa. 18ª - Face à prova produzida, designadamente da prova testemunhal e documental, justifica-se plenamente a douta decisão proferida, de julgar improcedentes os incidentes de remoção da Cabeça de Casal de BB. 19ª - Nos termos acima expostos, conclui-se, portanto, que a douta sentença proferida faz um correto julgamento dos factos e uma perfeita aplicação do direito, pelo que, não tanto pelo alegado, como pelo doutamente suprido, Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, julgando totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Requerentes ora Recorrentes e confirmando a Douta Sentença recorrida, Farão, como de costume, a mais perfeita e sã JUSTIÇA.* Verificando-se que nulidade por omissão de pronúncia da decisão arguida pelos apelantes AA e CC foi já suprida pelo Tribunal “a quo” ao proferir a decisão antes melhor referida, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso: 1ª) A nulidade da sentença por absolvição de objecto diverso do pedido (cf. art.º 615º, nº1, alínea e) do CPC); 2ª) A aplicação ao caso da previsão legal do nº1 do art.º 567º do CPC; 3ª) A impugnação da decisão da matéria de facto; 4ª) A procedência dos incidentes de remoção do cargo de cabeça de casal.* É o seguinte o teor da decisão de facto que agora vem impugnada: “Após realização da audiência, considera o tribunal demonstrados os seguintes factos: 1. A requerida BB foi investida para exercer as funções da cabeça-de-casal em 27 de Abril de 2020. 2. No exercício dessas funções, abriu uma conta bancária na Banco 1..., com o número ...30, sendo cobradas à herança as despesas de manutenção dessa conta. 3. Fez nessa conta uma aplicação a prazo de 10 mil euros, deixando 50 mil euros à ordem, para evitar a cobrança de despesas de manutenção da conta. 4. E nessa conta foram depositados os valores das rendas pagas pela inquilina da herança Clínica Dentária .... 5. A cabeça-de-casal administra vários prédios rústicos onde estão implantadas vinhas na região demarcada do Douro. 6. Os prédios estiveram comodatados à sociedade A..., Unipessoal, Lda. até ao dia 27 de Abril de 2020. 7. A referida sociedade enviou carta registada com as chaves para acesso às propriedades e discriminação dos trabalhos efectuados e respectivo preço. 8. Por carta de 25 de Maio de 2020 o interessado interpelou a cabeça-de-casal advertindo-a, em suma, que a ausência de cuidados da vinha conduziria à sua degradação e comprometimento da colheita. 9. De Abril de 2020 até final do ano de 2020 as vinhas existentes nas propriedades não foram tratadas. 10. Em 11 de Novembro de 2020 CC enviou à cabeça-de-casal um e-mail onde exigia que, em 10 dias, a Cabeça de Casal cumprisse o disposto no art.º 2092.º do CC, indicando para o efeito o seu IBAN. 11. A cabeça de casal respondeu ao email passados 17 dias, justificando o seu incumprimento com a pandemia e assim acrescentando: “Contudo, isso também me deu ensejo a levar este assunto à reunião que convoquei e anunciei previamente para dia 20 de Novembro, às 20 h 30 m, na Rua ..., a que não esteve presente. Nessa reunião, no último ponto da Agenda previamente anunciada, foi apresentado e discutido este assunto, sobre o qual foi deliberado o seguinte: 1. Apresentar uma versão reformulada das Contas de 2019, em que resulte claro quais os rendimentos que caiba distribuir; 2. Neste exercício integrar também as provisões que é necessário prever para fazer face a despesas emergentes no ano de 2020 em curso; 3. Perante o desejo que manifesta de ver reforçada a sua liquidez, apresentar-lhe a disponibilidade dos presentes nessa reunião para repartir os saldos das contas existentes na Banco 1..., relativamente aos quais não há qualquer vantagem de os ver integrados na lista de bens do processo de inventário em curso. Fico a aguardar a sua resposta a esta proposta, e, entretanto, prepararei a versão reformulada das Contas de 2019.” 12. CC enviou em 15 de Dezembro de 2020 novo emais à cabeça-de-casal, onde se pode ler: “Labora V.ª Ex.ª num errado pressuposto - não pretendo ver reforçada qualquer liquidez, mas apenas pretendo que V.ª Ex.ª cumpra com aquilo a que está legalmente obrigada. O valor do depósito da Banco 1... está relacionado no processo de inventário e lá continuará, aproveitando V.ª Ex.ª para misturar aquilo que não se mistura- uma coisa são os rendimentos da herança e outra são os bens da herança, onde se inclui o referido depósito. Como cabeça de casal é sua obrigação distribuir os rendimentos da herança, o que nunca fez, e uma vez mais vem tentar misturar com assuntos que nada se relacionam com essa obrigação que sobre si impende. Refere no S/email que prepararia uma versão reformulada das contas de 2019, o que passados 17 dias ainda não fez. Assim, tem até ao final do ano em curso para efectuar a distribuição a que está obrigada, sendo este o derradeiro prazo que lhe concedo para tal, findo o qual serei forçada a recorrer à via judicial.” 13. Em 28 de Janeiro de 2021 a cabeça-de-casal remeteu à requerente a relação dos montantes respeitantes às rendas percebidas pela herança. 14. Em 28 de Março de 2021 a cabeça-de-casal remeteu documento que chamou de “relatório e contas de 2018, 2019 e 2020”. 15. Em 7 de Junho, a cabeça-de-casal enviou nova declaração de rendimentos da herança onde imputa rendimentos a cada um dos herdeiros que não foram recebidos.* Não considera o tribunal demonstrado: A. Que no início do ano de 2020 a sociedade acima referida em 6 quis entregar à cabeça-de-casal os prédios, pois não iria retirar qualquer rendimento desses trabalhos. B. Que até ao presente as vinhas permanecem por cuidar. C. Que desde Outubro de 2018 que a cabeça-de-casal age como se exercesse as funções de cabeça-de-casal.* O tribunal sustentou as suas conclusões sobre a matéria controvertida na apreciação da prova apresentada, na sua singularidade e no modo como se conjugaram os diferentes elementos probatórios entre si. Se a matéria referente à conta bancária acima mencionada foi assumida, em grande parte, pela cabeça-de-casal desde logo nas contas que apresentou aos demais herdeiros, acrescentando-se a justificação pela aplicação a prazo, ela própria referida nessas contas e invocada em juízo pela cabeça-de-casal, já a substância atinente às vinhas foi objecto de discussão, com posições antagónicas quanto ao modo de actuação dos respectivos participantes. O requerente AA veio apontar à acção da cabeça-de-casal o descuido da vinha, com os seus inerentes prejuízos, referindo ter esta sido atempadamente contactada no final do ano de 2019 para definir um rumo a dar à exploração: ou a sociedade referida em 6 assumia toda a campanha agrícola de 2020, até às vindimas, recebendo os frutos do seu trabalho, ou até à data da transferência a sociedade fazia os trabalhos necessários, sendo paga depois por aqueles. Todavia, de acordo com o requerente, mesmo após duas outras missivas, a cabeça-de-casal nada fez, não recebendo as terras no dia 27 de Abril e não cuidando das vinhas em seguida, com prejuízo para o seu estado fitossanitário e capacidade produtiva. Admitiu, contudo, que a partir de 2021 as vinhas começaram a ser tratadas. Ora, a cabeça-de-casal trouxe aos autos uma versão distinta, referindo ter respondido à dita sociedade, afirmando que a vinha devia ser deixada no estado em que foi recebida, referindo os preços exagerados que a sociedade pretendia cobrar pelos ditos trabalhos. E não teria a vinha sido entregue como deveria, com a entrega das chaves e com o envio pela sociedade das comunicações necessárias à concessão dos “benefícios” pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, inexistindo até a advertência da necessidade de envio dessas comunicações. Contudo, teria a cabeça-de-casal mais tarde providenciado pelo envio dessas comunicações, e provido pelo reinício da exploração e cuidado das vinhas, com a contratação de pessoal, a aquisição de alfaias. Percebendo o tribunal a existência de uma convivência difícil dos interessados no âmbito deste processo, descobre-se no seio dessa dificuldade as razões para os árduos contactos descritos. As testemunhas II, JJ, KK, LL e MM, trabalhadores que laboraram nas propriedades em causa por conta da sociedade A..., Unipessoal, Lda., caracterizaram unicamente a exploração realizada pela sociedade daquelas terras, aludindo JJ e MM à prossecução dos trabalhos por terceiros desde 2021. FF, anterior cabeça-de-casal, tendo acompanhado a actual cabeça-de-casal, sua irmã ao local, na época da transferência dos prédios, secundou a sua versão no respeitante às dificuldades na transmissão da exploração da propriedade e a falha da sociedade ao não advertir da urgência na remessa da ficha de exploração que havia recebido, com a sequente superação dessas dificuldades, obtendo-se o “benefício” e mantendo-se a exploração vitivinícola desde 2021. Negou ainda qualquer acto premeditado de ocultação de bens pela sua irmã. Este relato foi ainda apoiado pelo testemunho de GG, esposa da testemunha FF, que acompanhou o seu marido ao local, juntamente com a cabeça-de-casal, tomando posteriormente conhecimento dos esforços desta. Também NN, filha da cabeça-de-casal, corroborou o relato trazido por sua mãe, aludindo aos esforços encetados pela sua progenitora para manter a exploração da vinha e às dificuldades sentidas a quando da passagem da exploração. Estes últimos depoimentos, conjugados com o descrito pela cabeça-de-casal, permitiu assim conformar a convicção do tribunal sobre o alegado nos termos supra expostos. Ponderou ainda o tribunal os demais documentos juntos: as missivas remetidas e trocadas, as contas prestadas e as fotografias juntas. Consequentemente, sopesados os contributos recebidos nos autos, considerou o tribunal verificados os factos acima referidos como tal, rejeitando o descrito em A e C por ausência de prova idónea à sua comprovação, e B por informação pela prova recebida nos autos. A restante matéria alegada e não mencionada representa substância irrelevante, conclusiva ou de argumentação jurídica, insusceptível de aproveitamento como facto.”* Como antes já vimos, os requerentes/apelantes começam por dizer que a sentença é nula por que nela o Tribunal “a quo” condenou em objecto diverso do pedido. Vejamos, pois, se com fundamento. Ao propor a acção, o autor há-de formular a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expor as razões de facto e de direito em que a fundamenta. Cabe, assim, ao titular do direito violado requerer do tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado à reparação do seu direito. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a acção (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 1985, pp. 243-245). Mediante o pedido, as partes circunscrevem e balizam o "thema decidendum", isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa (Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", I vol., 2ª ed., 1999, p. 53). E, como se sabe, só a ele, autor, cabe solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (artigo 3º, nº 1, do CPC). O autor há-de, pois, formular na petição inicial um pedido, o qual se apresenta duplamente determinado: por um lado, o autor afirma ou nega uma situação jurídica subjectiva, ou um facto jurídico, de direito material, por outro, requer ao tribunal a providência processual adequada à tutela do seu interesse - o pedido do autor, conformando o objecto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito com que o tribunal lhe responderá (José Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, 2001, p. 223). Na verdade, "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação", não podendo "ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes" (artigo 608º, nº 2), sendo nula a sentença que, não observando os limites impostos pelo nº 1 do artigo 609º, condene "em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir" Não poder condenar em objecto diverso do que se pediu, significa não poder modificar a qualidade do pedido - não pode, pois, ultrapassar-se, nem em quantidade (2), nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes (Alberto dos Reis, "CPC Anotado", vol. V, 1952, p. 68). Ou seja, limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode deles extravasar, não podendo a sentença pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida - o objecto da sentença coincide, assim, com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido (José Lebre de Freitas, ob. e loc. cits., p. 648). "Trata-se de um mero corolário do princípio dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contencioso, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes" (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 675). Por respeito ao princípio dispositivo, a decisão tem de conter-se, em substância e quantidade, dentro do pedido formulado (Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", vol. III, p. 231). Face ao exposto, deve resultar evidente para todos que na decisão recorrida não se violaram tais regras. E isto porque acabou por se apreciar e decidir o que foi pedido pelos interessados/apelantes nos incidentes que suscitaram. Assim, na mesma decisão fez-se constar o seguinte: “Perante as condutas apuradas, poderá cogitar-se a aplicação da alínea a) à criação de uma conta bancária titulada pela cabeça de casal para a colocação de fundos hereditários. Todavia, essa criação foi comunicada aos herdeiros, não se vislumbrando dolo na sua actuação, nem uma vontade de por esse modo obter qualquer benefício próprio, não sendo também claro o prejuízo para o património hereditário.” Em suma, ao decidir como decidiu e independentemente do acerto ou não de tal decisão, não deixou o Tribunal “a quo” de apreciar o pedido formulado pelos interessados ora apelantes. Por isso, também aqui não padece a decisão recorrida do vício que agora lhe vem apontado. Quanto à aplicação do efeito cominatório previsto no art.º 567º, nº1 do CPC, o que importa dizer é o seguinte: É consabido que estando no âmbito de processo especial de inventário, ao mesmo são aplicáveis, por força do disposto no art.º 549º, nº1 do CPC, as disposições que lhe são próprias e as disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo comum. Daí que, constituindo a remoção do cargo de cabeça de casal um incidente, lhe devam ser aplicáveis as regras gerais e comuns próprias dos incidentes, constantes dos artigos 292º a 294º. Rege do seguinte modo o art.º 293º, nº3: “a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”. Assim, não se prevendo nas normas próprias do inventário, em que o incidente se inscreve, qualquer efeito cominatório para a falta de contestação, há que aplicar no seu âmbito e como manda o citado artigo 549º, nº1, as regras próprias do processo ordinário. Estamos pois perante a disciplina dos artigos 567º, nº1 e 574º, nº2, pelo que, caso nada tenha sido dito pelo cabeça-de-casal quanto ao pedido de remoção do cargo, teria em princípio que se concluir pela confissão dos factos alegados pelos interessados que requereram tal incidente, mais concretamente pelo interessado AA no incidente que deduziu. No entanto, no caso concreto não pode ser este o procedimento a adoptar. Isto porque mesmo admitindo que a cabeça de casal não tenha respondido ao incidente suscitado pelo mesmo interessado, a verdade é que não deixou de responder aos factos alegados pela interessada CC os quais como se pode verificar, são praticamente os mesmos que alegou o interessado AA. E a ser deste modo, resulta clara a incongruência da pretensão recursiva dos interessados ora apelantes em ver considerados confessados os factos alegados no incidente por este último interessado. Nestes termos, também aqui não merece provimento o presente recurso. Quanto à impugnação da decisão de facto, o que cabe fazer notar é o seguinte: Está visto que se questiona a decisão proferida no que toca aos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos provados. Verifica-se, também, que se impugna o que ficou decidido relativamente aos pontos A, B e C dos factos não provados. Vejamos, pois do fundamento de tal pretensão. Em relação ao ponto 1 dos factos provados merece provimento a pretensão recursiva dos apelantes. E isto porque da prova produzida nos autos o que resulta, sem dúvidas, é que a requerida BB, tendo sido investida para exercer as funções de casal em 27 de Abril, já exercia de facto tais funções desde Outubro de 2017 (cf., entre o mais o depoimento prestado pela testemunha FF). Cumpre no entanto dizer que a alteração a que se procederá na resposta a dar a tal matéria, não coincidirá totalmente com aquela que sugerem os apelantes. Assim, consideramos que a nova redacção de tal ponto de facto deve passar a ser a seguinte: “1. A requerida BB foi investida para exercer as funções de cabeça de casal em 27 de Abril de 2020, mas já exercia tais funções, de facto, desde Outubro de 2017.” E o mesmo ocorre quanto ao ponto 2 dos factos provados. Tudo isto tendo em conta o que decorre das declarações de parte prestadas pela cabeça de casal e aqui apelada, cuja gravação também se ouviu. Nestes termos passar a ser a seguinte a redacção do mesmo ponto de facto: “2. No exercício das suas funções e apesar de já existir uma conta da herança no Banco 2..., a cabeça de casal abriu uma conta na Banco 1... com o nº ...30 em seu nome pessoal, sendo cobradas à herança as despesas de manutenção desta última conta.” Em relação ao ponto 3 dos factos provados, o nosso entendimento é o seguinte: Da prova produzida (documental e testemunhal), resultou confirmado que a cabeça de casal fez nessa conta aberta na Banco 1... uma aplicação a prazo de 10 mil euros. Ficou igualmente provado que na supra identificada conta do Banco 2... e para evitar a cobrança de despesas de manutenção da mesma, a cabeça de casal deixou à ordem a quantia de 50 mil euros. O que ficou por provar com suficiente certeza foi a alegação dos interessados aqui apelantes de que não foi dada conta aos herdeiros quanto à natureza de tal aplicação nem quanto ao prazo da mesma. Isto porque para além de uma referência episódica da cabeça de casal nas suas declarações de parte nenhuma outra prova foi feita que corroborasse tal alegação. E a ser assim, não vemos fundamento para neste ponto acolher a pretensão dos interessados agora apelantes de ver alterada a redacção dada ao mesmo na decisão recorrida. Quanto ao ponto 4 dos factos provados, também não se provou que foi a cabeça de casal que sugeriu à Clínica Dentária ..., inquilina da herança, que procedesse à transferência das rendas para a sua conta pessoal na Banco 1... e não para a conta da herança no Banco 2.... Tudo porque, contrariamente ao que defendem os apelantes neste seu recurso, não foi produzida prova cabal e suficiente que confirmasse tal versão dos factos, ficando pois a dúvida quanto à razão pela qual, tais montantes foram transferidos para a identificada conta na Banco 1.... Sendo assim, também aqui não vemos razões para proceder a qualquer alteração à redacção do mesmo ponto de facto. Em relação aos pontos A) e B) dos factos não provados já todos vimos qual foi a razão pela qual se optou por uma resposta negativa, a saber a “ausência de prova idónea à sua comprovação”. Vejamos, pois se assim é. Em relação ao ponto A) os apelantes justificam a sua pretensão no que resultou das declarações de parte da cabeça de casal e do apelante AA. Perante tal alegação e como nos era imposto, procedemos à audição das gravações onde ficaram registadas tais declarações de parte. Como não podia deixar de ser procedemos também à análise da restante prova produzida da qual se destacam a correspondência trocada entre a cabeça de casal e a sociedade A... Unipessoal Ld.ª (cf. as cartas datadas respectivamente de 11.12.2019, a que corresponde o registo ... e as cartas datadas de 9.01.2020 com registo ... e de 11.02.2020 com registo ...). Ora sendo verdade que o apelante AA nas suas declarações de parte vinca a ideia de que logo no início de 2020 a referida sociedade quis entregar à cabeça de casal os prédios rústicos da herança identificados em 5., porque não iria retirar quaisquer rendimentos dos trabalhos antes realizados, o certo é que tal versão dos factos não foi de todo confirmada nem pelas declarações prestadas pela cabeça de casal nem pelo teor das cartas antes melhor referidas. Assim nas declarações de parte que prestou a cabeça de casal defendeu a ideia de que a sociedade em questão mudou a posição inicialmente manifestada na carta datada de 11.12.2019 e que era a de entregar os prédios à cabeça de casal. E isto porque nas cartas emitidas posteriormente, em 9.01.2020 e 11.02.2020, faz transparecer a sua vontade de fazer a manutenção das vinhas e a intenção de recolher os respectivos frutos, aludindo expressamente ao seu direito de se ressarcida das benfeitorias realizadas nos identificados prédios até ao fim do prazo do contrato de comodato (27.04.2020). Perante tal alegação verificamos que o conteúdo da correspondência trocada entre a cabeça de casal e a referida sociedade não é de todo coincidente no que toca à vontade desta última de entregar os prédios em apreço à cabeça de casal. Por isso, impõe-se concluir que não existem nos autos elementos de prova suficientes para dará como provada a matéria inscrita no supra identificado ponto A). Agora quanto ao ponto B): Segundo os interessados ora apelantes a apontada resposta afirmativa a tal facto resulta dos seguintes meios de prova: das declarações de parte da cabeça de casal, do depoimento prestado pelas testemunhas GG e FF e do que resulta do documento nº6 junto com o incidente de remoção. Perante tal alegação, salientamos desde já que a propósito do valor probatório das declarações de parte, sufragamos o entendimento segundo o qual as mesmas, para terem relevo, necessitam de estar acompanhadas de outros meios de prova. De qualquer forma, da audição da gravação onde ficaram registadas as declarações de parte prestadas a este propósito pela cabeça de casal, não retiramos elementos que permitam concluir no sentido indicado pelos apelantes, ou seja, a confissão daquela de que não efectuou qualquer trabalho na vinha durante o ano de 2020. E isto porque a mesma justifica o seu comportamento durante o ano de 2020 com a atitude “dúbia” da sociedade A... Unipessoal Lda. e com a questão relativa à alteração da titularidade da exploração das quintas junto do IVPD e ao recebimento das cartas do benefício. Por outro lado a resposta afirmativa a tal matéria de facto também não resulta com suficiente certeza e rigor dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas antes melhor identificadas, já que as mesmas não confirmaram a tese dos apelantes segundo a qual as vinhas estavam à data votadas ao abandono. Finalmente e no que toca ao conteúdo do documento a que antes se alude, do mesmo e por respeitar à prestação de contas, também não se pode retirar, como querem os interessados/apelantes, que “a cabeça de casal deixou as vinhas ao abandono até ao final do ano de 2020, comprometendo toda a colheira desse ano e causando à herança de pelo menos 40 mil euros.” Improcede assim quanto a estes pontos de facto o recurso aqui interposto. Por fim e no que toca ao ponto C) impõe-se dizer o seguinte: Mesmo não tendo sido impugnada a decisão proferida relativamente a tal ponto a verdade é que face à alteração agora decidida relativamente ao ponto 1 dos factos provados, a manutenção de tal factualidade nos factos não provados se revela manifestamente contraditória. Por isso elimina-se tal matéria dos factos não provados. Em suma, procede parcialmente e nos termos sobreditos, o recurso da decisão de facto interposto pelos apelantes AA e CC. Cabe agora apurar se tal alteração justifica ou não a procedência do incidente de remoção de cabeça de casal suscitado nos autos. É consabido que de acordo com a legislação aplicável (O Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março), nos termos do seu art.º 22º, nº3, a remoção de cabeça casal constitui um incidente do processo de inventário, sendo, no âmbito substantivo, aplicável o artigo 2086º do Código Civil, agora com a alteração do art.º 3º da supra citada Lei nº 23/2013. São assim, causas de remoção de cabeça de casal (cf. art.º 2086º do C.C.), a ocultação dolosa da “existência de bens pertencentes à herança, ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes” [nº1, al. a)]; a não administração do “património hereditário com prudência e zelo” [nº1, al. b)]; se não cumprir “no inventário os deveres que a lei lhe impuser” [nº1, al. c)]; “revelar incompetência para o exercício do cargo” [nº 1, al. d)]. Recorde-se que tais causas de remoção foram já divididas em seis grandes grupos: “sonegação e declarações dolosamente inexactas”; “má administração do património hereditário”; “falta de cumprimento dos deveres processuais”; “revelação de incompetência para o exercício do cargo”; “falta de idoneidade física ou moral”; “falta de distribuição dos rendimentos pelos interessados” (neste sentido cf. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. III, 4ª ed., a págs. 15 e seguintes). Como antes já vimos, na decisão recorrida entendeu o Tribunal “a quo” que não estavam preenchidos os pressupostos previstos nestas quatro alíneas do nº1 do art.º 2086º do Código Civil, julgando por isso improcedente o incidente deduzido. Apesar da alteração a que procedemos na decisão de facto, continuam a não estar verificados tais pressupostos. Assim e citando o Acórdão desta Relação do Porto de 07-10.2021, proferido no processo 1450/12.5TJPRT-J.P1, relatado pelo Desembargador Filipe Carroço e publicado em www.dgsi.pt: “Por serem graves as consequências da remoção e a afectação do prestígio e do bom nome daquele que é removido das funções, a pena só terá aplicação quando a falta cometida revista gravidade e, raras vezes, resultará em consequência da involuntária omissão ou demora no cumprimento dos deveres. A lei exemplifica os casos em que a pena de remoção pode ser imposta e na apreciação deles e na interpretação dos fundamentos legais, ainda fica margem para um grande arbítrio do julgador. Como se refere também no citado acórdão da Relação de Lisboa, “o prejuízo causado à herança ou a potencialidade desse prejuízo são factores primaciais a atender na aplicação da referida pena”. […] A remoção do cabeça-de-casal depende, assim, da alegação e prova de qualquer das situações elencadas no art.º 2086º do Código Civil. Por se tratar de um incidente no processo de inventário, é-lhe aplicável o conjunto de normas previstas nos art.ºs 292º e segs. do Código de Processo Civil (cf. art.º 1103º, nº 2, do actual Código de Processo Civil e art.º 1334º do Código de Processo Civil de 1962, então com referência os art.ºs 302º a 304º do mesmo código), sendo o ónus da prova do requerente da remoção.” Sopesando tais orientações de acordo com os elementos de facto que nos autos relevam, o que se deve concluir é o seguinte: A criação da conta bancária melhor identificada em 2 dos factos provados não traduz uma actuação dolosa da cabeça de casal tendente a ocultar da herança os montantes ali depositados. Por outro lado a actuação referida nos pontos 2 e 3 também não traduz a vontade de com tal procedimento obter algum benefício próprio nem a de causar ao património hereditário qualquer prejuízo considerável. Em relação à forma como desde Outubro de 2017 foi gerindo, primeiro de facto e depois de direito, o património hereditário, também esta não traduz qualquer comportamento que no momento possa e deva ser subsumido nas supra citadas alíneas b) e d) do nº1 do art.º 2086º do Código Civil. Estamos pois perante um comportamento da cabeça de casal que pode ser quando muito ser classificado de descuidado ou de pouco diligente e que a mesma deve no futuro corrigir, mas nunca em face de uma actuação que possa levar à sua remoção do cargo. Sendo assim bem decidiu o Tribunal “a quo” quando julgou improcedente o incidente de remoção de cabeça de casal aqui suscitado. Mais, não relevando para tal efeito a operada alteração da decisão da matéria de facto, só resta negar provimento ao recurso aqui interposto, confirmado sem mais o que foi decidido.* Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC): ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… *III. Decisão: Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão proferida. *Custas a cargo dos interessados ora apelantes (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC). *Notifique. Porto, 1 de Junho de 2023 Carlos Portela António Paulo Vasconcelos Judite Pires