Processo:146/05.9GCVIS.C1
Data do Acordão: 05/12/2006Relator: ATAÍDE DAS NEVESTribunal:trc
Decisão: Meio processual:

I- Em audiência com arguido estrangeiro, que determine a assistência de intérprete, a lei não exige tradução simultânea dos depoimentos das testemunhas. A transmissão destes depoimentos através de súmula garante um processo equitativo e preserva os direitos de defesa dos arguidos, consagrados na constituição. II- O reconhecimento do arguido efectuado em audiência não está sujeito aos requisitos exigidos pelo art.º 147º do C. P. Penal que apenas se aplica à prova por reconhecimento em inquérito ou instrução. III- Só se pode considerar o crime continuado quando, praticado o primeiro crime, ficarem criadas condições que favoreçam e facilitem a repetição das condutas posteriores. IV- Não há um princípio de idêntica punição de lesões de bens jurídicos do mesmo valor, na ordem axiológica constitucional.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ATAÍDE DAS NEVES
Descritores
INTÉRPRETE TRADUÇÃO PROVA DE RECONHECIMENTO CRIME CONTINUADO PUNIÇÃO CRIMINOSA
No do documento
Data do Acordão
12/06/2006
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO CRIMINAL
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
I- Em audiência com arguido estrangeiro, que determine a assistência de intérprete, a lei não exige tradução simultânea dos depoimentos das testemunhas. A transmissão destes depoimentos através de súmula garante um processo equitativo e preserva os direitos de defesa dos arguidos, consagrados na constituição. II- O reconhecimento do arguido efectuado em audiência não está sujeito aos requisitos exigidos pelo art.º 147º do C. P. Penal que apenas se aplica à prova por reconhecimento em inquérito ou instrução. III- Só se pode considerar o crime continuado quando, praticado o primeiro crime, ficarem criadas condições que favoreçam e facilitem a repetição das condutas posteriores. IV- Não há um princípio de idêntica punição de lesões de bens jurídicos do mesmo valor, na ordem axiológica constitucional.
Decisão integral
Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo comum colectivo nº X... do 2º Juízo Criminal de Viseu, após audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que condenou os arguidos A... e B... nas seguintes penas:

a) pela prática, sob a forma consumada e em co-autoria material, de um crime de furto qualificado (assalto na Matrinfra), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s 202º, al. b), d) e e), 203.°, n.°1 e 204.°, nº2, al.s a) e e), todos do Código Penal, na pena individual de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) pela prática, sob a forma consumada, em co-autoria material e concurso efectivo com aquele, de um crime de furto qualificado (assalto no Centro Social de Tourigo), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s 202º, al.s d) e e), 203.°, n.°1 e 204.°, nº2, al.e), todos do Código Penal, na pena individual de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) o arguido A... pela prática, sob a forma consumada, em autoria material e concurso efectivo com aqueles, de um crime de detenção de munição proibida, p. e p. pelo art.275º, nº4, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares foram os arguidos A... e B... condenados na pena única individual de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, acrescida para o primeiro da pena pecuniária aplicada ( Foi também julgada a arguida C..., pela prática, sob a forma consumada e autoria material, de um crime de receptação p. e p. pelo art.231º, nº2, do C. Penal e condenada na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros.).

Inconformados com alguns despachos proferidos no decurso da audiência e com a decisão final, os arguidos interpuseram recurso.


Os recursos foram admitidos.
Para fundamentar o recurso dos despachos de 16/06/06, 28/06/06 e 3/07/06 ( confº fls. 1087 e 1197) os arguidos apresentam as seguintes conclusões:
1.- Errou o tribunal ao ordenar o afastamento dos arguidos da sala de audiência, tendo como fundamento um vago e abstracto temor aludido pela testemunha D..., sem prova de qualquer indício concreto que tal pudesse justificar.
2.- Impedindo assim os arguidos de assistir à audiência como é seu direito e deixando criar artificialmente um clima de temor falso, em todo o caso injustificado e prejudicial à imagem dos arguidos e ao seu direito inalienável a ver, na prática, -respeitado o princípio da presunção da inocência.
3.- Quando se comprovou que o longo tempo de depoimento da testemunha consentido pelo tribunal, não mais passou - pelo vazio que demonstrou - do que pretexto capaz de justificar uma decisão de afastamento da sala dos arguidos, sem qualquer fundamento válido e processualmente admissível.
4.- Da mesma forma errou o tribunal ao proceder ilegalmente à inquirição prévia da testemunha J... indicada quanto aos factos pela acusação e também pela defesa.
5.- Logo após a sua identificação e durante mais de 11 minutos, sobre factos da acusação, assaltos, circunstâncias e relações, números de telefone, pessoas, comportamentos, procedimentos, justificações e até reconhecimentos fotográficos, chamando a testemunha junto da bancada a consultar fotografias dos autos.
6.- Num inqualificável comportamento que processualmente se traduz por flagrante atentado aos mais elementares princípios e direitos da defesa (e até prerrogativas estatutárias inerentes ao M.P).
7.- Numa actuação que se traduziu também, objectivamente pela indevida limitação do campo de actuação da defesa e do próprio, pleno e digno exercício do patrocínio forense.
8.- Finalmente errou o tribunal ao decidir que o depoimento das testemunhas da acusação e da defesa seria transmitido aos arguidos, através da intérprete, com o gravador desligado, após o depoimento completamente prestado e por súmula, através do Juiz-Presidente.
9.- Impedindo assim os arguidos de acesso imediato e oral à totalidade dos depoimentos testemunhais, de intervenção no próprio acto, chamando, por exemplo o advogado a colocar questões ou a requerer acareações no decurso do próprio acto do depoimento.
10.- Impedindo a defesa e o Estado de Direito de sindicar o próprio trabalho do perito-intérprete, o qual, nas circunstâncias relatadas e com o gravador desligado, bem poderia transmitir o que bem lhe apetecesse, sem a menor possibilidade de quem quer que fosse: arguidos, defesa, M.P. ou qualquer outro cidadão.
- Feriram desse modo os despachos em crise os arts. 61° n° 1, al. a); 92° nos. 2 e 4; 97° n° 4; 119° al. c); 120° n° 2, al. d); 123°; 124° n° 1; 125° a contrario sensu; 131° n° 1; 132°; 138° n° 2; 139°; 166°; 332° n° 1; 343° n° 2; 348°nos. 3,4 e 5; 352° n° 1, al. a); arts. 16° n° 2; 18° n° 1; 20° n° 4 infine; 22°; 32° nos. 1,2, 5 e 6; 204°; 205° n° 1 e 208° da Constituição da República Portuguesa; e arts. 4° n° 2; 5° n° 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

O Ministério Público respondeu ( fls.1233) defendendo que os despachos postos em crise não padecem de qualquer ilegalidade, compaginando-se com os preceitos constitucionais sobre as garantias de defesa dos arguidos.

Sobre o mérito da decisão condenatória, nas conclusões do recurso, os arguidos formulam as seguintes conclusões:

1.-  Sofre o acórdão em crise dos vícios de direito e de facto explicitados na motivação oferecida e para a qual se remete - expressamente - em cada ponto destas conclusões, a saber
2.- O tribunal produziu a afirmação equívoca de que não ocorreram "questões prévias ou nulidades desde o despacho que saneou o processo", o que não corresponde à verdade.
3.- Visto que, em sede de contestação foi arguida a nulidade e inconstitucionalidade do julgamento a vir, pelos motivos que lá constam;
4.- E em sede de recursos interlocutórios foram sindicados os inúmeros despachos que indeferiram as irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades sistematicamente arguidas em acta pela defesa no decurso da própria audiência de julgamento.
5.- Devendo a sentença ser corrigida quanto a essa questão equívoca.
6.- O julgamento deve também ser considerado nulo porque o tribunal deu início ao mesmo sem proceder previamente à conexão processual devida destes autos aos do processo -"mãe" n°1976/03. 1JAPRT a correr termos pela 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, com datas prévia e concertadamente agendadas com a defesa para os dias 11.07.06 e 12.07.06 e cuja ligação umbilical a estes autos era essencial para a descoberta da verdade, como para assegurar direitos fundamentais em especial ao arguido B...;
7.- Bem como para evitar morosidades e repetição de factos e de meios de prova e ainda desperdícios de tempo, meios logísticos e dinheiro ao erário público.
8.- O julgamento deve por tais motivos ser considerado nulo porque realizado em flagrante atentado aos Princípios da equidade, celeridade e prioridade expressamente consagrados no art. 20° n° 5 da Constituição da República Portuguesa.
9.- Da mesma forma que foi ferido o Princípio da Presunção da Inocência ao verem-se os arguidos não favorecidos pela constatação da dúvida imanente do próprio texto da sentença, pela matéria de facto dada como provada e não provada conjugada com os erros notórios e contradições visíveis na fundamentação da mesma;
10.- Dúvida imanente plasmada na evidente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e que os deveria ter levado à absolvição.
11.- O Acórdão padece ainda do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, atenta a vacuidade e falta de rigor dos elementos que se esforçou por conjugar, até chegar à decisão final condenatória.
12.- Remetendo a defesa, por motivos de brevidade e expressamente para os diversos pontos concretos na motivação deste recurso.
13.- Errou também o Acórdão por ausência de real exame crítico da prova, confundindo esta obrigação imperativa com a simples e prolixa enumeração aleatória de factos, circunstancias e coincidências que serviram como pretexto para a construção de presunções e pré-convicções e não assentes em prova bastante e sólida efectivamente produzida em audiência.
14.- Da mesma forma que errou na natureza que emprestou ao cometimento dos crimes de furto e na medida da pena. Em primeiro lugar não beneficiando os arguidos com a figura do crime continuado nos dois furtos, sendo certo que da própria fundamentação resultam os elementos factuais e de direito estruturantes dessa figura que nem sequer foi aflorada.
15.- E ainda errou na aplicação das penas por tratamento desigual e gritante dos dois arguidos recorrentes, impondo-lhes uma pesadíssima pena de prisão
16.- Ao mesmo tempo que foi de uma benevolência incompreensível para com a co-arguida C...que fez o que bem lhe apeteceu, ausentando-se sem autorização no decurso da audiência e recusando-se posteriormente a vir a Juízo.
17.- E também errou pelo exagero na medida cumulada das penas aplicadas, não dando sequer a oportunidade aos arguidos de verem as suas penas suspensas nas sua execução, em especial tendo em conta as novas perspectivas e fundadas expectativas criadas pelo projecto de revisão do Código Processo Penal actualmente em liça.
18.- Devendo por tais motivos ser o julgamento anulado; ou sem prescindir, ser a pena de prisão fortemente diminuída aos arguidos e suspensa na sua execução.
19.- Também andou mal o tribunal ao admitir como válida a prova de reconhecimentos por testemunhas em audiência sabendo que não consta dos autos a elaboração em sede própria de autos de reconhecimentos formais.
20.-  Sendo que, em tais condições tais reconhecimentos mais não são do que prova induzida, ilegal e, como tal rigorosamente ineficaz como meio de prova.
21.- Finalmente errou o tribunal quanto à apreciação da matéria de facto em especial no que respeita à análise dos carimbos do passaporte do arguido B....
22.- Dos quais resulta deforma inequívoca que em 3 de Janeiro de 2005 o mesmo se encontrava em território albanês e não em Portugal. Devendo desse modo e nesse ponto crucial ser anulado o julgamento e o mesmo repetido.
 23.- Feriu desse modo o Acórdão os arts. 24°; 97°n° 4; 120° n° 2, al. d); 125° a contrario sensu; 147° n° 4; 374° n° 2 infine,. 379° n° 1, als. a) e c); 380° n° 1, al. b); 410° n° 2, als. a) e c); 412° do CPP; arts. 13° n° 1; 20° n° 4 infine e n° 5; 32° n° 2; 204° e 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa; arts. 30° n° 2; 70° e 71 ° do C. Penal.

Todas estas questões mereceram resposta do Ministério Público ( fls. 1321) que pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Igual posição assumiu nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

Considerando a ordem cronológica das motivações dos recursos e a sua inserção sistemática no processo penal, temos para analisar as seguintes questões:
1.- Conexão processual do inquérito e suas implicações na garantia dos direitos de defesa;
2.- O afastamento dos arguidos da sala de audiência;
3.- A alteração da ordem das instâncias;
4.- Falta de cumprimento de formalidades na transmissão aos arguidos dos depoimentos das testemunhas; 
5.- Nulidade dos depoimentos que se reportam a reconhecimentos;
6.- Correcção da sentença;
7.- Nulidade da sentença
8.- Vícios da sentença;
9.- Crime continuado;
10.- Medida da pena.
11.- Violação do princípio da igualdade.
É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto:

No dia 20 de Fevereiro de 2005, entre as 02H38 e as 02H53, os arguidos A... e B..., acompanhados de pelo menos dois outros indivíduos de identidade desconhecida, em execução de um plano por todos previamente traçado, fazendo-se transportar em veículo(s) de características não apuradas, munidos de um machado (cujo cabo, em madeira, tem 60 cm de comprimento e cuja lâmina mede aproximadamente 11,5 cm de comprimento, apreendido e examinado a fls.209) e ainda de outros utensílios e ferramentas de corte, dirigiram-se às instalações da sociedade “MATINFRA - Materiais de Construção, Lda, sitas na Recta da Ribeira, em Bodiosa, Travanca da Bodiosa, área da comarca de Viseu, onde se encontrava instalada uma caixa automática Multibanco (ATM), acessível ao público pelo exterior da parte frontal daquele edifício.
Aí chegados e conforme combinado, actuando sempre concertadamente em comunhão de esforços e intentos:
- abeiraram-se de uma caixa da PT localizada no solo do espaço envolvente daquelas instalações, abriram a respectiva tampa (de cimento) e cortaram os cabos que se encontravam no interior da mesma, impedindo desse modo qualquer comunicação telefónica com a MATINFRA naquele local, designadamente da referida caixa ATM à SIBS; 
- destruíram a caixa de alarme localizada na parte frontal exterior do edifício da MATINFRA; e
– contornadas as instalações, cortaram a rede metálica de vedação destinada a impedir o acesso ao armazém e respectivo anexo exterior situados nas traseiras da sala de exposições de materiais de construção e do escritório da MATINFRA, abrindo desse modo um buraco na referida rede com as dimensões aproximadas de 50x60 cm, após o que por ali se introduziram no aludido armazém e respectivo anexo.
De seguida, manobraram um veículo empilhador que ali se encontrava e, utilizando o respectivo elevador, acederam desse modo a uma janela das traseiras daquelas instalações ali localizada, a não menos de três metros do solo, no andar superior.
Acto contínuo, agindo sempre em comunhão de esforços e de intentos, partiram o vidro da referida janela e abriram a mesma, depois de terem acedido ao dispositivo interior que a mantinha fechada.
De imediato, os dois arguidos e seus acompanhantes entraram pela aludida janela no edifício da sala de exposições e do escritório da MATINFRA e, uma vez no interior da edificação, dirigiram-se à aludida máquina ATM (Multibanco) pertencente ao Banco Santander Totta, S.A. e instalada no salão de exposições.
Então, os dois arguidos e seus acompanhantes, agindo sempre em conjugação de esforços e animados pelo mesmo propósito, rebentaram a porta localizada na parte traseira da máquina ATM, utilizando para o efeito as ferramentas de corte e o machado com que se encontravam munidos, logrando desse modo abri-la, após o que retiraram do interior da referida máquina Multibanco todo o dinheiro que ali se encontrava, no total de €36.090 (trinta e seis mil e noventa euros), quantia essa pertencente ao Banco Santander Totta, S.A..
Das instalações da MATINFRA, os dois arguidos e seus acompanhantes retiraram também a quantia de €270 (duzentos e setenta euros), em notas, pertencente a esta sociedade e que se encontravam nas gavetas das secretárias dos funcionários, bem como um telemóvel de marca Nokia, modelo 3100, de valor não concretamente apurado, com o IMEI 355043000212937 e com cartão nº914999103, também propriedade daquela sociedade.
De seguida, os dois arguidos e seus acompanhantes abandonaram o local, levando com eles o telemóvel e as quantias em dinheiro supra referidas que posteriormente dividiram por todos e gastaram em proveito próprio.
Apenas foi recuperado o telemóvel.
Os arguidos A... e B... e seus acompanhantes actuaram com o propósito concretizado de fazer seus no modo sobredito o montante em dinheiro e o telemóvel por eles subtraídos, integrando-os no seu património, apesar de bem saberem que não lhes pertenciam e que, ao apoderarem-se dos mesmos e ao entrarem naquelas instalações nas circunstâncias descritas, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos proprietários.
Os mesmos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, de comum e prévio acordo e em comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Dois dias depois, na madrugada de 22 de Fevereiro de 2005, entre as 02H30 e as 03H00, os arguidos A... e B..., acompanhados de pelo menos três outros indivíduos de identidade desconhecida, em execução de um plano por eles previamente traçado e fazendo-se transportar designadamente no veículo ligeiro de marca Lancia, modelo Thema, com a matrícula UH-53-60 e de cor cinzenta, propriedade do arguido A..., dirigiram-se às instalações do Centro Social de Tourigo, Tondela, área da comarca de Viseu, onde se encontra instalada uma caixa automática Multibanco (ATM), acessível ao público pelo exterior da parte frontal daquele edifício.
Aí chegados e conforme haviam combinado, actuando sempre concertadamente em comunhão de esforços e intentos, utilizando para o efeito os utensílios e ferramentas de corte de que se haviam munido, arrancaram a grade de protecção de uma janela das traseiras do edifício, após o que forçaram o dispositivo que a mantinha fechada, rompendo-o e abrindo desse modo a referida janela localizada a não menos de metro e meio do solo.
Acto contínuo, os dois arguidos e seus acompanhantes treparam pela parede e introduziram-se por aquela janela no interior do edifício, cujas dependências percorreram, forçando uma das portas interiores e rompendo a respectiva fechadura, até acederem ao compartimento onde se encontrava instalada a aludida máquina Multibanco (ATM) pertencente à então denominada Caixa de Crédito Agrícola de Mortágua.
Entretanto, um deles cortou os cabos de ligação telefónica ao edifício, impedindo desse modo qualquer comunicação da referida máquina ATM à SIBS.
Uma vez naquele compartimento, os arguidos A... e B... e seus acompanhantes, agindo sempre em conjugação de esforços e animados pelo mesmo propósito, serraram os eixos das dobradiças da porta localizada na parte traseira da máquina ATM, utilizando as ferramentas de corte de que se haviam previamente munido para aquele efeito, logrando desse modo abri-la, após o que retiraram do interior da referida máquina Multibanco todo o dinheiro que ali se encontrava, no total de €2.310 (dois mil e trezentos e dez euros), em notas, quantia essa pertencente à então denominada Caixa de Crédito Agrícola de Mortágua.
De seguida, os dois arguidos e seus acompanhantes abandonaram o local, levando com eles a quantia em dinheiro que haviam retirado da máquina ATM ali instalada, quantia essa que posteriormente dividiram por todos e gastaram em proveito próprio.
O dinheiro não foi recuperado. 
Com a referida conduta provocaram ainda estragos nas instalações do Centro Social, no valor não inferior a €40,00, e na máquina ATM, no valor de cerca de €14.758,33, IVA incluído.
Os arguidos A... e B... e seus acompanhantes actuaram com o propósito concretizado de fazer seu o dinheiro que retiraram da caixa ATM instalada naquele Centro Social, integrando-o no seu património, apesar de bem saberem que não lhes pertencia e que, ao apoderarem-se de tal quantia e ao entrarem naquelas instalações nas circunstâncias descritas, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos proprietários.
Os mesmos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, de comum e prévio acordo e em comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Da receptação
Em data não concretamente apurada do período compreendido entre os dias 20 de Fevereiro de 2005 e 25 de Março do mesmo ano, na localidade de  Árvore, Mindelo, o arguido A... deu o telemóvel de marca Nokia, modelo 3100, com o IMEI 355043000212937, em bom estado de funcionamento e com o valor não concretamente apurado – o qual havia sido retirado das instalações da Matinfra nas circunstâncias já relatadas – à arguida C..., que o aceitou e conservou em seu poder, passando a utilizá-lo como se fosse seu.
 Naquela ocasião, a arguida C..., então companheira do arguido A... e com o qual vivia como se marido e mulher se tratasse, não desconhecia que o mesmo se dedicava a actividades ilícitas designadamente à prática de furtos.
Ao aceitar, conservar e utilizar aquele telemóvel, em razão da conjugação da forma gratuita dessa aquisição, o género de objecto em causa e o modo de vida de quem lhe ofereceu o aparelho, a arguida C...admitiu que esse telemóvel tinha sido retirado a seu dono, contra a vontade deste, mas conformando-se com essa possibilidade, por a mesma lhe ser indiferente, adquiriu-o como sobredito, por lhe ser oferecido, agindo com o intuito de obter para si vantagem patrimonial equivalente ao valor do telemóvel.
Em toda a relatada actuação a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente que a mesma era proibida e punida por lei
Em 23 de Junho de 2005, o aludido telemóvel foi apreendido na residência da arguida C..., sita na Rua 15 de Novembro, nº190, no Porto.
*
Da detenção ilegal de munição 
No dia 23 de Junho de 2005, o arguido A... detinha na sua residência, sita na Rua Nova, nº273, em Areia, Árvore, Vila do Conde, uma munição 9mm parabellum, com a inscrição “FNM-72”, em bom estado de conservação (apreendida a fls.189 a 191 e examinada a fls.285-286) destinada a ser disparada por arma de fogo designadamente pistola de igual calibre. 
O arguido A... não se encontrava legalmente autorizado a utilizar quaisquer armas de fogo, designadamente daquele calibre. 
O mesmo arguido conhecia as características da referida munição e das armas adequadas a dispará-la, bem sabendo que não podia detê-la fora das condições legalmente prescritas e que não desconhecia.
Actuou este arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
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Casado com Joaquina Fátima Freitas, o arguido A... vive em Portugal, com carácter permanente, desde o ano de 1997.
À data dos factos era toxicodependente.
Tem um filho com um ano de idade que vive com a tia materna.
Ainda no ano de 2005, o arguido A... viveu com Q... e a arguida C..., suas companheiras.
À data da sua detenção e desde meados do ano de 2003 que se encontra desempregado. 
Tem o equivalente ao 12º ano de escolaridade com formação no ramo da electrotécnica.
Tem uma condenação conhecida, a saber :
- no PCC nº340/04.0PIPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto (1ª Sec.), por acórdão de  20.10.2005, transitado em julgado em 4.11.2005, por factos reportados a 17.03.2004, tendo sido condenado pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.204º, do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
O arguido B... tem curso superior de veterinária.
À data dos factos encontrava-se desempregado.
Não tem antecedentes criminais conhecidos.
A arguida C..., desempregada há mais de um ano, vive em casa arrendada dos pais.
Tem uma filha menor.
À data dos factos era toxicodependente e vivia da prostituição.
Tem uma condenação conhecida, a saber :
- no PCS nº418/98, do 2º Jz Criminal de Matosinhos, por sentença de 26.06.2000, transitada em julgado em 29.06.2001, por factos reportados a 26.06.98, tendo sido condenado pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo art.203º, nº1, do C. Penal, em pena de multa entretanto perdoada.
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Da matéria de facto não provada
De resto não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa nomeadamente aqueles que estejam em contradição com os provados e bem assim que :
nas circunstâncias referidas em 2º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem se abeirou da caixa da PT, abriu a tampa e cortou os cabos de ligação telefónica;
nas circunstâncias referidas em 2º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem destruíu a caixa de alarme localizada na parte frontal exterior do edifício da MATINFRA
nas circunstâncias referidas em 2º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem cortou a rede metálica;
nas circunstâncias referidas em 3º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem manobrou o empilhador;
 nas circunstâncias referidas em 4º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem partiu o vidro da janela;
nas circunstâncias referidas em 13º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem arrancou a grade de protecção, forçou e rompeu o fecho da janela, abrindo-a depois;
o Centro Social de Tourigo, Tondela, tivesse dispositivo de alarme;
a arguida C... sabia que o telemóvel que lhe foi dado pelo arguido A... provinha de facto ilícito típico contra o património (furto, neste caso);
 
Motivação da decisão de facto:

Quanto às condições de vida passada e presente dos arguidos o tribunal formou convicção nas declarações conjugadas dos próprios, esclarecendo-se que embora o arguido B... referisse ter duas filhas menores, a viver na Albânia, não ofereceu, podendo fazê-lo, qualquer outro elemento de prova que o corroborasse de modo a suscitar sequer uma dúvida razoável e fundada a esse respeito.
Sobre os factos imputados aos arguidos cumpre referir que, após a respectiva identificação, a arguida  C... se afastou injustificadamente do tribunal, acabando o julgamento por decorrer na sua ausência.
Já o arguido A... falou abertamente sobre os factos, confessando-os parcialmente.
Assim, confessou sem reservas que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas detinha, sem estar autorizado, a munição examinada a fls.285-286 e cujas características conhecia, como de tudo revelou estar ciente, bem sabendo que nessas condições, como aliás resultaria da experiência comum, não podia detê-la nem utilizar arma de fogo de calibre correspondente e adequada a dispará-la.
De qualquer modo, como se colhe do auto de fls.189-191, essa munição foi encontrada e apreendida no dia e lugar ali mencionados, onde ao tempo o arguido A... vivia.
Confessou também ter oferecido à arguida C..., então sua companheira ( De salientar que no interrogatório de 28/07/2005, cujas declarações reduzidas a auto de fls.317-320 foram lidas em audiência, o arguido A... esclareceu ter conhecido a arguida C...quando esta se prostituía nas ruas do Porto, um mês antes de irem para o Hotel Íbis.), nas circunstâncias de lugar descritas, disse, em Março de 2005, o telemóvel Nokia apreendido a esta, que por sua vez o aceitou, conservou e passou a utilizar, como se dela fosse.
Telemóvel com o IMEI 355043000212937, fotografado a fls.195-196 e examinado a fls.327, que foi apreendido nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no auto de busca de fls.194, tendo sido nessa ocasião entregue pela filha da arguida ali identificada.
Esse telemóvel foi reconhecido como sendo aquele que na madrugada de 20.02.2005 foi retirado das instalações da Matinfra, a quem pertencia.
Contudo, a este propósito o arguido A... afirmou desconhecer a proveniência do telemóvel, pois negou ter qualquer participação no assalto às instalações da Matinfra, bem assim naquele outro no Centro Social de Tourigo, que ao tempo, aliás, desconhecia.
Concretamente afirmou que viveu no Mindelo, Vila do Conde, durante dois anos e até Março de 2005, altura em que se alojou com a arguida C... no Hotel Íbis, sito na Afurada, Vila Nova de Gaia, ali permanecendo com ela durante cerca de 15 dias.
Disse, que o “N...” lhe telefonou da Albânia pedindo-lhe que visitasse o “B...” na prisão, indivíduo que não conhecia e apenas viu, já neste tribunal, aquando da sessão de julgamento do dia 15.05.2006 (acta de fls.803).
E como o “N...” lhe tivesse pedido na mesma ocasião para levar roupa a esse B..., roupa que este tinha na casa onde aquele morara com o “M...”, com esse propósito o declarante (A...) deslocou-se com a arguida  C...a essa moradia, situada na Rua Nova, nº273, em Areia, Árvore, Vila do Conde.
Ali encontrou, como acrescentou, três telemóveis, sendo um deles o citado Nokia que, a pedido da arguida C..., logo lhe ofereceu, ficando ele (A...) com os outros dois.
No dia seguinte foi expulso do dito Hotel, tendo então ido morar com a C... para essa moradia.
Ali viveu, disse, até à sua detenção, permanecendo a arguida consigo até Maio de 2005.
Ressalvada aquela munição, as cautelas de penhor e o estojo da arma que lhe pertenciam, bem como o aparelho para medir tensão eléctrica e campos magnéticos que disse ter-lhe sido emprestado pelo seu amigo “Paulo” quando (o arguido A...) ainda morava no Mindelo, os demais objectos ali apreendidos já se encontravam nessa moradia quando foi viver para a mesma, querendo o arguido dizer assim que não lhe pertenciam, nunca os utilizou e desconhecer a sua proveniência.
Afirmou ter conhecido o “N...” e o “M...” em Milão, Itália, em data anterior à vinda do arguido para Portugal, os quais a partir do Verão de 2004 ficaram alojados naquela moradia, onde viveram até à detenção do arguido B... (esta ocorrida em 23.02.2005), altura em que fugiram do nosso país.
Afirmou que essa moradia foi arrendada em nome da sua mulher Joaquina Fátima Freitas para o “N...” e o “M...” viverem, sem conhecer qualquer outro indivíduo, designadamente o arguido B..., que ali pudesse ter morado com aqueles.
Também o arguido B..., embora deliberadamente parco em declarações, negou ter qualquer participação nos dois assaltos em causa, afirmando que apenas chegou a Portugal, vindo de Espanha, no dia 23.02.2005, ou seja, no dia seguinte ao último daqueles furtos, sem que antes tivesse estado no nosso país, oferecendo como meio de prova cópia do respectivo passaporte sobre cujo teor depôs.
Referiu também que apenas conheceu e viu o arguido A..., já neste tribunal, aquando da sessão de julgamento do dia 15.05.2006 (acta de fls.803).
Porém, no essencial, as declarações dos dois arguidos não convenceram, sendo contraditórias, inverosímeis e insuficientes para infirmar outros elementos que se afiguram bastantes na sua interligação e conjugação com as regras da experiência para concluir para além de qualquer dúvida razoável que os arguidos A... e B... participaram nos dois assaltos em causa.
Antes de mais cumpre notar que, a pedido do arguido A..., foi autorizada e realizada em audiência a leitura das declarações prestadas pelo mesmo na fase de inquérito (acta de fls.823) constantes dos autos de interrogatório de 28/06/2005 (fls.228-229), de 30/06/2005 (fls.253-257), de 27/07/2005 (fls.312-316) e de 28/07/2005 (fls.317-320).
Assim, como o próprio reconheceu em julgamento, o arguido A... encontra-se desempregado desde meados do ano de 2003, situação tanto mais grave quanto é certo que à data dos factos era toxicodependente e jogador de casino, esclarecendo aquando do seu interrogatório judicial de 30/06/2005 (fls.253-257) ser “consumidor de heroína e cocaína há cerca de 3 anos, no que despende cerca de 250 euros por semana”, gastando em média cerca de 500 euros, embora com pouca frequência, no Casino de Espinho. 
Ao referido encargo com o vicio acrescem despesas com utilização de telemóveis, com a compra de carros, alojamento em Hotel e existência de objectos valiosos dados de penhor, tudo pouco conciliável com a prolongada condição de desempregado e a indiciar à luz das regras da experiência um modo de vida ajustado à subtracção do alheio.
De resto, conta já com uma condenação por crime de furto qualificado praticado em 17.03.2004, única inscrita no certificado de registo criminal junto a fls.776-7, embora o próprio acrescentasse ter outra condenação recente (Março/2006), por crime de furto, em processo que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.
É claro que o arguido A... referiu então, como agora, que familiares seus lhe mandavam dinheiro do Kosovo, mediante transferências bancárias no valor de €3.000/mês.
E acrescentou no interrogatório de 28/07/2005 (fls.319) que alguns amigos da sua família, a pedido do irmão, lhe chegaram a enviar dinheiro de Itália, Macedónia e Espanha.
Contudo, nenhum meio de prova designadamente documental corrobora tamanhas transferências regulares de dinheiro que o arguido disse beneficiar, circunstância - de resto - pouco verosímil.
Também o arguido B... referiu ter vindo trabalhar para Portugal, sem explicar que trabalho seria nem referir qualquer actividade lícita aqui exercida até à sua detenção em 23.02.2005.
Aquando daquele interrogatório judicial de 30/06/2005 (fls.253-257), o arguido A... referiu que “nunca tinha estado em Viseu, e só tinha passado por aqui, sem efectuar qualquer paragem, antes de 2000, a caminho de Itália”.
Em julgamento também referiu não conhecer a zona de Viseu, onde só passou no IP5, como não conhece e nunca esteve em Tondela.
Mas, logo acrescentou, contraditoriamente com o afirmado naquele interrogatório, que em Janeiro de 2005 veio pelo IP5 até ao nó de Viseu, o que aconteceu quando veio buscar o N... e o M... em virtude de ter avariado o carro em que estes se faziam transportar naquela ocasião. De qualquer modo, disse, esteve por ali breves minutos e nunca mais regressou à zona de Viseu.
No dia 23 de Junho de 2005 foi realizada uma busca à residência do arguido A..., sita na Rua Nova, nº273, em Areia, Árvore, Vila do Conde, onde o próprio referiu terem morado os seus conhecidos  N... e M... durante alguns meses até à detenção do B....
Na sequência dessa busca, a que corresponde o sobredito auto de fls.189-191, além da foto de fls.321 desse "M...", ali foram encontrados e apreendidos vários objectos examinados a fls.285-286 designadamente uma caixa em plástico com os dizeres "BOSCH", própria para acondicionar um martelo de percussão, uma caixa de cartão referente a uma rebarbadora de marca "BOSCH" contendo um disco, um machado, uma mochila contendo no interior dois pares de luvas, uma chave de bocas, uma lanterna, uma chave de fendas, um medidor de campos magnéticos, tudo artigos que, à luz das regras da experiência, não só seriam adequados e úteis em arrombamentos semelhantes aos que foram realizados nos assaltos em questão, como são do tipo daqueles que foram necessariamente ali utilizados como é o caso da rebarbadora (ferramenta eléctrica de corte utilizada sobre o cofre das caixas ATM dada a resistência dos materiais e a existência de limalhas).
Ora, confrontadas as declarações prestadas em julgamento pelo arguido A... com aquelas que realizou aquando do dito interrogatório judicial percebe-se que as mesmas não são inteiramente coincidentes quanto à proveniência de alguns desses objectos.
Artigos estes dispersos pela casa e não apenas pela cozinha, sem que o arguido A... referisse uma só pessoa que os pudesse ter usado em trabalho licito designadamente o senhorio indicado naquele interrogatório.
E também aqui nenhum outro meio de prova corroborou a versão do arguido, como não foi corroborada aquela outra diferente que ainda a propósito da proveniência desses objectos já apresentou aquando do interrogatório que se seguiu no dia 27.07.2005 (fls.313).
Seja como for, a circunstância dos referidos objectos ali se encontrarem, quando foi morar para a moradia, não obstava à sua utilização nos assaltos em referência.
De resto, no dia 8.04.2005, altura em que ainda vivia com o A... nessa moradia, a arguida C... combinou encontrar-se nesse lugar (Areia) com um indivíduo desconhecido, a fim de lhe vender, como vendeu nessa tarde uma rebarbadora, marca "BOSCH", como se colhe das escutas de fls.6-14 (Apenso 1, sessões nº249, 252 e 255).
Aquando do seu interrogatório no dia 27.07.2005 (fls.313-314) o arguido A... afirmou que essa rebarbadora era aquela a que corresponde a caixa apreendida na sua residência e retratada a fls.218.
Também nesse interrogatório o arguido reconheceu expressamente dedicar-se à prática de pequenos furtos designadamente de carteiras como as apreendidas na sua residência e examinadas a fls.462-464 ou a câmara de filmar que disse ter furtado no aeroporto Sá Carneiro no Porto (fls.313-314).
Sobre a detenção dos objectos em prata e ouro, examinados em auto de fls.460-461, e aqueles outros valiosos dados de penhor conforme documentos de fls.303-309, o arguido A... não deu qualquer explicação plausível em julgamento, indiciando também a quantidade e valor desses artigos, dado o modo de vida do arguido e suas companheiras, a sua proveniência de furtos.
Diferente da versão apresentada em julgamento foi também aquela que relatou no referido interrogatório sobre as circunstâncias em que disse ter encontrado aquele telemóvel Nokia que ofereceu à arguida  C...e, diz, ter sido contactado para levar alguns bens ao arguido B....
Como certo temos que a arguida recebeu do arguido A... o referido telemóvel subtraído na Matinfra.
E sobre o mencionado contacto temos também as conversações entre o dito N... e o próprio arguido A..., no dia 18.05.2005, às 16 horas e às 20.56 horas (sessões 294 e 299, escutas do Apenso 2), nas quais o “N...” e outro individuo tratam repetidamente o arguido A... por “BAL” independentemente do significado que o diminutivo possa ter na sua linguagem.
Decorre também destas conversações, onde o arguido refere o seu nome completo e nas quais se percebe haver forte cumplicidade entre ambos por factos antes praticados, que o N... e outro individuo lhe pedem que faça chegar alguma roupa a um tal de “Astrit” que se encontraria detido/preso na Polícia Judiciária do Porto, tudo indicando reportar-se essa conversa telefónica com o N... àquela que o arguido A... referiu em julgamento a propósito da visita ao arguido B....
Acresce que ainda nessa comunicação o A... tranquiliza o "N..." e outro individuo, dizendo-lhe que, em Portugal, ninguém conhece a sua identificação nem a dos restantes e que apenas lhe “perguntaram por causa do carro”.
Ora, aquando da detenção do arguido B... em Guimarães na madrugada de 23.02.2005, nas circunstâncias constantes do relatório de diligência externa de fls.381, foi apreendido a este arguido além do mais o telemóvel Motorola com o IMEI 353512007379081 ( Tenha-se em atenção que o IMEI é composto pelos 14 dígitos iniciais e como tal o último dígito não altera a identificação do IMEI.) (conforme cópia do auto de apreensão de fls.383), o qual no período compreendido entre os dias 8 e 23.02.2005 esteve associado ao cartão n.º939370463 (de acordo com a informação constante de fls.886-887). 
E a partir desta informação e outra junta a fls.1019-1020 (original desta constante de fls.1149-1150) sabemos também que o cartão n.º936586483 no período compreendido entre 7.02.2005 e 3.03.2005 esteve associado ao IMEI 353355000686150.
Ora, da listagem colhida da agenda telefónica do telemóvel apreendido ao arguido B... cuja cópia se encontra a fls.394-395, para além da indicação do respectivo cartão (T–939370463) encontramos aquele número 936586483 ali atribuído a um "BAL" e que o arguido B... não quis identificar.
De qualquer modo trata-se, independentemente do respectivo significado, do mesmo diminutivo usado (nas referidas conversas telefónicas) pelo N... e outro em relação ao arguido A....
De referir também que nessa agenda telefónica são atribuídos:
- o n.º936 782 338 a um “M...”, sendo que o arguido B... reconheceu o “M...” na foto de fls.321;
- o n.º936 782 335 a um “LLAQ”;
- o n.º939 370 461 a um “PAL”, sendo que segundo o arguido B..., quando chegou a Portugal no dia 23.02.2005, antes de detido, foi um tal de “PAL” que na “casa perto do praia” lhe emprestou o dito telemóvel (Motorola com o IMEI 353512007379081 que lhe foi apreendido) para telefonar para os seus familiares na Albânia, tendo ficado posteriormente com o mesmo.
No entanto, da análise da listagem de fls.429 a 431 relativa às chamadas recebidas e efectuadas através deste telemóvel não consta nessa data (23.02.2005) qualquer comunicação com a Albânia, antes do arguido ser detido, o que aconteceu na madrugada desse dia conforme relatório de diligência externa de fls.381.  
Sucede que para além do N... e outro individuo tratarem o arguido A... por “BAL” sabemos também, com base na informação de fls.1019-1020, que outros cartões estiveram associados ao mesmo IMEI 353355000686150 e que eram utilizados pelo arguido A..., circunstância que este não explicou, referindo não se lembrar dos números dos cartões que usava.
É o caso do cartão n.º936 584 125, também associado ao IMEI 350187894748090 (segundo informação de fls.332 e 149) que foi escutado ao arguido A... conforme transcrição do Apenso 2.
De resto, a testemunha E..., 32 anos, Inspectora da Directoria de Coimbra da Policia Judiciária, explicou que os cartões interceptados ao arguido A... (como foi o caso do n.º936 584 125 – cfr. fls.113, 127, 300 e 332, na sequência do pedido por si apresentado a fls.99-101 e deferido por despacho de fls.106-107) se tornaram conhecidos a partir das conversas que este mantinha com a C... e cujo telemóvel fora também escutado à arguida com o cartão nº914 299 612 (por ser o subtraído na Matrinfra), embora o teor dessas conversações não se apresentasse de interesse para a investigação.
Também o cartão n.º936 578 497 surge associado ao IMEI 353355000686150 no período compreendido entre 29.12.2004 e 4.01.2005 (informação de fls.1019-1020), sendo aquele o contacto telefónico que o arguido A...  deu à testemunha F..., 52 anos, comerciante de automóveis, quando lhe comprou no stand “Automóveis Serralves”, situado na Estrada Exterior da Circunvalação, Monte dos Burgos – Senhora da Hora, os dois veículos identificados na proposta de venda e declaração de fls.77-78 e 83-84 do apenso nº12/05.8GATND.
Assim o disse a testemunha F..., que explora com o filho G... o dito stand de automóveis, melhor id. naquela documentação, esclarecendo ainda que no dia 3.01.2005 o arguido A...  se apresentou naquele estabelecimento a fim de comprar, como contrataram na mesma ocasião, dois automóveis ligeiros, sendo um marca Alfa Romeo, mod.33.1.4, matricula 48-79-DQ (  Melhor identificado na cópia do título de registo e livrete de fls.386.), outro de marca Lancia, mod.Thema Turbo 16 v, matricula UH-53-60 ( Mais referiu ter comprado este Lancia, de cor cinzento como se observa no print informático de fls.23 do apenso nº12/05.8GATND, à “Garagem do Ave”, como aliás corroborado pela declaração de fls.72 e 74 do mesmo apenso, a quem a “Plásquimica, …Lda” o vendera anteriormente como esclarecido pela testemunha, então seu gerente, António Joaquim da Silva Ferreira Dias, 63 anos, e declaração que apresentou (fls.938).).
Confirmou que lhe foram entregues para pagamento, além de duas viaturas (em retoma), as quantias de €1000 e €2000 que recebeu do arguido A..., tudo conforme referido naquela documentação, onde anotou o sobredito contacto telefónico que este arguido lhe forneceu nessa ocasião como sendo o do próprio.
E foi peremptório no reconhecimento do arguido B... que, afirmou, acompanhar nessa circunstância o arguido A..., tal como um indivíduo que se identificou como H... e cujo nome completo escreveu na proposta de venda de fls.78.
Os mesmos três indivíduos (H... e os arguidos B... e A...) que durante a semana que se seguiu ao negócio viu passar regularmente junto do stand, cumprimentando-o algumas vezes, sendo que o próprio arguido B..., cerca de uma semana depois, se apresentou no seu estabelecimento dizendo querer trocar aquele Alfa Romeo por não estar satisfeito com o mesmo.
Já em sede de acareação com H... I..., a testemunha F... mostrou dificuldade em reconhece-lo como sendo o tal H... que estivera no seu stand, embora o admitisse.
Todavia, mais uma vez foi peremptório, como explicou, no reconhecimento do arguido B..., negando que alguma vez ali tivesse estado designadamente na sobredita ocasião o indivíduo de nome M... retratado na foto de fls.321 que lhe foi exibida.
Também o filho desta testemunha, G..., 30 anos, que ao tempo trabalhava com o pai naquele stand, recordou ali terem estado três indivíduos em Janeiro de 2005 que no mesmo dia levaram aquele Alfa Romeo e Lancia, deixando duas outras viaturas em retoma.
Confirmou que depois do negócio esses indivíduos passavam por ali, embora sem reconhecer qualquer dos arguidos já que, afirmou, foi o seu pai que negociou aquela venda, não tendo a testemunha contacto com os mesmos.
Circunstâncias que as duas testemunhas (pai e filho) relataram de forma aberta, límpida e coerente, merecendo inteira credibilidade até porque, contrariamente à testemunha H... I..., para além do referido negócio das viaturas nenhuma outra ligação têm com os arguidos.
O arguido A... reconheceu ter comprado naquele stand as duas viaturas em causa.
No entanto, fê-lo, disse, no interesse de outros, em datas diferentes e sem que alguma vez ali estivesse com o arguido B... e a testemunha J..., mas sim com o N...e o M....
Não assim a testemunha H... I..., 35 anos, que referiu conhecer o arguido A... em virtude do consumo de estupefacientes e desde há pelo menos dois anos e meio, tendo afirmado que foi com o arguido A... ao dito stand quando este ali fechou o negócio de compra do Lancia e Alfa Romeo.
Declarou não conhecer nem ter visto o N... e/ou M..., este mesmo depois de exibida a foto de fls.321.  
Acrescentou que, a pedido do arguido A... e a troco de dinheiro, a testemunha ficou como tomador do seguro desses carros ( O que é corroborado pela cópia da carta verde de fls.388 e do certificado de fls.387 emitido com data de 5.01.2005 em relação ao Alfa Romeo e cujo início de validade é reportado a 4.01.2005; certificado que foi encontrado e apreendido nessa viatura aquando da detenção do arguido B....), embora não lhe pertencessem, tendo visto várias vezes aquele arguido usar posteriormente qualquer dessas viaturas.
Circunstância, aliás, corroborada pelo vendedor dos veículos, a testemunha F..., e seu filho G... que referiram que nos dias que se seguiram ao negócio os dois arguidos se faziam transportar numa dessas viaturas. 
Também o arguido B..., embora sem convencer, negou ter estado naquele stand, afirmando que no dia 3.01.2005 estava na Albânia e apenas chegou a Portugal em 23.02.2005, tudo conforme resulta, disse, da cópia do respectivo passaporte que juntou a fls.1022-1034.
Porém, analisada integralmente a cópia desse passaporte, a testemunha L..., 39 anos, Inspector-Adjunto do S.E.F. na Delegação de Viseu, após explicar designadamente o significado das inscrições, formas e desenhos dos carimbos ali apostos, afirmou decisivamente, como tudo esclareceu, resultar da leitura dos mesmos que o arguido B... podia estar em Portugal em inícios de Janeiro de 2005 nomeadamente no dia 3.01.2005 e a partir do dia 15/16 de Fevereiro seguinte.
E se é certo que os dois arguidos afirmaram que apenas se conheceram, já neste tribunal, aquando da sessão de julgamento do dia 15.05.2006 (acta de fls.803), basta atentar no que o arguido A... declarou aquando do seu interrogatório no dia 27.07.2005 (fls.314 e 316) para se perceber que assim não aconteceu, conhecendo-se, como ali afirmou, desde há vários anos, chegando mesmo a ver o arguido B... e outros acompanhar o N... e o M... já em Portugal.
Quis o arguido A... fazer crer em julgamento que na Directoria da Policia Judiciária do Porto (onde prestara em 28.06.2005 as declarações reduzidas a auto de fls.228-229) lhe mostraram um fotografia de alguém que diziam ser de um tal “B...”, mas que não era o arguido B..., como agora constatou ao vê-lo e só em julgamento.
Mas, se dúvida houvesse perante o que declarou naquele interrogatório no dia 27.07.2005 (fls.314 e 316) sobre o conhecimento que tinha do arguido B..., já nenhuma incerteza fica a esse respeito quando lidas as declarações que o arguido A... prestou no dia 28/07/2005 (fls.317-320).
Concretamente, disse, e pode ler-se a fls.318, que na noite em que foi detido pela Policia Judiciária do Porto (local para onde o arguido B... foi conduzido de acordo com o relatório de diligência externa de fls.381), o B... lhe telefonou, pedindo-lhe que esclarecesse a policia relativamente ao Alfa Romeo em que circulava, veículo que o A... tinha adquirido naquele stand e cujo seguro estava em nome do H....
Da análise da listagem de fls.408 a 431 relativa às chamadas recebidas e efectuadas, no período em que ocorreram os furtos em causa, através dos cartões de telemóvel nºs 936 782 338, 936 586 483, 936 782 335, 939 370 461 e 939 370 463, constata-se, efectivamente, que as localizações celulares de alguns desses telemóveis foram activadas, muitas delas entre si, em Viseu e Tondela, não só nas noites em que ocorreram os assaltos na Matinfra, Bodiosa – Viseu (19 para 20.02.2005) e no Centro Social de Tourigo, Tourigo - Tondela (21 para 22.02.2005), como também nalguns dias/noites anteriores.
Assim, no tocante ao arguido A..., a localização celular do telemóvel associado ao referido cartão nº936 586 483 é activada em Tondela:
- na noite de 8 para 9.02.2005 entre as 23.12 h e as 0.05 h;
- na noite de 22.02.2005 entre as 2.31 h e as 2.34 h;
Relativamente ao arguido B..., a localização celular do telemóvel associado ao referido cartão nº 939 370 463 é activada :
- no dia 9.02.2005, às 15.03 h (São João de Lourosa – Viseu);
- na noite de 20.02.2005, às 03:14 (Ventosa – Vouzela), às 03:57 (Bodiosa – Viseu), 4:19 (Abraveses- Viseu) e às 5:54 (Bodiosa- Viseu);
- na noite de 22.02.2005, às 01:08 (Tondela), 01:19 (Torredeita – Viseu), 01:20 (Tondela), 01:28 (Tondela), 02:28 (Torredeita – Viseu), 02:34 (Tondela), 03:46 (Tondela).
Ainda na noite de 20.02.2005 a localização celular dos telemóveis associados aos referidos cartões n.º936 782 338 (“M...”) é activada em Bodiosa – Viseu às 3.57 h e n.º936 782 335 (“LLAQ”) é activada em Bodiosa – Viseu às 3.14 h, 4.19 h e 5.54 h.
Já na noite de 22.02.2005 a localização celular dos telemóveis associados aos referidos cartões:
- n.º936 782 338 (“M...”) é activada em Tondela às 1.19 h, 1.20 h, 1.21 h, em Vila Nova da Rainha – Tondela às 1.28 h, novamente em Tondela às 2.28 h e em Guardão – Tondela às 4.03 h;
- n.º936 782 335 (“LLAQ”) é activada em Tondela às 3.46 h, e em Guardão – Tondela às 4.03 h;
- n.º939 370 461 (“PAL”) é activada em Tondela às 1.08 h e 1.21 h, e em Torredeita – Viseu às 2.31 h.
Depois, atento o modo de actuação, designadamente desactivação de alarme e comunicações telefónicas, os assaltos em causa pressupõem conhecimentos específicos.
E o arguido A... tem formação e experiência para o efeito, já que reconheceu em audiência ter trabalhado na área da informática e, logo aquando daquele seu interrogatório judicial (fls.254), disse ser electrotécnico, confirmando em julgamento ter formação neste ramo que também se ajusta ao manuseamento do aparelho medidor de campos magnéticos apreendido na sua residência.
Acresce que nos interrogatórios de 27/07/2005 (fls.315-316) e 28/07/2005 (fls.317-320) o arguido A... reconheceu a sua ligação e contactos com o N... e o M..., afirmando mesmo que “eram estes dois quem mais vezes lhe ligavam para o seu telemóvel”, tendo o N... um veículo Mercedes, cor verde, guardado na garagem do arguido no Mindelo, e um Ford Mondeo que fora adquirido pelo A... e emprestado àquele.
E afirmou no interrogatório de 27/07/2005 (fls.315-316) saber que o N... e o M... se dedicavam à prática de furtos designadamente em caixas de multibanco.
Ademais, ao arguido B..., quando detido em Guimarães na madrugada de 23.02.2005 (fls.381), além do telemóvel Motorola cuja localização celular foi activada em Viseu e Tondela na noite dos assaltos, foram apreendidos, conforme cópia dos autos de apreensão de fls.382 e 383:
- um recibo de portagem (cópia de fls.404) com entrada em Albergaria e saída às 5.19 horas do dia 22.05.2005 em Grijó, sendo a última das activações desse telemóvel em Tondela às 03:46 horas;
- o sobredito Alfa Romeo, de matricula 48-79-DQ, automóvel que conduzia;
- o impresso de imposto sobre veículos referente ao Ano de 2004 do mencionado Lancia, mod.Thema Turbo 16 v, matricula UH-53-60 (cópia de fls.389);
- um emissor/receptador junto dos pedais do condutor, sendo também este aparelho, à luz das regras da experiência, adequado e útil na comunicação entre os assaltantes;
- elevada quantidade de dinheiro em notas.
Tudo objectos, viatura e documentos a respeitos dos quais, e em particular sobre as razões da sua detenção, o arguido B... nenhuma explicação quis dar em julgamento.
E verdade é também que entre a 1.45 horas e as 2.00 horas de 22.02.2005 a testemunha D..., nas circunstâncias que relatou, se apercebeu e viu uma movimentação anormal de viaturas nas ruas de Tourigo, tendo observado dois carros, um deles estacionado junto do Centro Social de Tourigo.
Como entretanto, já cerca das 3.30 horas, a testemunha se tivesse dirigido a Campo de Besteiros, num dos semáforos existentes já nesta localidade, anotou a matrícula de um automóvel de marca Lancia, cor cinza, por suspeitar ser um dos veículos estranhos que tinha visto em Tourigo momentos antes, como tudo explicou, descrevendo as circunstâncias em que apontou a dita matrícula e movimentação dessa viatura no trajecto comum que seguiram desde a Cortiçada (a 3/4 kms de Tourigo) até chegarem aos ditos semáforos em Campo de Besteiros.
Nesse Lancia seguiam pelo menos o condutor e outro passageiro e, embora hoje não a recorde, nesse mesmo dia forneceu a respectiva matrícula à GNR e à PJ após saber do assalto no Centro Social de Tourigo.
Também a testemunha O... se apercebeu nessa noite de uma movimentação anormal de veículos na localidade de Tourigo, onde vive, observando por volta das 2.30 horas que um automóvel ligeiro de cor cinza esteve parado em frente de sua casa cerca de 10 minutos, encontrando-se o condutor a fumar ( De resto, a invocação desta última circunstância mereceu em julgamento imediata reacção comprometida do arguido A... que nesse exacto instante acabrunhou com o olhar fixado entre as pernas.
Aliás, outra reacção comprometedora do arguido A... foi a negação instantânea, com o movimentar da cabeça, da invocação aparentemente inofensiva da testemunha P... quando este afirmou que o Centro Social de Tourigo não estava provido de sistema de alarme. ).
Enquanto isso, ouviu o barulho de outro automóvel, disse o ruído típico de funcionamento do motor de um Alfa Romeo, que circulava na estrada principal nas proximidades de sua casa.
Também a testemunha R...., 47 anos, Inspector-Chefe da Policia Judiciária na Directoria de Coimbra, que colaborou nesta investigação, referiu que, a partir da inspecção efectuada a cada um dos locais, o modo de execução destes dois assaltos logo apontou para alguma conexão entre eles.
Entre as diversas diligências realizadas confirmou a obtenção junto do respectivo stand automóvel de documentação relativa à venda ao arguido A... designadamente de  uma viatura cuja marca e matrícula tinha sido fornecida por uma testemunha que vira esse carro em Tourigo na noite do assalto no centro social desta localidade.
Confirmou também a apreensão do telemóvel subtraído na Matinfra, o qual foi escutado enquanto esteve em poder da arguida C..., tornando-se deste modo conhecida a ligação da mesma com o arguido A....
Explicou também que após a apreensão de um telemóvel ao arguido B..., aquando da detenção deste em Guimarães, foi pedida e obtida a informação sobre a localização celular dos contactos telefónicos constantes da respectiva agenda.
Corroborou a apreensão de diversos objectos e instrumentos na residência do arguido A... na sequência da busca ali realizada, diligência a que a testemunha presidiu conforme auto de fls.189-191, esclarecendo entre o material ali encontrado a existência de equipamento adequado à pratica de assaltos semelhantes aos dos autos.
Em conclusão, vale tudo isto dizer que não é apenas a importante transmissão à arguida C... do telemóvel furtado na Matinfra que fundamenta de facto a convicção segura de que o arguido A..., então seu companheiro, foi autor do assalto ali ocorrido em data relativamente próxima ( É claro que a detenção e/ou transmissão de objectos furtados por si só não seria indicio seguro da participação no furto.).
Essa convicção, relativa à comprovada participação directa do arguido A... e também do arguido B... nos dois assaltos em referência, resulta de uma leitura critica, objectiva e racional da conjugação das regras da experiência e de todas as circunstâncias indiciárias que vimos de descrever.
Circunstâncias estas relacionadas designadamente com :
- a detenção/transmissão desse telemóvel e sua proximidade temporal com a ocorrência;
- o modo de vida e ligação dos arguidos entre si e com o N... e o M...;
- a permanência dos arguidos em Portugal;
- a detenção de vários objectos e instrumentos do tipo daqueles adequados à execução dos assaltos em causa;
- a prática de outros furtos por parte do arguido A... e a prática de outros assaltos a caixas ATM por parte do N... e M...;
- a detenção pelos arguidos daquele dinheiro e/ou objectos valiosos;
- o facto do arguido A... ser tratado por “BAL”;
- o comprometimento revelado pelo arguido A... nas conversações com o N...;
- a detenção e/ou utilização por parte dos dois arguidos e outros de telemóveis cuja localização celular foi activada antes e na noite dos assaltos em Viseu e Tondela;
- a aquisição e utilização pelos arguidos de um veículo Lancia, matricula UH-53-60, visto nas imediações de Tourigo na noite do assalto;
- a percepção de um Alfa Romeo em Tourigo na noite do assalto e a existência no Alfa Romeo, de matricula 48-79-DQ (também adquirido e utilizado pelos arguidos) de um recibo de portagem com entrada em Albergaria a hora próxima das ditas localizações celulares em Tondela;
- a formação e experiência do arguido A... em aspectos técnicos supostos pelo modus operandi.
Por tudo isto, temos reunidos elementos bastantes que na sua interligação com as regras da experiência permitem concluir para além de qualquer dúvida razoável que entre outros os arguidos A... e B... participaram nos ditos assaltos na Matinfra e Centro Social de Tourigo ( Em torno do princípio da livre apreciação da prova, de acordo com o qual esta é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art.127º, do C. Proc. Penal), F. Gomez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 112, ensina que nas regras da experiência incluem-se, obviamente, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, as quais se devem basear na correcção de raciocínio, bem como as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado.
Lembrando as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, por via de regra, perpetrado de forma oculta, o Ac. RC 11.05.2005 (Desemb. Oliveira Mendes), www.dgsi.pt, salienta que a prova artificial ou por concurso de circunstâncias – prova indiciária ou indirecta – é absolutamente indispensável em matéria criminal, pois, de outro modo, criar-se-iam amplos espaços de impunidade se a prova indiciária não tivesse a virtualidade de ilidir o princípio da presunção de inocência. Por isso, acrescenta-se, “na ausência de prova directa, todos reconhecem a possibilidade de o tribunal deduzir racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indiciária”, contanto que obedeça, em princípio, aos seguintes requisitos: a) Existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis (Excepcionalmente casos há em que basta um só indício pelo seu especial valor, como sucede, por exemplo, com a posse de estupefacientes para o tráfico); b) Racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência (recto critério humano e correcto raciocínio).
Também no Ac. RC 18.08.2004 (Desemb. Belmiro de Andrade) www.dgsi.pt: “Para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser valorada autonomamente deve exigir-se: uma pluralidade e factos-base ou indícios; que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com o mesmo; a racionalidade da inferência e expressão, na motivação da decisão, de como se chegou à inferência”.  
Sobre a valoração da prova indiciária ainda o importante Ac. RC 9.02.2000 (Santos Cabral), CJ, I, 51 e o recente Ac. STJ 20.04.2006 (Rodrigues da Costa), www.dgsi.pt (no mediatizado caso Joana).).
Poder-se-á dizer que, como eles, muitos outros praticariam furtos semelhantes.
Mas, com a concorrência dessas importantes corroborações periféricas objectivas que demonstram a verosimilhança da incriminação, é em relação aos arguidos A... e B... que se colhem dados indiciários de inquestionável credibilidade e especial relevo que os ligam à participação nos dois assaltos objecto destes autos.
Por isso, mandam as regras da experiência e a lógica que se conclua terem sido autores dos furtos em apreço, sem que desta convicção baseada na conjugação de vários elementos de prova indirecta resulte sacrifício para o princípio do in dúbio pro reo ( Não é uma qualquer dúvida em matéria de facto que obriga à aplicação deste princípio, mas apenas a dúvida “razoável”, após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum. Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio. ), tanto mais que durante a discussão da causa não surgiu qualquer outra hipótese plausível que pudesse levar a conclusão diversa.
Já a respeito do provado circunstancialismo em que ocorreram os furtos, danos ocasionados e material furtado, o tribunal serviu-se :
Quanto ao furto na Matinfra  
- do testemunho de S..., 29 anos, empregada de escritório nessa empresa designadamente à data dos factos, confirmando a ocorrência do assalto nas instalações da mesma, para onde se deslocou na manhã de Domingo (ocorrência na noite de Sábado para Domingo) logo após ter noticia desse facto.
Ali chegada constatou o estado vandalizado das instalações, confirmando além do mais os sobreditos danos materiais que encontrou designadamente na rede de vedação, janela, alarme, cabos telefónicos e cofre da caixa ATM ali existente, como tudo relatou em audiência corroborando e explicando o teor das fotos de fls.11-25.
Confirmou também a presença de um machado estranho próximo do cofre da caixa ATM (foto 10 de fls.15, examinado a fls.209) e a posição em que encontrou o empilhador entretanto manobrado para acederem à janela através da qual entraram naquelas instalações.
Referiu ainda que além do dinheiro subtraído do cofre da caixa ATM foram retirados daquelas instalações, como tudo esclareceu, pelo menos €270 e o Nokia retratado a fls.195 e associado ao cartão nº914999103, dinheiro este que tal como o dito telemóvel pertencia à Matinfra.
- do testemunho de V..., 37 anos, e testemunho de Z..., desde há vários anos respectivamente gerente e funcionário da Matinfra, sociedade melhor id. no print de fls.3, confirmando a ocorrência do descrito assalto nas instalações da mesma na noite de Sábado para Domingo, esclarecendo o primeiro que o horário de funcionamento do posto de combustível ali situado era das 7:00 h às 23:00 h.
Descreveram o estado das instalações quando ali chegaram, confirmando além do mais os sobreditos danos materiais que encontraram designadamente na rede de vedação, janelas, alarme, porta do armazém, cabos telefónicos e cofre da caixa ATM ali existente, como tudo relataram em audiência corroborando e explicando o teor das fotos ( Fotografias que bem documentam o estado em que tudo ficou e o modo de actuação, sem deixarem dúvidas, à semelhança das localizações celulares dos mencionados telemóveis, sobre a participação concertada de vários indivíduos.)  de fls.11-25. 
Confirmaram a posição em que encontraram o empilhador (com as luzes partidas) entretanto manobrado para aceder à janela através da qual os assaltantes entraram naquelas instalações.
Referiram ainda que além do dinheiro subtraído do cofre da caixa ATM foram retirados daquelas instalações, como tudo esclareceram, algum dinheiro que pertencia à Matinfra tal como o Nokia retratado a fls.195.
- do testemunho de T..., 44 anos, funcionário em Viseu do Banco Santander Totta, S.A., que além do mais confirmou ser a caixa ATM, instalada na Matinfra, propriedade daquele banco, tendo sido subtraída do respectivo cofre, em resultado do sobredito assalto, a quantia de €36.090 jamais restituída e pertencente à mesma instituição bancária, explicando também as comunicações efectuadas entre essa caixa ATM e a SIBS.
Quanto ao furto no Centro Social de Tourigo
- do testemunho de P..., 41 anos, e de U..., 38 anos, respectivamente vice-presidente e funcionário do Centro Social de Tourigo designadamente à data dos factos, confirmando a ocorrência do único assalto verificado nas instalações do mesmo, o que sucedeu disse o primeiro numa noite de Segunda para Terça-Feira, mais esclarecendo a hora de encerramento (era às 24 horas), a localização e divisão interior daquele centro social, onde não havia qualquer dispositivo de alarme.
Ali chegados constataram o estado das instalações, confirmando além do mais os sobreditos danos materiais que encontraram designadamente na janela das traseiras (situada a pelo menos 1,5 metros do solo) e respectivo gradeamento, através da qual acederam ao interior do centro social, bem assim numa porta interior, cabos telefónicos e cofre da caixa ATM ali existente, como tudo relataram em audiência corroborando e explicando o teor das fotos ( Reportagem fotográfica que igualmente ilustra o estado em que tudo ficou e o modo de actuação, sem deixar dúvidas, à semelhança das localizações celulares dos mencionados telemóveis, sobre a participação concertada de vários indivíduos.) de fls.12-38 do apenso nº12/05.8GATND.
A testemunha P..., que situou em cerca de €50 o valor da reparação dos danos materiais ocasionados no próprio Centro Social, confirmou também a presença de vários livros sobre os quais estava tombada a porta do cofre da caixa ATM, livros do próprio centro e, assim, utilizados, disse, para amortecer e “silenciar” a queda daquela porta.
Referiu ainda que além do dinheiro subtraído do cofre da caixa ATM nada mais foi retirado do centro social.
- do testemunho de Fernando Ferreira de Matos, 58 anos, Director no balcão de Mortágua da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bairrada e Aguieira, antes denominada Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mortágua, que além do mais confirmou ser a caixa ATM, instalada no Centro Social de Tourigo, propriedade daquela instituição bancária, tendo sido subtraída do respectivo cofre, em resultado do sobredito assalto, a quantia de €2.310 jamais restituída e pertencente à mesma instituição.
Explicou também as comunicações regularmente efectuadas entre essa caixa ATM e a SIBS, esclarecendo ter sido de €14.758,33, IVA incluído, o valor da reparação dos danos materiais daquele equipamento, valor aliás próximo do orçamento de fls.51 do apenso nº12/05.8GATND.
Por fim, no tocante aos elementos subjectivos dos crimes em causa, sem prejuízo do já referido, foram consideradas as regras da experiência comum e dos arguidos A... e B... em particular em face do contexto em que foram praticados e da actuação dos respectivos autores.
Também a aceitação, conservação e utilização pela arguida C... do telemóvel subtraído na Matinfra, conjugada a forma gratuita como o obteve, o género de objecto em causa e o modo de vida de quem lhe ofereceu o aparelho, seu companheiro e com quem vivia, deixa claramente perceber que a arguida pelo menos representou a possibilidade desse telemóvel ser furtado.
Todavia, conformou-se com essa possibilidade, por a mesma lhe ser indiferente, adquirindo-o como sobredito designadamente por lhe ser oferecido.
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Ademais, além de todos os documentos e autos supra referidos e examinados em audiência, o tribunal baseou-se nas reportagens fotográficas de fls.29-38 do apenso nº12/05.8GATND e de fls.11-25, foto do telemóvel da Matinfra de fls.195-196, fotos de fls.213-219, transcrições das mencionadas sessões de escutas telefónicas dos Apensos 1 e 2, e certificados de registo criminal de fls.762-763, 774 e 776-777, tudo examinado em audiência.
Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida em julgamento designadamente a que se expressou e na falta de consistência da mesma sobre a factualidade em causa, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar.

1.- Da conexão processual 

Consideram os recorrentes que o julgamento deve ser considerado nulo porque o tribunal deu início ao mesmo sem proceder previamente à conexão processual devida destes autos aos do processo -"mãe" n°1976/03. 1JAPRT a correr termos pela 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, com datas prévia e concertadamente agendadas com a defesa para os dias 11.07.06 e 12.07.06 e cuja ligação umbilical a estes autos era essencial para a descoberta da verdade, como para assegurar direitos fundamentais em especial ao arguido B..., bem como para evitar morosidades e repetição de factos e de meios de prova.
Por isso foram violados os Princípios da equidade, celeridade e prioridade expressamente consagrados no art. 20° n° 5 da Constituição da República Portuguesa.
Sobre esta questão são pertinentes as observações do Ministério Público:
Nunca no presente processo foi solicitada, designadamente pelos arguidos a apensação deste a qualquer outro processo, mas somente se deu conhecimento que o arguido B... a tinha pedido no inquérito nº 1976/03.1JPRT ( cfr. fls. 639/640) e sobre tal matéria, perante as informações constantes de fls. 653, 775, 798, 800 e 809/812, o tribunal não ponderou sequer a possibilidade de qualquer apensação entre os dois processos, sendo certo que também a defesa dos arguidos a não requereu nos presentes autos.
Efectivamente nestes autos nunca foi requerida a anexação de processos.
A conexão foi solicitada por requerimento de fls. 636 dirigida ao DIAP de Porto no âmbito do inquérito n. 1976/03, onde se requer que se proceda à conexão do inquérito subjacente a este processo ao que ali corria termos.
E o único despacho que foi proferido sobre esta questão é oriundo do processo comum colectivo nº 1976/03.1JAPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, datado de 11/05/06, onde expressamente se declara as Varas Criminais do Porto territorialmente incompetentes para julgar os autos, cuja competência é deferida ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia. Nesse processo estão em causa factos ocorridos nas comarcas de Vila Nova de Gaia, Felgueiras, Braga e Guimarães.
Nestes autos a questão nunca foi colocada, nem tão pouco ocorreu qualquer apelo no sentido da apensação.
Portanto, não faz sentido colocá-la agora, em sede de recurso. Nunca o tribunal recorrido se pronunciou sobre a apensação, nem tinha que o fazer.
A competência em processo penal - a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial - é, por princípio, unitária, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural.
O princípio, no entanto, e respeitando ainda exigências mínimas, pode sofrer adequações, previstas na lei e formadas segundo critérios objectivos, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, e assim afastando a competência primária relativamente a alguns dos crimes, desde que entre os vários crimes se verifique uma ligação que torne conveniente para melhor realização da justiça que todos os crimes sejam apreciados conjuntamente.
A ligação entre os crimes «que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão, e consequentemente a denominada competência por conexão»; representa um desvio às regras normais de competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou de apensação de vários processos que hão-de ser julgados conjuntamente ( cfr.- GERMANO MARQUES DA SILVA, "Curso de Processo Penal", I, p. 193 da  4º edição).
A conexão de processos é, pois, determinada por conveniências de justiça. Deve existir entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente uma tal ligação, que presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente, evitando-se contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça: é o que resulta das regras sobre conexão dos artigos 24º e seguintes do Código Processo Penal.
Porém a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento ( art. 24º n.2). São apenas razões de celeridade processual que justificam esta limitação.
De onde se infere que o requerimento para apensação de processos por conexão só pode ser solicitado e efectuado até ao julgamento. 
Por isso não faz sentido a arguição de nulidade do julgamento por desrespeito às regras de competência por conexão, sem que daí se extraía um juízo de preclusão do direitos fundamentais do arguido B... ou violação dos Princípios da equidade, celeridade e prioridade expressamente consagrados no art. 20° n° 5 da Constituição da República Portuguesa, porque como se referiu a conexão de processos só é determinada por conveniências de justiça e para evitar contradições de julgados.

2.- O afastamento dos arguidos da sala de audiência

No decurso da audiência o tribunal recorrido, deferiu o afastamento dos arguidos da sala de audiências durante a prestação de declarações da testemunha D..., nos termos do art. 352 n.1 alínea a) ( confº fls. 905).
Consideram os recorrentes que o tribunal errou ao ordenar o afastamento dos arguidos da sala de audiência, tendo como fundamento um vago e abstracto temor aludido pela testemunha, sem prova de qualquer indício concreto que tal pudesse justificar, deixando criar artificialmente um clima de temor falso, sem qualquer fundamento válido e processualmente admissível.
Sobre este incidente são pertinentes as observações formuladas pelo Ministério Público na resposta:
“Ora, como se vê da acta em causa, quer o requerimento do MP, quer o despacho sob recurso foram antecedidos da audição da testemunha sobre as razões pelas quais não queria testemunhar na presença dos arguidos. Nela, a testemunha manifestou o seu receio de represálias por parte dos arguidos, o que o não deixaria livre no seu depoimento, até por trabalhar de noite, devido à sua profissão de padeiro. Ora, não é necessário que se indicie ou se prove que os arguidos têm qualquer intenção de praticar actos "capazes ou tendentes a colocar em risco a liberdade de um depoimento", mas tão só que a testemunha se sinta inibida no seu depoimento por razões compreensíveis, tendo em conta o conhecimento que tem dos factos, o tipo de crimes imputados aos arguidos ou as circunstâncias em que os mesmos foram cometidos, de tal modo que nos façam acreditar que os seus receios não são de todo infundados.
Assim, o despacho sob recurso enquadra-se perfeitamente no disposto no art. 352°, n. 1, al.a) do CPP, não padecendo de qualquer ilegalidade.”

Dispõe o art. 87º n 1 e 2 do Código Processo Penal que:
1 – Aos actos processuais declarados públicos pela lei, nomeadamente as audiências, pode assistir qualquer pessoa. Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente pode, porém, o juiz decidir por despacho, restringir a livre assistência do público ou que o acto, ou parte dele, decorra com exclusão da publicidade.
2 – O despacho referido na segunda parte do número anterior deve fundar-se em factos ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade causaria grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto e deve ser revogado logo que cessarem os motivos que lhe deram causa.

Por sua vez, o art. 352º n.º 1, al. a) do CPP preceitua que:
O tribunal ordena o afastamento do arguido da sala de audiências durante a prestação de declarações, se: houver razões para crer que a presença do arguido inibiria o declarante de dizer a verdade.
E o art. 321º nº 1, do mesmo diploma legal diz que: a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável, salvo nos casos em que o presidente decidir a exclusão ou a restrição da publicidade.
O princípio da publicidade do processo, quer na vertente da assistência do público, quer no direito de assistência do arguido às audiências de julgamento, são direitos constitucionalmente consagrados (cfr. arts. 32º nº 5 e 209º , ambos da CRP), mas que não são absolutos; tanto assim é que o próprio art. 209º, da CRP expressamente excepciona tal publicidade, quando o próprio tribunal decidir o contrário em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral ou para garantir o seu normal funcionamento.
Ora, como refere o Ministério Público, e resulta da fundamentação do despacho que está subjacente ao recurso (inserto a fls. 905), o receio expresso pelo Tribunal “a quo” mostra-se justificado; o crime é grave e os arguidos dão sinais de perigosidade, pelo que naturalmente poderão inibir a testemunha de depor perante eles.
Acresce que o contraditório (fundamental para os arguidos e constitucionalmente consagrado) foi devidamente respeitado, quer pela audição dos sujeitos processuais (art. 321º n.º 3, do CPP), quer pela devida informação posteriormente prestada pelo Juiz-Presidente, aos arguidos, do que se passou na sua ausência (art. 332 nº 7, aplicável por força do art. 352º n.º 2, ambos do CPP).
Nesta ponderação de interesses, sem desvirtuar os direitos processualmente garantidos aos arguidos, a lei na preservação da verdade material concede a favor do recato da testemunha.
Por isso não há ilegalidade no afastamento dos arguidos durante a prestação deste depoimento.

3.- A alteração da ordem das instâncias

Também no decurso da audiência os arguidos manifestaram discordância por o tribunal ter procedido em primeiro lugar à inquirição prévia da testemunha J..., que tinha sido indicada quanto aos factos pela acusação e também pela defesa.
Considera o recorrente que foi invertida a dignidade dos princípios no julgamento, passando o inquisitório (princípio subsidiário) a preferir sobre o princípio do acusatório que é a regra e impera em processo penal. O tribunal não pode, através do pretexto de identificação das testemunhas e no seu seguimento, antes do depoimento prestado, inquirir a mesma sobre factos ou circunstâncias da acusação, sob pena de violar o disposto no art. 348º do Código Processo Penal.
A questão não é clara e entre “o não pode” e “o não deve” há alguns considerandos que se tornam oportunos.
Dispõe o art. 348º n.5 do Código Processo Penal que os juízes podem, a qualquer momento, formular à testemunha as perguntas que entenderem necessárias para esclarecimento do depoimento prestado e para a boa decisão da causa.
E adiantam os recorrentes: é uma intervenção excepcional, deve ser fundamentada e só pode ocorrer depois da testemunha ter prestado depoimento por quem a indicou.
A questão prende-se com a interpretação que se faça dos princípios estruturantes do Código Processo Penal. Estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação.
O art. 348º do Código Processo Penal evidencia o afloramento do princípio do inquisitório quando concede ao juiz e até impõe um poder/dever de interrogar as testemunhas sempre que o entender, em prol da defesa da verdade material.
Através do princípio da investigação pretende-se traduzir o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente – isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o «facto» sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão. Com a integração deste princípio numa estrutura basicamente acusatória logra-se acentuar convenientemente o carácter indisponível do objecto e do conteúdo do processo penal, a sua intenção dirigida à verdade material, as limitações indispensáveis à liberdade do arguido que não ponham em causa a sua dignidade nem o seu direito de defesa; sem que tal tenha de obter-se em detrimento do total aproveitamento da actividade probatória das partes, da ideia mestra da sua fundamental igualdade, da exigência salutar de que a verdade material seja também processualmente válida, da concessão à acusação e à defesa do mais dilatado âmbito de actuação no processo. Enfim, trata-se do reconhecimento da sua participação constitutiva na declaração do direito do caso, no seio de uma estrutura processual que garante a indispensável cisão entre a entidade investigadora (acusadora) e a julgadora ( Cfr. Figueiredo Dias « Os princípios Estruturantes do Processo e a revisão de 1998 do Código Processo Penal ; RPCC ano 8 Fasc. 2 pag. 203.).
A testemunha é inquirida por quem a indicou, estando assegurado o contraditório e a possibilidade de os juízes formularem a qualquer momento, as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento do depoimento prestado e para a boa decisão da causa (art. 348º n. 4 e n.5 ); inquirição que deverá respeitar regras como o privilégio da não incriminação ( art. 132º nº2 ), a da restrição das perguntas a factos ( art. 128º nº1 ), a da proibição do testemunho de ouvir dizer ( art. 129º), inclusivamente a de pela via das perguntas se não subverter a proibição de leituras de autos e declarações ( art. 355º - 357º).
E para evitar a parcialidade do juiz o Código Processo Penal lança mão, na medida apropriada, de todos os instrumentos conhecidos para atalhar um tal risco – desde o sistema das nulidades e das proibições de prova ao da documentação da audiência e dos recursos( Obra citada pag. 212).
Foi precisamente ao abrigo deste poder/dever de busca da verdade material que o Srº Juiz logo a seguir à identificação da testemunha Tadeu prosseguiu o seu interrogatório, inquirindo-a sobre as relações de amizade e proximidade ao arguido A... e daí se estendeu, com a curiosidade própria de quem se quer esclarecer, sobre as circunstâncias que rodearam a aquisição das viaturas. Porém, procedendo à audição do seu depoimento, não se colhe qualquer indício de abuso de poder do juiz ou comportamento processual que atente contra os princípios e direitos de defesa. O Ministério Público e defesa tiveram oportunidade de proceder à instância no pleno exercício do direito concedido pela lei processual.
Não vislumbramos nesta inquirição e em todo o seu processamento qualquer vício que atente contra os direitos da defesa.

4.- Falta de cumprimento de formalidades na transmissão aos arguidos dos depoimentos das testemunhas

Ainda no âmbito dos recursos interlocutórios, consideram os recorrentes que o tribunal errou ao decidir que o depoimento das testemunhas da acusação e da defesa fosse transmitido aos arguidos, através da intérprete, com o gravador desligado, após o depoimento completamente prestado e por súmula, através do Juiz-Presidente. Impedindo assim os arguidos de acesso imediato e oral à totalidade dos depoimentos testemunhais e a defesa de sindicar o próprio trabalho do perito-intérprete.

Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheça a língua por aquela utilizada (cfr. artº 92º, nº 2 do C. P. Penal ).
Para além deste normativo, não existe qualquer dispositivo legal que expressamente imponha que a tradução simultânea dos depoimentos prestados em audiência, perante arguido que não domine a língua portuguesa.
A citada norma ínsita no nº 2 do artigo 92º do CPP é, porém, suficientemente ampla para compreender a exigência de nomeação e intervenção de intérprete para assistir o arguido na audiência .
O que a norma não concretiza é o conteúdo da intervenção processual do intérprete.
A intervenção de intérprete para assistir arguido que desconhece ou não domina suficientemente a língua portuguesa é medida que decorre necessariamente da estruturação de um processo criminal que assegure todas as garantias de defesa ao arguido.

A este propósito dispõe o artigo 6º nº 3 al.e) da CEDH( Convenção Europeia dos Direitos do Homem):
"3 " O acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto espaço, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada.
..
e) fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo?.
Sobre estes preceitos a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) colhe-se do que foi decidido no Caso Kamasinski (Acórdão de 19/12/89, série A, nº 168), onde, entre outras questões, se suscitava a de saber se a Convenção obrigava, na comunicação da acusação ao arguido que não dominasse a língua usada no processo, à tradução escrita da peça acusatória.
Muito embora chamando a atenção para o extremo cuidado de que deve revestir-se a notificação da acusação, o TEDH ali expressamente reconheceu que a Convenção não exige a tradução escrita da peça acusatória.
Nada, pois, de substancialmente diverso do que o artigo 32º nº 1 da CRP postula como garantia de defesa do arguido, a que se conforma o preceituado nos citados artigos do Código Processo Penal ( Confº neste sentido Acórdão n.547/98 do Tribunal Constitucional no BMJ n. 479 pag. 222).
Atenta à controvérsia e à jurisprudência do TEDH em 13/07/90 a Procuradoria Geral da República difundiu a circular n.6/90: “O acusado tem direito a assistência gratuita da interpretação ou tradução de todos os actos do processo que ele necessitar compreender para beneficiar de um processo equitativo". 
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - Caso Luedicke, Belkam e Koc e Caso Osburk - o acusado tem direito, sem qualquer encargo, não só à interpretação na audiência mas ainda a tradução ou interpretação de todos os actos do processo que ele necessitar compreender para beneficiar de um processo equitativo.
O direito consagrado na alínea e) do art. 6º da Convenção, tende a impedir toda a desigualdade entre um acusado que não conhece a língua empregada no processo e um acusado que a fala e compreende; trata-se de uma regra particular relativamente à regra geral do nº1 do mesmo art. 6º.
Este direito estende-se não só à audiência de discussão e julgamento mas ainda a todos os actos do processo que o acusado tenha necessidade de compreender para beneficiar de um processo equitativo ( Confº apontamentos de jurisprudência do TEDH na Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada por Ireneu Cabral, 2ª edição pag. 176.).
Um processo equitativo exige, como elemento co-natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à da parte contrária; ou, de outro modo, a parte deve deter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em condições que a não coloquem em substancial desvantagem face ao seu opoente.
Os princípios do contraditório e da igualdade de armas são elementos incindíveis de um processo equitativo.
O princípio do contraditório implica que cada uma das partes seja chamada a deduzir as suas razões ( de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discutir sobre o valor e resultados de umas e outras.
Ora, afigura-se que a transmissão ao arguido B... do depoimento das testemunhas através de súmula, por intérprete, não compromete as suas garantias de defesa. Acresce que houve o cuidado de conferir ao arguido, através do seu mandatário, a possibilidade de pedir esclarecimentos ao intérprete ou de aditar à comunicação traduzida qualquer elemento do depoimento prestado que considerasse pertinente.
Também não se compreende a obrigatoriedade da gravação da transmissão da sumúla pelo intérprete ao arguido, porquanto não se trata de declaração oral sujeita é regra geral de documentação prevista no art. 363º do Código Processo Penal.
Em audiência com arguido estrangeiro, que determine a assistência de intérprete, a lei não exige tradução simultânea dos depoimentos das testemunhas. A transmissão destes depoimentos através de súmula garante um processo equitativo e preserva os direitos de defesa dos arguidos, consagrados na constituição. 

5.- Nulidade dos depoimentos que se reportam a reconhecimentos

Segundo a alegação do recorrente também andou mal o tribunal ao admitir como válida a prova de reconhecimentos por testemunhas em audiência sabendo que não consta dos autos a elaboração em sede própria de autos de reconhecimentos formais. Sendo que, em tais condições tais reconhecimentos mais não são do que prova induzida, ilegal e, como tal rigorosamente ineficaz como meio de prova.
No fundo defendem os recorrentes: quando no inquérito não há auto de reconhecimento, não deve este meio de prova ser admitido em audiência, porque o reconhecimento acaba por ser induzido. 
No sentido de defender que, tendo sido omitida a diligência essencial para a descoberta da verdade ( autos de reconhecimento ) em sede de inquérito, o tribunal, perante esta realidade deveria impedir – proibir – que sequer fosse aflorado em audiência, através da prova testemunhal tal matéria.
São pertinentes as observações, mas despropositadas no caso em apreço.
Esta alegada nulidade, segundo a motivação do recurso, ocorreria no depoimento da testemunha F....
Mas não houve, nem tinha que haver, auto de reconhecimento.
Da fundamentação da matéria de facto ( fls. 1271), porque a testemunha teve contactos directos com os arguidos, parece claro que ao longo do inquérito não se instalou qualquer incerteza de identificação que justificasse o auto de reconhecimento de pessoas com o formalismo consagrado no art. 147º do Código Processo Penal
Acresce que a jurisprudência do Supremo Tribunal tem relevado que o formalismo indicado naquele artigo 147º para a prova por reconhecimento não se aplica na fase de julgamento (acórdão de 1 de Fevereiro de 1996,Processo n. 48524). E também tem sublinhado que têm de considerar-se sanados quaisquer vícios do âmbito daquele artigo, existentes em reconhecimento efectuado em audiência, desde que não foi logo arguida a nulidade do acto, já que o arguido a ele assistia (acórdão de 14 de Abril de 1994, Processo n. 46223).
A este propósito são absolutamente pertinentes as considerações transcritas no acórdão do STJ de 28/5/03:
«Pesquisando as normas processuais, não se encontra, para a fase do julgamento, algo de semelhante ao que se dispõe para as perícias, onde, em qualquer altura do processo, pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos ou se realize nova perícia ou seja renovada a perícia anterior - artigo 158º.
E compreende-se que assim seja.
Como dizia um ilustre criminologista, ainda que para outra situação, ''não é possível descascar uma laranja duas vezes". Torna-se completamente inviável ''repetir" em julgamento a realização de um acto de reconhecimento nos termos completos do citado artigo 147º do Código Processo Penal. 
Se é viável e necessário que o depoente descreva os pormenores em que fundamenta a sua convicção de que determinada pessoa é a autora ou participante nos factos criminosos - n.º 1 do artigo 147º -, já a ''reconstituição" da diligência tal como configurada pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, no confronto directo ou oculto (para o depoente) com o pretenso agente criminoso se torna, pela natureza das coisas, irrepetível. »

E considera que o tribunal colectivo pode, em audiência de julgamento, proceder à identificação do arguido através da inquirição de testemunhas, inclusive através do testemunho dos ofendidos, sendo tal diligência livremente valorada face ao disposto no artigo 127.º, do Código Processo Penal ( Ac. deste STJ, de 2.05.2002 - P.º n.º 589/02 - 3.ª.).
O STJ tem-se pronunciado no sentido de que o reconhecimento do arguido efectuado em audiência não está sujeito aos requisitos exigidos pelo artigo 147º do Código Processo Penal, que apenas se aplicam à prova por reconhecimento em inquérito ou instrução( Acs. do STJ, de 11-05-2000 - P.º n.º 75/2000 - 5.ª; de 9-01-1997, P.º n.º 783/96 - 3.ª; de 6-11-1996 -P.º n.º 84/96 - 3ª; de 20-11-1996 - P.º n.º 788/96 - 3ª.).
De onde se concluiu que não ocorreu a nulidade invocada pelo arguido.

6.- Correcção da Sentença

No que concerne à sentença, o recorrente inicia o seu recurso argumentando que esta peça processual carece de correcção.
Segundo os recorrentes, o tribunal produziu a afirmação equívoca de que não ocorreram "questões prévias ou nulidades desde o despacho que saneou o processo", o que não corresponde à verdade, visto que, em sede de contestação foi arguida a nulidade e inconstitucionalidade do julgamento a vir, pelos motivos que lá constam e em sede de recursos interlocutórios foram sindicados os inúmeros despachos que indeferiram as irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades sistematicamente arguidas em acta pela defesa no decurso da própria audiência de julgamento.
Por isso deve a sentença ser corrigida quanto a essa questão equívoca.
Convém frisar que no espírito do decisor a questão não é equívoca. É óbvio que no seu entender não ocorre qualquer nulidade, pois se ocorresse seria seu dever proceder á sua correcção.
Esta expressão, usual em algumas sentenças, decorre do dever que é imposto ao julgador de suprir a todo o tempo qualquer nulidade que detecte e possa suprir. Embora seja uma expressão quase obrigatória no despacho de saneamento previsto no art. 311º do Código Processo Penal não é incorrecta quando aplicada na sentença.
Daí que não haja qualquer rectificação formal a fazer na sentença recorrida.

7.- Nulidade da sentença

Consideram os recorrentes que a sentença é nula por falta de exame crítico da prova.
A sentença para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão da regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido de valores. À decisão judicial é esperada a força de convencimento do arguido e dos membros da comunidade jurídica relativamente à bondade da solução encontrada, o que implica não só que a decisão a primeira instância respeite os requisitos previstos no art. 374º nº2  do Código Processo Penal, como também que em sede recurso se possa ir para além da questão de direito, na medida estritamente necessária, para também a decisão final possuir  a referida força de convencimento, da qual depende em grande medida a finalidade processual penal de restabelecimento da paz jurídica do arguido e da comunidade ( Veja-se Maria João Antunes na RPCC ano 4 pag. 118 e ss,; acórdão do STJ de 13/2/92 in CJ ano 1992 pag. 36 . e Acórdão do STJ de 4/10/01 in CJ do STJ tomo lll pag. 183.).
Os requisitos de fundamentação do artº 374º nº2 do Código Processo Penal, são satisfeitos quando a sentença: enumera os factos provados e não provados relevantes para decisão, que se podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão; e indica as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, quer documentais quer testemunhais, aduzindo os elementos destas provas que serviram criticamente às conclusões do colectivo.

Nos termos do art. 379 n.1 do Código Processo Penal é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º n.2.
Basta ler a fundamentação da sentença para de imediato nos apercebermos que não ocorre qualquer nulidade. Ao contrário do que vem alegado, a sentença recorrida apresenta extenso exame crítico das provas.
Procede-se a um juízo critico sobre as declarações dos arguidos e testemunhas, com razões de ciência e regras de experiência, demonstrando e tornando evidente os passos seguidos para a consolidação de convicção firme.
Conjuga-se os vários meios de prova, confrontando-os e esclarecendo porque se opta por uns em detrimentos de outros.
E com particular cuidado esclarece a fundamentação porque é que os meios de prova permitem as conclusões transpostas para a decisão de facto.
A sentença sob recurso não merece qualquer censura quanto ao cumprimento do estatuído no art. 374º, n.º 2, de C. de Processo Penal, pois apresenta a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção que esteve subjacente, de tal maneira que se percebem as razões (assentes, manifestamente, na lógica e nas regras da experiência ou do senso comum, pois se apresentam coerentes e de fácil ou linear compreensão) que determinaram a convicção do tribunal no sentido em que se concretizou e a valoração que foi concretamente feita dos meios de prova que se disponibilizaram para a efectiva produção.
Questão distinta é não concordar com o exame crítico, mas esse problema remete-nos para a reapreciação das provas, sujeito à especificação prevista no art. 413º n.3 do Código Processo Penal ou poderá resultar do texto da sentença e constituir um dos vícios previstos no art. 410º.
Não há nulidade da sentença por falta de fundamentação.

8.-Dos vícios da Sentença

8.1- Violação do princípio in dubeo pró reo
Invocam os arguido que foi ferido o Princípio da Presunção da Inocência ao verem-se os arguidos não favorecidos pela constatação da dúvida imanente do próprio texto da sentença, pela matéria de facto dada como provada e não provada conjugada com os erros notórios e contradições visíveis na fundamentação da mesma.


Há erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art. 127º do Código Processo Penal, quando afirma que “ a prova é apreciada segundo as regras da experiência”.
É de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art. 127º do Código Processo Penal, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.
O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, encontra no “ in dubio pro reo” o seu limite normativo. Livre convicção e dúvida que impede a formação, são a face e contra face de uma mesma intenção: a de imprimir a marca de razoabilidade ou de racionalidade objectiva.
A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pró reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária.
O que o princípio ordena ao juiz é que decida sobre toda  a matéria que não se veja afectada pela dúvida; ( daí resultará o assentar de factos favoráveis e desfavoráveis ao arguido que  terão, muito embora, em comum a característica fundamental de serem factos sobre os quais há certeza).
A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “ verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo ( Veja-se neste sentido acórdão do STJ de 3/10/02 in CJ tomo lll, citando Cristina Líbano Monteiro “ In Dubeo pró Reo” e Profº Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, lições coligidas Por Maria João Antunes.).
A convicção só se opera quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “ a posterior” tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse .
Compreendido o princípio da livre apreciação da prova, do princípio “ in dubeo pró reo” e a necessidade de fundamentação de facto das decisões judiciais, vejamos se no caso em apreço houve atropelo deste princípios com consequente violação das garantias do processo penal consagradas no art. 32º da Constituição.
Consideram os arguidos que não há uma única prova sólida e sem dúvidas – directa ou indirecta de que algum dos arguidos tenha participado nos furtos. Todos os elementos conjugados fazem ressaltar da matéria de facto a dúvida que se liga à possibilidade real de não terem sido estes os arguidos a cometerem os actos ilícitos que lhe forma imputados.
Ora, percorrendo a fundamentação da matéria de facto, atreitos ao texto da decisão recorrida, deparamos com uma descrição pormenorizada de todos os meios de prova, com correcta apreciação de cada um deles em função de critérios objectivos e segundo os dados da experiência comum. Reconhece-se o rigor e o cuidado que estão subjacentes à fundamentação.
E concretamente sobre a presença dos arguidos nos locais onde ocorreram os furtos, valoriza e aprecia dados probatórios que permitem concluir acima de qualquer dúvida razoável que os arguidos são os autores dos crimes.
De onde se concluiu que a participação directa do arguido A... e do arguido B... nos dois assaltos em referência, resulta de uma análise critica, objectiva e racional de todos os meios de prova e da sua conjugação com as regras da experiência, por forma a obter conclusões acima de qualquer dúvida razoável.

8.1.2- Erro notório

Ainda no âmbito da apreciação da prova consideram os recorrentes que errou o tribunal quanto à apreciação da matéria de facto em especial no que respeita à análise dos carimbos do passaporte do arguido B..., dos quais resulta de forma inequívoca que em 3 de Janeiro de 2005 o mesmo se encontrava em território albanês e não em Portugal. Devendo desse modo e nesse ponto crucial ser anulado o julgamento e o mesmo repetido.
Porque se trata de prova documental, considera que da leitura e observação do passaporte resulta indubitável que não podia ter estado no Stand de Automóveis “ Serralves” em 3 de Janeiro.
Para certificar a presença do arguido em Portugal no dia 3 de Janeiro de 2005 a sentença apresenta o seguinte fundamentação (fls. 1270 vº):
Também o arguido B..., embora sem convencer, negou ter estado naquele stand, afirmando que no dia 3.01.2005 estava na Albânia e apenas chegou a Portugal em 23.02.2005, tudo conforme resulta, disse, da cópia do respectivo passaporte que juntou a fls.1022-1034.
Porém, analisada integralmente a cópia desse passaporte, a testemunha L..., 39 anos, Inspector-Adjunto do S.E.F. na Delegação de Viseu, após explicar designadamente o significado das inscrições, formas e desenhos dos carimbos ali apostos, afirmou decisivamente, como tudo esclareceu, resultar da leitura dos mesmos que o arguido B... podia estar em Portugal em inícios de Janeiro de 2005 nomeadamente no dia 3.01.2005 e a partir do dia 15/16 de Fevereiro seguinte.

Esta ilação é absolutamente irrepreensível e não afronta as regras da experiência, a leitura da cópia do passaporte não a desmerece.
Como refere o Ministério Público, nem sempre acontece haver controle de entradas e saídas no espaço Schengen, pelo que é perfeitamente possível que depois do dia 24.12.2004, em que existe um carimbo de entrada na Albânia, o arguido B... ter saído da Albânia, antes de 15.02.2005, entrando no espaço Schengem e tornando a sair para a Albânia donde, de acordo com os carimbos, saiu em 15.02.2005. E tal demonstra-se pelo facto de não haver carimbo de entrada no espaço Schengen, depois de sair da Albânia, em 15.02.2005, data em que, inexplicavelmente, também sai da Grécia.
Com efeito, ao contrário do alegado, o carimbo da Grécia de 15.02.2005 é de saída daquele país e não de entrada e o carimbo de 23.12.2004 é de saída da Itália (via marítima, por Ancona) e não de entrada na Grécia. (cfr. fls. 1026).
Não existe, pois, erro na apreciação do passaporte, pelo que as ilações retiradas pelo tribunal sobre a possibilidade do arguido B... se encontrar em Portugal, no dia 3 de Janeiro de 2005, se mostram inteiramente acertadas, ademais confirmadas pelo depoimento da testemunha F....

8.2- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

Dizem os recorrentes que o acórdão padece ainda do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, atenta a vacuidade e falta de rigor dos elementos que se esforçou por conjugar, até chegar à decisão final condenatória.
No seu entender o tribunal não concretizou os elementos de prova objectiva e muito menos apresentou na sentença factos de ordem subjectiva e provados em audiência, capazes de sustentar a tese de que os arguidos tinham a intenção consciente, conjugada e deliberada de praticar os factos e não comprova que o arguido B... se encontrava em Portugal nos dias 20 e 22 de Fevereiro.
Podemos afirmar que ocorre insuficiência da matéria de facto provada “quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.
A insuficiência da matéria de facto há-de ser de tal ordem que patenteie a impossibilidade de um correcto juízo subsuntivo entre a materialidade fáctica apurada e a norma penal abstracta chamada à respectiva qualificação, mas apreciada na sua globalidade e não em meros pormenores, divorciados do contexto em que se descreve a sucessão de factos imputados ao agente.”
Consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.
Antes de mais é necessário que insuficiência exista internamente, dentro da própria  sentença ou acórdão.
Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para um decisão de direito ( Simas Santos Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Vol., 2. Ed., pág.ª 737 e Profº Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal Vol.lll pag. 325).
Genérica e tendencialmente, o que em termos simples a mencionada alínea pretende traduzir, é a ideia da impossibilidade da matéria de facto apurada permitir a aplicação da solução de direito preconizada pelo tribunal.
Lendo o conjunto de facto apurados verificamos que não há qualquer lacuna, o tribunal indagou e comprovou os factos suficientes para proferir a decisão que proferiu, nomeadamente os que os recorrentes dizem ser omissos.
Questão diferente é a sua fundamentação que poderá reconduzir o problema para o vício assinalado na alínea b) do n.2 art. 410º do Código Processo Penal.
Mas também por aqui não assiste razão aos recorrentes, a sentença é, como já foi referido, abundante na fundamentação, extraindo-se a carga subjectiva apurada do conjunto de factos provados. Os factos revelam que os arguidos ao praticá-los estavam conscientes da ilicitude e agiram intencionalmente.

9.- Crime continuado

Consideram os recorrentes que o tribunal também errou por não beneficiar os arguidos com a figura do crime continuado nos dois furtos, sendo certo que da própria fundamentação resultam os elementos factuais e de direito estruturantes dessa figura que nem sequer foi aflorada.
E dizemos nós de forma absolutamente sintética: o tribunal não podia beneficiar os arguidos com a forma de crime continuado, porque nem a dinâmica dos factos, nem a fundamentação o permite.
O crime continuado pressupõe, como é sabido, uma série de actividades que preencham o mesmo tipo legal de crime, resultantes de uma pluralidade de resoluções que, todavia, devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente assente na disposição exterior das coisas para o facto, ou seja, assente na existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
Neste caso não se configuram os pressupostos do crime continuado. Os arguidos embora tenham repetido o mesmo tipo legal, vencem em cada uma das circunstâncias obstáculos que estão longe de facilitar de forma considerável a reiteração criminosa.
Ou seja, nada demonstra que, praticado o primeiro crime, ficaram criadas condições que favoreceram e facilitaram a repetição das condutas posteriores, tornando sucessivamente menos exigível que os arguidos se tivessem abstido dos novos actos criminosos. Não existe considerável diminuição da culpa quando os arguidos, de forma cada vez mais censurável, intentaram nova actividade, removendo novos obstáculos.
Na apreciação conjunta dos factos estamos longe dos pressupostos que no art. 30º n.2 do Código Penal configuram o crime continuado.

10.- Medida da Pena  

Por último consideram que o tribunal lhes impôs uma pesadíssima pena de prisão e também errou pelo exagero na medida cumulada das penas aplicadas, não dando sequer a oportunidade aos arguidos de verem as suas penas suspensas nas sua execução, em especial tendo em conta as novas perspectivas e fundadas expectativas criadas pelo projecto de revisão do Código Processo Penal actualmente em liça.
Para sustentar a reformulação da pena aplicada os arguidos, citando o profº Figueiredo Dias, apelam para razões de ordem preventiva.
Ora, é precisamente na ponderação de todas as determinantes de ordem preventiva, depois de percorrer todas as circunstâncias previstas no art. 71º do Código Penal que o tribunal recorrido encontrou a pena em concreto. Em jeito de conclusão considera que o caso reclama consideráveis exigências de prevenção geral, sendo ponderosas as determinantes de socialização.
A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar ( – Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pags. 74 e ss, citado em Acórdão da Relação de Porto de 9/2/05 in Base de Dados da DGSI).
É a chamada prevenção geral positiva ou de integração, que dentro dos limites da medida da culpa determina a pena. Esta, em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. A pena não pode questionar a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Estes fins de defesa do ordenamento jurídico seriam postos em causa pela insistência numa simples pena não privativa da liberdade.
Perante os factos ilicítos que nos são apresentados e a personalidade dos seus agentes, não há dúvida que o tribunal recorrido em estrita obediência ao disposto no art. 71º do Código Penal doseou correctamente as penas de prisão que se impunham ao caso.

11.- Violação do princípio da igualdade

De forma implícita resulta da motivação e conclusões do recurso que os arguidos se consideram vítimas de tratamento desigual, quando comparadas as suas penas com a sanção que foi aplicada à arguida C....
E questionam como é possível, perante a matéria de facto dada como provada um tratamento tão desigual, quando já se tem defendido que o crime de receptação é tão ou mais grave que o de furto.

A igualdade proclamada no art. 13º da Constituição da República Portuguesa é a igualdade perante a lei, dita por vezes igualdade jurídico-formal, e ela abrange, naturalmente quaisquer direitos e deveres na ordem jurídica portuguesa.
O sentido positivo da norma consiste em :
a) tratamento igual de situações iguais ( ou tratamento semelhante de situações semelhantes).
b) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador.
c) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação.
d) tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei).
e) consideração do princípio não como uma “ilha”, antes como princípio a situar no âmbito dos padrões materiais da Constituição( Confº anotação ao art. 13º da Constituição da República Portuguesa anotada por Jorge Miranda e Rui Medeiros.).

No que ao direito penal respeita, o apelo à igualdade corresponde, em primeiro lugar, a um apelo à igualdade na protecção jurídica, de modo a que bens identicamente dignos de tutela penal merecem, em princípio, a mesma tutela. Esta lógica, todavia, não impõe uma identidade absoluta de medidas legais das penas, na medida em que à ilicitude material não é alheia a gravidade da violação do imperativo jurídico, a gravidade do desvalor da acção, a gravidade da violação do dever de cuidado e, em geral, outros critérios de punibilidade com relevância político-criminal.
Não há, deste modo, um princípio de idêntica punição de lesões de bens jurídicos do mesmo valor, na ordem axiológica constitucional. A isso se opõe a lógica da carência de protecção penal, que exprime a tradicional natureza subsidiária do direito penal. O direito penal não é o único nem o primeiro meio de protecção de bens jurídicos, mas a ultima ratio da política social.
A relevância do princípio da igualdade como critério de constitucionalidade das medidas legais das penas é, consequentemente, filtrada por uma complexa teia de condicionantes que impedem nivelações de sanções com base em abstractos juízos de valor orientados apenas pela importância objectiva dos bens jurídicos protegidos( Neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional nº 958/96 na Base de dados do Tribunal Constitucional).
De onde se conclui que sendo o crime de furto distinto do crime de receptação, não viola o princípio da igualdade o enquadramento normativo que atendendo às lógicas de política criminal os distinga. Como também não viola este princípio a sentença que em concreto aplique uma pena mais suave para o crime de receptação ou que, atendendo às especificidades do caso e outros critérios de ordem preventiva pontualmente puna o crime de receptação com maior gravidade.
Como vem referido, tanto na fixação da pena em abstracto como na pena em concreto para realidades distintas entram em consideração todas as circunstâncias que as distinguem. Por isso não tem sentido a abstracção alegada pelos recorrentes de que o furto é tão grave como a receptação. Pontualmente até pode ser, mas para temperar essa desconformidade entram em campo critérios de proporcionalidade e adequação.
No nosso caso não há seguramente violação do princípio da igualdade.

Termos em que acorda negar provimento do recurso.
Custas pelos recorrentes – fixando a taxa de justiça em 6 UC.

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra. No processo comum colectivo nº X... do 2º Juízo Criminal de Viseu, após audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que condenou os arguidos A... e B... nas seguintes penas: a) pela prática, sob a forma consumada e em co-autoria material, de um crime de furto qualificado (assalto na Matrinfra), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s 202º, al. b), d) e e), 203.°, n.°1 e 204.°, nº2, al.s a) e e), todos do Código Penal, na pena individual de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) pela prática, sob a forma consumada, em co-autoria material e concurso efectivo com aquele, de um crime de furto qualificado (assalto no Centro Social de Tourigo), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s 202º, al.s d) e e), 203.°, n.°1 e 204.°, nº2, al.e), todos do Código Penal, na pena individual de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) o arguido A... pela prática, sob a forma consumada, em autoria material e concurso efectivo com aqueles, de um crime de detenção de munição proibida, p. e p. pelo art.275º, nº4, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros). Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares foram os arguidos A... e B... condenados na pena única individual de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, acrescida para o primeiro da pena pecuniária aplicada ( Foi também julgada a arguida C..., pela prática, sob a forma consumada e autoria material, de um crime de receptação p. e p. pelo art.231º, nº2, do C. Penal e condenada na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros.). Inconformados com alguns despachos proferidos no decurso da audiência e com a decisão final, os arguidos interpuseram recurso. Os recursos foram admitidos. Para fundamentar o recurso dos despachos de 16/06/06, 28/06/06 e 3/07/06 ( confº fls. 1087 e 1197) os arguidos apresentam as seguintes conclusões: 1.- Errou o tribunal ao ordenar o afastamento dos arguidos da sala de audiência, tendo como fundamento um vago e abstracto temor aludido pela testemunha D..., sem prova de qualquer indício concreto que tal pudesse justificar. 2.- Impedindo assim os arguidos de assistir à audiência como é seu direito e deixando criar artificialmente um clima de temor falso, em todo o caso injustificado e prejudicial à imagem dos arguidos e ao seu direito inalienável a ver, na prática, -respeitado o princípio da presunção da inocência. 3.- Quando se comprovou que o longo tempo de depoimento da testemunha consentido pelo tribunal, não mais passou - pelo vazio que demonstrou - do que pretexto capaz de justificar uma decisão de afastamento da sala dos arguidos, sem qualquer fundamento válido e processualmente admissível. 4.- Da mesma forma errou o tribunal ao proceder ilegalmente à inquirição prévia da testemunha J... indicada quanto aos factos pela acusação e também pela defesa. 5.- Logo após a sua identificação e durante mais de 11 minutos, sobre factos da acusação, assaltos, circunstâncias e relações, números de telefone, pessoas, comportamentos, procedimentos, justificações e até reconhecimentos fotográficos, chamando a testemunha junto da bancada a consultar fotografias dos autos. 6.- Num inqualificável comportamento que processualmente se traduz por flagrante atentado aos mais elementares princípios e direitos da defesa (e até prerrogativas estatutárias inerentes ao M.P). 7.- Numa actuação que se traduziu também, objectivamente pela indevida limitação do campo de actuação da defesa e do próprio, pleno e digno exercício do patrocínio forense. 8.- Finalmente errou o tribunal ao decidir que o depoimento das testemunhas da acusação e da defesa seria transmitido aos arguidos, através da intérprete, com o gravador desligado, após o depoimento completamente prestado e por súmula, através do Juiz-Presidente. 9.- Impedindo assim os arguidos de acesso imediato e oral à totalidade dos depoimentos testemunhais, de intervenção no próprio acto, chamando, por exemplo o advogado a colocar questões ou a requerer acareações no decurso do próprio acto do depoimento. 10.- Impedindo a defesa e o Estado de Direito de sindicar o próprio trabalho do perito-intérprete, o qual, nas circunstâncias relatadas e com o gravador desligado, bem poderia transmitir o que bem lhe apetecesse, sem a menor possibilidade de quem quer que fosse: arguidos, defesa, M.P. ou qualquer outro cidadão. - Feriram desse modo os despachos em crise os arts. 61° n° 1, al. a); 92° nos. 2 e 4; 97° n° 4; 119° al. c); 120° n° 2, al. d); 123°; 124° n° 1; 125° a contrario sensu; 131° n° 1; 132°; 138° n° 2; 139°; 166°; 332° n° 1; 343° n° 2; 348°nos. 3,4 e 5; 352° n° 1, al. a); arts. 16° n° 2; 18° n° 1; 20° n° 4 infine; 22°; 32° nos. 1,2, 5 e 6; 204°; 205° n° 1 e 208° da Constituição da República Portuguesa; e arts. 4° n° 2; 5° n° 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais. O Ministério Público respondeu ( fls.1233) defendendo que os despachos postos em crise não padecem de qualquer ilegalidade, compaginando-se com os preceitos constitucionais sobre as garantias de defesa dos arguidos. Sobre o mérito da decisão condenatória, nas conclusões do recurso, os arguidos formulam as seguintes conclusões: 1.- Sofre o acórdão em crise dos vícios de direito e de facto explicitados na motivação oferecida e para a qual se remete - expressamente - em cada ponto destas conclusões, a saber 2.- O tribunal produziu a afirmação equívoca de que não ocorreram "questões prévias ou nulidades desde o despacho que saneou o processo", o que não corresponde à verdade. 3.- Visto que, em sede de contestação foi arguida a nulidade e inconstitucionalidade do julgamento a vir, pelos motivos que lá constam; 4.- E em sede de recursos interlocutórios foram sindicados os inúmeros despachos que indeferiram as irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades sistematicamente arguidas em acta pela defesa no decurso da própria audiência de julgamento. 5.- Devendo a sentença ser corrigida quanto a essa questão equívoca. 6.- O julgamento deve também ser considerado nulo porque o tribunal deu início ao mesmo sem proceder previamente à conexão processual devida destes autos aos do processo -"mãe" n°1976/03. 1JAPRT a correr termos pela 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, com datas prévia e concertadamente agendadas com a defesa para os dias 11.07.06 e 12.07.06 e cuja ligação umbilical a estes autos era essencial para a descoberta da verdade, como para assegurar direitos fundamentais em especial ao arguido B...; 7.- Bem como para evitar morosidades e repetição de factos e de meios de prova e ainda desperdícios de tempo, meios logísticos e dinheiro ao erário público. 8.- O julgamento deve por tais motivos ser considerado nulo porque realizado em flagrante atentado aos Princípios da equidade, celeridade e prioridade expressamente consagrados no art. 20° n° 5 da Constituição da República Portuguesa. 9.- Da mesma forma que foi ferido o Princípio da Presunção da Inocência ao verem-se os arguidos não favorecidos pela constatação da dúvida imanente do próprio texto da sentença, pela matéria de facto dada como provada e não provada conjugada com os erros notórios e contradições visíveis na fundamentação da mesma; 10.- Dúvida imanente plasmada na evidente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e que os deveria ter levado à absolvição. 11.- O Acórdão padece ainda do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, atenta a vacuidade e falta de rigor dos elementos que se esforçou por conjugar, até chegar à decisão final condenatória. 12.- Remetendo a defesa, por motivos de brevidade e expressamente para os diversos pontos concretos na motivação deste recurso. 13.- Errou também o Acórdão por ausência de real exame crítico da prova, confundindo esta obrigação imperativa com a simples e prolixa enumeração aleatória de factos, circunstancias e coincidências que serviram como pretexto para a construção de presunções e pré-convicções e não assentes em prova bastante e sólida efectivamente produzida em audiência. 14.- Da mesma forma que errou na natureza que emprestou ao cometimento dos crimes de furto e na medida da pena. Em primeiro lugar não beneficiando os arguidos com a figura do crime continuado nos dois furtos, sendo certo que da própria fundamentação resultam os elementos factuais e de direito estruturantes dessa figura que nem sequer foi aflorada. 15.- E ainda errou na aplicação das penas por tratamento desigual e gritante dos dois arguidos recorrentes, impondo-lhes uma pesadíssima pena de prisão 16.- Ao mesmo tempo que foi de uma benevolência incompreensível para com a co-arguida C...que fez o que bem lhe apeteceu, ausentando-se sem autorização no decurso da audiência e recusando-se posteriormente a vir a Juízo. 17.- E também errou pelo exagero na medida cumulada das penas aplicadas, não dando sequer a oportunidade aos arguidos de verem as suas penas suspensas nas sua execução, em especial tendo em conta as novas perspectivas e fundadas expectativas criadas pelo projecto de revisão do Código Processo Penal actualmente em liça. 18.- Devendo por tais motivos ser o julgamento anulado; ou sem prescindir, ser a pena de prisão fortemente diminuída aos arguidos e suspensa na sua execução. 19.- Também andou mal o tribunal ao admitir como válida a prova de reconhecimentos por testemunhas em audiência sabendo que não consta dos autos a elaboração em sede própria de autos de reconhecimentos formais. 20.- Sendo que, em tais condições tais reconhecimentos mais não são do que prova induzida, ilegal e, como tal rigorosamente ineficaz como meio de prova. 21.- Finalmente errou o tribunal quanto à apreciação da matéria de facto em especial no que respeita à análise dos carimbos do passaporte do arguido B.... 22.- Dos quais resulta deforma inequívoca que em 3 de Janeiro de 2005 o mesmo se encontrava em território albanês e não em Portugal. Devendo desse modo e nesse ponto crucial ser anulado o julgamento e o mesmo repetido. 23.- Feriu desse modo o Acórdão os arts. 24°; 97°n° 4; 120° n° 2, al. d); 125° a contrario sensu; 147° n° 4; 374° n° 2 infine,. 379° n° 1, als. a) e c); 380° n° 1, al. b); 410° n° 2, als. a) e c); 412° do CPP; arts. 13° n° 1; 20° n° 4 infine e n° 5; 32° n° 2; 204° e 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa; arts. 30° n° 2; 70° e 71 ° do C. Penal. Todas estas questões mereceram resposta do Ministério Público ( fls. 1321) que pugna pela manutenção da decisão recorrida. Igual posição assumiu nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir. Considerando a ordem cronológica das motivações dos recursos e a sua inserção sistemática no processo penal, temos para analisar as seguintes questões: 1.- Conexão processual do inquérito e suas implicações na garantia dos direitos de defesa; 2.- O afastamento dos arguidos da sala de audiência; 3.- A alteração da ordem das instâncias; 4.- Falta de cumprimento de formalidades na transmissão aos arguidos dos depoimentos das testemunhas; 5.- Nulidade dos depoimentos que se reportam a reconhecimentos; 6.- Correcção da sentença; 7.- Nulidade da sentença 8.- Vícios da sentença; 9.- Crime continuado; 10.- Medida da pena. 11.- Violação do princípio da igualdade. É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto: No dia 20 de Fevereiro de 2005, entre as 02H38 e as 02H53, os arguidos A... e B..., acompanhados de pelo menos dois outros indivíduos de identidade desconhecida, em execução de um plano por todos previamente traçado, fazendo-se transportar em veículo(s) de características não apuradas, munidos de um machado (cujo cabo, em madeira, tem 60 cm de comprimento e cuja lâmina mede aproximadamente 11,5 cm de comprimento, apreendido e examinado a fls.209) e ainda de outros utensílios e ferramentas de corte, dirigiram-se às instalações da sociedade “MATINFRA - Materiais de Construção, Lda, sitas na Recta da Ribeira, em Bodiosa, Travanca da Bodiosa, área da comarca de Viseu, onde se encontrava instalada uma caixa automática Multibanco (ATM), acessível ao público pelo exterior da parte frontal daquele edifício. Aí chegados e conforme combinado, actuando sempre concertadamente em comunhão de esforços e intentos: - abeiraram-se de uma caixa da PT localizada no solo do espaço envolvente daquelas instalações, abriram a respectiva tampa (de cimento) e cortaram os cabos que se encontravam no interior da mesma, impedindo desse modo qualquer comunicação telefónica com a MATINFRA naquele local, designadamente da referida caixa ATM à SIBS; - destruíram a caixa de alarme localizada na parte frontal exterior do edifício da MATINFRA; e – contornadas as instalações, cortaram a rede metálica de vedação destinada a impedir o acesso ao armazém e respectivo anexo exterior situados nas traseiras da sala de exposições de materiais de construção e do escritório da MATINFRA, abrindo desse modo um buraco na referida rede com as dimensões aproximadas de 50x60 cm, após o que por ali se introduziram no aludido armazém e respectivo anexo. De seguida, manobraram um veículo empilhador que ali se encontrava e, utilizando o respectivo elevador, acederam desse modo a uma janela das traseiras daquelas instalações ali localizada, a não menos de três metros do solo, no andar superior. Acto contínuo, agindo sempre em comunhão de esforços e de intentos, partiram o vidro da referida janela e abriram a mesma, depois de terem acedido ao dispositivo interior que a mantinha fechada. De imediato, os dois arguidos e seus acompanhantes entraram pela aludida janela no edifício da sala de exposições e do escritório da MATINFRA e, uma vez no interior da edificação, dirigiram-se à aludida máquina ATM (Multibanco) pertencente ao Banco Santander Totta, S.A. e instalada no salão de exposições. Então, os dois arguidos e seus acompanhantes, agindo sempre em conjugação de esforços e animados pelo mesmo propósito, rebentaram a porta localizada na parte traseira da máquina ATM, utilizando para o efeito as ferramentas de corte e o machado com que se encontravam munidos, logrando desse modo abri-la, após o que retiraram do interior da referida máquina Multibanco todo o dinheiro que ali se encontrava, no total de €36.090 (trinta e seis mil e noventa euros), quantia essa pertencente ao Banco Santander Totta, S.A.. Das instalações da MATINFRA, os dois arguidos e seus acompanhantes retiraram também a quantia de €270 (duzentos e setenta euros), em notas, pertencente a esta sociedade e que se encontravam nas gavetas das secretárias dos funcionários, bem como um telemóvel de marca Nokia, modelo 3100, de valor não concretamente apurado, com o IMEI 355043000212937 e com cartão nº914999103, também propriedade daquela sociedade. De seguida, os dois arguidos e seus acompanhantes abandonaram o local, levando com eles o telemóvel e as quantias em dinheiro supra referidas que posteriormente dividiram por todos e gastaram em proveito próprio. Apenas foi recuperado o telemóvel. Os arguidos A... e B... e seus acompanhantes actuaram com o propósito concretizado de fazer seus no modo sobredito o montante em dinheiro e o telemóvel por eles subtraídos, integrando-os no seu património, apesar de bem saberem que não lhes pertenciam e que, ao apoderarem-se dos mesmos e ao entrarem naquelas instalações nas circunstâncias descritas, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos proprietários. Os mesmos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, de comum e prévio acordo e em comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. * Dois dias depois, na madrugada de 22 de Fevereiro de 2005, entre as 02H30 e as 03H00, os arguidos A... e B..., acompanhados de pelo menos três outros indivíduos de identidade desconhecida, em execução de um plano por eles previamente traçado e fazendo-se transportar designadamente no veículo ligeiro de marca Lancia, modelo Thema, com a matrícula UH-53-60 e de cor cinzenta, propriedade do arguido A..., dirigiram-se às instalações do Centro Social de Tourigo, Tondela, área da comarca de Viseu, onde se encontra instalada uma caixa automática Multibanco (ATM), acessível ao público pelo exterior da parte frontal daquele edifício. Aí chegados e conforme haviam combinado, actuando sempre concertadamente em comunhão de esforços e intentos, utilizando para o efeito os utensílios e ferramentas de corte de que se haviam munido, arrancaram a grade de protecção de uma janela das traseiras do edifício, após o que forçaram o dispositivo que a mantinha fechada, rompendo-o e abrindo desse modo a referida janela localizada a não menos de metro e meio do solo. Acto contínuo, os dois arguidos e seus acompanhantes treparam pela parede e introduziram-se por aquela janela no interior do edifício, cujas dependências percorreram, forçando uma das portas interiores e rompendo a respectiva fechadura, até acederem ao compartimento onde se encontrava instalada a aludida máquina Multibanco (ATM) pertencente à então denominada Caixa de Crédito Agrícola de Mortágua. Entretanto, um deles cortou os cabos de ligação telefónica ao edifício, impedindo desse modo qualquer comunicação da referida máquina ATM à SIBS. Uma vez naquele compartimento, os arguidos A... e B... e seus acompanhantes, agindo sempre em conjugação de esforços e animados pelo mesmo propósito, serraram os eixos das dobradiças da porta localizada na parte traseira da máquina ATM, utilizando as ferramentas de corte de que se haviam previamente munido para aquele efeito, logrando desse modo abri-la, após o que retiraram do interior da referida máquina Multibanco todo o dinheiro que ali se encontrava, no total de €2.310 (dois mil e trezentos e dez euros), em notas, quantia essa pertencente à então denominada Caixa de Crédito Agrícola de Mortágua. De seguida, os dois arguidos e seus acompanhantes abandonaram o local, levando com eles a quantia em dinheiro que haviam retirado da máquina ATM ali instalada, quantia essa que posteriormente dividiram por todos e gastaram em proveito próprio. O dinheiro não foi recuperado. Com a referida conduta provocaram ainda estragos nas instalações do Centro Social, no valor não inferior a €40,00, e na máquina ATM, no valor de cerca de €14.758,33, IVA incluído. Os arguidos A... e B... e seus acompanhantes actuaram com o propósito concretizado de fazer seu o dinheiro que retiraram da caixa ATM instalada naquele Centro Social, integrando-o no seu património, apesar de bem saberem que não lhes pertencia e que, ao apoderarem-se de tal quantia e ao entrarem naquelas instalações nas circunstâncias descritas, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos proprietários. Os mesmos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, de comum e prévio acordo e em comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. * Da receptação Em data não concretamente apurada do período compreendido entre os dias 20 de Fevereiro de 2005 e 25 de Março do mesmo ano, na localidade de Árvore, Mindelo, o arguido A... deu o telemóvel de marca Nokia, modelo 3100, com o IMEI 355043000212937, em bom estado de funcionamento e com o valor não concretamente apurado – o qual havia sido retirado das instalações da Matinfra nas circunstâncias já relatadas – à arguida C..., que o aceitou e conservou em seu poder, passando a utilizá-lo como se fosse seu. Naquela ocasião, a arguida C..., então companheira do arguido A... e com o qual vivia como se marido e mulher se tratasse, não desconhecia que o mesmo se dedicava a actividades ilícitas designadamente à prática de furtos. Ao aceitar, conservar e utilizar aquele telemóvel, em razão da conjugação da forma gratuita dessa aquisição, o género de objecto em causa e o modo de vida de quem lhe ofereceu o aparelho, a arguida C...admitiu que esse telemóvel tinha sido retirado a seu dono, contra a vontade deste, mas conformando-se com essa possibilidade, por a mesma lhe ser indiferente, adquiriu-o como sobredito, por lhe ser oferecido, agindo com o intuito de obter para si vantagem patrimonial equivalente ao valor do telemóvel. Em toda a relatada actuação a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente que a mesma era proibida e punida por lei Em 23 de Junho de 2005, o aludido telemóvel foi apreendido na residência da arguida C..., sita na Rua 15 de Novembro, nº190, no Porto. * Da detenção ilegal de munição No dia 23 de Junho de 2005, o arguido A... detinha na sua residência, sita na Rua Nova, nº273, em Areia, Árvore, Vila do Conde, uma munição 9mm parabellum, com a inscrição “FNM-72”, em bom estado de conservação (apreendida a fls.189 a 191 e examinada a fls.285-286) destinada a ser disparada por arma de fogo designadamente pistola de igual calibre. O arguido A... não se encontrava legalmente autorizado a utilizar quaisquer armas de fogo, designadamente daquele calibre. O mesmo arguido conhecia as características da referida munição e das armas adequadas a dispará-la, bem sabendo que não podia detê-la fora das condições legalmente prescritas e que não desconhecia. Actuou este arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei. -- Casado com Joaquina Fátima Freitas, o arguido A... vive em Portugal, com carácter permanente, desde o ano de 1997. À data dos factos era toxicodependente. Tem um filho com um ano de idade que vive com a tia materna. Ainda no ano de 2005, o arguido A... viveu com Q... e a arguida C..., suas companheiras. À data da sua detenção e desde meados do ano de 2003 que se encontra desempregado. Tem o equivalente ao 12º ano de escolaridade com formação no ramo da electrotécnica. Tem uma condenação conhecida, a saber : - no PCC nº340/04.0PIPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto (1ª Sec.), por acórdão de 20.10.2005, transitado em julgado em 4.11.2005, por factos reportados a 17.03.2004, tendo sido condenado pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.204º, do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. O arguido B... tem curso superior de veterinária. À data dos factos encontrava-se desempregado. Não tem antecedentes criminais conhecidos. A arguida C..., desempregada há mais de um ano, vive em casa arrendada dos pais. Tem uma filha menor. À data dos factos era toxicodependente e vivia da prostituição. Tem uma condenação conhecida, a saber : - no PCS nº418/98, do 2º Jz Criminal de Matosinhos, por sentença de 26.06.2000, transitada em julgado em 29.06.2001, por factos reportados a 26.06.98, tendo sido condenado pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo art.203º, nº1, do C. Penal, em pena de multa entretanto perdoada. * Da matéria de facto não provada De resto não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa nomeadamente aqueles que estejam em contradição com os provados e bem assim que : nas circunstâncias referidas em 2º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem se abeirou da caixa da PT, abriu a tampa e cortou os cabos de ligação telefónica; nas circunstâncias referidas em 2º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem destruíu a caixa de alarme localizada na parte frontal exterior do edifício da MATINFRA nas circunstâncias referidas em 2º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem cortou a rede metálica; nas circunstâncias referidas em 3º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem manobrou o empilhador; nas circunstâncias referidas em 4º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem partiu o vidro da janela; nas circunstâncias referidas em 13º tivesse sido concretamente o arguido A... e/ou B... quem arrancou a grade de protecção, forçou e rompeu o fecho da janela, abrindo-a depois; o Centro Social de Tourigo, Tondela, tivesse dispositivo de alarme; a arguida C... sabia que o telemóvel que lhe foi dado pelo arguido A... provinha de facto ilícito típico contra o património (furto, neste caso); Motivação da decisão de facto: Quanto às condições de vida passada e presente dos arguidos o tribunal formou convicção nas declarações conjugadas dos próprios, esclarecendo-se que embora o arguido B... referisse ter duas filhas menores, a viver na Albânia, não ofereceu, podendo fazê-lo, qualquer outro elemento de prova que o corroborasse de modo a suscitar sequer uma dúvida razoável e fundada a esse respeito. Sobre os factos imputados aos arguidos cumpre referir que, após a respectiva identificação, a arguida C... se afastou injustificadamente do tribunal, acabando o julgamento por decorrer na sua ausência. Já o arguido A... falou abertamente sobre os factos, confessando-os parcialmente. Assim, confessou sem reservas que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas detinha, sem estar autorizado, a munição examinada a fls.285-286 e cujas características conhecia, como de tudo revelou estar ciente, bem sabendo que nessas condições, como aliás resultaria da experiência comum, não podia detê-la nem utilizar arma de fogo de calibre correspondente e adequada a dispará-la. De qualquer modo, como se colhe do auto de fls.189-191, essa munição foi encontrada e apreendida no dia e lugar ali mencionados, onde ao tempo o arguido A... vivia. Confessou também ter oferecido à arguida C..., então sua companheira ( De salientar que no interrogatório de 28/07/2005, cujas declarações reduzidas a auto de fls.317-320 foram lidas em audiência, o arguido A... esclareceu ter conhecido a arguida C...quando esta se prostituía nas ruas do Porto, um mês antes de irem para o Hotel Íbis.), nas circunstâncias de lugar descritas, disse, em Março de 2005, o telemóvel Nokia apreendido a esta, que por sua vez o aceitou, conservou e passou a utilizar, como se dela fosse. Telemóvel com o IMEI 355043000212937, fotografado a fls.195-196 e examinado a fls.327, que foi apreendido nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no auto de busca de fls.194, tendo sido nessa ocasião entregue pela filha da arguida ali identificada. Esse telemóvel foi reconhecido como sendo aquele que na madrugada de 20.02.2005 foi retirado das instalações da Matinfra, a quem pertencia. Contudo, a este propósito o arguido A... afirmou desconhecer a proveniência do telemóvel, pois negou ter qualquer participação no assalto às instalações da Matinfra, bem assim naquele outro no Centro Social de Tourigo, que ao tempo, aliás, desconhecia. Concretamente afirmou que viveu no Mindelo, Vila do Conde, durante dois anos e até Março de 2005, altura em que se alojou com a arguida C... no Hotel Íbis, sito na Afurada, Vila Nova de Gaia, ali permanecendo com ela durante cerca de 15 dias. Disse, que o “N...” lhe telefonou da Albânia pedindo-lhe que visitasse o “B...” na prisão, indivíduo que não conhecia e apenas viu, já neste tribunal, aquando da sessão de julgamento do dia 15.05.2006 (acta de fls.803). E como o “N...” lhe tivesse pedido na mesma ocasião para levar roupa a esse B..., roupa que este tinha na casa onde aquele morara com o “M...”, com esse propósito o declarante (A...) deslocou-se com a arguida C...a essa moradia, situada na Rua Nova, nº273, em Areia, Árvore, Vila do Conde. Ali encontrou, como acrescentou, três telemóveis, sendo um deles o citado Nokia que, a pedido da arguida C..., logo lhe ofereceu, ficando ele (A...) com os outros dois. No dia seguinte foi expulso do dito Hotel, tendo então ido morar com a C... para essa moradia. Ali viveu, disse, até à sua detenção, permanecendo a arguida consigo até Maio de 2005. Ressalvada aquela munição, as cautelas de penhor e o estojo da arma que lhe pertenciam, bem como o aparelho para medir tensão eléctrica e campos magnéticos que disse ter-lhe sido emprestado pelo seu amigo “Paulo” quando (o arguido A...) ainda morava no Mindelo, os demais objectos ali apreendidos já se encontravam nessa moradia quando foi viver para a mesma, querendo o arguido dizer assim que não lhe pertenciam, nunca os utilizou e desconhecer a sua proveniência. Afirmou ter conhecido o “N...” e o “M...” em Milão, Itália, em data anterior à vinda do arguido para Portugal, os quais a partir do Verão de 2004 ficaram alojados naquela moradia, onde viveram até à detenção do arguido B... (esta ocorrida em 23.02.2005), altura em que fugiram do nosso país. Afirmou que essa moradia foi arrendada em nome da sua mulher Joaquina Fátima Freitas para o “N...” e o “M...” viverem, sem conhecer qualquer outro indivíduo, designadamente o arguido B..., que ali pudesse ter morado com aqueles. Também o arguido B..., embora deliberadamente parco em declarações, negou ter qualquer participação nos dois assaltos em causa, afirmando que apenas chegou a Portugal, vindo de Espanha, no dia 23.02.2005, ou seja, no dia seguinte ao último daqueles furtos, sem que antes tivesse estado no nosso país, oferecendo como meio de prova cópia do respectivo passaporte sobre cujo teor depôs. Referiu também que apenas conheceu e viu o arguido A..., já neste tribunal, aquando da sessão de julgamento do dia 15.05.2006 (acta de fls.803). Porém, no essencial, as declarações dos dois arguidos não convenceram, sendo contraditórias, inverosímeis e insuficientes para infirmar outros elementos que se afiguram bastantes na sua interligação e conjugação com as regras da experiência para concluir para além de qualquer dúvida razoável que os arguidos A... e B... participaram nos dois assaltos em causa. Antes de mais cumpre notar que, a pedido do arguido A..., foi autorizada e realizada em audiência a leitura das declarações prestadas pelo mesmo na fase de inquérito (acta de fls.823) constantes dos autos de interrogatório de 28/06/2005 (fls.228-229), de 30/06/2005 (fls.253-257), de 27/07/2005 (fls.312-316) e de 28/07/2005 (fls.317-320). Assim, como o próprio reconheceu em julgamento, o arguido A... encontra-se desempregado desde meados do ano de 2003, situação tanto mais grave quanto é certo que à data dos factos era toxicodependente e jogador de casino, esclarecendo aquando do seu interrogatório judicial de 30/06/2005 (fls.253-257) ser “consumidor de heroína e cocaína há cerca de 3 anos, no que despende cerca de 250 euros por semana”, gastando em média cerca de 500 euros, embora com pouca frequência, no Casino de Espinho. Ao referido encargo com o vicio acrescem despesas com utilização de telemóveis, com a compra de carros, alojamento em Hotel e existência de objectos valiosos dados de penhor, tudo pouco conciliável com a prolongada condição de desempregado e a indiciar à luz das regras da experiência um modo de vida ajustado à subtracção do alheio. De resto, conta já com uma condenação por crime de furto qualificado praticado em 17.03.2004, única inscrita no certificado de registo criminal junto a fls.776-7, embora o próprio acrescentasse ter outra condenação recente (Março/2006), por crime de furto, em processo que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia. É claro que o arguido A... referiu então, como agora, que familiares seus lhe mandavam dinheiro do Kosovo, mediante transferências bancárias no valor de €3.000/mês. E acrescentou no interrogatório de 28/07/2005 (fls.319) que alguns amigos da sua família, a pedido do irmão, lhe chegaram a enviar dinheiro de Itália, Macedónia e Espanha. Contudo, nenhum meio de prova designadamente documental corrobora tamanhas transferências regulares de dinheiro que o arguido disse beneficiar, circunstância - de resto - pouco verosímil. Também o arguido B... referiu ter vindo trabalhar para Portugal, sem explicar que trabalho seria nem referir qualquer actividade lícita aqui exercida até à sua detenção em 23.02.2005. Aquando daquele interrogatório judicial de 30/06/2005 (fls.253-257), o arguido A... referiu que “nunca tinha estado em Viseu, e só tinha passado por aqui, sem efectuar qualquer paragem, antes de 2000, a caminho de Itália”. Em julgamento também referiu não conhecer a zona de Viseu, onde só passou no IP5, como não conhece e nunca esteve em Tondela. Mas, logo acrescentou, contraditoriamente com o afirmado naquele interrogatório, que em Janeiro de 2005 veio pelo IP5 até ao nó de Viseu, o que aconteceu quando veio buscar o N... e o M... em virtude de ter avariado o carro em que estes se faziam transportar naquela ocasião. De qualquer modo, disse, esteve por ali breves minutos e nunca mais regressou à zona de Viseu. No dia 23 de Junho de 2005 foi realizada uma busca à residência do arguido A..., sita na Rua Nova, nº273, em Areia, Árvore, Vila do Conde, onde o próprio referiu terem morado os seus conhecidos N... e M... durante alguns meses até à detenção do B.... Na sequência dessa busca, a que corresponde o sobredito auto de fls.189-191, além da foto de fls.321 desse "M...", ali foram encontrados e apreendidos vários objectos examinados a fls.285-286 designadamente uma caixa em plástico com os dizeres "BOSCH", própria para acondicionar um martelo de percussão, uma caixa de cartão referente a uma rebarbadora de marca "BOSCH" contendo um disco, um machado, uma mochila contendo no interior dois pares de luvas, uma chave de bocas, uma lanterna, uma chave de fendas, um medidor de campos magnéticos, tudo artigos que, à luz das regras da experiência, não só seriam adequados e úteis em arrombamentos semelhantes aos que foram realizados nos assaltos em questão, como são do tipo daqueles que foram necessariamente ali utilizados como é o caso da rebarbadora (ferramenta eléctrica de corte utilizada sobre o cofre das caixas ATM dada a resistência dos materiais e a existência de limalhas). Ora, confrontadas as declarações prestadas em julgamento pelo arguido A... com aquelas que realizou aquando do dito interrogatório judicial percebe-se que as mesmas não são inteiramente coincidentes quanto à proveniência de alguns desses objectos. Artigos estes dispersos pela casa e não apenas pela cozinha, sem que o arguido A... referisse uma só pessoa que os pudesse ter usado em trabalho licito designadamente o senhorio indicado naquele interrogatório. E também aqui nenhum outro meio de prova corroborou a versão do arguido, como não foi corroborada aquela outra diferente que ainda a propósito da proveniência desses objectos já apresentou aquando do interrogatório que se seguiu no dia 27.07.2005 (fls.313). Seja como for, a circunstância dos referidos objectos ali se encontrarem, quando foi morar para a moradia, não obstava à sua utilização nos assaltos em referência. De resto, no dia 8.04.2005, altura em que ainda vivia com o A... nessa moradia, a arguida C... combinou encontrar-se nesse lugar (Areia) com um indivíduo desconhecido, a fim de lhe vender, como vendeu nessa tarde uma rebarbadora, marca "BOSCH", como se colhe das escutas de fls.6-14 (Apenso 1, sessões nº249, 252 e 255). Aquando do seu interrogatório no dia 27.07.2005 (fls.313-314) o arguido A... afirmou que essa rebarbadora era aquela a que corresponde a caixa apreendida na sua residência e retratada a fls.218. Também nesse interrogatório o arguido reconheceu expressamente dedicar-se à prática de pequenos furtos designadamente de carteiras como as apreendidas na sua residência e examinadas a fls.462-464 ou a câmara de filmar que disse ter furtado no aeroporto Sá Carneiro no Porto (fls.313-314). Sobre a detenção dos objectos em prata e ouro, examinados em auto de fls.460-461, e aqueles outros valiosos dados de penhor conforme documentos de fls.303-309, o arguido A... não deu qualquer explicação plausível em julgamento, indiciando também a quantidade e valor desses artigos, dado o modo de vida do arguido e suas companheiras, a sua proveniência de furtos. Diferente da versão apresentada em julgamento foi também aquela que relatou no referido interrogatório sobre as circunstâncias em que disse ter encontrado aquele telemóvel Nokia que ofereceu à arguida C...e, diz, ter sido contactado para levar alguns bens ao arguido B.... Como certo temos que a arguida recebeu do arguido A... o referido telemóvel subtraído na Matinfra. E sobre o mencionado contacto temos também as conversações entre o dito N... e o próprio arguido A..., no dia 18.05.2005, às 16 horas e às 20.56 horas (sessões 294 e 299, escutas do Apenso 2), nas quais o “N...” e outro individuo tratam repetidamente o arguido A... por “BAL” independentemente do significado que o diminutivo possa ter na sua linguagem. Decorre também destas conversações, onde o arguido refere o seu nome completo e nas quais se percebe haver forte cumplicidade entre ambos por factos antes praticados, que o N... e outro individuo lhe pedem que faça chegar alguma roupa a um tal de “Astrit” que se encontraria detido/preso na Polícia Judiciária do Porto, tudo indicando reportar-se essa conversa telefónica com o N... àquela que o arguido A... referiu em julgamento a propósito da visita ao arguido B.... Acresce que ainda nessa comunicação o A... tranquiliza o "N..." e outro individuo, dizendo-lhe que, em Portugal, ninguém conhece a sua identificação nem a dos restantes e que apenas lhe “perguntaram por causa do carro”. Ora, aquando da detenção do arguido B... em Guimarães na madrugada de 23.02.2005, nas circunstâncias constantes do relatório de diligência externa de fls.381, foi apreendido a este arguido além do mais o telemóvel Motorola com o IMEI 353512007379081 ( Tenha-se em atenção que o IMEI é composto pelos 14 dígitos iniciais e como tal o último dígito não altera a identificação do IMEI.) (conforme cópia do auto de apreensão de fls.383), o qual no período compreendido entre os dias 8 e 23.02.2005 esteve associado ao cartão n.º939370463 (de acordo com a informação constante de fls.886-887). E a partir desta informação e outra junta a fls.1019-1020 (original desta constante de fls.1149-1150) sabemos também que o cartão n.º936586483 no período compreendido entre 7.02.2005 e 3.03.2005 esteve associado ao IMEI 353355000686150. Ora, da listagem colhida da agenda telefónica do telemóvel apreendido ao arguido B... cuja cópia se encontra a fls.394-395, para além da indicação do respectivo cartão (T–939370463) encontramos aquele número 936586483 ali atribuído a um "BAL" e que o arguido B... não quis identificar. De qualquer modo trata-se, independentemente do respectivo significado, do mesmo diminutivo usado (nas referidas conversas telefónicas) pelo N... e outro em relação ao arguido A.... De referir também que nessa agenda telefónica são atribuídos: - o n.º936 782 338 a um “M...”, sendo que o arguido B... reconheceu o “M...” na foto de fls.321; - o n.º936 782 335 a um “LLAQ”; - o n.º939 370 461 a um “PAL”, sendo que segundo o arguido B..., quando chegou a Portugal no dia 23.02.2005, antes de detido, foi um tal de “PAL” que na “casa perto do praia” lhe emprestou o dito telemóvel (Motorola com o IMEI 353512007379081 que lhe foi apreendido) para telefonar para os seus familiares na Albânia, tendo ficado posteriormente com o mesmo. No entanto, da análise da listagem de fls.429 a 431 relativa às chamadas recebidas e efectuadas através deste telemóvel não consta nessa data (23.02.2005) qualquer comunicação com a Albânia, antes do arguido ser detido, o que aconteceu na madrugada desse dia conforme relatório de diligência externa de fls.381. Sucede que para além do N... e outro individuo tratarem o arguido A... por “BAL” sabemos também, com base na informação de fls.1019-1020, que outros cartões estiveram associados ao mesmo IMEI 353355000686150 e que eram utilizados pelo arguido A..., circunstância que este não explicou, referindo não se lembrar dos números dos cartões que usava. É o caso do cartão n.º936 584 125, também associado ao IMEI 350187894748090 (segundo informação de fls.332 e 149) que foi escutado ao arguido A... conforme transcrição do Apenso 2. De resto, a testemunha E..., 32 anos, Inspectora da Directoria de Coimbra da Policia Judiciária, explicou que os cartões interceptados ao arguido A... (como foi o caso do n.º936 584 125 – cfr. fls.113, 127, 300 e 332, na sequência do pedido por si apresentado a fls.99-101 e deferido por despacho de fls.106-107) se tornaram conhecidos a partir das conversas que este mantinha com a C... e cujo telemóvel fora também escutado à arguida com o cartão nº914 299 612 (por ser o subtraído na Matrinfra), embora o teor dessas conversações não se apresentasse de interesse para a investigação. Também o cartão n.º936 578 497 surge associado ao IMEI 353355000686150 no período compreendido entre 29.12.2004 e 4.01.2005 (informação de fls.1019-1020), sendo aquele o contacto telefónico que o arguido A... deu à testemunha F..., 52 anos, comerciante de automóveis, quando lhe comprou no stand “Automóveis Serralves”, situado na Estrada Exterior da Circunvalação, Monte dos Burgos – Senhora da Hora, os dois veículos identificados na proposta de venda e declaração de fls.77-78 e 83-84 do apenso nº12/05.8GATND. Assim o disse a testemunha F..., que explora com o filho G... o dito stand de automóveis, melhor id. naquela documentação, esclarecendo ainda que no dia 3.01.2005 o arguido A... se apresentou naquele estabelecimento a fim de comprar, como contrataram na mesma ocasião, dois automóveis ligeiros, sendo um marca Alfa Romeo, mod.33.1.4, matricula 48-79-DQ ( Melhor identificado na cópia do título de registo e livrete de fls.386.), outro de marca Lancia, mod.Thema Turbo 16 v, matricula UH-53-60 ( Mais referiu ter comprado este Lancia, de cor cinzento como se observa no print informático de fls.23 do apenso nº12/05.8GATND, à “Garagem do Ave”, como aliás corroborado pela declaração de fls.72 e 74 do mesmo apenso, a quem a “Plásquimica, …Lda” o vendera anteriormente como esclarecido pela testemunha, então seu gerente, António Joaquim da Silva Ferreira Dias, 63 anos, e declaração que apresentou (fls.938).). Confirmou que lhe foram entregues para pagamento, além de duas viaturas (em retoma), as quantias de €1000 e €2000 que recebeu do arguido A..., tudo conforme referido naquela documentação, onde anotou o sobredito contacto telefónico que este arguido lhe forneceu nessa ocasião como sendo o do próprio. E foi peremptório no reconhecimento do arguido B... que, afirmou, acompanhar nessa circunstância o arguido A..., tal como um indivíduo que se identificou como H... e cujo nome completo escreveu na proposta de venda de fls.78. Os mesmos três indivíduos (H... e os arguidos B... e A...) que durante a semana que se seguiu ao negócio viu passar regularmente junto do stand, cumprimentando-o algumas vezes, sendo que o próprio arguido B..., cerca de uma semana depois, se apresentou no seu estabelecimento dizendo querer trocar aquele Alfa Romeo por não estar satisfeito com o mesmo. Já em sede de acareação com H... I..., a testemunha F... mostrou dificuldade em reconhece-lo como sendo o tal H... que estivera no seu stand, embora o admitisse. Todavia, mais uma vez foi peremptório, como explicou, no reconhecimento do arguido B..., negando que alguma vez ali tivesse estado designadamente na sobredita ocasião o indivíduo de nome M... retratado na foto de fls.321 que lhe foi exibida. Também o filho desta testemunha, G..., 30 anos, que ao tempo trabalhava com o pai naquele stand, recordou ali terem estado três indivíduos em Janeiro de 2005 que no mesmo dia levaram aquele Alfa Romeo e Lancia, deixando duas outras viaturas em retoma. Confirmou que depois do negócio esses indivíduos passavam por ali, embora sem reconhecer qualquer dos arguidos já que, afirmou, foi o seu pai que negociou aquela venda, não tendo a testemunha contacto com os mesmos. Circunstâncias que as duas testemunhas (pai e filho) relataram de forma aberta, límpida e coerente, merecendo inteira credibilidade até porque, contrariamente à testemunha H... I..., para além do referido negócio das viaturas nenhuma outra ligação têm com os arguidos. O arguido A... reconheceu ter comprado naquele stand as duas viaturas em causa. No entanto, fê-lo, disse, no interesse de outros, em datas diferentes e sem que alguma vez ali estivesse com o arguido B... e a testemunha J..., mas sim com o N...e o M.... Não assim a testemunha H... I..., 35 anos, que referiu conhecer o arguido A... em virtude do consumo de estupefacientes e desde há pelo menos dois anos e meio, tendo afirmado que foi com o arguido A... ao dito stand quando este ali fechou o negócio de compra do Lancia e Alfa Romeo. Declarou não conhecer nem ter visto o N... e/ou M..., este mesmo depois de exibida a foto de fls.321. Acrescentou que, a pedido do arguido A... e a troco de dinheiro, a testemunha ficou como tomador do seguro desses carros ( O que é corroborado pela cópia da carta verde de fls.388 e do certificado de fls.387 emitido com data de 5.01.2005 em relação ao Alfa Romeo e cujo início de validade é reportado a 4.01.2005; certificado que foi encontrado e apreendido nessa viatura aquando da detenção do arguido B....), embora não lhe pertencessem, tendo visto várias vezes aquele arguido usar posteriormente qualquer dessas viaturas. Circunstância, aliás, corroborada pelo vendedor dos veículos, a testemunha F..., e seu filho G... que referiram que nos dias que se seguiram ao negócio os dois arguidos se faziam transportar numa dessas viaturas. Também o arguido B..., embora sem convencer, negou ter estado naquele stand, afirmando que no dia 3.01.2005 estava na Albânia e apenas chegou a Portugal em 23.02.2005, tudo conforme resulta, disse, da cópia do respectivo passaporte que juntou a fls.1022-1034. Porém, analisada integralmente a cópia desse passaporte, a testemunha L..., 39 anos, Inspector-Adjunto do S.E.F. na Delegação de Viseu, após explicar designadamente o significado das inscrições, formas e desenhos dos carimbos ali apostos, afirmou decisivamente, como tudo esclareceu, resultar da leitura dos mesmos que o arguido B... podia estar em Portugal em inícios de Janeiro de 2005 nomeadamente no dia 3.01.2005 e a partir do dia 15/16 de Fevereiro seguinte. E se é certo que os dois arguidos afirmaram que apenas se conheceram, já neste tribunal, aquando da sessão de julgamento do dia 15.05.2006 (acta de fls.803), basta atentar no que o arguido A... declarou aquando do seu interrogatório no dia 27.07.2005 (fls.314 e 316) para se perceber que assim não aconteceu, conhecendo-se, como ali afirmou, desde há vários anos, chegando mesmo a ver o arguido B... e outros acompanhar o N... e o M... já em Portugal. Quis o arguido A... fazer crer em julgamento que na Directoria da Policia Judiciária do Porto (onde prestara em 28.06.2005 as declarações reduzidas a auto de fls.228-229) lhe mostraram um fotografia de alguém que diziam ser de um tal “B...”, mas que não era o arguido B..., como agora constatou ao vê-lo e só em julgamento. Mas, se dúvida houvesse perante o que declarou naquele interrogatório no dia 27.07.2005 (fls.314 e 316) sobre o conhecimento que tinha do arguido B..., já nenhuma incerteza fica a esse respeito quando lidas as declarações que o arguido A... prestou no dia 28/07/2005 (fls.317-320). Concretamente, disse, e pode ler-se a fls.318, que na noite em que foi detido pela Policia Judiciária do Porto (local para onde o arguido B... foi conduzido de acordo com o relatório de diligência externa de fls.381), o B... lhe telefonou, pedindo-lhe que esclarecesse a policia relativamente ao Alfa Romeo em que circulava, veículo que o A... tinha adquirido naquele stand e cujo seguro estava em nome do H.... Da análise da listagem de fls.408 a 431 relativa às chamadas recebidas e efectuadas, no período em que ocorreram os furtos em causa, através dos cartões de telemóvel nºs 936 782 338, 936 586 483, 936 782 335, 939 370 461 e 939 370 463, constata-se, efectivamente, que as localizações celulares de alguns desses telemóveis foram activadas, muitas delas entre si, em Viseu e Tondela, não só nas noites em que ocorreram os assaltos na Matinfra, Bodiosa – Viseu (19 para 20.02.2005) e no Centro Social de Tourigo, Tourigo - Tondela (21 para 22.02.2005), como também nalguns dias/noites anteriores. Assim, no tocante ao arguido A..., a localização celular do telemóvel associado ao referido cartão nº936 586 483 é activada em Tondela: - na noite de 8 para 9.02.2005 entre as 23.12 h e as 0.05 h; - na noite de 22.02.2005 entre as 2.31 h e as 2.34 h; Relativamente ao arguido B..., a localização celular do telemóvel associado ao referido cartão nº 939 370 463 é activada : - no dia 9.02.2005, às 15.03 h (São João de Lourosa – Viseu); - na noite de 20.02.2005, às 03:14 (Ventosa – Vouzela), às 03:57 (Bodiosa – Viseu), 4:19 (Abraveses- Viseu) e às 5:54 (Bodiosa- Viseu); - na noite de 22.02.2005, às 01:08 (Tondela), 01:19 (Torredeita – Viseu), 01:20 (Tondela), 01:28 (Tondela), 02:28 (Torredeita – Viseu), 02:34 (Tondela), 03:46 (Tondela). Ainda na noite de 20.02.2005 a localização celular dos telemóveis associados aos referidos cartões n.º936 782 338 (“M...”) é activada em Bodiosa – Viseu às 3.57 h e n.º936 782 335 (“LLAQ”) é activada em Bodiosa – Viseu às 3.14 h, 4.19 h e 5.54 h. Já na noite de 22.02.2005 a localização celular dos telemóveis associados aos referidos cartões: - n.º936 782 338 (“M...”) é activada em Tondela às 1.19 h, 1.20 h, 1.21 h, em Vila Nova da Rainha – Tondela às 1.28 h, novamente em Tondela às 2.28 h e em Guardão – Tondela às 4.03 h; - n.º936 782 335 (“LLAQ”) é activada em Tondela às 3.46 h, e em Guardão – Tondela às 4.03 h; - n.º939 370 461 (“PAL”) é activada em Tondela às 1.08 h e 1.21 h, e em Torredeita – Viseu às 2.31 h. Depois, atento o modo de actuação, designadamente desactivação de alarme e comunicações telefónicas, os assaltos em causa pressupõem conhecimentos específicos. E o arguido A... tem formação e experiência para o efeito, já que reconheceu em audiência ter trabalhado na área da informática e, logo aquando daquele seu interrogatório judicial (fls.254), disse ser electrotécnico, confirmando em julgamento ter formação neste ramo que também se ajusta ao manuseamento do aparelho medidor de campos magnéticos apreendido na sua residência. Acresce que nos interrogatórios de 27/07/2005 (fls.315-316) e 28/07/2005 (fls.317-320) o arguido A... reconheceu a sua ligação e contactos com o N... e o M..., afirmando mesmo que “eram estes dois quem mais vezes lhe ligavam para o seu telemóvel”, tendo o N... um veículo Mercedes, cor verde, guardado na garagem do arguido no Mindelo, e um Ford Mondeo que fora adquirido pelo A... e emprestado àquele. E afirmou no interrogatório de 27/07/2005 (fls.315-316) saber que o N... e o M... se dedicavam à prática de furtos designadamente em caixas de multibanco. Ademais, ao arguido B..., quando detido em Guimarães na madrugada de 23.02.2005 (fls.381), além do telemóvel Motorola cuja localização celular foi activada em Viseu e Tondela na noite dos assaltos, foram apreendidos, conforme cópia dos autos de apreensão de fls.382 e 383: - um recibo de portagem (cópia de fls.404) com entrada em Albergaria e saída às 5.19 horas do dia 22.05.2005 em Grijó, sendo a última das activações desse telemóvel em Tondela às 03:46 horas; - o sobredito Alfa Romeo, de matricula 48-79-DQ, automóvel que conduzia; - o impresso de imposto sobre veículos referente ao Ano de 2004 do mencionado Lancia, mod.Thema Turbo 16 v, matricula UH-53-60 (cópia de fls.389); - um emissor/receptador junto dos pedais do condutor, sendo também este aparelho, à luz das regras da experiência, adequado e útil na comunicação entre os assaltantes; - elevada quantidade de dinheiro em notas. Tudo objectos, viatura e documentos a respeitos dos quais, e em particular sobre as razões da sua detenção, o arguido B... nenhuma explicação quis dar em julgamento. E verdade é também que entre a 1.45 horas e as 2.00 horas de 22.02.2005 a testemunha D..., nas circunstâncias que relatou, se apercebeu e viu uma movimentação anormal de viaturas nas ruas de Tourigo, tendo observado dois carros, um deles estacionado junto do Centro Social de Tourigo. Como entretanto, já cerca das 3.30 horas, a testemunha se tivesse dirigido a Campo de Besteiros, num dos semáforos existentes já nesta localidade, anotou a matrícula de um automóvel de marca Lancia, cor cinza, por suspeitar ser um dos veículos estranhos que tinha visto em Tourigo momentos antes, como tudo explicou, descrevendo as circunstâncias em que apontou a dita matrícula e movimentação dessa viatura no trajecto comum que seguiram desde a Cortiçada (a 3/4 kms de Tourigo) até chegarem aos ditos semáforos em Campo de Besteiros. Nesse Lancia seguiam pelo menos o condutor e outro passageiro e, embora hoje não a recorde, nesse mesmo dia forneceu a respectiva matrícula à GNR e à PJ após saber do assalto no Centro Social de Tourigo. Também a testemunha O... se apercebeu nessa noite de uma movimentação anormal de veículos na localidade de Tourigo, onde vive, observando por volta das 2.30 horas que um automóvel ligeiro de cor cinza esteve parado em frente de sua casa cerca de 10 minutos, encontrando-se o condutor a fumar ( De resto, a invocação desta última circunstância mereceu em julgamento imediata reacção comprometida do arguido A... que nesse exacto instante acabrunhou com o olhar fixado entre as pernas. Aliás, outra reacção comprometedora do arguido A... foi a negação instantânea, com o movimentar da cabeça, da invocação aparentemente inofensiva da testemunha P... quando este afirmou que o Centro Social de Tourigo não estava provido de sistema de alarme. ). Enquanto isso, ouviu o barulho de outro automóvel, disse o ruído típico de funcionamento do motor de um Alfa Romeo, que circulava na estrada principal nas proximidades de sua casa. Também a testemunha R...., 47 anos, Inspector-Chefe da Policia Judiciária na Directoria de Coimbra, que colaborou nesta investigação, referiu que, a partir da inspecção efectuada a cada um dos locais, o modo de execução destes dois assaltos logo apontou para alguma conexão entre eles. Entre as diversas diligências realizadas confirmou a obtenção junto do respectivo stand automóvel de documentação relativa à venda ao arguido A... designadamente de uma viatura cuja marca e matrícula tinha sido fornecida por uma testemunha que vira esse carro em Tourigo na noite do assalto no centro social desta localidade. Confirmou também a apreensão do telemóvel subtraído na Matinfra, o qual foi escutado enquanto esteve em poder da arguida C..., tornando-se deste modo conhecida a ligação da mesma com o arguido A.... Explicou também que após a apreensão de um telemóvel ao arguido B..., aquando da detenção deste em Guimarães, foi pedida e obtida a informação sobre a localização celular dos contactos telefónicos constantes da respectiva agenda. Corroborou a apreensão de diversos objectos e instrumentos na residência do arguido A... na sequência da busca ali realizada, diligência a que a testemunha presidiu conforme auto de fls.189-191, esclarecendo entre o material ali encontrado a existência de equipamento adequado à pratica de assaltos semelhantes aos dos autos. Em conclusão, vale tudo isto dizer que não é apenas a importante transmissão à arguida C... do telemóvel furtado na Matinfra que fundamenta de facto a convicção segura de que o arguido A..., então seu companheiro, foi autor do assalto ali ocorrido em data relativamente próxima ( É claro que a detenção e/ou transmissão de objectos furtados por si só não seria indicio seguro da participação no furto.). Essa convicção, relativa à comprovada participação directa do arguido A... e também do arguido B... nos dois assaltos em referência, resulta de uma leitura critica, objectiva e racional da conjugação das regras da experiência e de todas as circunstâncias indiciárias que vimos de descrever. Circunstâncias estas relacionadas designadamente com : - a detenção/transmissão desse telemóvel e sua proximidade temporal com a ocorrência; - o modo de vida e ligação dos arguidos entre si e com o N... e o M...; - a permanência dos arguidos em Portugal; - a detenção de vários objectos e instrumentos do tipo daqueles adequados à execução dos assaltos em causa; - a prática de outros furtos por parte do arguido A... e a prática de outros assaltos a caixas ATM por parte do N... e M...; - a detenção pelos arguidos daquele dinheiro e/ou objectos valiosos; - o facto do arguido A... ser tratado por “BAL”; - o comprometimento revelado pelo arguido A... nas conversações com o N...; - a detenção e/ou utilização por parte dos dois arguidos e outros de telemóveis cuja localização celular foi activada antes e na noite dos assaltos em Viseu e Tondela; - a aquisição e utilização pelos arguidos de um veículo Lancia, matricula UH-53-60, visto nas imediações de Tourigo na noite do assalto; - a percepção de um Alfa Romeo em Tourigo na noite do assalto e a existência no Alfa Romeo, de matricula 48-79-DQ (também adquirido e utilizado pelos arguidos) de um recibo de portagem com entrada em Albergaria a hora próxima das ditas localizações celulares em Tondela; - a formação e experiência do arguido A... em aspectos técnicos supostos pelo modus operandi. Por tudo isto, temos reunidos elementos bastantes que na sua interligação com as regras da experiência permitem concluir para além de qualquer dúvida razoável que entre outros os arguidos A... e B... participaram nos ditos assaltos na Matinfra e Centro Social de Tourigo ( Em torno do princípio da livre apreciação da prova, de acordo com o qual esta é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art.127º, do C. Proc. Penal), F. Gomez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 112, ensina que nas regras da experiência incluem-se, obviamente, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, as quais se devem basear na correcção de raciocínio, bem como as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado. Lembrando as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, por via de regra, perpetrado de forma oculta, o Ac. RC 11.05.2005 (Desemb. Oliveira Mendes), www.dgsi.pt, salienta que a prova artificial ou por concurso de circunstâncias – prova indiciária ou indirecta – é absolutamente indispensável em matéria criminal, pois, de outro modo, criar-se-iam amplos espaços de impunidade se a prova indiciária não tivesse a virtualidade de ilidir o princípio da presunção de inocência. Por isso, acrescenta-se, “na ausência de prova directa, todos reconhecem a possibilidade de o tribunal deduzir racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indiciária”, contanto que obedeça, em princípio, aos seguintes requisitos: a) Existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis (Excepcionalmente casos há em que basta um só indício pelo seu especial valor, como sucede, por exemplo, com a posse de estupefacientes para o tráfico); b) Racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência (recto critério humano e correcto raciocínio). Também no Ac. RC 18.08.2004 (Desemb. Belmiro de Andrade) www.dgsi.pt: “Para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser valorada autonomamente deve exigir-se: uma pluralidade e factos-base ou indícios; que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com o mesmo; a racionalidade da inferência e expressão, na motivação da decisão, de como se chegou à inferência”. Sobre a valoração da prova indiciária ainda o importante Ac. RC 9.02.2000 (Santos Cabral), CJ, I, 51 e o recente Ac. STJ 20.04.2006 (Rodrigues da Costa), www.dgsi.pt (no mediatizado caso Joana).). Poder-se-á dizer que, como eles, muitos outros praticariam furtos semelhantes. Mas, com a concorrência dessas importantes corroborações periféricas objectivas que demonstram a verosimilhança da incriminação, é em relação aos arguidos A... e B... que se colhem dados indiciários de inquestionável credibilidade e especial relevo que os ligam à participação nos dois assaltos objecto destes autos. Por isso, mandam as regras da experiência e a lógica que se conclua terem sido autores dos furtos em apreço, sem que desta convicção baseada na conjugação de vários elementos de prova indirecta resulte sacrifício para o princípio do in dúbio pro reo ( Não é uma qualquer dúvida em matéria de facto que obriga à aplicação deste princípio, mas apenas a dúvida “razoável”, após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum. Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio. ), tanto mais que durante a discussão da causa não surgiu qualquer outra hipótese plausível que pudesse levar a conclusão diversa. Já a respeito do provado circunstancialismo em que ocorreram os furtos, danos ocasionados e material furtado, o tribunal serviu-se : Quanto ao furto na Matinfra - do testemunho de S..., 29 anos, empregada de escritório nessa empresa designadamente à data dos factos, confirmando a ocorrência do assalto nas instalações da mesma, para onde se deslocou na manhã de Domingo (ocorrência na noite de Sábado para Domingo) logo após ter noticia desse facto. Ali chegada constatou o estado vandalizado das instalações, confirmando além do mais os sobreditos danos materiais que encontrou designadamente na rede de vedação, janela, alarme, cabos telefónicos e cofre da caixa ATM ali existente, como tudo relatou em audiência corroborando e explicando o teor das fotos de fls.11-25. Confirmou também a presença de um machado estranho próximo do cofre da caixa ATM (foto 10 de fls.15, examinado a fls.209) e a posição em que encontrou o empilhador entretanto manobrado para acederem à janela através da qual entraram naquelas instalações. Referiu ainda que além do dinheiro subtraído do cofre da caixa ATM foram retirados daquelas instalações, como tudo esclareceu, pelo menos €270 e o Nokia retratado a fls.195 e associado ao cartão nº914999103, dinheiro este que tal como o dito telemóvel pertencia à Matinfra. - do testemunho de V..., 37 anos, e testemunho de Z..., desde há vários anos respectivamente gerente e funcionário da Matinfra, sociedade melhor id. no print de fls.3, confirmando a ocorrência do descrito assalto nas instalações da mesma na noite de Sábado para Domingo, esclarecendo o primeiro que o horário de funcionamento do posto de combustível ali situado era das 7:00 h às 23:00 h. Descreveram o estado das instalações quando ali chegaram, confirmando além do mais os sobreditos danos materiais que encontraram designadamente na rede de vedação, janelas, alarme, porta do armazém, cabos telefónicos e cofre da caixa ATM ali existente, como tudo relataram em audiência corroborando e explicando o teor das fotos ( Fotografias que bem documentam o estado em que tudo ficou e o modo de actuação, sem deixarem dúvidas, à semelhança das localizações celulares dos mencionados telemóveis, sobre a participação concertada de vários indivíduos.) de fls.11-25. Confirmaram a posição em que encontraram o empilhador (com as luzes partidas) entretanto manobrado para aceder à janela através da qual os assaltantes entraram naquelas instalações. Referiram ainda que além do dinheiro subtraído do cofre da caixa ATM foram retirados daquelas instalações, como tudo esclareceram, algum dinheiro que pertencia à Matinfra tal como o Nokia retratado a fls.195. - do testemunho de T..., 44 anos, funcionário em Viseu do Banco Santander Totta, S.A., que além do mais confirmou ser a caixa ATM, instalada na Matinfra, propriedade daquele banco, tendo sido subtraída do respectivo cofre, em resultado do sobredito assalto, a quantia de €36.090 jamais restituída e pertencente à mesma instituição bancária, explicando também as comunicações efectuadas entre essa caixa ATM e a SIBS. Quanto ao furto no Centro Social de Tourigo - do testemunho de P..., 41 anos, e de U..., 38 anos, respectivamente vice-presidente e funcionário do Centro Social de Tourigo designadamente à data dos factos, confirmando a ocorrência do único assalto verificado nas instalações do mesmo, o que sucedeu disse o primeiro numa noite de Segunda para Terça-Feira, mais esclarecendo a hora de encerramento (era às 24 horas), a localização e divisão interior daquele centro social, onde não havia qualquer dispositivo de alarme. Ali chegados constataram o estado das instalações, confirmando além do mais os sobreditos danos materiais que encontraram designadamente na janela das traseiras (situada a pelo menos 1,5 metros do solo) e respectivo gradeamento, através da qual acederam ao interior do centro social, bem assim numa porta interior, cabos telefónicos e cofre da caixa ATM ali existente, como tudo relataram em audiência corroborando e explicando o teor das fotos ( Reportagem fotográfica que igualmente ilustra o estado em que tudo ficou e o modo de actuação, sem deixar dúvidas, à semelhança das localizações celulares dos mencionados telemóveis, sobre a participação concertada de vários indivíduos.) de fls.12-38 do apenso nº12/05.8GATND. A testemunha P..., que situou em cerca de €50 o valor da reparação dos danos materiais ocasionados no próprio Centro Social, confirmou também a presença de vários livros sobre os quais estava tombada a porta do cofre da caixa ATM, livros do próprio centro e, assim, utilizados, disse, para amortecer e “silenciar” a queda daquela porta. Referiu ainda que além do dinheiro subtraído do cofre da caixa ATM nada mais foi retirado do centro social. - do testemunho de Fernando Ferreira de Matos, 58 anos, Director no balcão de Mortágua da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bairrada e Aguieira, antes denominada Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mortágua, que além do mais confirmou ser a caixa ATM, instalada no Centro Social de Tourigo, propriedade daquela instituição bancária, tendo sido subtraída do respectivo cofre, em resultado do sobredito assalto, a quantia de €2.310 jamais restituída e pertencente à mesma instituição. Explicou também as comunicações regularmente efectuadas entre essa caixa ATM e a SIBS, esclarecendo ter sido de €14.758,33, IVA incluído, o valor da reparação dos danos materiais daquele equipamento, valor aliás próximo do orçamento de fls.51 do apenso nº12/05.8GATND. Por fim, no tocante aos elementos subjectivos dos crimes em causa, sem prejuízo do já referido, foram consideradas as regras da experiência comum e dos arguidos A... e B... em particular em face do contexto em que foram praticados e da actuação dos respectivos autores. Também a aceitação, conservação e utilização pela arguida C... do telemóvel subtraído na Matinfra, conjugada a forma gratuita como o obteve, o género de objecto em causa e o modo de vida de quem lhe ofereceu o aparelho, seu companheiro e com quem vivia, deixa claramente perceber que a arguida pelo menos representou a possibilidade desse telemóvel ser furtado. Todavia, conformou-se com essa possibilidade, por a mesma lhe ser indiferente, adquirindo-o como sobredito designadamente por lhe ser oferecido. -- Ademais, além de todos os documentos e autos supra referidos e examinados em audiência, o tribunal baseou-se nas reportagens fotográficas de fls.29-38 do apenso nº12/05.8GATND e de fls.11-25, foto do telemóvel da Matinfra de fls.195-196, fotos de fls.213-219, transcrições das mencionadas sessões de escutas telefónicas dos Apensos 1 e 2, e certificados de registo criminal de fls.762-763, 774 e 776-777, tudo examinado em audiência. Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida em julgamento designadamente a que se expressou e na falta de consistência da mesma sobre a factualidade em causa, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar. 1.- Da conexão processual Consideram os recorrentes que o julgamento deve ser considerado nulo porque o tribunal deu início ao mesmo sem proceder previamente à conexão processual devida destes autos aos do processo -"mãe" n°1976/03. 1JAPRT a correr termos pela 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, com datas prévia e concertadamente agendadas com a defesa para os dias 11.07.06 e 12.07.06 e cuja ligação umbilical a estes autos era essencial para a descoberta da verdade, como para assegurar direitos fundamentais em especial ao arguido B..., bem como para evitar morosidades e repetição de factos e de meios de prova. Por isso foram violados os Princípios da equidade, celeridade e prioridade expressamente consagrados no art. 20° n° 5 da Constituição da República Portuguesa. Sobre esta questão são pertinentes as observações do Ministério Público: Nunca no presente processo foi solicitada, designadamente pelos arguidos a apensação deste a qualquer outro processo, mas somente se deu conhecimento que o arguido B... a tinha pedido no inquérito nº 1976/03.1JPRT ( cfr. fls. 639/640) e sobre tal matéria, perante as informações constantes de fls. 653, 775, 798, 800 e 809/812, o tribunal não ponderou sequer a possibilidade de qualquer apensação entre os dois processos, sendo certo que também a defesa dos arguidos a não requereu nos presentes autos. Efectivamente nestes autos nunca foi requerida a anexação de processos. A conexão foi solicitada por requerimento de fls. 636 dirigida ao DIAP de Porto no âmbito do inquérito n. 1976/03, onde se requer que se proceda à conexão do inquérito subjacente a este processo ao que ali corria termos. E o único despacho que foi proferido sobre esta questão é oriundo do processo comum colectivo nº 1976/03.1JAPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, datado de 11/05/06, onde expressamente se declara as Varas Criminais do Porto territorialmente incompetentes para julgar os autos, cuja competência é deferida ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia. Nesse processo estão em causa factos ocorridos nas comarcas de Vila Nova de Gaia, Felgueiras, Braga e Guimarães. Nestes autos a questão nunca foi colocada, nem tão pouco ocorreu qualquer apelo no sentido da apensação. Portanto, não faz sentido colocá-la agora, em sede de recurso. Nunca o tribunal recorrido se pronunciou sobre a apensação, nem tinha que o fazer. A competência em processo penal - a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial - é, por princípio, unitária, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural. O princípio, no entanto, e respeitando ainda exigências mínimas, pode sofrer adequações, previstas na lei e formadas segundo critérios objectivos, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, e assim afastando a competência primária relativamente a alguns dos crimes, desde que entre os vários crimes se verifique uma ligação que torne conveniente para melhor realização da justiça que todos os crimes sejam apreciados conjuntamente. A ligação entre os crimes «que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão, e consequentemente a denominada competência por conexão»; representa um desvio às regras normais de competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou de apensação de vários processos que hão-de ser julgados conjuntamente ( cfr.- GERMANO MARQUES DA SILVA, "Curso de Processo Penal", I, p. 193 da 4º edição). A conexão de processos é, pois, determinada por conveniências de justiça. Deve existir entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente uma tal ligação, que presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente, evitando-se contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça: é o que resulta das regras sobre conexão dos artigos 24º e seguintes do Código Processo Penal. Porém a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento ( art. 24º n.2). São apenas razões de celeridade processual que justificam esta limitação. De onde se infere que o requerimento para apensação de processos por conexão só pode ser solicitado e efectuado até ao julgamento. Por isso não faz sentido a arguição de nulidade do julgamento por desrespeito às regras de competência por conexão, sem que daí se extraía um juízo de preclusão do direitos fundamentais do arguido B... ou violação dos Princípios da equidade, celeridade e prioridade expressamente consagrados no art. 20° n° 5 da Constituição da República Portuguesa, porque como se referiu a conexão de processos só é determinada por conveniências de justiça e para evitar contradições de julgados. 2.- O afastamento dos arguidos da sala de audiência No decurso da audiência o tribunal recorrido, deferiu o afastamento dos arguidos da sala de audiências durante a prestação de declarações da testemunha D..., nos termos do art. 352 n.1 alínea a) ( confº fls. 905). Consideram os recorrentes que o tribunal errou ao ordenar o afastamento dos arguidos da sala de audiência, tendo como fundamento um vago e abstracto temor aludido pela testemunha, sem prova de qualquer indício concreto que tal pudesse justificar, deixando criar artificialmente um clima de temor falso, sem qualquer fundamento válido e processualmente admissível. Sobre este incidente são pertinentes as observações formuladas pelo Ministério Público na resposta: “Ora, como se vê da acta em causa, quer o requerimento do MP, quer o despacho sob recurso foram antecedidos da audição da testemunha sobre as razões pelas quais não queria testemunhar na presença dos arguidos. Nela, a testemunha manifestou o seu receio de represálias por parte dos arguidos, o que o não deixaria livre no seu depoimento, até por trabalhar de noite, devido à sua profissão de padeiro. Ora, não é necessário que se indicie ou se prove que os arguidos têm qualquer intenção de praticar actos "capazes ou tendentes a colocar em risco a liberdade de um depoimento", mas tão só que a testemunha se sinta inibida no seu depoimento por razões compreensíveis, tendo em conta o conhecimento que tem dos factos, o tipo de crimes imputados aos arguidos ou as circunstâncias em que os mesmos foram cometidos, de tal modo que nos façam acreditar que os seus receios não são de todo infundados. Assim, o despacho sob recurso enquadra-se perfeitamente no disposto no art. 352°, n. 1, al.a) do CPP, não padecendo de qualquer ilegalidade.” Dispõe o art. 87º n 1 e 2 do Código Processo Penal que: 1 – Aos actos processuais declarados públicos pela lei, nomeadamente as audiências, pode assistir qualquer pessoa. Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente pode, porém, o juiz decidir por despacho, restringir a livre assistência do público ou que o acto, ou parte dele, decorra com exclusão da publicidade. 2 – O despacho referido na segunda parte do número anterior deve fundar-se em factos ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade causaria grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto e deve ser revogado logo que cessarem os motivos que lhe deram causa. Por sua vez, o art. 352º n.º 1, al. a) do CPP preceitua que: O tribunal ordena o afastamento do arguido da sala de audiências durante a prestação de declarações, se: houver razões para crer que a presença do arguido inibiria o declarante de dizer a verdade. E o art. 321º nº 1, do mesmo diploma legal diz que: a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável, salvo nos casos em que o presidente decidir a exclusão ou a restrição da publicidade. O princípio da publicidade do processo, quer na vertente da assistência do público, quer no direito de assistência do arguido às audiências de julgamento, são direitos constitucionalmente consagrados (cfr. arts. 32º nº 5 e 209º , ambos da CRP), mas que não são absolutos; tanto assim é que o próprio art. 209º, da CRP expressamente excepciona tal publicidade, quando o próprio tribunal decidir o contrário em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral ou para garantir o seu normal funcionamento. Ora, como refere o Ministério Público, e resulta da fundamentação do despacho que está subjacente ao recurso (inserto a fls. 905), o receio expresso pelo Tribunal “a quo” mostra-se justificado; o crime é grave e os arguidos dão sinais de perigosidade, pelo que naturalmente poderão inibir a testemunha de depor perante eles. Acresce que o contraditório (fundamental para os arguidos e constitucionalmente consagrado) foi devidamente respeitado, quer pela audição dos sujeitos processuais (art. 321º n.º 3, do CPP), quer pela devida informação posteriormente prestada pelo Juiz-Presidente, aos arguidos, do que se passou na sua ausência (art. 332 nº 7, aplicável por força do art. 352º n.º 2, ambos do CPP). Nesta ponderação de interesses, sem desvirtuar os direitos processualmente garantidos aos arguidos, a lei na preservação da verdade material concede a favor do recato da testemunha. Por isso não há ilegalidade no afastamento dos arguidos durante a prestação deste depoimento. 3.- A alteração da ordem das instâncias Também no decurso da audiência os arguidos manifestaram discordância por o tribunal ter procedido em primeiro lugar à inquirição prévia da testemunha J..., que tinha sido indicada quanto aos factos pela acusação e também pela defesa. Considera o recorrente que foi invertida a dignidade dos princípios no julgamento, passando o inquisitório (princípio subsidiário) a preferir sobre o princípio do acusatório que é a regra e impera em processo penal. O tribunal não pode, através do pretexto de identificação das testemunhas e no seu seguimento, antes do depoimento prestado, inquirir a mesma sobre factos ou circunstâncias da acusação, sob pena de violar o disposto no art. 348º do Código Processo Penal. A questão não é clara e entre “o não pode” e “o não deve” há alguns considerandos que se tornam oportunos. Dispõe o art. 348º n.5 do Código Processo Penal que os juízes podem, a qualquer momento, formular à testemunha as perguntas que entenderem necessárias para esclarecimento do depoimento prestado e para a boa decisão da causa. E adiantam os recorrentes: é uma intervenção excepcional, deve ser fundamentada e só pode ocorrer depois da testemunha ter prestado depoimento por quem a indicou. A questão prende-se com a interpretação que se faça dos princípios estruturantes do Código Processo Penal. Estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação. O art. 348º do Código Processo Penal evidencia o afloramento do princípio do inquisitório quando concede ao juiz e até impõe um poder/dever de interrogar as testemunhas sempre que o entender, em prol da defesa da verdade material. Através do princípio da investigação pretende-se traduzir o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente – isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o «facto» sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão. Com a integração deste princípio numa estrutura basicamente acusatória logra-se acentuar convenientemente o carácter indisponível do objecto e do conteúdo do processo penal, a sua intenção dirigida à verdade material, as limitações indispensáveis à liberdade do arguido que não ponham em causa a sua dignidade nem o seu direito de defesa; sem que tal tenha de obter-se em detrimento do total aproveitamento da actividade probatória das partes, da ideia mestra da sua fundamental igualdade, da exigência salutar de que a verdade material seja também processualmente válida, da concessão à acusação e à defesa do mais dilatado âmbito de actuação no processo. Enfim, trata-se do reconhecimento da sua participação constitutiva na declaração do direito do caso, no seio de uma estrutura processual que garante a indispensável cisão entre a entidade investigadora (acusadora) e a julgadora ( Cfr. Figueiredo Dias « Os princípios Estruturantes do Processo e a revisão de 1998 do Código Processo Penal ; RPCC ano 8 Fasc. 2 pag. 203.). A testemunha é inquirida por quem a indicou, estando assegurado o contraditório e a possibilidade de os juízes formularem a qualquer momento, as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento do depoimento prestado e para a boa decisão da causa (art. 348º n. 4 e n.5 ); inquirição que deverá respeitar regras como o privilégio da não incriminação ( art. 132º nº2 ), a da restrição das perguntas a factos ( art. 128º nº1 ), a da proibição do testemunho de ouvir dizer ( art. 129º), inclusivamente a de pela via das perguntas se não subverter a proibição de leituras de autos e declarações ( art. 355º - 357º). E para evitar a parcialidade do juiz o Código Processo Penal lança mão, na medida apropriada, de todos os instrumentos conhecidos para atalhar um tal risco – desde o sistema das nulidades e das proibições de prova ao da documentação da audiência e dos recursos( Obra citada pag. 212). Foi precisamente ao abrigo deste poder/dever de busca da verdade material que o Srº Juiz logo a seguir à identificação da testemunha Tadeu prosseguiu o seu interrogatório, inquirindo-a sobre as relações de amizade e proximidade ao arguido A... e daí se estendeu, com a curiosidade própria de quem se quer esclarecer, sobre as circunstâncias que rodearam a aquisição das viaturas. Porém, procedendo à audição do seu depoimento, não se colhe qualquer indício de abuso de poder do juiz ou comportamento processual que atente contra os princípios e direitos de defesa. O Ministério Público e defesa tiveram oportunidade de proceder à instância no pleno exercício do direito concedido pela lei processual. Não vislumbramos nesta inquirição e em todo o seu processamento qualquer vício que atente contra os direitos da defesa. 4.- Falta de cumprimento de formalidades na transmissão aos arguidos dos depoimentos das testemunhas Ainda no âmbito dos recursos interlocutórios, consideram os recorrentes que o tribunal errou ao decidir que o depoimento das testemunhas da acusação e da defesa fosse transmitido aos arguidos, através da intérprete, com o gravador desligado, após o depoimento completamente prestado e por súmula, através do Juiz-Presidente. Impedindo assim os arguidos de acesso imediato e oral à totalidade dos depoimentos testemunhais e a defesa de sindicar o próprio trabalho do perito-intérprete. Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheça a língua por aquela utilizada (cfr. artº 92º, nº 2 do C. P. Penal ). Para além deste normativo, não existe qualquer dispositivo legal que expressamente imponha que a tradução simultânea dos depoimentos prestados em audiência, perante arguido que não domine a língua portuguesa. A citada norma ínsita no nº 2 do artigo 92º do CPP é, porém, suficientemente ampla para compreender a exigência de nomeação e intervenção de intérprete para assistir o arguido na audiência . O que a norma não concretiza é o conteúdo da intervenção processual do intérprete. A intervenção de intérprete para assistir arguido que desconhece ou não domina suficientemente a língua portuguesa é medida que decorre necessariamente da estruturação de um processo criminal que assegure todas as garantias de defesa ao arguido. A este propósito dispõe o artigo 6º nº 3 al.e) da CEDH( Convenção Europeia dos Direitos do Homem): "3 " O acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto espaço, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada. .. e) fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo?. Sobre estes preceitos a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) colhe-se do que foi decidido no Caso Kamasinski (Acórdão de 19/12/89, série A, nº 168), onde, entre outras questões, se suscitava a de saber se a Convenção obrigava, na comunicação da acusação ao arguido que não dominasse a língua usada no processo, à tradução escrita da peça acusatória. Muito embora chamando a atenção para o extremo cuidado de que deve revestir-se a notificação da acusação, o TEDH ali expressamente reconheceu que a Convenção não exige a tradução escrita da peça acusatória. Nada, pois, de substancialmente diverso do que o artigo 32º nº 1 da CRP postula como garantia de defesa do arguido, a que se conforma o preceituado nos citados artigos do Código Processo Penal ( Confº neste sentido Acórdão n.547/98 do Tribunal Constitucional no BMJ n. 479 pag. 222). Atenta à controvérsia e à jurisprudência do TEDH em 13/07/90 a Procuradoria Geral da República difundiu a circular n.6/90: “O acusado tem direito a assistência gratuita da interpretação ou tradução de todos os actos do processo que ele necessitar compreender para beneficiar de um processo equitativo". Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - Caso Luedicke, Belkam e Koc e Caso Osburk - o acusado tem direito, sem qualquer encargo, não só à interpretação na audiência mas ainda a tradução ou interpretação de todos os actos do processo que ele necessitar compreender para beneficiar de um processo equitativo. O direito consagrado na alínea e) do art. 6º da Convenção, tende a impedir toda a desigualdade entre um acusado que não conhece a língua empregada no processo e um acusado que a fala e compreende; trata-se de uma regra particular relativamente à regra geral do nº1 do mesmo art. 6º. Este direito estende-se não só à audiência de discussão e julgamento mas ainda a todos os actos do processo que o acusado tenha necessidade de compreender para beneficiar de um processo equitativo ( Confº apontamentos de jurisprudência do TEDH na Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada por Ireneu Cabral, 2ª edição pag. 176.). Um processo equitativo exige, como elemento co-natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à da parte contrária; ou, de outro modo, a parte deve deter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em condições que a não coloquem em substancial desvantagem face ao seu opoente. Os princípios do contraditório e da igualdade de armas são elementos incindíveis de um processo equitativo. O princípio do contraditório implica que cada uma das partes seja chamada a deduzir as suas razões ( de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discutir sobre o valor e resultados de umas e outras. Ora, afigura-se que a transmissão ao arguido B... do depoimento das testemunhas através de súmula, por intérprete, não compromete as suas garantias de defesa. Acresce que houve o cuidado de conferir ao arguido, através do seu mandatário, a possibilidade de pedir esclarecimentos ao intérprete ou de aditar à comunicação traduzida qualquer elemento do depoimento prestado que considerasse pertinente. Também não se compreende a obrigatoriedade da gravação da transmissão da sumúla pelo intérprete ao arguido, porquanto não se trata de declaração oral sujeita é regra geral de documentação prevista no art. 363º do Código Processo Penal. Em audiência com arguido estrangeiro, que determine a assistência de intérprete, a lei não exige tradução simultânea dos depoimentos das testemunhas. A transmissão destes depoimentos através de súmula garante um processo equitativo e preserva os direitos de defesa dos arguidos, consagrados na constituição. 5.- Nulidade dos depoimentos que se reportam a reconhecimentos Segundo a alegação do recorrente também andou mal o tribunal ao admitir como válida a prova de reconhecimentos por testemunhas em audiência sabendo que não consta dos autos a elaboração em sede própria de autos de reconhecimentos formais. Sendo que, em tais condições tais reconhecimentos mais não são do que prova induzida, ilegal e, como tal rigorosamente ineficaz como meio de prova. No fundo defendem os recorrentes: quando no inquérito não há auto de reconhecimento, não deve este meio de prova ser admitido em audiência, porque o reconhecimento acaba por ser induzido. No sentido de defender que, tendo sido omitida a diligência essencial para a descoberta da verdade ( autos de reconhecimento ) em sede de inquérito, o tribunal, perante esta realidade deveria impedir – proibir – que sequer fosse aflorado em audiência, através da prova testemunhal tal matéria. São pertinentes as observações, mas despropositadas no caso em apreço. Esta alegada nulidade, segundo a motivação do recurso, ocorreria no depoimento da testemunha F.... Mas não houve, nem tinha que haver, auto de reconhecimento. Da fundamentação da matéria de facto ( fls. 1271), porque a testemunha teve contactos directos com os arguidos, parece claro que ao longo do inquérito não se instalou qualquer incerteza de identificação que justificasse o auto de reconhecimento de pessoas com o formalismo consagrado no art. 147º do Código Processo Penal Acresce que a jurisprudência do Supremo Tribunal tem relevado que o formalismo indicado naquele artigo 147º para a prova por reconhecimento não se aplica na fase de julgamento (acórdão de 1 de Fevereiro de 1996,Processo n. 48524). E também tem sublinhado que têm de considerar-se sanados quaisquer vícios do âmbito daquele artigo, existentes em reconhecimento efectuado em audiência, desde que não foi logo arguida a nulidade do acto, já que o arguido a ele assistia (acórdão de 14 de Abril de 1994, Processo n. 46223). A este propósito são absolutamente pertinentes as considerações transcritas no acórdão do STJ de 28/5/03: «Pesquisando as normas processuais, não se encontra, para a fase do julgamento, algo de semelhante ao que se dispõe para as perícias, onde, em qualquer altura do processo, pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos ou se realize nova perícia ou seja renovada a perícia anterior - artigo 158º. E compreende-se que assim seja. Como dizia um ilustre criminologista, ainda que para outra situação, ''não é possível descascar uma laranja duas vezes". Torna-se completamente inviável ''repetir" em julgamento a realização de um acto de reconhecimento nos termos completos do citado artigo 147º do Código Processo Penal. Se é viável e necessário que o depoente descreva os pormenores em que fundamenta a sua convicção de que determinada pessoa é a autora ou participante nos factos criminosos - n.º 1 do artigo 147º -, já a ''reconstituição" da diligência tal como configurada pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, no confronto directo ou oculto (para o depoente) com o pretenso agente criminoso se torna, pela natureza das coisas, irrepetível. » E considera que o tribunal colectivo pode, em audiência de julgamento, proceder à identificação do arguido através da inquirição de testemunhas, inclusive através do testemunho dos ofendidos, sendo tal diligência livremente valorada face ao disposto no artigo 127.º, do Código Processo Penal ( Ac. deste STJ, de 2.05.2002 - P.º n.º 589/02 - 3.ª.). O STJ tem-se pronunciado no sentido de que o reconhecimento do arguido efectuado em audiência não está sujeito aos requisitos exigidos pelo artigo 147º do Código Processo Penal, que apenas se aplicam à prova por reconhecimento em inquérito ou instrução( Acs. do STJ, de 11-05-2000 - P.º n.º 75/2000 - 5.ª; de 9-01-1997, P.º n.º 783/96 - 3.ª; de 6-11-1996 -P.º n.º 84/96 - 3ª; de 20-11-1996 - P.º n.º 788/96 - 3ª.). De onde se concluiu que não ocorreu a nulidade invocada pelo arguido. 6.- Correcção da Sentença No que concerne à sentença, o recorrente inicia o seu recurso argumentando que esta peça processual carece de correcção. Segundo os recorrentes, o tribunal produziu a afirmação equívoca de que não ocorreram "questões prévias ou nulidades desde o despacho que saneou o processo", o que não corresponde à verdade, visto que, em sede de contestação foi arguida a nulidade e inconstitucionalidade do julgamento a vir, pelos motivos que lá constam e em sede de recursos interlocutórios foram sindicados os inúmeros despachos que indeferiram as irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades sistematicamente arguidas em acta pela defesa no decurso da própria audiência de julgamento. Por isso deve a sentença ser corrigida quanto a essa questão equívoca. Convém frisar que no espírito do decisor a questão não é equívoca. É óbvio que no seu entender não ocorre qualquer nulidade, pois se ocorresse seria seu dever proceder á sua correcção. Esta expressão, usual em algumas sentenças, decorre do dever que é imposto ao julgador de suprir a todo o tempo qualquer nulidade que detecte e possa suprir. Embora seja uma expressão quase obrigatória no despacho de saneamento previsto no art. 311º do Código Processo Penal não é incorrecta quando aplicada na sentença. Daí que não haja qualquer rectificação formal a fazer na sentença recorrida. 7.- Nulidade da sentença Consideram os recorrentes que a sentença é nula por falta de exame crítico da prova. A sentença para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão da regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido de valores. À decisão judicial é esperada a força de convencimento do arguido e dos membros da comunidade jurídica relativamente à bondade da solução encontrada, o que implica não só que a decisão a primeira instância respeite os requisitos previstos no art. 374º nº2 do Código Processo Penal, como também que em sede recurso se possa ir para além da questão de direito, na medida estritamente necessária, para também a decisão final possuir a referida força de convencimento, da qual depende em grande medida a finalidade processual penal de restabelecimento da paz jurídica do arguido e da comunidade ( Veja-se Maria João Antunes na RPCC ano 4 pag. 118 e ss,; acórdão do STJ de 13/2/92 in CJ ano 1992 pag. 36 . e Acórdão do STJ de 4/10/01 in CJ do STJ tomo lll pag. 183.). Os requisitos de fundamentação do artº 374º nº2 do Código Processo Penal, são satisfeitos quando a sentença: enumera os factos provados e não provados relevantes para decisão, que se podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão; e indica as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, quer documentais quer testemunhais, aduzindo os elementos destas provas que serviram criticamente às conclusões do colectivo. Nos termos do art. 379 n.1 do Código Processo Penal é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º n.2. Basta ler a fundamentação da sentença para de imediato nos apercebermos que não ocorre qualquer nulidade. Ao contrário do que vem alegado, a sentença recorrida apresenta extenso exame crítico das provas. Procede-se a um juízo critico sobre as declarações dos arguidos e testemunhas, com razões de ciência e regras de experiência, demonstrando e tornando evidente os passos seguidos para a consolidação de convicção firme. Conjuga-se os vários meios de prova, confrontando-os e esclarecendo porque se opta por uns em detrimentos de outros. E com particular cuidado esclarece a fundamentação porque é que os meios de prova permitem as conclusões transpostas para a decisão de facto. A sentença sob recurso não merece qualquer censura quanto ao cumprimento do estatuído no art. 374º, n.º 2, de C. de Processo Penal, pois apresenta a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção que esteve subjacente, de tal maneira que se percebem as razões (assentes, manifestamente, na lógica e nas regras da experiência ou do senso comum, pois se apresentam coerentes e de fácil ou linear compreensão) que determinaram a convicção do tribunal no sentido em que se concretizou e a valoração que foi concretamente feita dos meios de prova que se disponibilizaram para a efectiva produção. Questão distinta é não concordar com o exame crítico, mas esse problema remete-nos para a reapreciação das provas, sujeito à especificação prevista no art. 413º n.3 do Código Processo Penal ou poderá resultar do texto da sentença e constituir um dos vícios previstos no art. 410º. Não há nulidade da sentença por falta de fundamentação. 8.-Dos vícios da Sentença 8.1- Violação do princípio in dubeo pró reo Invocam os arguido que foi ferido o Princípio da Presunção da Inocência ao verem-se os arguidos não favorecidos pela constatação da dúvida imanente do próprio texto da sentença, pela matéria de facto dada como provada e não provada conjugada com os erros notórios e contradições visíveis na fundamentação da mesma. Há erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art. 127º do Código Processo Penal, quando afirma que “ a prova é apreciada segundo as regras da experiência”. É de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art. 127º do Código Processo Penal, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência. O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, encontra no “ in dubio pro reo” o seu limite normativo. Livre convicção e dúvida que impede a formação, são a face e contra face de uma mesma intenção: a de imprimir a marca de razoabilidade ou de racionalidade objectiva. A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pró reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. O que o princípio ordena ao juiz é que decida sobre toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida; ( daí resultará o assentar de factos favoráveis e desfavoráveis ao arguido que terão, muito embora, em comum a característica fundamental de serem factos sobre os quais há certeza). A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “ verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo ( Veja-se neste sentido acórdão do STJ de 3/10/02 in CJ tomo lll, citando Cristina Líbano Monteiro “ In Dubeo pró Reo” e Profº Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, lições coligidas Por Maria João Antunes.). A convicção só se opera quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “ a posterior” tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse . Compreendido o princípio da livre apreciação da prova, do princípio “ in dubeo pró reo” e a necessidade de fundamentação de facto das decisões judiciais, vejamos se no caso em apreço houve atropelo deste princípios com consequente violação das garantias do processo penal consagradas no art. 32º da Constituição. Consideram os arguidos que não há uma única prova sólida e sem dúvidas – directa ou indirecta de que algum dos arguidos tenha participado nos furtos. Todos os elementos conjugados fazem ressaltar da matéria de facto a dúvida que se liga à possibilidade real de não terem sido estes os arguidos a cometerem os actos ilícitos que lhe forma imputados. Ora, percorrendo a fundamentação da matéria de facto, atreitos ao texto da decisão recorrida, deparamos com uma descrição pormenorizada de todos os meios de prova, com correcta apreciação de cada um deles em função de critérios objectivos e segundo os dados da experiência comum. Reconhece-se o rigor e o cuidado que estão subjacentes à fundamentação. E concretamente sobre a presença dos arguidos nos locais onde ocorreram os furtos, valoriza e aprecia dados probatórios que permitem concluir acima de qualquer dúvida razoável que os arguidos são os autores dos crimes. De onde se concluiu que a participação directa do arguido A... e do arguido B... nos dois assaltos em referência, resulta de uma análise critica, objectiva e racional de todos os meios de prova e da sua conjugação com as regras da experiência, por forma a obter conclusões acima de qualquer dúvida razoável. 8.1.2- Erro notório Ainda no âmbito da apreciação da prova consideram os recorrentes que errou o tribunal quanto à apreciação da matéria de facto em especial no que respeita à análise dos carimbos do passaporte do arguido B..., dos quais resulta de forma inequívoca que em 3 de Janeiro de 2005 o mesmo se encontrava em território albanês e não em Portugal. Devendo desse modo e nesse ponto crucial ser anulado o julgamento e o mesmo repetido. Porque se trata de prova documental, considera que da leitura e observação do passaporte resulta indubitável que não podia ter estado no Stand de Automóveis “ Serralves” em 3 de Janeiro. Para certificar a presença do arguido em Portugal no dia 3 de Janeiro de 2005 a sentença apresenta o seguinte fundamentação (fls. 1270 vº): Também o arguido B..., embora sem convencer, negou ter estado naquele stand, afirmando que no dia 3.01.2005 estava na Albânia e apenas chegou a Portugal em 23.02.2005, tudo conforme resulta, disse, da cópia do respectivo passaporte que juntou a fls.1022-1034. Porém, analisada integralmente a cópia desse passaporte, a testemunha L..., 39 anos, Inspector-Adjunto do S.E.F. na Delegação de Viseu, após explicar designadamente o significado das inscrições, formas e desenhos dos carimbos ali apostos, afirmou decisivamente, como tudo esclareceu, resultar da leitura dos mesmos que o arguido B... podia estar em Portugal em inícios de Janeiro de 2005 nomeadamente no dia 3.01.2005 e a partir do dia 15/16 de Fevereiro seguinte. Esta ilação é absolutamente irrepreensível e não afronta as regras da experiência, a leitura da cópia do passaporte não a desmerece. Como refere o Ministério Público, nem sempre acontece haver controle de entradas e saídas no espaço Schengen, pelo que é perfeitamente possível que depois do dia 24.12.2004, em que existe um carimbo de entrada na Albânia, o arguido B... ter saído da Albânia, antes de 15.02.2005, entrando no espaço Schengem e tornando a sair para a Albânia donde, de acordo com os carimbos, saiu em 15.02.2005. E tal demonstra-se pelo facto de não haver carimbo de entrada no espaço Schengen, depois de sair da Albânia, em 15.02.2005, data em que, inexplicavelmente, também sai da Grécia. Com efeito, ao contrário do alegado, o carimbo da Grécia de 15.02.2005 é de saída daquele país e não de entrada e o carimbo de 23.12.2004 é de saída da Itália (via marítima, por Ancona) e não de entrada na Grécia. (cfr. fls. 1026). Não existe, pois, erro na apreciação do passaporte, pelo que as ilações retiradas pelo tribunal sobre a possibilidade do arguido B... se encontrar em Portugal, no dia 3 de Janeiro de 2005, se mostram inteiramente acertadas, ademais confirmadas pelo depoimento da testemunha F.... 8.2- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada Dizem os recorrentes que o acórdão padece ainda do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, atenta a vacuidade e falta de rigor dos elementos que se esforçou por conjugar, até chegar à decisão final condenatória. No seu entender o tribunal não concretizou os elementos de prova objectiva e muito menos apresentou na sentença factos de ordem subjectiva e provados em audiência, capazes de sustentar a tese de que os arguidos tinham a intenção consciente, conjugada e deliberada de praticar os factos e não comprova que o arguido B... se encontrava em Portugal nos dias 20 e 22 de Fevereiro. Podemos afirmar que ocorre insuficiência da matéria de facto provada “quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”. A insuficiência da matéria de facto há-de ser de tal ordem que patenteie a impossibilidade de um correcto juízo subsuntivo entre a materialidade fáctica apurada e a norma penal abstracta chamada à respectiva qualificação, mas apreciada na sua globalidade e não em meros pormenores, divorciados do contexto em que se descreve a sucessão de factos imputados ao agente.” Consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais é necessário que insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para um decisão de direito ( Simas Santos Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Vol., 2. Ed., pág.ª 737 e Profº Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal Vol.lll pag. 325). Genérica e tendencialmente, o que em termos simples a mencionada alínea pretende traduzir, é a ideia da impossibilidade da matéria de facto apurada permitir a aplicação da solução de direito preconizada pelo tribunal. Lendo o conjunto de facto apurados verificamos que não há qualquer lacuna, o tribunal indagou e comprovou os factos suficientes para proferir a decisão que proferiu, nomeadamente os que os recorrentes dizem ser omissos. Questão diferente é a sua fundamentação que poderá reconduzir o problema para o vício assinalado na alínea b) do n.2 art. 410º do Código Processo Penal. Mas também por aqui não assiste razão aos recorrentes, a sentença é, como já foi referido, abundante na fundamentação, extraindo-se a carga subjectiva apurada do conjunto de factos provados. Os factos revelam que os arguidos ao praticá-los estavam conscientes da ilicitude e agiram intencionalmente. 9.- Crime continuado Consideram os recorrentes que o tribunal também errou por não beneficiar os arguidos com a figura do crime continuado nos dois furtos, sendo certo que da própria fundamentação resultam os elementos factuais e de direito estruturantes dessa figura que nem sequer foi aflorada. E dizemos nós de forma absolutamente sintética: o tribunal não podia beneficiar os arguidos com a forma de crime continuado, porque nem a dinâmica dos factos, nem a fundamentação o permite. O crime continuado pressupõe, como é sabido, uma série de actividades que preencham o mesmo tipo legal de crime, resultantes de uma pluralidade de resoluções que, todavia, devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente assente na disposição exterior das coisas para o facto, ou seja, assente na existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. Neste caso não se configuram os pressupostos do crime continuado. Os arguidos embora tenham repetido o mesmo tipo legal, vencem em cada uma das circunstâncias obstáculos que estão longe de facilitar de forma considerável a reiteração criminosa. Ou seja, nada demonstra que, praticado o primeiro crime, ficaram criadas condições que favoreceram e facilitaram a repetição das condutas posteriores, tornando sucessivamente menos exigível que os arguidos se tivessem abstido dos novos actos criminosos. Não existe considerável diminuição da culpa quando os arguidos, de forma cada vez mais censurável, intentaram nova actividade, removendo novos obstáculos. Na apreciação conjunta dos factos estamos longe dos pressupostos que no art. 30º n.2 do Código Penal configuram o crime continuado. 10.- Medida da Pena Por último consideram que o tribunal lhes impôs uma pesadíssima pena de prisão e também errou pelo exagero na medida cumulada das penas aplicadas, não dando sequer a oportunidade aos arguidos de verem as suas penas suspensas nas sua execução, em especial tendo em conta as novas perspectivas e fundadas expectativas criadas pelo projecto de revisão do Código Processo Penal actualmente em liça. Para sustentar a reformulação da pena aplicada os arguidos, citando o profº Figueiredo Dias, apelam para razões de ordem preventiva. Ora, é precisamente na ponderação de todas as determinantes de ordem preventiva, depois de percorrer todas as circunstâncias previstas no art. 71º do Código Penal que o tribunal recorrido encontrou a pena em concreto. Em jeito de conclusão considera que o caso reclama consideráveis exigências de prevenção geral, sendo ponderosas as determinantes de socialização. A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar ( – Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pags. 74 e ss, citado em Acórdão da Relação de Porto de 9/2/05 in Base de Dados da DGSI). É a chamada prevenção geral positiva ou de integração, que dentro dos limites da medida da culpa determina a pena. Esta, em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. A pena não pode questionar a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Estes fins de defesa do ordenamento jurídico seriam postos em causa pela insistência numa simples pena não privativa da liberdade. Perante os factos ilicítos que nos são apresentados e a personalidade dos seus agentes, não há dúvida que o tribunal recorrido em estrita obediência ao disposto no art. 71º do Código Penal doseou correctamente as penas de prisão que se impunham ao caso. 11.- Violação do princípio da igualdade De forma implícita resulta da motivação e conclusões do recurso que os arguidos se consideram vítimas de tratamento desigual, quando comparadas as suas penas com a sanção que foi aplicada à arguida C.... E questionam como é possível, perante a matéria de facto dada como provada um tratamento tão desigual, quando já se tem defendido que o crime de receptação é tão ou mais grave que o de furto. A igualdade proclamada no art. 13º da Constituição da República Portuguesa é a igualdade perante a lei, dita por vezes igualdade jurídico-formal, e ela abrange, naturalmente quaisquer direitos e deveres na ordem jurídica portuguesa. O sentido positivo da norma consiste em : a) tratamento igual de situações iguais ( ou tratamento semelhante de situações semelhantes). b) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador. c) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação. d) tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei). e) consideração do princípio não como uma “ilha”, antes como princípio a situar no âmbito dos padrões materiais da Constituição( Confº anotação ao art. 13º da Constituição da República Portuguesa anotada por Jorge Miranda e Rui Medeiros.). No que ao direito penal respeita, o apelo à igualdade corresponde, em primeiro lugar, a um apelo à igualdade na protecção jurídica, de modo a que bens identicamente dignos de tutela penal merecem, em princípio, a mesma tutela. Esta lógica, todavia, não impõe uma identidade absoluta de medidas legais das penas, na medida em que à ilicitude material não é alheia a gravidade da violação do imperativo jurídico, a gravidade do desvalor da acção, a gravidade da violação do dever de cuidado e, em geral, outros critérios de punibilidade com relevância político-criminal. Não há, deste modo, um princípio de idêntica punição de lesões de bens jurídicos do mesmo valor, na ordem axiológica constitucional. A isso se opõe a lógica da carência de protecção penal, que exprime a tradicional natureza subsidiária do direito penal. O direito penal não é o único nem o primeiro meio de protecção de bens jurídicos, mas a ultima ratio da política social. A relevância do princípio da igualdade como critério de constitucionalidade das medidas legais das penas é, consequentemente, filtrada por uma complexa teia de condicionantes que impedem nivelações de sanções com base em abstractos juízos de valor orientados apenas pela importância objectiva dos bens jurídicos protegidos( Neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional nº 958/96 na Base de dados do Tribunal Constitucional). De onde se conclui que sendo o crime de furto distinto do crime de receptação, não viola o princípio da igualdade o enquadramento normativo que atendendo às lógicas de política criminal os distinga. Como também não viola este princípio a sentença que em concreto aplique uma pena mais suave para o crime de receptação ou que, atendendo às especificidades do caso e outros critérios de ordem preventiva pontualmente puna o crime de receptação com maior gravidade. Como vem referido, tanto na fixação da pena em abstracto como na pena em concreto para realidades distintas entram em consideração todas as circunstâncias que as distinguem. Por isso não tem sentido a abstracção alegada pelos recorrentes de que o furto é tão grave como a receptação. Pontualmente até pode ser, mas para temperar essa desconformidade entram em campo critérios de proporcionalidade e adequação. No nosso caso não há seguramente violação do princípio da igualdade. Termos em que acorda negar provimento do recurso. Custas pelos recorrentes – fixando a taxa de justiça em 6 UC.